Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0501/12
Data do Acordão:10/24/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:IRS
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO
TERMO INICIAL
DILAÇÃO
NEGÓCIO SIMULADO
SIMULAÇÃO DE PREÇO
NULIDADE
Sumário:I - O art. 140º, nº 4, alínea a), do CIRS, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, estabelece um die a quo especial no prazo quer para a impugnação quer para a reclamação graciosa de actos de liquidação de IRS, de tal modo que o mesmo se conta a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação;
II - A referida dilação só tem justificação quando tais mecanismos sejam usados como meios de reacção directa e imediata contra o acto de liquidação, pelo que se o contribuinte optou por usar primeiro a reclamação graciosa, então se for proferida decisão na reclamação, o reclamante dispõe de 15 dias contados da notificação dessa decisão para deduzir impugnação, nos termos do nº 2 do art. 102º do CPPT;
III - Ainda que a notificação da liquidação adicional de IRS tenha sido pessoal, o que implica o respeito pelas regras da citação pessoal (art. 38º, nº 6, do CPPT), isso não significa que ao prazo para impugnar a liquidação de IRS haja de aplicar-se a dilação prevista na alínea a) do nº 1 do art. 252º-A do CPC, quando a notificação tenha sido efectuada nos termos do art. 240º do CPC, uma vez que as razões que levaram o legislador a conceder tal dilação no caso de citação não se verificam relativamente à notificação do acto tributário de liquidação, que ocorre, ou na sequência da declaração do contribuinte, ou no termo de procedimento em que este já teve oportunidade de participar;
IV - Os vícios do acto impugnado constituem, em regra, fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja essa forma de invalidade, nos termos do disposto nos arts. 133º, nº 1, e 135º do CPA;
V - No caso em apreço, a alegada errónea qualificação e quantificação da matéria colectável consubstanciada na inexistência de rendimento no exercício de 2003 e a simulação (do preço) do negócio subjacente à liquidação oficiosa não acarretam a nulidade nos termos dos mencionados preceitos.
Nº Convencional:JSTA000P14738
Nº do Documento:SA2201210240501
Data de Entrada:05/10/2012
Recorrente:A...... E OUTRO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I-RELATÓRIO

1. A……… E B………, com os sinais dos autos, impugnaram, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, a liquidação adicional de IRS relativa ao ano 2003, que foi julgada improcedente.

