Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01062/08.8BEPRT 0404/18
Data do Acordão:12/06/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:MILITAR
PASSAGEM À RESERVA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário:I - Prescrevendo a lei, no art. 90º, nº 2 do CPTA, na redacção anterior a 2015, que os requerimentos de produção de prova sobre certos factos podem ser indeferidos, mediante despacho fundamentado, a omissão de um despacho a indeferir expressa e fundamentadamente a prova testemunhal requerida constitui uma irregularidade.
II - Se esta irregularidade cometida não influi no exame ou na decisão da causa, não determina a anulação de quaisquer actos subsequentes, nomeadamente a sentença proferida pelo TAF do Porto, nos termos previstos nos nºs 1 e 2 do art. 195º do CPC
III - Nos termos do art. 266º, nº 2 e 13º da CRP e 5º, nº 1 do CPA 91, deve ser observado pela Administração o princípio da igualdade em toda a sua actividade.
IV - Do teor do art. 5º, nº 1 do CPA resulta que o seu alcance é evitar o tratamento discriminatório de diferentes particulares. Mas o facto de a Administração adoptar uma determinada conduta perante um particular não gera a obrigatoriedade de a adoptar sempre no futuro, se vier a concluir que a primeira conduta foi ilegal, visto que não há igualdade na ilegalidade.
Nº Convencional:JSTA00071012
Nº do Documento:SA12018120601062/18
Data de Entrada:05/24/2018
Recorrente:MARINHA DE GUERRA PORTUGUESA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO DO TCA NORTE
Decisão:CONCEDE PROVIMENTO
Área Temática 1:PROCESSO ADMINISTRATIVO
Legislação Nacional: Art. 90º, nº 2 do CPTA, nºs 1 e 2 do art. 195º do CPC, art. 266º, nº 2 e 13º da CRP e 5º, nº 1 do CPA 91
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório
A…………, propôs junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, acção administrativa especial conexa com actos administrativos contra a Marinha Portuguesa, formulando os seguintes pedidos:
a) anulação do acto administrativo praticado em 1 de fevereiro de 2008 pelo VALM superintendente dos Serviços de Pessoal por Delegação do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada;
b) condenação do Réu a reconhecer-lhe a sua pretensão de passagem à situação de reserva com efeitos a 31 de março de 2008, em substituição do acto anulado.

O Réu deduziu articulado superveniente requerendo a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, por ter sido deferida a pretensão do Autor de ser abatido aos quadros permanentes da Marinha, com efeitos a partir de 1 de Outubro de 2008.
Por despacho de fls. 253/254 julgou-se parcialmente extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, prosseguindo os autos apenas para efeitos de apreciação da pretensão impugnatória formulada.

Por sentença datada de 26 de Dezembro de 2011, foi julgada procedente a referida acção administrativa e anulado o acto impugnado por preterição de audiência prévia e por ofensa do princípio da igualdade.

Marinha Portuguesa representada pelo Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN) que negou provimento ao recurso, por acórdão proferido em 15 de Dezembro de 2017.

O MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL - MARINHA PORTUGUESA notificado deste acórdão e dele discordando recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo apresentando alegações com o seguinte quadro conclusivo:
A. Em causa está o douto acórdão de 15.12.2017, do TCA Norte proferido sobre o recurso interposto da douta sentença, de 26.12.2011 do TAF do Porto, que manteve a decisão de 1ª instância.
B. Constituindo o objeto do presente recurso de revista o julgamento sobre a omissão de pronúncia sobre a produção de prova testemunhal requerida e consequentemente sobre a verificação do vício de violação do princípio da igualdade do ato impugnado e anulado concretamente o ato de indeferimento de pedido de passagem à reserva praticado pelo Vice-Almirante Superintendente dos Serviços de Pessoal de 01.02.2008.
C. O acórdão recorrido, fere, a nosso ver, princípios estruturantes da nossa ordem jurídica concretamente o princípio Iegalidade (artigo 6.º do CPTA) o princípio pro actione (artigo 7.º CPTA) e o princípio da verdade material (n.º 3 do artigo 90.° do CPTA).
D. O venerando tribunal de 1.ª instância caso tivesse ordenado produção de prova, a decisão teria sido proferida em sentido diverso especificamente quanto à violação do princípio de igualdade no caso concreto, assim como, a decisão recorrida teria matéria factual que lhe permitiria decidir de forma distinta.
E. Considerando que o tribunal a quo manteve a sentença proferida, a sua decisão consolidou na ordem jurídica uma situação de «igualdade na ilegalidade», com clara violação dos princípios da legalidade e da verdade material.
F. Daí ser necessário, no âmbito da presente revista, que o venerando STA se pronuncie sobre a omissão de pronúncia sobre a produção de prova testemunhal requerida, e consequentemente sobre a violação do princípio da igualdade, do ponto de vista da manutenção do equilíbrio processual das partes e da efectiva aplicação da lei.
G. O entendimento que vier ser perfilhado pelo STA quanto a esta última matéria, será da maior importância para os operadores judiciários e administrativos porquanto estamos perante um exemplo paradigmático da igualdade na ilegalidade cujo julgamento foi comprometido por falta de produção de prova.
H. Assim, caso venha a ser admitida a presente revista, o venerando STA poderá clarificar em que medida a omissão de formalidade prevista para a produção de prova em 1.ª instância pode influir no julgamento da causa e na existência de erro e da mesma forma quanto a decisões dos tribunais superiores relativamente à aplicação do princípio da verdade material.
I. Além de poder apreciar em que medida o princípio da igualdade se aplica quando a Administração, em ato aparentemente discricionário, se autovincula a orientações internas e não as segue estritamente, criando interpretações distintas quanto ao princípio da legalidade e como no caso concreto situações em que se protege o princípio da igualdade na ilegalidade.
J. Sendo questões que assumem particular importância do ponto de vista jurídico sobretudo processual e administrativo, razão pela qual deverá entender-se estar preenchido o pressuposto da admissibilidade da presente revista, nos termos do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.
K. O n.° 3 do artigo 90.º do CPTA, estabelece que existe a possibilidade de indeferimento de requerimento de produção de prova, desde que a produção de prova seja considerada desnecessária, e esse indeferimento seja fundamentado.
L. Mas, o tribunal de 1.ª instância nem indeferiu o requerimento, nem marcou a realização de audiência de julgamento para a inquirição das testemunhas arroladas não permitindo à Recorrente pronunciar-se em tempo sobre o conteúdo, ou falta dele do despacho saneador tendo podido fazê-lo apenas em sede de recurso da sentença proferida.
M. Posto isto, a falta de inquirição das testemunhas arroladas, considerando o exposto nos artigos 87.º e 91.º do CPTA constitui uma nulidade processual prevista no artigo 195.° do CPC aplicável por força do artigo 1.º do CPTA.
