Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0504/05
Data do Acordão:07/13/2005
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL.
REVERSÃO DE EXECUÇÃO.
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO.
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
ERRO NA FORMA DE PROCESSO.
CONVOLAÇÃO.
Sumário:I – É a oposição à execução fiscal e não o processo de impugnação judicial ou a reclamação prevista no art. 276.º do C.P.P.T., o meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente o despacho que ordena a reversão, com fundamento em falta de fundamentação e falta de audiência prévia, fundamentos estes que se enquadram na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do C.P.P.T..
II – A oposição à execução fiscal é o meio processual adequado para apreciar se se verificam os requisitos da responsabilidade subsidiária, designadamente se ocorreu exercício da gerência de facto e a excussão prévia dos bens do executado originário, questões estas que se enquadram na alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo.
III – Sendo a citação um acto do processo de execução fiscal, é nesse processo que devem ser apreciadas a questões relativas à sua validade.
IV – A prescrição da dívida exequenda é fundamento de oposição à execução fiscal, previsto na alínea d) do n.º 1 do art. 204.º.
V – Não deve ser ordenada a convolação do processo de impugnação judicial em oposição à execução fiscal, se está pendente um processo deste último tipo em que são colocadas as mesmas questões.
Nº Convencional:JSTA00062390
Nº do Documento:SA2200507130504
Data de Entrada:04/21/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF COIMBRA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART22 ART97.
CPPTRTIB99 ART97 ART98 ART276 ART278.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC25701 DE 2001/01/24.; AC STA PROC25758 DE 2001/02/08.; AC STA PROC1844 DE 2004/03/24.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1 – A… tendo sido citada, por reversão, numa execução fiscal em que é executada originária B…, apresentou impugnação judicial no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Coimbra.
Pela petição de impugnação, constata-se que a Impugnante pretende impugnar tal despacho por ilegitimidade, por não ser responsável subsidiária, por falta de notificação para exercício do direito de audição, por falta de excussão de todo o património da executada originária, por prescrição das contribuições para a Segurança Social.
A Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que sucedeu na competência do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Coimbra, proferiu despacho de indeferimento liminar, em que entendeu que o meio processual adequado para apreciar a pretensão do impugnante não é o processo de impugnação judicial, mas sim a oposição à execução fiscal.
No entanto, não foi ordenada a convolação do processo, por estar pendente uma oposição à execução fiscal com os mesmos fundamentos.
Inconformada, a Impugnante interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:

I. A douta sentença recorrida, na parte objecto do presente recurso, não pode manter-se;
II. Em 9 de Julho de 2003, a ora Recorrente impugnou judicialmente o acto de reversão de execução fiscal contra si efectuado na qualidade de responsável subsidiária da sociedade “B…”;
III. Alegou, designadamente, a Recorrente em sua defesa na aludida Impugnação a falta de notificação para exercício do direito de audição, requerendo, consequentemente, a declaração de nulidade de todo o processado posteriormente;
IV. Por Sentença de 6 de Maio de 2004, considerou a Meritíssima Juiz “a quo” existir erro na forma do processo, na medida em que a Impugnante pretendia por via da respectiva Impugnação Judicial ver extinta a execução fiscal quanto a si ou, pelo menos, a paralisação da mesma;
V. Ora, nos termos do disposto na alínea d) do Código de Procedimento e de Processo Tributário a falta de notificação para exercício do direito de audição constitui fundamento de Impugnação Judicial por preterição de formalidades legais;
VI. Tal facto não constitui fundamento de Oposição a execução;
VII. Na verdade, apenas poderia alegar-se como fundamento de Oposição à Execução a falta de notificação para exercício do direito de audição se considerássemos que tal ocorrência se enquadra na previsão da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT;
VIII. Da análise dos factos alegados pela Impugnante verifica-se que não é possível prová-los apenas mediante recurso a documentos sendo indispensável o recurso a prova testemunhal;
IX. O único documento capaz de provar a referida falta de notificação seria uma declaração da Direcção Geral dos Impostos em que esta assumisse aquela falta;
X. É, assim, manifesto que se a ora Recorrente tivesse invocado tal fundamento de falta de notificação para o exercício do direito de audição apenas nos autos de Oposição à Execução não conseguiria provar, ou, pelo menos, correria um grave risco de não o conseguir, sem recurso a prova testemunhal;
XI. Tal situação de impossibilidade de utilização de prova testemunhal e, consequentemente, de prova da preterição de formalidades legais prejudicaria, sobremaneira, a ora Recorrente, o que, para além de ilegal e inconstitucional, constituiria, acima de tudo, uma insuportável injustiça;
XII. O único documento apresentado pela Recorrente para demonstração da referida falta de notificação foi uma declaração de alterações por si apresentada em 5 de Abril de 2001 e junto com a Impugnação Judicial sob o n.º 2;
XIII. Da simples análise daquele documento, não é razoável presumir nem a notificação da Recorrente para os efeitos em causa, nem a sua falta;
XIV. A única atitude prudente que poderia a aqui Recorrente adoptar, e que efectivamente adoptou, seria servir-se do meio de defesa que lhe permitisse utilizar todos os meios de prova à sua disposição;
XV. A Recorrente não dispunha de qualquer documento que lhe permitisse provar a falta da sua notificação para exercício do direito de audição prévia;
XVI. Se mesmo as Sentenças Judiciais divergem entre si, são passíveis de recurso e muitas vezes revogadas em 2.ª instância, será exigível à ora Recorrente que se coloque no lugar de Juiz e apure se a sua pretensão é demonstrável apenas por documento, apreciando a força da sua própria prova? Afigura-se que não;
XVII. O raciocínio que se presume a Meritíssima Juiz “a quo” faz de integração dos factos em apreço na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT parece só ser exigível à Oponente ou Impugnante, bem como à aqui Recorrente, no caso de ser ela própria a deter o documento que prova o facto por si alegado;
XVIII. A falta de notificação da Recorrente para exercício do direito de audição prévia não constitui, assim, fundamento de oposição à execução, na medida em que não se enquadra em qualquer das alíneas do número 1 do artigo 204.º do CPPT, designadamente na alínea i), pois não é um facto a provar apenas por documento;
XIX. Em face do exposto, não poderia a Douta Sentença recorrida considerar que existe erro na forma do processo relativamente à totalidade da Impugnação Judicial em causa e, consequentemente, indeferi-la liminarmente, mas, pelo contrário, deveria ter reduzido tal Impugnação à apreciação única da falta de notificação da Recorrente para exercício do direito de audição.
Termos em que a douta sentença recorrida não deverá manter-se.

Não há contra-alegações.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:

1.Com fundamentação idêntica à da impugnação judicial a recorrente deduziu oposição à execução fiscal (doc. fls.102/125)
A preterição do direito de audição do indigitado responsável subsidiário inquina a legalidade do despacho de reversão, mediante o qual se efectiva a responsabilidade subsidiária (art. 23º nºs 1 e 4 LGT)
Relevando a apreciação da preterição para a verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, constitui fundamento de oposição à execução (arts.151º nº 1 e 204º nº 1 al. b) CPPT; Jorge Lopes de Sousa CPPT anotado 4'edição 2003 p.1045 e jurisprudência citada)
2. Neste contexto a decisão de indeferimento liminar da petição de impugnação judicial radicou em correcto entendimento sobre a manifesta improcedência dos pedidos (art. 234º-A nº 1 CPC/art. 2º al. e) CPPT; Jorge Lopes de Sousa CPPT anotado 4.ª edição 2003 p. 487).
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A decisão impugnada deve ser confirmada.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é a de saber se o processo de impugnação judicial é o meio processual para a Impugnante, revertida em processo de execução fiscal, impugnar o despacho que decidiu a reversão, designadamente se é o processo de impugnação judicial ou o processo de oposição à execução fiscal.
O art. 22.º, n.º 4, da L.G.T. estabelece que «as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais».
Para além disso, os responsáveis subsidiários podem deduzir oposição à execução fiscal, nos termos dos arts. 203.º e 204.º do C.P.P.T..
O processo de impugnação judicial e a oposição à execução fiscal têm campos de aplicação distintos.
O art. 97.º do C.P.P.T. indica os meios processuais judiciais tributários.
Nele se indicam vários tipos de processo de impugnação, designadamente:

a) A impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;
b) A impugnação da fixação da matéria tributável, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo;
c) A impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos actos tributários;
d) A impugnação dos actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação;
e) A impugnação do agravamento à colecta aplicado, nos casos previstos na lei, em virtude da apresentação de reclamação ou recurso sem qualquer fundamento razoável;
f) A impugnação dos actos de fixação de valores patrimoniais;
g) A impugnação das providências cautelares adoptadas pela administração.