2.Não se conformando com tal decisão, A……… E B……… vieram interpor recurso, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentando as respectivas Alegações, com as seguintes Conclusões:
“A) A impugnação sub judice teve por objecto uma liquidação oficiosa de IRS e respectivos juros compensatórios do exercício de 2003.
B) Notificados dessa liquidação oficiosa de IRS, os recorrentes apresentaram reclamação graciosa.
C) Mediante oficio n.° 4150, datado de 28.04.2009, a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais notificou os recorrentes da decisão de indeferimento da reclamação, por carta registada com aviso de recepção, dirigida a ambos os impugnantes e ora recorrentes (vide fls. 193 e 194 do PA).
D) Sendo que o respectivo aviso de recepção foi assinado apenas pelo impugnante e ora recorrente B………, a 30.04.2009 (vide fls. 194 do PA).
E) Ainda assim, não se conformando com essa decisão, os recorrentes apresentaram a presente impugnação a 18.05.2009.
F) Ora, como resulta expressamente do disposto no n.° 4 do artigo 102° do CPPT, o teor do referido “... artigo não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias.”.
G) E de facto, dispõe-se no artigo 140°, n.° 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante designado CIRS) que: - “Os sujeitos passivos do IRS, os seus representantes e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem reclamar contra a respectiva liquidação ou impugná-la nos termos e com os fundamentos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário”
H) Por sua vez, no n.° 4, alínea a) da mesma disposição legal dispõe-se que: - “Os prazos de reclamação e de impugnação contam-se nos termos seguintes: -“ c) A partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação; ...”
I) Em face dos preceitos acima transcritos não restam dúvidas de que o prazo para impugnação judicial de uma liquidação de IRS, no caso de indeferimento de reclamação graciosa, como é o caso sub judice, é de 15 dias.
J) O problema que surge aqui é aferir qual o termo inicial desse prazo.
K) E, salvo melhor entendimento, parece-nos ser de concluir que esse prazo de 15 dias inicia-se a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
L) Com efeito, as várias alíneas do citado artigo 140° do CIRS, aplicáveis em sede de IRS por força da especialidade do seu objecto e da disciplina especial que consagram, constituem normas especiais e que afastam, sendo caso disso, a norma geral prevista no artigo 102° do CPPT (Nesse sentido vide, entre outros, acórdão deste STA, processo 0517/11, de 26.10.2011).
M) Por sua vez, conforme pacificamente reconhecido pela doutrina e jurisprudência, a reclamação graciosa de uma liquidação, e bem assim de uma liquidação de IRS, permite àqueles que a preferem e antes de discutir em juízo a legalidade da mesma, sujeitar a sua análise à própria Administração.
N) Sendo que a razão do aumento do prazo daí resultante é possibilitar a pronúncia da Administração, antes de submeter a questão aos tribunais, muitas vezes, desnecessariamente. O que é de louvar e incentivar.
O) Ou seja, o legislador quis claramente incentivar o recurso à reclamação graciosa, mediante alargamento de prazos, evitando-se assim o recurso obrigatório e imediato às instâncias judiciais, mediante procedimento de impugnação judicial.
P) Ora, reconhecendo-se a natureza e disciplina especial inerente ao IRS, que justificam o alargamento de prazos para reclamar graciosamente e para impugnar judicialmente, nos termos previstos no citado artigo 140° do CIRS;
Q) a bondade do próprio instituto da reclamação graciosa, tendo em vista o evitar o recurso aos meios judiciais,
R) mal se compreenderia que se entendesse que esse alargamento de 30 dias para a impugnação judicial previsto no artigo 140°, n.° 4, alínea a), do CIRS se aplicaria apenas no caso de não ter sido apresentada reclamação graciosa.
S) Isto é, que se aplicasse apenas às impugnações judiciais apresentadas após a notificação da liquidação de IRS, e não às impugnações judiciais apresentadas após a notificação de indeferimento de uma reclamação graciosa, como no caso em apreço.
T) Na verdade, a própria coerência e lógica do sistema impõe que se entenda que esse alargamento de 30 dias do prazo de impugnação judicial de uma liquidação de IRS também ocorra no caso de ter sido apresentada reclamação graciosa.
U) Desde logo, porquanto, como é sabido, apesar da impugnação judicial ter por objecto imediato a decisão de indeferimento da reclamação, não deixa de ter por objecto mediato, devendo pois ser apreciado em juízo, a própria liquidação.
V) Sendo certo que a decisão a incidir sobre uma reclamação, apesar de ser objecto da impugnação, não constitui, em regra, um acto tributário, antes a liquidação a ser igualmente e necessariamente apreciada nesse mesmo procedimento.
W) Assim, essa decisão, em caso de indeferimento, apenas constitui um acto de confirmação do acto tributário anteriormente praticado, designadamente da liquidação.
X) De resto, a entender-se o contrário, o indicado preceito (artigo 140°, n.° 4, alínea a) do CIRS) pouca ou nenhuma utilidade teria, tomando-se inócuo e inconsequente, pois sendo certo que na maioria dos casos os interessados recorrem primeiramente, o que é de louvar, à reclamação graciosa, muito raramente esse alargamento teria aplicação.
Y) Subvertendo, de forma inexplicável, o espírito inerente ao preceito em causa.
Z) Assim sendo, no caso em apreço, admitindo-se que os recorrentes se considerem notificados do indeferimento da reclamação graciosa a 30.04.2009, o prazo de 15 dias para apresentação da impugnação apenas se iniciaria a 31.05.2009.Terminando a 15.06.2009.
AA) Sendo certo que a impugnação sub judice foi apresentada a juízo a 18.05.2009, a mesma é claramente tempestiva.
BB) Pelo exposto, ao decidir-se pela procedência da excepção da caducidade da acção, o Meritíssimo Juiz a quo violou a lei e a Constituição da República Portuguesa (doravante designado CRP), designadamente o disposto nos artigos 102°, n.° 2 e 4 do CPPT e 140º, n.° 4, alínea a) do CIRS, e artigo 20°_da CRP.
CC) Ainda que assim não se entenda, o que só se admite a mero benefício de raciocínio, sempre a invocada excepção de caducidade da acção, aceite na douta sentença recorrida, deveria improceder.
DD) Com efeito, na impugnação apresentada pede-se que seja:- “ I - Declarada a nulidade, porquanto ilegal e desprovida de fundamento, da liquidação oficiosa de IRS do exercício de 2003, constante da compensação n.° 2007 00007256565, nomeadamente errónea qualificação e quantificação do rendimento, consubstanciada numa inexistência de rendimento no exercício de 2003 por parte dos impugnantes, resultante do negócio jurídico que a justificou (cfr. artigo 99°, alínea a) do CPPT). II - Declarada igualmente nula, por ilegal e desprovida de fundamento, a liquidação dos respectivos juros compensatórios, em conformidade com o disposto no artigo 35° da LGT e artigo 91°do CIRS.” (Vide PI, pedido final)
EE) Ora, no que respeita a impugnações judiciais, dispõe o artigo 102°, n.° 3 do CPPT que a impugnação, quando tiver por fundamento a nulidade, como no caso sub judice, pode ser deduzida a todo o tempo.
FF) Importa aqui atender que na presente impugnação, invoca-se uma simulação de negócio subjacente à liquidação oficiosa sub judice.
GG) Dizendo-se, ainda, que nenhum rendimento auferiram os impugnantes no ano fiscal em causa e que justificasse a liquidação oficiosa sub judice.
HH) Ou seja, está-se perante um caso de inexistência de facto tributário.
II) Que, salvo melhor opinião, constitui uma violação, por parte da administração tributária de normas de incidência tributária - incidência objectiva (cfr. artigo 1°, 9°, n.° 1, alínea a), 10º, n.º1, alínea a), todos do CIRS e artigo 39º, n°s 1 e 2 da LGT).
JJ) Com consequente nulidade da liquidação oficiosa sub judice.
KK) Assim sendo, sempre a impugnação ora em crise poderia ser deduzida a todo o tempo.
LL) Pelo exposto, ao decidir-se pela procedência da excepção da caducidade da acção, o Meritíssimo Juiz a quo, também por aqui, violou a lei e a CRP, designadamente o disposto no artigo 102°, n.° 3 do CPPT e artigo 20º da CRP.
MM) Ainda sem prescindir, conforme se disse atrás, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa em causa foi notificada mediante carta registada com aviso de recepção, dirigida a ambos os impugnantes e ora recorrentes (vide fls. 193 e 194 do PA).
NN) No entanto, apenas o impugnante B……… assinou o aviso de recepção (vide fls. 194 do PA)
OO) Sendo certo que se está perante uma notificação pessoal, à mesma aplicam-se as regras sobre a citação pessoal (cfr. artigo 38°, n.° 6 do CPPT).
PP) Assim sendo, ao prazo de 15 dias para deduzir oposição, ainda que o mesmo fosse aplicável, o que se admite apenas como mera hipótese académica, sempre acresceriam 5 dias de dilação (cfr. artigo 252°-A, n.° 1, alínea a), do C.P.C. ex vi artigo 2°, alínea e), do CPPT).
QQ) Ou seja, tendo o aviso de recepção, no caso sub judice, sido assinado a 30.04.2009, sempre o prazo para impugnar terminaria a 20.05.2009.
RR) Pelo que, ao decidir-se pela procedência da excepção da caducidade da acção, o Meritíssimo Juiz a quo, também por aqui, violou a lei e a CRP, designadamente o disposto no artigo 252°-A, n.° 1, alínea a), do C.P.C. ex vi artigo 2°, alínea e), do CPPT e artigo 20° da CRP.
SS) Devendo, pois, ser revogada a sentença recorrida e julgar tempestiva a impugnação deduzida, baixando os autos à primeira instância para conhecimento do mérito da mesma.”