N. Nestes termos, a preterição de uma formalidade que esteja dependente de decisão judicial deve conduzir à anulação da decisão final especialmente quando a omissão se repercute na decisão da causa, o que sucedeu no presente caso.
O. Indo no mesmo sentido, o voto de vencido no douto acórdão recorrido, do Venerando Desembargador Rogério Martins.
P. Pois claramente se depreende da decisão recorrida, que a falta da inquirição de testemunhas levou a que o julgamento da matéria de facto fosse afetada, vício que se repercutiu no restante processado.
Q. Desta forma, a sentença padece do vício de erro de julgamento com a consequência prevista da anulação da decisão final, pelo facto de a omissão da prova testemunhal se ter repercutido na decisão nos termos do n.º 2 do artigo 195.º do CPC, assim como o acórdão recorrido cai no mesmo erro de julgamento por falta de produção de prova e de incorreta apreciação dos factos concretos.
R. Sobre o erro de julgamento em concreto, o EMFAR na alínea b) do artigo 152.º, prevê que pode passar à reserva o militar que «b) Tenha 20 ou mais anos de serviço militar, a requeira e lhe seja deferida» não se tratando de um direito irrestrito cujo deferimento é deixado na discricionariedade dos ramos das Forças Armadas.
S. Por se considerar imperiosa a existência de uma adequada e correta interpretação destas matérias, para ponderar as opções individuais dos militares e para uma ajustada decisão sobre as mesmas, a Marinha, através de Despacho do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) de 16 de dezembro de 2005 criou um conjunto de orientações para o eventual deferimento das pretensões dos militares ao abrigo da transcrita.
T. Existiu, consequentemente, uma autovinculação da Marinha a estes critérios por si criados, tendo sido estes os usados para aferir da viabilidade do pedido de passagem à reserva apresentado pelo Recorrido e dos restantes pedidos no mesmo sentido.
U. O Recorrido não preenchia o último requisito previsto no Despacho difundido, especificamente por existir um défice superior a 5% na relação de existências disponíveis e necessidades totais da Marinha, quanto ao seu posto e especialidade.
V. Assim, o indeferimento do seu pedido foi legal e vinculado pelos critérios aplicados a todos os casos de passagem à reserva.
W. No entanto, relativamente ao caso, do CFR B…………, militar que também solicitou a passagem à reserva na mesma altura que o Recorrido, o seu pedido foi deferido embora este também não cumprisse com o mesmo critério em falta ao Recorrido.
X. Apesar desta decisão sobre o seu requerimento ter sido legal aos olhos do EMFAR, não cumpriu com todos os requisitos internos, requisitos pelos quais todos os restantes militares nas mesmas condições foram apreciados.
Y. O que nos leva à conclusão de que nenhum dos militares em questão, reunia as condições de passagem à reserva, previstas no Despacho do Almirante CEMA de 2005.
Z. São essas circunstâncias que deviam ter sido apreciadas em sede de produção prova, dado que, as testemunhas arroladas consistiam nos Oficiais que à data tratavam dos processos de passagem à reserva, por estarem a prestar serviço na Direção de Pessoal.
AA. Neste contexto, não foi produzida prova que seria essencial para apurar os contornos do caso do Recorrido e do CFR B………… especificamente o procedimento concreto de passagem à reserva nos termos da alínea b) do artigo 152.º do EMFAR e o grau de discricionariedade existente para a decisão não esquecendo a existência de orientações internas vigentes e aplicáveis ao caso concreto.
BB. Considerando o exposto o facto de a Marinha não ter seguido o normativo interno no caso do CFR B…………, não significa que fica vinculada a decidir de forma semelhante todos os requerimentos apresentados nos mesmos termos alheando das orientações internas e do sentido da decisão dada aos restantes requerimentos apresentados com a mesma intenção.
CC. Pois não há igualdade na ilegalidade.
DD. Assim em sede do uso de poderes vinculados, mesmo que se trate de uma autovinculação impera o princípio da legalidade a que a Administração se encontra adstrita (art. 266.º n.° 2 da CRP. art. 3.° do CPA).
EE. Existindo um erro de julgamento do acórdão recorrido.

Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas doutamente suprirão deve o presente recurso de revista ser admitido revogando-se a douta sentença recorrida.
Termos em que se fará costumada e sempre brilhante JUSTIÇA.

Por Acórdão proferido em 3 de Maio de 2018, pela formação a que alude o art. 150º, nº 5 do CPTA, este Supremo Tribunal Administrativo admitiu o recurso de Revista, por o acórdão recorrido não ter abordado a questão do princípio da igualdade, na perspectiva de que “…, não há igualdade na ilegalidade” – conclusões BB e CC desta revista. Sendo que este aspecto da questão tinha sido colocado ao TCAN na conclusão 34º, “mas não foi expressamente ponderado. Daí que, estando em causa a delimitação de um princípio fundamental e uma decisão que se desvia do entendimento tradicional, se justifique a admissão do recurso com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito.” – cfr. fls. 431 a 433.

Notificado nos termos do art. 146º, nº 1 do CPTA, o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal não emitiu parecer.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os Factos
No acórdão recorrido foi fixada a seguinte matéria de facto:
i) Em 01 de Outubro de 2007, o Autor requereu, junto do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada, a passagem à situação de Reserva no mês de Dezembro de 2007, ao abrigo do artigo 152°, n° 1, alínea b), do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (doravante apenas designado de EMFAR), aprovado pelo Decreto-Lei n° 236/99, de 25 de Junho com as sucessivas alterações, conforme emerge da análise de fls. 133 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
ii) Na sequência da apresentação desse requerimento, foi elaborada, pelo Chefe da Repartição de Oficiais Interino, a Informação n° 562/ECN, de 15 de Outubro de 2007, que faz fls. 134 a 136 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
iii) Sobre a informação referida em ii) foi exarado despacho do Contra-almirante Director do Serviço de Pessoal, de 16 de Outubro de 2007, do seguinte teor: “1. Atento ao exposto em 4. e 5. considero ser de indeferir o requerido. 2. À consideração superior.”, conforme emerge da análise de fls. 134 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
iv) Sobre a aludida informação, foi ainda exarado despacho pelo Vice-Amirante Superintendente do Serviço de Pessoal, (VALM SSP), por delegação de competências do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada, em 17 de Outubro de 2007, do seguinte teor:
“Despacho no requerimento”, conforme emerge da análise de fls. 134 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
v) No requerimento apresentado pelo Autor, foi, em 17 de Outubro de 2007, proferido despacho pelo Vice-Almirante Superintendente dos Serviços de Pessoal, por delegação do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada, do seguinte teor: “Indefiro, porque o requerente não satisfaz os critérios definidos para consideração de eventual passagem à situação de Reserva e porque existe um défice considerável de oficiais no seu posto e classe”, conforme emerge da análise de fls. 133 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
vi) O despacho em iv) foi na Ordem de Pessoal 1 (OP 1) n° 81, de 18 de Outubro de 2007, conforme emerge da análise de fls. 137 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
vii) Em 31 de Dezembro de 2007, o Autor reiterou o pedido de autorização para a sua passagem à situação de Reserva, nos termos da alínea b), n° 1, do artigo 152°, do EMFAR, através de requerimento dirigido ao Almirante CEMA, conforme emerge da análise de fls 138 e 139 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
viii) Na sequência desse requerimento, foi elaborada a Informação n° 12/ECN, de 29 de Janeiro de 2008, do Chefe da Repartição de Oficiais, que faz fls. 140 a 143 dos autos, aqui dada por integralmente reproduzida.
ix) Na Informação nº 12/ECN, de 29 de Janeiro de 2008, refere-se que: “(…) b) Através do despacho exarado em 27MAR2007, pelo CALM DSP, de acordo com a orientação VALM SSP (...) foram mantidos os seguintes critérios para eventual deferimento dos pedidos de passagem à reserva nos termos da alínea b) do n°.1 do artigo 152° do EMFAR (...):
3.A (1) tenham reunido as condições estatuídas na referida alínea;
3.A (2) tenham, no, mínimo, 30 anos de tempo de serviço militar;
3.A (3) manifestem disponibilidade para prestar serviço efectivo na situação de reserva.
3.A (4) nas classes em que pertencem, no conjunto dos postos aplicáveis, não venham a ocorrer, em consequência das suas passagens à reserva, défices superiores a 5% na relação de “existências disponíveis” e “necessidades totais da marinha”.
(…)
5. Sobre os critérios explanados na referência b) refere-se o seguinte:
a) O oficial requerente, em 31 de Março de 2008, satisfaz os critérios 3.A (1) e (2).; b) em relação ao critério 3.A (3), (...) o CFR A………… reitera a sua total disponibilidade para prestar serviço efectivo na situação de reserva, embora essa disponibilidade não seja imediata; Relativamente ao critério 3.A (4 (...) no conjunto dos postos da classe da Marinha existe um défice superior a 5% (7,4% correspondente a 40 oficiais em 540) [sendo que] se considerada apenas a situação dos oficiais de posto de CFR da classe da Marinha existe actualmente um défice de 5,3% (correspondente a 7 oficiais em 131) [nota de rodapé nº. 1]”.
x) Sobre a informação referida em vii) foi exarado despacho do Contra-almirante Director do Serviço de Pessoal, de 31 de Janeiro de 2008, do seguinte teor: ‘1. Atento ao exposto em 4. e 5. considero ser de indeferir o requerido. 2. À consideração superior. “, conforme emerge da análise de fls. 140 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
xi) Sobre a aludida informação, foi ainda exarado despacho pelo Vice-Almirante Superintendente do Serviço de Pessoal, (VALM SSP), por delegação de competências do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada, em 01 de Janeiro de 2008, do seguinte teor:”1. Despacho no requerimento, 2. O Sr. Comandante A………… deve ser convocado à RO e informado da situação deficitária em que se encontra a classe de Marinha, a qual não corresponde, minimamente, ao que afirma no seu requerimento”, conforme emerge da análise de fls. 140 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
xii) No requerimento apresentado pelo Autor foi, em 01.02.2008, exarado despacho pelo VALM SSP, do seguinte teor: “Indefiro, porque se continua a manter um défice significativo de oficiais na sua classe, não apenas no seu posto mas igualmente no conjunto dos postos de CFR e CTEN e mesmo no conjunto de todos os oficiais superiores”, conforme emerge da análise de fls. 138 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
xiii) Em 12 de Fevereiro de 2008, foi publicado na OP1 n° 11, o despacho de 01 de Janeiro de 2008, proferido pelo VALM SSP, que indefere o pedido do Autor para passagem à situação de reserva, conforme emerge da análise de fls. 144 a 145 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
xiv) Em 13 de Março de 2008, o Autor interpôs recurso hierárquico dirigido ao Almirante CEMA do despacho de indeferimento proferido pelo VALM SSP, de 01 de Fevereiro de 2008, conforme emerge da análise de fls. 147 a 154 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
xv) Dá-se por reproduzido todo o teor dos documentos que integram os autos.

