Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0796/16
Data do Acordão:02/09/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
EXECUÇÃO DE SENTENÇA ANULATÓRIA
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CURSO DE FORMAÇÃO
RECONSTITUIÇÃO DE CARREIRA
ANTIGUIDADE
Sumário:
Nº Convencional:JSTA00070020
Nº do Documento:SA1201702090796
Data de Entrada:09/12/2016
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL.
Legislação Nacional:CPTA02 ART175 N1 ART176 N2 ART173 N1 N2.
CCIV66 ART193 ART198 ART200.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A…………….., inconformado com a decisão proferida em 19 de Fevereiro de 2016, no TCAN, [que concedeu provimento ao recurso interposto pelo recorrido Ministério da Justiça da decisão proferida no TAF do Porto, no âmbito da presente acção administrativa especial intentada pelo autor, ora recorrente, A……………….. contra o Ministério da Justiça], interpôs o presente recurso.

Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

«a) O acórdão recorrido deve merecer censura por parte da Suprema Instância, desde logo porque tal se mostra imprescindível a uma melhor aplicação do direito em face dos factos dados como provados;

b) Em causa está a desconsideração dos mais básicos princípios de direito administrativo, como sejam os princípios da igualdade, justiça e direito a uma tutela jurisdicional efectiva, num quadro de relações jurídicas de funcionalismo público;

c) O confronto dos factos carreados para o processo com o conteúdo da norma constante do art.º 173º do CPTA, em conjunção com os princípios referidos em b), levaria necessariamente a uma diversa decisão jurídica;

d) A questão suscitada pelo acórdão recorrido é também uma questão de maior relevância jurídica no âmbito de relações de funcionalismo público, e que seguramente já foi ou pode vir a ser colocada em casos em tudo semelhantes;

e) Está em causa saber se a aceitação de um acto cuja falta de eficácia retroactiva não é expressa, mas que, pela sua natureza e integração num quadro jurídico anulatório, tem de ter eficácia retroactiva, pode afastar, sem mais, o direito à reconstituição da actual situação hipotética, e, por isso, ou por causa disso, sempre que a Administração não retire consequência dessa natural eficácia retroactiva devem ou não ser os Tribunais a fazê-lo, dando assim protecção aos princípios da igualdade e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, constitucional e legalmente plasmados;

f) Em primeiro lugar, devia ter o acórdão recorrido avaliado se a aceitação de um acto, emitido num quadro de execução de sentença anulatória, tem ou não natureza retroactiva.

g) A aceitação de um acto de nomeação para a categoria de Inspector Estagiário, por parte do recorrente, nomeação essa que foi feita na sequência da frequência de um Curso em que o recorrente foi integrado de forma a dar cumprimento a uma sentença anulatória, mas que não era o Curso que este devia ter frequentado e concluído, e que só o foi porquanto o recorrente tinha sido ilegalmente afastado do seu Curso, consubstancia, ou não, um acto naturalmente retroactivo por força do regime que decorre dos art.º 128º, nº 1, alínea b), do CPA e artº 173º do CPTA, e dos princípios de igualdade, justiça e direito a uma tutela jurisdicional efectiva que estão ínsitos em tais normas?

h) Determinando-se, como se devia ter determinado, que o acto em causa era naturalmente retroactivo, como o são todos aqueles que sejam praticados num quadro de execução de sentença anulatória, então dever-se-ia ter concluído que o seu destinatário não tinha nem devia ter impugnado tal acto, nem que a sua falta de impugnação poderia afastar o direito que este tinha a uma total reconstituição da situação actual hipotética;

i) Acresce que, no caso concreto, o recorrente chegou mesmo a ser aditado, a posteriori, à lista de classificação do curso (37º) de que havia sido ilegalmente afastado, ainda que, depois, viesse a frequentar um outro curso, por razões que se prendem com uma impossibilidade lógica de frequentar o seu 37º Curso (já havia terminado), reforçando assim a convicção que apesar de frequentar o 39º Curso, ainda que não constasse da lista de admissão ao mesmo, estava a fazê-lo como se do 37º se tratasse, para todos os legais efeitos.