3. A Recorrida, Fazenda Pública, deduziu as suas Contra-alegações, com as Conclusões seguintes:
“I. A sentença recorrida não merece qualquer censura ao julgar procedente a questão prévia da caducidade do direito de interposição da ação, questão que, aliás, era de conhecimento oficioso, tendo, consequentemente, ficado prejudicada a apreciação de todas as demais questões suscitadas na impugnação.
II. Na verdade, o artigo 102.°, n.° 2 do CPPT determina que em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação é de 15 dias.
III. O supra referido prazo tem natureza substantiva e conta-se nos termos do disposto no artigo 279.° do Código Civil (ex vi artigo 20°, n.° 1 do CPPT), pelo que tendo os ora recorrentes sido notificados do despacho de indeferimento da reclamação graciosa em 30-04-2009, e tendo a respetiva PI dado entrada em 18-05-2009, verifica-se que o prazo de 15 dias estava ultrapassado.
IV. O regime especial, quanto ao termo inicial do prazo de impugnação, de 30 dias do artigo 140.°, n.° 4, al. a) do CIRS ex vi artigo 102°, n.° 4 CPPT não tem qualquer aplicação à situação dos autos ora recorridos, uma vez que aquele refere-se única e exclusivamente às notificações das liquidações para pagamento voluntário, ou seja, para as liquidações que ainda estejam dentro do respetivo prazo de pagamento voluntário (Na verdade, o artigo 140°, n.° 4, al, a) do CIRS estabelece um termo inicial especial do prazo de 90 dias e não um prazo especial de 120 dias. É apenas o inicio do prazo de 90 dias que, em vez de contar a partir da notificação para pagamento voluntário, como se estabelece na alinea a) do n.° 1 do artigo 102.° do CPPT, se conta a partir do 30.° dia posterior á notificação, da liquidação).
V. E essa notificação da liquidação para pagamento voluntário já foi efetuada aos ora recorrentes em tempo devido, pelo que nessa data beneficiaram do prazo do artigo 140°, n.° 4, al. a) do CIRS ex vi artigos 102°, n.° 1 ou 70.° CPPT, conforme entendessem apresentar de imediato impugnação judicial para o tribunal, ou, previamente, reclamar administrativamente.
VI. Conforme refere Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, II Volume, 6.ª Edição, 2011, pág(s) 151:
“(...) se na sequência de uma decisão expressa de indeferimento de uma reclamação graciosa, o interessado deixou expirar o prazo de 15 dias em que pode deduzir impugnação judicial, a consequência jurídica adequada seria a da perda definitiva do direito de aceder à via contenciosa para impugnar a decisão da administração tributária.
(...)
(...) Com efeito, a fixação de qualquer prazo para impugnação contenciosa de decisões administrativas constitui a determinação de um ponto de equilíbrio entre dois interesses conflituantes, que são o do interessado em ver anulado o acto que considera ilegal e o da administração tributária em ver assegurada a estabilidade das situações jurídicas tributárias. O peso deste último interesse acentua-se com o decurso do tempo e a fixação do prazo legal deve corresponder ao ponto de equilíbrio entre estes dois interesses, permitindo aos interessados o direito de impugnação contenciosa enquanto não houver razões de segurança jurídica que se lhe sobreponham. (...)
(...) No entanto, em si mesmo, o prazo de 15 dias para a impugnação judicial subsequente a indeferimento de reclamação graciosa não parece ser excessivamente exíguo, pois sendo os mesmos os fundamentos da reclamação graciosa e da impugnação judicial (art. 70°, n.° 1, deste Código, o interessado no momento da notificação daquela decisão já disporá dos elementos necessários para deduzir impugnação judicial”
VII. Neste mesmo sentido, vide o Acórdão do STA de 12-10-2011, Recurso 0449/11, 2.ª Seção:
(...)“III - Tendo o contribuinte optado por deduzir reclamação graciosa contra o acto de liquidação, o prazo para o impugnar judicialmente deixa de se contar da data limite para pagamento voluntário do tributo, passando a relevar a data do indeferimento (expresso ou silente) dessa reclamação.
IV - Se é proferida decisão na reclamação, o reclamante dispõe de 15 dias, contados da notificação da decisão, para deduzir impugnação - n° 2 do art. 102.° do Código CPPT;CJ”
VIII. Os ora recorrentes invocam também a tempestividade da ação por via do artigo 102.°, n.° 3 do CPPT.
IX. No entanto, o fundamento apresentado para a procedência da impugnação judicial no âmbito deste normativo legal reflete uma incorreta qualificação e quantificação da matéria tributável.
X. Na verdade, os ora recorrentes em nenhum momento alegaram que tal nulidade decorre da falta de qualquer dos elementos essenciais do ato administrativo.
XI. Na verdade, a regra geral no regime da invalidade do ato administrativo é a da anulabilidade (artigo 135.° do CPA); sendo, todavia, nulos, nomeadamente — artigo 133.° n.° 2 al. d) CPA — os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
XII. Ora, no caso dos presentes autos recorridos, não ocorreu qualquer nulidade por falta de qualquer elemento essencial do ato de liquidação, consubstanciando a inexistência do facto tributário, o vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto cuja consequência só é a anulabilidade do ato impugnado, e não a sua nulidade.
XIII. Por outro lado, a alegada nulidade por simulação do negócio subjacente à liquidação oficiosa (cf. artigo 242.° do Código Civil), uma vez que nenhum rendimento auferira os ora recorrentes no ano fiscal em causa que justificasse a liquidação oficiosa em causa nos presentes autos recorridos, não poderá proceder por via do artigo 39.° da LGT ex vi artigo 102°, n.° 3 do CPPT.
XIV. De facto, a consequência de tributação do negócio real em detrimento do negócio jurídico simulado só poderia operar em obediência a uma prévia decisão judicial que declarasse essa nulidade, cf. artigo 39.°, n.° 2 da LGT.
XV. E isso ainda não se verificou no caso dos presentes autos recorridos (embora a respetiva ação já, tenha sido interposta pelos ora recorrentes para esse efeito, mas ainda encontra-se pendente de decisão judicial).
XVI. Em conformidade com a Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, de Diogo Leite de Campos, Benjamin Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 3.ª Edição, Setembro de 2003, Vislis Editores, pág. (s) 186 e 187:
“(...) Sendo os negócios jurídicos simulados, nulos para o Direito Civil, não produzem efeitos fiscais enquanto tais. Contudo, já é tributado o negócio jurídico real, o que foi efectivamente celebrado e oculto sob a aparência. Desde que tal negócio exista e subsista produzindo efeitos que recaiam, enquanto tais, na previsão de uma norma tributária. (...)
(...) A administração fiscal, por força do n.° 2, terá de obedecer aos requisitos exigidos pela invocação da simulação do negócio jurídico. No caso de este ser revestido da forma de documento autêntico, estabelece-se o requisito de se obter primeiro, pela via judicial, a declaração da sua nulidade ou a sua anulação.
Contudo (vd. Ac. STA 26-02-2003 no proc. 89/03) a simulação de preço não se pode confundir com a simulação do negócio pois este foi querido, apesar da “ilusão” do preço”.
XVII. Os ora recorrentes também invocam que ao prazo de 15 dias do artigo 102°, n.° 2 do CPPT acresceria o prazo de dilação de 5 dias previsto no artigo 252.°, n.° 1 do CPC.
XVIII. No entanto, este artigo não é aqui aplicável, pois atendo o disposto nos artigos 38°, n.° 1 e 39°, n.° 3 ambos do CPPT, que determinam que as notificações são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção, sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes (...) e havendo aviso de receção a notificação considera-se efetuada na data em que ele for assinado (...).
XIX. Deste modo, começando o prazo de 15 dias previsto no n.° 2 do artigo 102.° do CPPT no dia 01-05-2009, esses 15 dias terminaram em 15-05-2009 (sexta-feira). Em 18-05-2009, data em que a impugnação deu entrada no tribunal a quo, já tinha portanto decorrido o respetivo prazo.”