3. O Direito
O acórdão recorrido, do TCAN, proferido sobre o recurso interposto da sentença do TAF do Porto de 26.12.2011, manteve esta decisão que julgou procedente a acção administrativa especial intentada e, consequentemente, anulou o acto de indeferimento do pedido de passagem à reserva formulado pelo aqui recorrido, praticado pelo Vice-Almirante Superintendente dos Serviços de Pessoal, por preterição da audiência de interessado e por violação do princípio da igualdade.
Na presente revista, o Recorrente defende que o Tribunal de 1ª instância incorreu em nulidade processual prevista no art. 195º do CPC, aplicável por força do art. 1º do CPTA, ao não ter indeferido a inquirição das testemunhas arroladas (ou designado audiência de julgamento para essa inquirição), considerando o exposto nos artigos 87º e 91º do CPTA, o que constitui a preterição de uma formalidade que está dependente de decisão judicial devendo conduzir à anulação da decisão final especialmente quando a omissão se repercute na decisão da causa, o que teria sucedido no presente caso, tendo incorrido o acórdão recorrido em erro de julgamento ao assim não entender.
Alega, igualmente, que existe erro de julgamento do acórdão recorrido quanto ao que decidiu com respeito à verificação de violação de lei por desrespeito do princípio da igualdade.

As questões a decidir são, portanto, e apenas a de saber se ocorreu a nulidade processual e quais as suas consequências e se há erro de julgamento na aplicação do princípio da igualdade, não vindo questionado o decidido quanto à preterição de audiência do interessado (art. 100º e seguintes do CPA).