j) Por outro lado, deve fazer-se notar que, ao contrário do que depois vem a acontecer com a sua nomeação para Inspector de 1ª, o acto em que este é nomeado como Inspector Estagiário, no final da frequência do 39º Curso, não tem qualquer referência à data e ao curso em que tal nomeação produziria os seus efeitos, reforçando assim a ideia de que naturalmente este iria produzir efeitos que retroagiam à data em que os seus camaradas do 37º curso – que era o “seu” curso – igualmente havia sido nomeados em tal categoria;

k) Só quando o recorrente é nomeado como Inspector de 1º, é que para este fica claro a ausência de eficácia retroactiva de todos os actos que a Administração praticou em ordem a dar cumprimento à decisão anulatória, pois, em tal acto de nomeação, era expressa que a sua eficácia não retroagia à data em que todos os que havia frequentado o 37º Curso haviam sido nomeados nessa mesma categoria;

l) E é perante este expressa falta de eficácia retroactiva que o recorrente impugna então este acto de nomeação, impugnação esta, que dá origem à decisão da 1ª instância que justa e correctamente reconstitui a carreira do recorrente, decisão essa que depois vem a ser revogada pelo acórdão recorrido;

m) Em segundo lugar, e independentemente dessa questão, devia ainda ter o Acórdão recorrido ter aferido em que condições se pode considerar ter sido aceite um acto: ou seja, se se podia considerar que tinha existido uma verdadeira aceitação expressa ou tácita do acto de nomeação em Inspector Estagiário por parte do recorrente, tendo em conta as circunstâncias em que tal acto é praticado, e as circunstâncias em que se encontrava o seu destinatário, nomeadamente aferindo se este tinha condições de o recusar ou fazer qualquer reserva, ou mesmo se este estava em posição de entender o seu verdadeiro alcance, tendo em conta que estava convicto que apesar de estar em tese a finalizar o 39º Curso, na realidade era como se tivesse a finalizar o 37º, e, portanto, era como se tivesse a ser nomeado à data em que haviam sido nomeados os seus camaradas do 37º Curso.

n) O facto de ter sido aditado à lista de classificação do 37º Curso, apesar de ir frequentar o 39º Curso, e o facto de quando é colocado no 39º curso já ter uma idade superior aquela que era, nos termos da lei então em vigor, a idade permitida para ter acesso à Polícia Judiciária, criaram a absoluta convicção no recorrente que a frequência do 39º Curso era apenas formal, pois tudo se passava como se do 37º se tratasse;

o) Por outro lado, estando em causa o início de uma carreira da qual já tinha sido ilegalmente excluído, naturalmente que não podia correr o risco de não aceitar o acto, caso tivesse percebido que a Administração não lhe iria atribuir (reconhecer) eficácia retroactiva;

p) A jurisprudência desta mesma Suprema Instância, e a melhor doutrina jus-administrativa, são consensuais em determinar que aceitações realizadas em situações de necessidade ou premência não podem ter os efeitos preclusivos que a lei adjectiva lhes concede;

q) No presente caso devia o acórdão recorrido estar atento aos factos provados e concluir que um qualquer funcionário, colocado em situação idêntica, não podia deixar de aceitar o acto de nomeação, nem estava em condições de não o aceitar ou mesmo de o impugnar, caso se tivesse apercebido que a Administração não lhe havia dado a natural eficácia retroactiva.