4. O Ministério Público, junto do STA, emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso argumentando, em síntese, que:
“2. Posição que se defende:
A. Fundamentação.
A 1.ª referida solução alternativa não é de acolher, visto não ser de entender que o termo do referido prazo constitua sempre um termo inicial do prazo de impugnar, o qual, sendo antecedido de decisão proferida em reclamação graciosa, é de aplicar o previsto no art. 102. n.º 2 do C.P.P.T..
Nesse sentido, se pronunciou o ac. do S.T.A. de 12-10-11 proferido no proc. 449/11 e Jorge Lopes Sousa em C.P.P.T. anotado e comentado, 2011, II vol. p. 151.
A 2.ª referida solução alternativa também não é de acolher, visto o acto praticado não ser nulo, nos termos que resultam do previsto no art. 131.º do C.P.A., em que a acção pendente com vista à declaração de simulação do preço constante de escritura não é de incluir— neste sentido, art. 39.º n.º 2 da L.G.T. e ac. do S.T.A. de 19- 2-03, proferido no proc. 1757/02.
Já quanto à terceira solução também não será que não seja de admitir a dita dilação, em face das regras constantes do art. 149. n.ºs 2 e 5 do C. do I.R.S. e 38.º n.º 3 do C.P.P.T.”

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTOS

1- DE FACTO
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
“1) Em 17-07-2003 foi outorgada a escritura pública de compra e venda do prédio misto localizado ao ………, freguesia do ………, inscrito na matriz a parte urbana sob o art° 276° e a parte rústica sob o art° 59, secção MM, descrito na Conservatória do registo Predial sob o n° 04033/25062003 (junto ao relatório de inspecção, no processo apenso);
2) Em 05-03-2004 a impugnante apresentou a sua declaração de rendimentos de IRS (modelo 3) na qual não declarou os rendimentos relativos à venda do imóvel, referido no ponto anterior;
3) Em 01-03-2007 a administração fiscal enviou oficio à impugnante com vista a que declarasse os rendimentos referidos à venda (fls 1 e 2, do processo apenso);
4) Em cumprimento da Ordem Serviço n° 01200700579, de 12-10-2007 a impugnante foi sujeita a inspecção tributária interna (processo apenso);
5) A impugnante foi notificada para exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de correcções do relatório de inspecção (fls 11 e 12 do processo apenso);
6) Em 10-12-2007 foi elaborado o relatório de inspecção tributária que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, onde foram feitas correcções meramente aritméticas (processo apenso):
7) Em 26-12-2007 foi efectuada a liquidação n° 2007 00001369307, de IRS de 2003, com data limite do pagamento a 06-02-2008 (fls. 120 do processo apenso);
Em 06-05-2008 a impugnante e marido deduziram reclamação graciosa da liquidação e juros compensatórios (junto ao processo apenso);
8) Por oficio n° 9885, datado de 23-10-2008 os impugnantes foram notificados do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, para exercer o direito de audição (fls 132 a 146, do processo apenso);
9) Os impugnantes exerceram o direito de audição (fls 147 a 153, do processo apenso);
10) Em 30-04-2009 os impugnantes foram notificados da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (doc n°3 junto com a PI e AR junto a fls. 194 do processo apenso);
11) Em 18-05-2009 deu entrada a presente impugnação (carimbo aposto no rosto de fls.1, dos autos)”.