Vejamos.
Resulta dos autos que a fls. 254/255 o Senhor Juiz do TAF do Porto proferiu despacho saneador, determinando, seguidamente, sem mais, que fosse dado cumprimento ao disposto no art. 91º, nº 4 do CPTA. Após a apresentação das alegações proferiu sentença.
No entanto, apesar de as partes terem arrolado testemunhas – o Autor em requerimento de fls. 189 a 193 e o Réu na sua contestação, a fls. 131-, nada disse sobre a prova testemunhal requerida.
Não considerou, portanto, ser de determinar um período de produção de prova, nos termos e para os efeitos do art. 87º, nº 1, al. c) do CPTA (na redacção anterior a 2015, aplicável ao caso).
Prescreve o art. 90º, nº 2 do CPTA (haverá lapso do Recorrente na indicação do nº 3 do art. 90º), o seguinte: “O juiz ou relator pode indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova quando, o considere claramente desnecessário, sendo, quanto ao mais, aplicável o disposto na lei processual civil no que se refere à produção de prova.
Por sua vez, o art. 195º, nº 1 do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do CPTA, prevê que a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa, sendo que se um um acto tiver de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente (nº 2 do art. 195º do CPC).
No caso presente, prescrevendo a lei que os requerimentos de produção de prova sobre certos factos podem ser indeferidos, mediante despacho fundamentado, não há dúvida de que a omissão de um despacho a indeferir expressa e fundamentadamente a prova testemunhal requerida (certamente por se ter considerado esta claramente desnecessária) constitui uma irregularidade. Só que esta irregularidade cometida não influi no exame ou na decisão da causa.
Com efeito, a prova documental produzida nos autos e a admissão pelo aqui Recorrente das circunstâncias em que foi deferido o pedido de passagem à reserva do Capitão-de-fragata (CFR) B………… (cfr. arts. 112 a 116 da contestação), único dos militares indicados na petição inicial que estaria numa situação semelhante à do Autor (como este também acaba por admitir), permitia aferir da violação, ou não, do princípio da igualdade, como o fez a sentença de 1ª instância (se bem ou mal não importa agora), sem recurso a prova testemunhal.
Assim, embora tenha existido a irregularidade invocada, esta, ao não influir no exame ou na decisão da causa, não determina a anulação de quaisquer actos subsequentes, nomeadamente a sentença proferida pelo TAF do Porto, nos termos previstos nos nºs 1 e 2 do art. 195º do CPC, improcedendo, nesta medida, as conclusões K a Q do recurso.

Alega ainda o Recorrente que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento quanto à violação do princípio da igualdade.
Transcrevendo a decisão de 1ª instância sobre a situação do CFR B………… em comparação com a do aqui Recorrido, por ser a única onde existia identidade normativa com esta, escreveu-se no acórdão recorrido: “A este propósito, verifica-se que o pedido de passagem à situação de reserva em Setembro de 2007 efectuado pelo CFR B………… foi deferido em 30 de Setembro de 2007 [cfr. Op nº. 76/02/2007, que faz fls. 54 e seguintes dos autos].
Verifica-se ainda que existia na altura em défice superior a 5% no conjunto dos postos aplicáveis à classe [cfr. informação nº 562/ECN, de 15 de Outubro de 2007, e informação nº 12/ECN, de 29 de Janeiro de 2008], o que, aliás, resulta expressamente admitido pela entidade demandada [cfr. artigo 113º da contestação].
No quadro jurídico enunciado, é evidente a situação de desigualdade invocada nos autos.
Na verdade, o Capitão-de-Fragata B………… encontrava-se em posição idêntica à do Autor, na medida em que também ele não cumpria o critério explicitado no ponto 3.A (4) da aludida informação nº 12/ECN, de 29 de Janeiro de 2008, agora transcrito: “nas classes em que pertencem, no conjunto dos postos aplicáveis, não venham a ocorrer, em consequência das suas passagens à reserva, défices superiores a 5% na relação de “existência disponíveis” e “necessidades totais da marinha”.
Não obstante, o seu pedido de passagem à reserva foi deferido; contrariamente ao do Autor que foi indeferido.
Ora, tal desigualdade não pode aceitar-se”. Corroborando este entendimento de que a desigualdade verificada não era admissível, o acórdão recorrido julgou verificada a violação do princípio da igualdade.

Este juízo não se mostra, no entanto, correcto.
Estavam em causa os requisitos para a passagem à reserva.