r) Por outro lado, o quadro jurídico apresentado obrigava a que o acórdão recorrido tivesse ido mais além na busca da melhor solução de direito possível, ponderando se efectivamente a aceitação poderá ter os efeitos preclusivos que o acórdão lhe atribui, ou seja, se em face dos princípios da legalidade, igualdade, justiça e direito a uma tutela jurisdicional efectiva, a aceitação do acto pode significar uma renúncia a posição substantiva, nomeadamente do direito a uma reconstituição da situação actual hipotética, independentemente da eventual caducidade do direito de impugnação do acto, com tudo o que isso implica em sede de retroactividade dos actos praticados em função desse fim;

s) Ou seja, devia o acórdão recorrido ter ponderado se a eventual caducidade do direito a impugnar o acto, por aceitação do mesmo, como decorre do art.º 56º do CPTA, pode significar a extinção (por renúncia) do direito que os funcionários têm a serem colocados na situação actual hipotética, sempre que está em causa a execução de uma sentença anulatória proferida num quadro de relações jurídicas de funcionalismo público;

t) Salvo melhor entendimento, a aceitação de um acto enquadrado numa sequência de actos praticados em cumprimento do dever de reposição da situação actual hipotética, que decorre do art.º 173 do CPTA, e dos princípios da igualdade, justiça e direito a uma tutela jurisdicional efectiva, que fundamenta a existência de tal norma, não pode significar nem implicar o esvaziamento do dever de reconstituição da situação actual hipotética que recai sobre a Administração, nem o direito do funcionário a essa mesma reposição, a qual, para além de implicar a prática de vários actos e operações materiais, implica igualmente que tais actos e operações materiais tenham uma natureza retroactiva;

u) É de toda a relevância jurídica que a Suprema Instância determine qual a natureza de um acto de aceitação – os seus efeitos adjectivo e substantivos – sempre que tal acto é praticado num quadro de reconstituição da situação actual hipotética, imposta por força da execução de uma sentença anulatória emitida no âmbito de relações jurídicas de emprego público, designadamente se esta pode implicar a renúncia a posições substantivas a que o funcionário tem direito.

v) A jurisprudência que recair sobre este caso será inequivocamente importante para outros semelhantes, e, nessa medida, e também por isso, é da máxima importância que a Suprema Instância sindique o Acórdão recorrido e sindique as questões de direito ora suscitadas».


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O recorrido Ministério da Justiça deduziu contra alegações, que concluiu da seguinte forma:

«a) O presente recurso deverá ser liminarmente rejeitado, porquanto o mesmo não preenche os pressupostos exigíveis para a sua admissão;
b) O acórdão recorrido encontra-se devidamente estruturado; e
c) Não é portador de qualquer vício;
d) Encontrando-se, ainda, corretamente fundamentado, bem como o iter decisório;
e) Inexiste qualquer ilicitude e/ou falta de fundamentação nos atos sobre os quais incide o recurso;
f) Sendo que inexiste reconstituição que cumpra à Administração realizar;
g) Inexistem, ainda, questões com relevância jurídica ou social, ou de importância fundamental, e o recorrente não logrou demonstrar onde se torna necessário uma, eventual, melhor aplicação do direito».

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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artigo 150º do CPTA], proferido a 07.07.2016.

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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, não emitiu qualquer pronúncia.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
As instâncias deram como provados os seguintes factos:

«A) O A. candidatou-se ao concurso externo de ingresso para admissão de 100 candidatos ao curso de formação de agentes estagiários da Polícia Judiciária, aberto pelo Aviso nº 3941/2000, publicado no DR, 2ª Série, nº 51, de 01/03/2000;
B) O A. foi convocado para realizar as provas de conhecimentos, exame psicológico de seleção, exame médico de seleção e as provas físicas, nas quais obteve “boa classificação”;
C) O A. não foi notificado para a realização da prova de entrevista profissional de seleção;
D) Em 16.10.2002, o A. foi notificado para se pronunciar sobre um projeto de lista de classificação final atribuída pelo Júri onde o seu nome constava como “não aprovado” por ter faltado à entrevista;
E) Por despacho do Diretor Nacional Adjunto da PJ, de 19/11/202 foi homologada a referida lista de classificação final;
F) O A. interpôs recurso hierárquico da lista referida na alínea que antecede, o qual foi indeferido por despacho de 30/12/2002, do Senhor Secretário de Estado da Justiça;
G) O Autor interpôs recurso contencioso dessa decisão, tendo sido proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, em 24/05/2007, no processo nº 12828/03, que concedendo provimento ao recurso, anulou o ato impugnado e ordenou a designação de nova data para a realização da entrevista profissional de seleção – cfr. doc. de fls. 34 a 38 dos autos.
H) Em 19/12/2007 o A. realizou a prova de entrevista profissional de seleção, na qual obteve a classificação de 15 valores;
I) Pelo Aviso nº 2668/2008, publicado no DR, 2ª S, nº 24, de 04/02/08 “foi aditado o candidato A............, que fica posicionado em 44º lugar, com a classificação de 12.27 valores” – cfr. doc. de fls. 39 dos autos;
J) Por ofício de 08/03/2008, e por despacho de 14/03/2008 o Autor foi convocado para frequentar o 39º Curso de Formação de Inspetores Estagiários – cfr. doc. de fls. 44 dos autos;
J1) O Autor frequentou o aludido curso de formação, que terminou com aproveitamento, embora não constasse da lista de classificação final do concurso que deu acesso a esse 39.º Curso de Formação - cfr. doc. de fls. 40 a 43 dos autos;
K) Por despacho de 30/03/2009, emanado pelo Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 69, de 08/04/2009, o A. foi nomeado, em período experimental, após concurso, como Inspetor Estagiário da PJ, tendo subscrito o respetivo termo de aceitação em 17/04/2009 – cfr. doc. de fls. 46 e 47 dos autos.
L) Por Aviso nº 10636/2010, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 104, de 28/05/2010, foi publicitada a “…a lista de classificação final do Estágio, correspondente ao 39.º Curso de Formação de Inspetores Estagiários…”, na qual o Autor aparece integrado no 55º lugar – cfr. doc. de fls. 24 a 26 dos autos;
M) Por despacho de 31/05/2010, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 112, de 11/06/2010, foi “…declarado concluído o período experimental dos (…) Inspetores estagiários, ficando posicionados na categoria de Inspetor de escalão 1, com efeitos a partir de 17.04.2010 (…)” – cfr. doc. de fls. 27 e 28 dos autos;
N) A partir de 18/04/2010 o A. ingressou na categoria de Inspetor de Escalão 1;
O) Por despacho de 07/06/2010, emanado pelo Senhor Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, o Autor foi colocado na Diretoria de Lisboa e Vale do Tejo da Polícia Judiciária (DLVT) - cfr. doc. de fls. 29 a 33 dos autos;
P) O A. pretendia ter sido colocado no Porto, onde sempre residiu e onde tem a sua família, designadamente, a mulher e os filhos.
Q) Os candidatos admitidos no âmbito do concurso identificado em A) frequentaram o curso de formação de agentes estagiários nº 37;
R) Os referidos candidatos que concluíram com aproveitamento o referido curso de formação e o estágio, foram nomeados na categoria de Inspetor Escalão I, em 31/10/2003;
S) E passaram para o Escalão II em 01/03/2009.
T) A presente ação deu entrada neste Tribunal no dia 12 de outubro de 2010 - cfr.doc. de fls. 2 e 3 dos autos».

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2.2. O DIREITO
A presente acção administrativa especial visa a anulação do (i) ato de homologação da lista de classificação final do Estágio correspondente ao 39º Curso de Formação de Inspetores Estagiários, homologada pelo Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, e publicada em Diário da República de 28.05.2010; (ii) do despacho da Diretora da Unidade de Recursos Humanos e Relações Públicas da Polícia Judiciária, de 01/06/2010, publicado no Diário da República, II Série, nº 112, de 11.04.2010 e (iii) do ato constante do despacho do Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, de 07/06/2010, no qual se determina a colocação do A. na Diretoria de Lisboa e Vale do Tejo e, bem assim, a condenação da entidade demandada à adopção dos actos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se os atos anulados não tivessem sido praticados, dando cumprimento aos deveres a que não tenha dado cumprimento com fundamento no ato impugnado, designadamente, procedendo (iv) à nomeação do autor na categoria de Inspetor de Escalão 1, com efeitos desde 31 de Outubro de 2003, (v) à sua nomeação na categoria de Inspetor de Escalão 2, com efeitos desde 01 de Março de 2009, (vi) à sua colocação na Diretoria do Norte e (vii) à liquidação e pagamento das remunerações que deixou de auferir, acrescidas dos respetivos juros de mora à taxa legal em vigor.