2 -DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

A……… e B……… impugnaram judicialmente a liquidação oficiosa de IRS e respectivos juros compensatórios do exercício de 2003, no montante de € 54.623, 82, com base, em síntese, nos seguintes argumentos:
a) A referida liquidação teve como fundamento um alegado “rendimento dos impugnantes, em sede de mais-valias, resultante das venda do prédio misto localizado ao ………, freguesia do ………, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz, a parte urbana sob o artigo 276º, e a parte rústica sob o artigo 59º, secção “MM”, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 04033/25062003, conforme escritura de compra e venda outorgada a 17.7.2003, no 2º Cartório Notarial do Funchal (…) apresentada no Processo nº 213/08.7TCFUN, a correr os seus termos na 2ª secção do Tribunal de Vara Mista do Funchal….”
b) “Escritura essa que constitui presunção da existência desse rendimento, e na qual os Impugnantes, em conjunto com os outros co-herdeiros, declararam vender à sociedade “C………, Ldª”, e esta declarou aceitar a venda, o prédio em causa pelo preço global já recebido de €1.7000.000”.
c) Acontece que “o preço declarado na referida escritura não corresponde ao valor da venda do prédio, e consequentemente ao rendimento efectivamente auferido por todos os herdeiros, incluindo os impugnantes, com consequente nulidade parcial do negócio e respectivo título, por simulação de preço, conforme peticionado no âmbito do supra referido processo nº 213/08.7 TCFUN, a correr os seus termos na 2ª Secção do Tribunal de Vara Mista do Funchal…”.
d) “E, bem assim consequente nulidade da liquidação oficiosa que ora se impugna, por força do disposto no artigo 99º, alínea a) do CPPT e artigo 39º da LGT”.
e) “(…) os ora impugnantes, com o citado negócio titulado pela referida escritura de compra e venda , não auferiram no ano de 2003 qualquer rendimento”.
f) Com consequente nulidade da liquidação oficiosa que ora se impugna, por manifesta ilegalidade, nomeadamente errónea qualificação e quantificação do rendimento, consubstanciada numa inexistência de rendimento no exercício de 2003, resultante do negócio jurídico em causa (cfr. artigo 99º, nº1, alínea a) do CPPT).”
Na contestação, a Fazenda Pública veio suscitar, entre o mais, a extemporaneidade da impugnação por ter sido apresentada fora do prazo de 15 dias estabelecido no artigo 102º, 2, do CPPT, o que veio a ser aceite pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que, por sentença de 10/2/2012, julgou a impugnação procedente.
Para tanto ponderou a Mmª Juíza “a quo” o seguinte:
· “Conforme se verifica do probatório foi notificado aos impugnantes o despacho de indeferimento da reclamação graciosa e lhe foi comunicado que, nos termos do disposto no artigo 66° do CPPT, poderiam deduzir a recurso hierárquico no prazo de 30 dias, que receberam em 30-04-2009 (ponto 10 do probatório) e a impugnação deu entrada em 18-05-2009 (ponto 11 do probatório).
· Determina o art° 102° n° 2 do CPPT que em caso de indeferimento da reclamação graciosa o prazo de impugnação é de 15 dias.
· Este prazo é de natureza substantiva e conta-se nos termos do disposto no artigo 279.° do Código Civil (artigo 20° n° 1 do CPPT) e, assim, tendo a recorrente sido notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa em 30-04-2009 e tendo a PI dado entrada em 18-05-2009, ultrapassou o prazo de 15 dias, estabelecido naquela disposição legal.
· (…)
· No caso não ocorre qualquer nulidade por falta de qualquer elementos essencial do acto de liquidação, consubstanciando a inexistência do facto tributário o vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto cuja consequência só é a anulabilidade do acto impugnado e não a sua nulidade.
· Tendo os impugnantes sido notificados do indeferimento da reclamação graciosa em 30-04-2009 (cfr. aviso de recepção assinado nessa data, a fls. 194, do processo apenso) e tendo a PI da impugnação dado entrada em 18-05-2009 (cfr carimbo aposto a fls. 1 da impugnação) é a mesma intempestiva, já que foi apresentada no 18° dia contado daquela notificação e já que não se vislumbra que a mesma PI tenha sido remetida pelo correio registado em qualquer data anterior, nem se verifica o pressuposto previsto no n° 3 do mesmo artigo.
· Por outro lado entendem os impugnantes que ao prazo de 15 dias, acresceria o prazo de dilação de 5 dias, previsto no art° 252°-A n° 1 do CPC.
· Porém esse artigo não é aqui aplicável atento o disposto nos art° 38° n° 1 e 39° n° 3 ambos doc CPPT, que determinam que as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributaria dos contribuintes (...) e havendo aviso de recepção a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado (…)
· Assim e na verdade, começando o prazo de 15 dias (previsto no n° 2 do art. 102° do CPPT) no dia 01-05, esses 15 dias terminaram em 15-05 (sexta feira). Em 18-05, data em que a impugnação deu entrada, já tinha, portanto, decorrido o respectivo prazo.
· E, assim sendo, procede esta questão prévia da caducidade do direito à impugnação (questão que é de conhecimento oficioso).
E, consequentemente, fica prejudicada a apreciação de todas as demais questões suscitadas na impugnação”.
Inconformados com esta decisão os recorrentes interpuseram o presente recurso, alegando, em síntese, que a impugnação é tempestiva com base na seguinte tese:
a) A aplicação do prazo de 15 dias “após o decurso do prazo de 30 dias previsto no art. 140.º n.º 4 al. a) do C. do I.R.S., nos termos previstos nos arts. 102. n.ºs 2 e 4 do C.P.P.T. e 20.º da C.R.P”;
Se assim não se entender,
b) Deve considerar-se que a mesma é susceptível de ser deduzida a todo o tempo, por se fundar em pedido de nulidade, nos termos dos arts. 102.º, n.º 3, do CPPT, e 20.º da CRP;
c) Finalmente, seria sempre de aplicar ao referido prazo a dilação de 5 dias, de acordo com o previsto no art. 252º.-A, do CPPT e 20.º da CRP.
Em face das conclusões que delimitam o objecto e âmbito do recurso, nos termos das disposições constantes dos arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a Mmª Juíza “a quo” fez errado julgamento ao considerar caducado o direito de impugnar a liquidação em causa, o que gira fundamentalmente em torno da determinação do sentido e alcance dos arts. 102º, nºs 2, 3 e 4, do CPPT, e 140º, nº 4, alínea a), do CIRS.
Para tanto impõe-se responder às seguintes questões colocadas pelos recorrentes:
- Se, no caso de impugnação de indeferimento de reclamação graciosa de IRS, o prazo de 15 dias previsto no art. 102º, n.º 2, do CPPT, se deve contar após o decurso do prazo de 30 dias previsto no art. 140º, nº 4, alínea a), do Código do IRS;
- Se no caso existe vício cuja consequência seja a nulidade;
- Se ao prazo de 15 dias previsto no art. 102º, nºs 2 e 4, do CPPT deve acrescer a dilação de 5 dias, de acordo com o previsto no art. 252º-A do CPC.