O EMFAR na alínea b) do artigo 152º, prevê que pode passar à reserva o militar que: “a) Atinja o limite de idade estabelecido para o respectivo posto;
b) Tenha 20 ou mais anos de serviço militar, a requeira e lhe seja deferida;
c) Declare, por escrito, desejar a passagem à reserva depois de completar 36 anos de tempo de serviço militar e 55 anos de idade;
d) Seja abrangido por outras condições legalmente estabelecidas.”.
Significa isto que o direito de passagem à reserva não é automático, podendo sofrer restrições, a determinar pelos ramos das Forças Armadas tendo em atenção o interesse público e as necessidades de pessoal de cada ramo.
No caso, a Marinha, através de Despacho do CEMA, de 16 de Dezembro de 2005, criou um conjunto de orientações para o eventual deferimento das pretensões dos militares ao abrigo da informação nº 626/ECN (cfr. doc. 10, fls. 155/158).
Existiu, consequentemente, uma autovinculação da Marinha a estes critérios por si criados, tendo sido estes os usados para aferir da viabilidade do pedido de passagem à reserva apresentado pelo Recorrido e dos restantes pedidos no mesmo sentido, sendo certo que tais critérios não sofrem contestação na presente acção.
Ora, o Recorrido não preenchia o último requisito previsto no referido Despacho, mais concretamente por existir um défice superior a 5% na relação de existências disponíveis e necessidades totais da Marinha, quando ao seu posto e especialidade.
Assim, o indeferimento do seu pedido foi legal e vinculado pelos critérios aplicáveis a todos os casos de passagem à reserva.
No entanto, relativamente ao caso do CFR B…………, militar que também solicitou a passagem à reserva na mesma altura que o Recorrido, o seu pedido foi deferido embora este também não cumprisse com o mesmo critério em falta ao Recorrido (como o próprio Recorrente admite).
Apesar desta decisão não ser ilegal de acordo com o preceito aplicável do EMFAR (o citado art. 152º), não cumpriu com todos os requisitos internos acima indicados, requisitos pelos quais todos os militares nas mesmas condições teriam que ser apreciados.
O que significa que nenhum dos militares em questão, reunia as condições de passagem à reserva, previstas no Despacho do Almirante CEMA de 2005, pelo que, em face das orientações internas vigentes e aplicáveis ao caso concreto, a que a Marinha se autovinculara, o requerimento do CFR B………… não deveria ter sido deferido (independentemente dos motivos por que o foi).
Ora, o facto de a Marinha não ter seguido o normativo interno no caso do CFR B…………, não significa que fica vinculada a decidir de forma semelhante outros requerimentos apresentados em circunstâncias fácticas semelhantes, desrespeitando as orientações internas a que se vinculou.
Com efeito, nos termos do art. 266º, nº 2 e 13º da CRP e 5º, nº 1 do CPA, deve ser observado pela Administração o princípio da igualdade em toda a sua actividade.
O art. 5º, nº 1 do CPA (em conformidade com o art. 13º da CRP), sobre tal princípio estabelece que: “Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
Do teor desta norma resulta que o seu alcance é evitar o tratamento discriminatório de diferentes particulares. Mas o facto de a Administração adoptar uma determinada conduta perante um particular não gera a obrigatoriedade de a adoptar sempre no futuro, pois pode vir a concluir que a primeira conduta foi ilegal, e não há igualdade na ilegalidade (cfr., entre outros, acórdãos deste STA de 25.02.99, rec. 37235, de 30.01.2003, rec. 01106/02, de 04.09.2014, proc. 0117/13 e de 29.11.2017, proc. 1440/03).
Ao que acresce que no presente caso a Marinha actuou no uso de poderes vinculados, mesmo que se trate de uma autovinculação, estando obrigada a observar o princípio da legalidade (art. 266º, nº 2 da CRP e art. 3º do CPA), perdendo, como tal relevância o princípio da igualdade.
Assim, verifica-se o erro de julgamento apontado ao acórdão recorrido, que é de revogar nessa parte.
Procede, consequentemente, o recurso, sendo de revogar o acórdão recorrido na parte em que julgou verificado o vício de violação de lei, por desrespeito do princípio da igualdade, mantendo-se quanto à nulidade arguida, embora com diferentes fundamentos e quanto à verificação da preterição da audiência prévia que não foi atacada na presente revista.

Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando parcialmente o acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrido.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2018. - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.