O TAF do Porto concedeu provimento à acção, julgando-a procedente nos seguintes termos:

«I) Anulamos os atos impugnados com fundamento em vício de violação de lei; II) Condenamos a Entidade Demandada a proceder à nomeação do Autor na categoria de Inspetor de Escalão I, com efeitos reportados ao dia 31 de outubro de 2003; III) Condenamos a Entidade Demandada a proceder à nomeação do Autor na categoria de Inspetor de Escalão II, com efeitos reportados ao dia 01 de março de 2009; IV) Condenamos a Entidade Demandada a considerar a antiguidade do Autor por referência ao dia 31 de outubro de 2003 para efeitos da colocação do Autor na Diretoria do Norte da Polícia Judiciária; V) Condenamos a Entidade Demandada a pagar ao Autor as remunerações que o mesmo deixou de auferir desde o dia 31 de outubro de 2003 até ao dia 01 de março de 2009, por referência ao vencimento da categoria de Inspetor Escalão I em vigor durante esse período, acrescido dos respetivos juros moratórios à taxa legal em vigor desde a citação para a presente ação – 11.12.2010- até ao trânsito em julgado da presente decisão; VI) Condenamos a Entidade Demandada a pagar ao Autor as remunerações que o mesmo deixou de auferir desde o dia 01 de março de 2009, por referência ao vencimento da categoria de Inspetor Escalão II em vigor durante esse período, acrescido dos respetivos juros moratórios à taxa legal em vigor, desde a citação para a presente ação – 11.12.2010 - e até ao trânsito em julgado da presente decisão».

Por seu turno, o TCA Norte revogou a decisão do TAF por entender, em súmula, que contrariamente ao decidido, o autor/recorrente não tinha o ónus, mas sim a obrigação de impugnar o acto que o nomeou inspector estagiário em 30-03-2009, sem feitos rectroactivos; discordando da decisão do TAF que se fundamentou no entendimento de que aquela aceitação da nomeação como inspector estagiário não podia significar que a partir daquele momento aquele passou a considerar integralmente cumprido o acórdão do TCA Sul, ou seja, reconstituída a situação actual hipotética em que se encontraria não fora ter sido destinatário de um acto ilegal.

Assim, o acórdão recorrido afastou-se desta solução, referindo que:

«Naturalmente o autor poderia ter subscrito o termo de aceitação sem qualquer prejuízo para a sua pretensão, na medida em que, se ficasse inconformado com qualquer aspecto ou dimensão juridicamente relevante do acto de nomeação, designadamente ser incluído indiscriminadamente com todos os demais nomeados no mesmo regime, sem ser acautelada a sua situação específica mediante a determinação da eficácia retroactiva da sua nomeação à data em que foram nomeados os demais candidatos aprovados no concurso referido em A) da matéria de facto, tinha caminho aberto para impugnar o despacho de nomeação, datado de 30-5-2009. Sob pena de ver tal acto firmar-se na ordem jurídica por não exercício tempestivo do direito à sua impugnação, como sucedeu.”

E é contra este entendimento que o recorrente se insurge no âmbito da presente revista.

Vejamos:

E, antes de mais, enfrentemos uma primeira questão debatida nos autos, referente à forma do processo encontrada pelo autor/recorrente para deduzir a sua pretensão, sendo que a mesma, pese embora, se apresentar como uma acção administrativa especial de impugnação de actos e prática do acto devido, assume toda uma natureza executiva consubstanciada no decidido no Acórdão do TCAS em 24/05/2007, visando desta forma dar execução ao julgado anulatório.

Temos, pois, que o autor ao intentar uma acção executiva sob a forma de AAE, incorreu em erro na forma do processo [cfr. artº 193º do CC]; porém a nulidade resultante desta desconformidade não foi arguida atempadamente nem conhecida oficiosamente em devido tempo [cfr. artºs 198º e 200º do CC], pelo que tem de se considerar sanada.