2.2. Quanto ao termo inicial do prazo de impugnação judicial de uma liquidação de IRS intentada na sequência de indeferimento de reclamação graciosa

Dispõe o nº 2 do art. 102º do CPPT que o prazo de impugnação judicial em caso de indeferimento de reclamação graciosa é de 15 dias.
Como vimos, alegam os recorrentes que o termo inicial deste prazo de 15 dias se deve contar não da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, mas sim a partir dos 30 dias seguintes a essa notificação.
Para tanto, apoiam-se no facto de o nº 4 do art. 102º salvaguardar expressamente a existência de outros prazos especiais, entre os quais estaria precisamente o regime do art.140º do CIRS (A actual redacção da alínea a) foi introduzida pela Lei n º 60-A/05, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006).).
Este preceito, sob a epígrafe “Reclamações e impugnações” dispõe que:
1- Os sujeitos passivos do IRS, os seus representantes e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem reclamar contra a respectiva liquidação ou impugná-la nos termos e com os fundamentos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
2- Pode igualmente ser objecto de reclamação ou de impugnação, por parte do titular dos rendimentos ou do seu representante, a retenção de importâncias total ou parcialmente indevidas, sempre que se verifique impossibilidade de ser efectuada a correcção a que se refere o nº 4 do artigo 98º ou de o respectivo montante ser levado em conta na liquidação final do imposto.
3- Podem ainda exercer a faculdade prevista no nº 1 as entidades que, no âmbito da substituição tributária, tenham entregue por erro importância superior ao imposto retido, ou as que, em cumprimento da obrigação de liquidação autónoma, tenham praticado algum erro na liquidação.
4- Os prazos de reclamação e de impugnação contam-se nos termos seguintes:
a) A partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação;
(…)”.

Da leitura do preceito resulta que o mesmo visa estabelecer um dies a quo especial no prazo de 90 dias (estabelecido como regra geral no art. 102º, nº 1, do CPPT) para impugnar ou reclamar da liquidação em IRS: em vez de se contar o prazo a partir do termo final do prazo para o pagamento voluntário [alínea a) do nº 2 do art. 102º do CPPT], conta-se a partir do trigésimo dia posterior à notificação da liquidação.
Constituindo os preceitos do Código do IRS normas especiais, cuja aplicação se encontra ressalvada pelo nº 4 do art. 102º do CPPT, implica que o termo inicial do prazo da impugnação judicial, que segue os prazos gerais fixados no art. 102º, nº 1, do CPPT, se conta a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação. Neste sentido, pode ler-se no sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal de 26/10/2011, proc nº 517/11, que “A partir da data da entrada em vigor da Lei nº 60-A/05, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006), o prazo para deduzir impugnação judicial contra um acto de liquidação de IRS é de 90 dias (artigos 140º, nº1, do CIRS e 102º, nº1, do CPPT), contados a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação (artigo 140º, nº 4, alínea a), do CIRS) quer da liquidação resulte ou não imposto a pagar” ( No mesmo sentido, cfr. o recente Acórdão do STA de 21/3/2012, proc. nº 1129/11.).
Como decorre do teor do preceito [art. 140º, nº4, alínea a), do CIRS] esta dilação é aplicável quer à impugnação judicial quer à reclamação graciosa (art. 70º do CPPT), beneficiando os contribuintes que queiram reagir a uma liquidação de IRS através de qualquer dos meios de defesa recebidos pelo CPPT.
No caso sub judice, a questão está em saber se a referida dilação é igualmente aplicável à impugnação quando os impugnantes tendo optado por deduzir primeiro reclamação graciosa, nos termos do art. 70º do CPPT, vieram depois impugnar judicialmente o indeferimento expresso da mesma.
Para os recorrentes o termo inicial de 30 dias previsto no nº 4, alínea a), do art. 140º do IRS, para o prazo de impugnação judicial deve aplicar-se quer às impugnações judiciais apresentadas após notificação da liquidação de IRS quer às apresentadas após o indeferimento de uma reclamação graciosa.
Em nossa opinião, porém, esta interpretação que não tem apoio nem na letra nem na razão de ser do preceito.
Vejamos.
Quando o legislador confere uma dilação de 30 dias para o contribuinte reagir contra a “reclamação ou a impugnação” da liquidação em IRS deve entender-se que está a referir-se à utilização de ambos os mecanismos como meios de reacção directa e imediata ao acto de liquidação. E bem se compreende que assim seja, uma vez que é nesse momento que a referida dilação tem utilidade e razão de ser, com vista a permitir a preparação da primeira reacção de defesa contra o acto de liquidação.
Agora a partir do momento em que os contribuintes optem por seguir primeiro a via da reclamação graciosa, momento em que podem beneficiar da regra do termo inicial de 30 dias consagrada na alínea a) do nº 4 do art. 140º do CIRS, já não há justificação para reclamar nova dilação na impugnação judicial que se seguir ao indeferimento da reclamação.
Na verdade, para além de já não se tratar da primeira defesa, podendo os fundamentos da reclamação ser os mesmos da impugnação judicial (art. 70º, nº1, do CPPT), falecem também por esta via os argumentos quanto à necessidade de mais prazo para preparar a defesa.
Por outro lado, a aceitar-se a tese dos recorrentes estaríamos a privilegiar os contribuintes que na sua estratégia de defesa começassem por deduzir reclamação graciosa, podendo por esta via beneficiar da referida dilação duas vezes, com o consequente alargamento dos prazos de defesa, em termos que se afiguram desrazoáveis se se tiver em conta que o prazo de reclamação é de 120 dias enquanto o da impugnação é apenas de 90 dias.
Nas palavras de JORGE LOPES DE SOUSA ( Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 151.), não se pode argumentar que o prazo de 15 dias para a impugnação judicial subsequente ao indeferimento seja demasiado exíguo ( No sentido da não inconstitucionalidade de um prazo de 8 dias para impugnação judicial, prevista no âmbito do CIVA e do CIMSISD, cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 646/99 e 482/2000, de 24/11/99 e de 22/11/2000, respectivamente.), pois “sendo os mesmos os fundamentos da reclamação graciosa e da impugnação judicial (…), o interessado no momento da notificação daquela decisão disporá dos elementos necessários para deduzir impugnação judicial”.
O que significa que a interpretação sufragada nos autos pelos recorrentes não tem o apoio da melhor doutrina nem tão pouco da jurisprudência do STA. Neste sentido, ficou consignado no Acórdão do STA, de 12/10/2011, proc. nº 449/11, no seguimento do já decidido no Acórdão de 10/9/2008, proc nº 384/08, que “(…) é inquestionável que tendo o contribuinte optado por deduzir reclamação graciosa conta o acto de liquidação, o prazo para o impugnar judicialmente deixa de se contar da data limite para pagamento voluntário do tributo, passando a relevar a data do indeferimento (expresso ou silente) dessa reclamação.(…)”. E, mais adiante acrescenta-se, com relevo para o caso em apreço, “- se for proferida decisão na reclamação, o reclamante dispõe de 15 dias, contados da notificação dessa decisão, para deduzir impugnação -nº 2 do art. 102º do CPPT. ( No mesmo sentido, cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., pp. 149 ss.)
E nem se pode argumentar que a via escolhida pelos impugnantes os desfavoreça porque acontece precisamente o contrário.
Com efeito, em primeiro lugar, repete-se que, enquanto o prazo da impugnação judicial é de 90 dias, o prazo da reclamação graciosa é de 120 dias ( Em conformidade com a nova redacção dada ao art. 70º do CPPT pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro.). Em segundo lugar, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) se após ter expirado o prazo de 15 dias, e antes do 30º dia posterior ao da notificação, o interessado interpuser recurso hierárquico da mesma decisão de indeferimento de reclamação graciosa, readquirirá o direito de aceso à via contenciosa, com a possibilidade de impugnar judicialmente a decisão de indeferimento, expresso ou tácito do recurso hierárquico”.
Aplicando o exposto ao caso sub judice, decorrendo do probatório que o despacho de indeferimento da reclamação graciosa foi comunicado aos reclamantes no dia 30/4/2009 e que a impugnação deu entrada em 18/5/2009, é manifesto que o direito de impugnar se encontra caducado.
Assim sendo, a sentença recorrida que decidiu neste sentido não merece qualquer reparo, devendo ser confirmada, improcedendo, nesta sequência, a argumentação dos recorrentes.