Desta indicação pormenorizada dos tipos de processos de impugnação, conclui-se que a impugnação judicial é o meio processual adequado para impugnar actos do tipo dos aqui indicados.
O despacho que decide a reversão em processo de execução fiscal não se engloba em nenhuma destas alíneas, pelo que é de concluir que o processo de impugnação judicial não é o meio processual adequado para ser discutida contenciosamente a sua legalidade.
Por outro lado, sendo o despacho que decide a reversão proferido no âmbito de um processo de execução fiscal, o meio processual a utilizar para o impugnar será um dos que a lei prevê para os interessados defenderem os seus interesses neste meio processual.
Entre os meios processuais previstos no C.P.P.T. para os revertidos defenderem o seus interesses no processo de execução fiscal, há dois que seriam potencialmente aplicáveis: a reclamação prevista no art. 276.º do C.P.P.T., uma vez que se trata de uma decisão proferida pelo órgão da execução fiscal que afecta os direitos do revertido, e a oposição à execução fiscal, na medida em que, nos termos da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º, pode basear-se em «quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título», o que é manifestamente o caso quando está em causa apreciar se o acto que decide a reversão (não o de liquidação) é legal.
Destes dois meios processuais, a oposição à execução fiscal é o único que assegura, em todos os casos, a defesa dos direitos do revertido, designadamente por não ter o regime-regra de subida diferida que está previsto para a reclamação, no art., 278.º do C.P.P.T., e possibilitar a suspensão do processo de execução fiscal após a penhora ou prestação de garantia (arts. 212.º e 169.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5 do mesmo Código).
Por isso, é a oposição à execução fiscal o meio processual adequado para os revertidos impugnarem a legalidade do despacho que ordena a reversão. (Neste sentido podem ver-se os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo: – de 24-1-2001, proferido no recurso n.º 25701; – de 8-2-2001, proferido no recurso n.º 25758, e – de 24-3-2004, proferido no recurso n.º 1844/03.)

Se, eventualmente, os revertidos pretenderem também discutir a legalidade de um acto de liquidação ou outro acto de um dos tipos indicados no art. 97.º como podendo ser objecto de processo de impugnação, poderão também deduzir impugnação.
Mas, cada um destes meios processuais terá de ser utilizado no âmbito do campo de aplicabilidade previsto na lei.

3 – Examinando as questões colocadas pela Impugnante constata-se que nenhuma delas pode ser objecto de processo de impugnação judicial, por os actos a que elas se reportam não estarem incluídos na lista de processos de impugnação que consta do art. 97.º, n.º 1, do C.P.P.T..
Assim, a inobservância do dever de audição prévia e a falta de fundamentação do despacho que decidiu a reversão têm a ver com a legalidade deste despacho, devendo ser apreciadas em processo de oposição à execução fiscal, pois enquadram-se no fundamento previsto na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do C.P.P.T..
As questões que têm a ver com verificação dos requisitos substantivos da responsabilidade da Impugnante (falta de excussão do património da executada originária e falta de exercício da gerência de facto) são também fundamento de oposição à execução fiscal, enquadrável na alínea b) do referido n.º 1 do art. 204.º.
A prescrição da dívida exequenda é também fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo.
No que concerne à questão da nulidade da citação, sendo ela um acto processual praticado na execução fiscal, é também nesse processo que ela deve ser apreciada.

4 – Conclui-se, assim, que houve um erro na forma de processo, por o processo de impugnação judicial não ser meio processual adequado para apreciar qualquer das questões colocadas pela Impugnante.
Havendo erro na forma de processo, deve o Tribunal, oficiosamente, convolar o processo para a forma adequada, nos termos dos arts 97.º, n.º 3, da L.G.T. e 98.º, n.º 4, do C.P.P.T., se a tal nada obstar.
No caso em apreço, a Meritíssima Juíza não ordenou a convolação por estar pendente uma oposição à execução fiscal em que são colocadas pela aqui Impugnante as mesmas questões.
Esta é, efectivamente, uma boa razão para não ordenar a convolação, pois ela tem subjacente razões de economia processual e elas não se verificam no caso em apreço, pois a convolação seria um acto inútil.
Por isso, impunha-se o indeferimento liminar.

Termos em que acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente, com procuradoria de 50%.

Lisboa, 13 de Julho de 2005. - Jorge de Sousa (relator) – Pimenta do Vale – Vítor Meira.