E considerando-se sanada, esta sanação não afecta o pedido que efectivamente foi formulado, pois a forma do processo apenas define que actos processuais se realização para que o processo avance na direcção do seu termo, sendo insusceptível de comprimir ou afectar o pedido que vem formulado.

Daí que estejamos em condições de analisar a pretensão executiva, que é afinal a forma como se encontra equacionado o acórdão que admitiu a presente revista, «A divergência entre as decisões da primeira e segunda instância decorre da circunstância do acto que nomeou o autor como Inspector Estagiário em 30-3-2009 se ter, ou não consolidado na ordem jurídica, uma vez que não foi tempestivamente impugnado. Para responder a essa questão o TAF entendeu que a reconstituição da situação actual hipotética da situação jurídica do autor que viu anulado o acto que ilegalmente o excluiu da frequência de um estágio anterior, só se verificava se – uma vez obtido aproveitamento no estágio seguinte – o seu ingresso na carreira retroagisse os seus efeitos à data em que ingressaram os que frequentaram o estágio anterior. O TCA entendeu que o presente litígio (sobre o ingresso na carreira) deve ser desligado da execução do julgado anulatório. “Na verdade – diz o TCA Norte – a relação jurídica administrativa apreciada no acórdão do TCAS incidia sobre a não aprovação do ora autor e recorrido (…) na lista de classificação final de um concurso de ingresso para admissão de candidatos ao curso de agentes estagiários da Polícia Judiciária (…). Em suma incidia sobre a sua pretensão de ingressar na PJ. Ao passo que os presentes autos está em causa uma relação jurídica administrativa relativa à carreira do autor, obviamente depois de ingressado na PJ, estando impugnados actos concernentes ao seu posicionamento em termos de antiguidade na categoria de Inspector Estagiário e ao seu posicionamento, colocação e antiguidade na categoria de Inspector de Escalão I”».

Resulta dos autos, de forma inequívoca, que a questão apreciada pelo acórdão do TCA Sul constitui na não aprovação do ora autor/recorrente na lista de classificação final de um concurso de ingresso para admissão de candidatos ao curso de agentes estagiários da Polícia Judiciária (P.J.), ou seja, à sua pretensão a ingressar na PJ [o TCA Sul anulou o acto de não aprovação do ora autor/recorrente e determinou que lhe fosse designada nova para a realização da prova de entrevista].

Só que esta execução anulatória, que se iniciou espontaneamente por parte da Administração com a convocação do autor a realizar a prova de entrevista, não se completou, pois atendendo à natureza do curso em causa, formação, frequência e apuramento, não se mostrou suficiente aditar o nome do autor à lista dos candidatos do 39º curso – cfr. alínea I) dos factos provados – tudo se passando como se ele não devesse pertencer ao curso 37º de onde era oriundo.

Porém, o autor, como ele próprio alega e resulta dos autos, só quando foi confrontado com a sua nomeação no 39º curso, publicada em DR, em 11/07/2010 é que pôde constatar que a Administração não tencionava, afinal, executar integralmente o julgado anulatório.

Daí que, só então começasse a correr, para ele, o prazo de seis meses a que alude o nº 2 do artº 176º do CPTA [que aliás não terminara aquando da propositura da acção].

Com efeito, esse prazo de seis meses conta-se a partir do prazo de três meses, previsto para a execução espontânea (artº 175º, nº 1 do CPTA), sendo o sentido da norma o seguinte: o interessado deve executar nos seis meses seguintes ao momento em que sabe que a Administração não executará por sua iniciativa espontaneamente.

Logo, o artº 175º, nº 1, é susceptível de uma interpretação extensiva – para os casos de começo de execução, não ultimada – que faça contar os seis meses do momento em que seja seguro e certo que a execução, apenas parcial e espontaneamente iniciada, cessou. E trata-se de interpretação extensiva porque se visa estender, a outra espécie, a solução legal para uma espécie do mesmo género.