2.3. Quanto à verificação da existência de vício do acto de liquidação que tenha como consequência a sua nulidade

Para os actos de liquidação que enfermem de vício gerador de nulidade a impugnação judicial pode se feita a todo o tempo, como resulta do estatuído no nº 3 do art.102º do CPPT, preceito que está em sintonia com a regra geral estabelecida no art. 134º do CPA.
Importa averiguar se no caso se pode assacar ao acto de liquidação em causa algum vício cuja consequência seja a nulidade.
Vejamos.
Os vícios do acto impugnado constituem fundamento, em regra, da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja essa forma de invalidade, nos termos do disposto no art. 133º, nº 1, e 135º do CPA.
No caso em apreço, a sustentar a nulidade da liquidação adicional os recorrentes apontam a existência de errónea qualificação e quantificação do rendimento consubstanciada numa inexistência de rendimento no exercício de 2003 e a simulação (de preço) do negócio subjacente à liquidação oficiosa.
Ora, tal como foi julgado na sentença recorrida, tais fundamentos não acarretam a nulidade do acto de liquidação, em face da doutrina que emerge dos arts. 133º, nº 1, e 135º do CPA, uma vez que tal nulidade não resulta expressamente da lei nem se verifica falta de qualquer elemento essencial do acto de liquidação.
Em especial quanto à nulidade decorrente da simulação, importa reter a jurisprudência do STA fixada, entre outros, no Acórdão de 19/2/2003, proc nº 1757/02, onde se pode ler que a Administração Fiscal “não pode ignorar os negócios jurídicos fiscalmente relevantes que constem de documento autêntico, pretextando a sua nulidade ou anulabilidade, enquanto tal não for judicialmente declarado. Tem, pois, que os considerar e retirar deles as consequências fiscais que couberem”.
Por sua vez, no Acórdão do STA de 26/2/2003, proc nº 89/03, ficou consignado que “a simples simulação do preço não torna nulo o contrato, ainda que feita para prejudicar o direito do Estado ao imposto. (...) o contrato não é nulo por motivos de natureza fiscal, sendo a sua validade ou nulidade determinada pelas regras do direito privado. A lei fiscal não impõe, consequentemente, a nulidade do contrato em que exista simulação do valor; e essa nulidade não resulta também da lei civil, pois, ainda que se trate de contrato sujeito a uma forma especial, como acontece com o contrato de compra e venda de coisa imóvel, a razão da existência da forma não abrange o montante do preço….” ( O Acórdão segue a doutrina de Vaz Serra em Anotação ao Acórdão de 4 de Dezembro de 1973 do STJ, publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 107, p. 309. ).
A situação factual em causa reporta-se à liquidação adicional, justificada pela Administração fiscal, no relatório de inspecção dado por reproduzido no probatório, em sede de mais valias resultantes da venda do prédio misto localizado ao ………, freguesia do ………, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz, a parte urbana sob o artigo 276 e a parte rústica sob o artigo 59 da Secção MM, objecto de escritura de compra e venda outorgada a 17/7/2003, no 2º Cartório Notarial do Funchal, alienado pelo valor total de €1.700.000,00.
Assim sendo, o negócio existe e a compra e venda efectuou-se, e embora os recorrentes aleguem simulação de preço, tal simulação, como vimos, não torna nulo o negócio que consta de escritura e foi esse o que a Administração Fiscal tomou em consideração como facto tributário.
Em face do exposto, falecem também aqui os argumentos dos recorrentes, sendo de rejeitar o recurso e confirmar a sentença recorrida.