E assim sendo, fica sem efeito a tese adoptada no acórdão recorrido, quer quanto à suposta aceitação por parte do recorrente no que respeita ao acto que em 30/03/2009 o nomeou na categoria de Inspector Estagiário e, por conseguinte, da sua aceitação da nomeação integrada no 39º curso, pois como vimos, estando nós na sede do julgado anulatório, tal facto não o impede de vir agora pedir o seu posicionamento no 37º curso, que é afinal o curso em que entrou; igualmente, o facto de o autor ter frequentado o curso de formação no âmbito do 39º curso, e o facto do ingresso na carreira de investigação criminal se iniciar na categoria de inspector estagiário, também não coloca em causa a posição que vimos defendendo, uma vez que o autor frequentou com aproveitamento esse curso de formação.

A não se entender assim, ficava esgotado o nº 1 do artº 173º do CPTA, pois a Administração ficava dispensada do dever de reconstituição da situação que existiria se o acto praticado não tivesse sido anulado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha tivesse cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado.

A Administração está pois obrigada a praticar actos dotados de eficácia retroactiva que não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, ou, se for adequado, remover, reformar ou substituir actos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação (nº 2 do artigo 173º).

Daí que não assista razão à entidade demandada quando sustenta que o acórdão anulatório proferido pelo TCAS foi integralmente cumprido com a realização da prova de entrevista profissional de selecção e com a integração do autor no 37º curso de formação, para inspectores estagiários, pois estes actos não são suficientes para colocar o autor na situação em que o mesmo estaria se não tivesse sido praticado o acto anulado, ou seja, a colocação do autor na situação em que se encontram os seus colegas que frequentaram o 37º curso de formação.

Com efeito, e como bem se refere na decisão de primeira instância, uma vez concluída a frequência do curso de formação, com aproveitamento, como sucedeu, impunha-se à entidade demandada que a nomeação do autor na categoria de Inspector Escalão I, tivesse sido efectuada com efeitos retroagidos a 31/10/2003, ou seja, com efeitos à data em que os demais candidatos admitidos que frequentaram o 37º curso foram nomeados na categoria de Inspector Escalão I, bem como ser nomeado na categoria de Inspector Escalão II, com efeitos reportados ao dia 01/03/2009, data em que, novamente aqueles seus colegas do 37º curso ascenderam a essa categoria.

Assim, é evidente que quer o acto de homologação da lista de classificação final do Estágio correspondente ao 39º curso de formação para Inspectores Estagiários proferido pelo Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, na qual o autor foi integrado em 55ª posição, quer o despacho pelo qual o autor foi posicionado na categoria de Inspector Escalão I, com efeitos a partir de 17/04/2010, sofrem de invalidade, por violação de lei, pelo facto da entidade demandada não ter tido em conta a antiguidade do autor, resultante do facto de tudo ter de se passar como se o autor tivesse frequentado o referido 37º curso, por força da execução do acórdão anulatório proferido no TCAS.

De facto, concluído o 39º curso, a entidade demandada deveria ter tido em consideração que, tal aproveitamento em termos de antiguidade teria de se repercutir não no 39º curso, mas no 37º, pois o autor era oriundo deste último, pelo que, o autor ao ter sido colocado na 55ª posição do 39º curso viu passarem-lhe à frente todos os colegas que o antecediam nessa lista, quando o mesmo deveria estar antes de todos eles, independentemente da sua classificação, pois como supra já se esclareceu, caso o autor tivesse frequentado o 37º de curso de formação, teria sido nomeado como Inspector Escalão I em 31/10/2003, estando na categoria desde essa data e no Escalão II, com efeitos a 01/03/2009.

Esta não contagem de antiguidade gera ainda uma diferença remuneratória, nos termos peticionados pelo autor, entre si e os seus colegas inspectores que frequentaram o 37º curso, os quais como resulta da factualidade provada foram nomeados na categoria de Inspector, Escalão I em 31/10/2003, tendo passado para o Escalão II em 01/03/2009, enquanto que o autor só foi nomeado na categoria de Inspector Escalão I em 17/04/2010; tais diferenças de antiguidade, significam que o autor aufere desde o 18/04/2010 o vencimento correspondente ao Escalão I, quando os inspectores que frequentaram o 37º curso auferem esse vencimento desde o dia 31/10/2003, auferindo também desde o dia 01/03/2009 o vencimento correspondente ao Escalão II.

Tem, pois, também, o autor direito a que seja nomeado no Escalão II com efeitos a 01/03/2009 data em que os inspectores que frequentaram o 37º curso passaram para esse escalão e que sejam apuradas e pagas ao autor as retribuições em falta, correspondentes a esse Escalão II, desde o dia 01/03/2009 até ao dia 18/04/2010 e apurado o diferencial remuneratório entre o escalão I e o escalão II, desde o dia 18/04/2010 até ao trânsito em julgado da presente decisão.

Questão diferente é qual a posição em que o autor deve posicionar-se no 37º curso e se poderia escolher o local onde pretendia, preferencialmente, exercer funções, dado que a presente acção não se mostra dirigida contra os colegas do 37º curso, pelo que, só por aqui, nunca poderia prejudicar o posicionamento de nenhum dos candidatos aprovados no 37º curso.

Logo, resta ao autor ser colocado no último lugar da lista de classificação final do 37º curso, assim se cumprindo nos estritos termos o julgado anulatório, padecendo de anulabilidade todos os actos sob impugnação que possuam conteúdos diferentes destes aqui gizados, pois embora não contrariem frontalmente o acórdão do TACS, mantêm, parcialmente, a solução geradora de ilegalidade.

Daí que, também o acto que colocou o autor em Lisboa é anulável.

Porém, reconstituída a carreira do autor nos termos supra referidos com o seu posicionamento no Escalão II, o Tribunal na ausência de outros elementos para além dos invocados pelo autor, não pode impor a sua colocação na Directoria do Norte, dado que um juízo desse tipo, ligado à gestão interna da Polícia Judiciária e que depende de dados que o Tribunal não possui, extravasa das consequências normais do julgado anulatório, as quais se referem a posicionamentos nas categorias e a progressões nos escalões – sendo-lhes estranhas quaisquer ordens acerca do tempo, modo ou lugar de cumprimento das funções.

Assim, face ao exposto e com a presente fundamentação, impõe-se a revogação do acórdão recorrido e a procedência parcial da presente acção, nos seguintes termos:

a) Anulam-se os actos impugnados;

b) Condena-se a entidade demandada a proceder à nomeação do autor/recorrente na categoria de Inspector de Escalão I com efeitos reportados ao dia 31 de Outubro de 2003;

c) Condena-se a entidade demandada a proceder à nomeação do autor/recorrente na categoria de Inspector de Escalão II, com efeitos reportados a 01 de Março de 2009;

d) Condena-se a entidade demandada a pagar ao autor as remunerações que o mesmo deixou de auferir desde o dia 31 de Outubro de 2003 até ao dia 01 de Março de 2009, por referência ao vencimento da categoria de Inspector Escalão I em vigor durante esse período, acrescido dos respectivos juros moratórios à taxa legal em vigor desde a citação [11/12/2010] até ao trânsito em julgado da presente decisão;

e) Condena-se a entidade demandada a pagar ao autor/recorrente as remunerações que o mesmo deixou de auferir desde o dia 01 de Março de 2009, por referência ao vencimento da categoria de Inspector Escalão II em vigor durante esse período, acrescido dos respectivos juros moratórios à taxa legal em vigor, desde a citação [11/12/2010] até ao trânsito em julgado da presente decisão.

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DECISÃO:
Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em:
- Conceder provimento ao recurso.
- Revogar o acórdão recorrido.
- Julgar a acção administrativa especial parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condenar a entidade demandada nos termos das supra constantes alíneas a) a e).

Custas a cargo do recorrente e recorrido, na proporção de 1/10 e 9/10, respectivamente.

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2017. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.