2.4. Da aplicabilidade da dilação prevista no art. 252º-A, nº 1, alínea a), do CPC.

Sustentam ainda os recorrentes que não se verifica a caducidade do direito de impugnar porquanto sempre será de aplicar aqui a dilação prevista no art. 252º-A, nº1, do CPC, porquanto estando em causa uma notificação pessoal, à mesma serão aplicáveis as regras sobre a citação pessoal, nos termos do estatuído no art. 38º, nº 6, do CPPT.
Dispõe o 252.º-A, na alínea a), do n.º 1:

«1 - Ao prazo de defesa do citando acresce uma dilação de cinco dias quando:
a) A citação tenha sido realizada em pessoa diversa do réu, nos termos do n.º 2 do artigo 236.º e dos n.ºs 2 e 4 do artigo 240.º;
[…]».

Para os recorrentes, sendo esta disposição aplicável à situação sub judice, não se verifica a caducidade da impugnação judicial, incorrendo a sentença recorrida, na medida em que não considerou aplicável o referido preceito, em erro de julgamento.
Verifica-se, porém, que mais uma vez não assiste razão aos recorrentes.
A questão assim recortada já foi objecto de análise por este Supremo Tribunal em situação similar, no Acórdão de 21/3/2012, proc. nº 1129/11, em que a ora relatora interveio como adjunta, pelo que não havendo razões para nos afastarmos da jurisprudência aí mencionada, passamos a reiterar a jurisprudência ali firmada.
No mencionado Acórdão pode desde logo ler-se que a tese sustentada pelos Recorrentes no sentido de aplicar a dilação prevista no art. 252º-A, alínea a), do nº 1, do CPC por força do art. 38º, nº6, do CPPT, não é de acolher porque “(…) o facto de o n.º 6 do art. 38.º do CPPT dizer que às notificações pessoais se aplicam as regras sobre a citação pessoal significa apenas que, na realização da notificação pessoal, a AT deve respeitar as formalidades que a lei impõe para a citação pessoal, de modo a assegurar a efectiva comunicação com o destinatário. Constituindo a notificação «o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo» (cfr. art. 35.º, n.º 1, do CPPT), bem se compreende que o legislador a tenha rodeado de exigentes regras e cautelas, tanto mais que a notificação constitui condição de eficácia dos «actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes» (cfr. art. 36.º, n.º 1, do CPPT). Ou seja, o legislador pretendeu rodear a notificação pessoal – que, dissemo-lo já, constitui manifestação do exercício de um poder discricionário da AT, que deve ponderar qual o meio que melhor lhe permitirá o cumprimento do objectivo visado – de garantias de efectiva comunicação ao destinatário idênticas às da citação.
Mas isso não significa que haja de se aplicar ao termo inicial do prazo para impugnar a dilação que a lei adjectiva prevê para o uso dos meios de defesa no caso da citação pessoal em pessoa diversa do réu. Vejamos:
Desde logo, a lei (o art 252.º-A, n.º 1, alínea a), do CPC) apenas impõe essa dilação relativamente «[a]o prazo de defesa do citando», o que bem se compreende, pois esse acréscimo ou alongamento do prazo para exercício dos meios de defesa (…) apenas faz sentido em relação aos meios de defesa cujos prazos que se contam a partir da data da citação (Daí que seja pacífica a aplicação dessa dilação de cinco dias aos prazos para o exercício dos direitos de oposição à execução fiscal, pagamento em prestações e dação em pagamento, quando a citação em processo de execução fiscal tenha sido efectuada em pessoa diversa do executado, nos termos dos arts. 236.º e 240.º do CPC. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 12 ao art. 192.º, pág. 381.). Já relativamente ao prazo para impugnar, o mesmo não se conta da data da notificação, mas, como deixámos exposto e nos termos do art. 140.º, n.º 4, do CIRS, «a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação», motivo por que não faz sentido sustentar aqui a aplicação daquela dilação de 5 dias, uma vez que a lei já fixa uma dilação bem superior àquela.
Por outro lado, não há razão alguma para equiparar a notificação à citação para efeitos de aplicação da dilação prevista no art. 252.-A, n.º 1, alínea a), do CPC.
Enquanto a citação se situa no âmbito da execução fiscal e «é o acto destinado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução ou a chamar a esta, pela primeira vez, pessoa interessada», a notificação é o acto «pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo» (art. 35.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT).
Enquanto a citação abre ao executado o prazo para deduzir oposição à execução fiscal, pedir o pagamento em prestações ou a dação em pagamento (cfr. arts. 196.º, n.º 1, 201.º, n.º 1 3 203.º, n.º 1, alínea a), do CPPT), a notificação do acto de liquidação apenas marca o início do termo do prazo para pagamento voluntário (cfr. o art. 85.º, n.º 2, do CPPT e, porque no caso estamos perante liquidação adicional de IRS, o art. 104.º do CIRS).
São, pois, bem distintas a natureza e finalidade da citação no processo de execução fiscal e da notificação de um acto tributário de liquidação.
Ademais, a notificação do acto tributário de liquidação tem lugar no âmbito de um procedimento em que o notificando já está presente, pelo que não se verificam os motivos que determinaram o legislador a fixar aquela dilação no caso da citação (cessant ratione legis cessat eius dispositio). Na verdade, a notificação da liquidação ocorre no final de um procedimento que, ou se iniciou com a declaração do contribuinte, ou no âmbito do qual lhe é assegurado o direito de participação.
Por tudo isto, ao prazo para deduzir impugnação judicial não é aplicável a dilação prevista no art. 252.º-A, n.º 1, alínea a), do CPC”.
Aplicando o exposto ao caso em análise, tendo os impugnantes, como se refere na sentença recorrida, “sido notificados do despacho de indeferimento da reclamação graciosa em 30-04-2009 (…) e tendo a PI da impugnação dado entrada em 18-05-2009, (…) é a mesma intempestiva, já que foi apresentada no 18º dia contado daquela notificação... .”
Improcede também aqui a argumentação dos recorrentes, devendo manter-se a sentença recorrida.
Em face do que vai exposto, é de improceder o presente recurso confirmando-se a sentença recorrida.

III- DECISÃO

Termos em que os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 24 de Outubro de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Lino Ribeiro.