Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0198/09
Data do Acordão:09/16/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
IRC
INDEFERIMENTO
PAGAMENTO
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS
Sumário:É o Tribunal Administrativo de Círculo (e não o Tribunal Tributário) que goza de competência em razão da matéria para, em 1.ª instância, conhecer da acção administrativa especial que tenha por objecto o acto do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, de indeferimento de pedido de pagamento pelo Fundo de Regularização da Dívida Pública do IRC liquidado a empresa reprivatizada, formulado ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 453/88 de 13 de Dezembro.
Nº Convencional:JSTA00065941
Nº do Documento:SA2200909160198
Data de Entrada:02/23/2008
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO E A...
Recorrido 1:MFIN
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL.
Legislação Nacional:CPTA02 ART46 N1 N2.
ETAF 02 ART37 ART44 N1 ART49 N1.
DL 453/88 DE 1988/12/13 ART3 N2 D.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 O Ministério Público no Tribunal recorrido e “A…” vêm recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que julgou «a presente acção administrativa especial PROCEDENTE, pelo que anulo o despacho n.º 52/05 - SETF, de 07/01/2005, do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, que indeferiu à A. o pedido de reembolso referente ao IRC, relativo ao exercício de 1999».
1.2 Em alegação, o Ministério Público recorrente formula as seguintes conclusões.
1. A Autora A… vem, através da presente AAE sindicar o despacho de 7 de Janeiro de 2005, de S. Exa., o Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, que indeferiu pedido de reembolso referente ao IRC do exercício de 1999.
2. A A. pede a anulação do despacho referido, com base em vício de forma, por omissão do exercício do direito de audição prévia e substancial, por violação de lei.
3. O autor do acto sindicado, SEFT, é membro do Governo Constitucional.
4. Ora, o Tribunal competente para conhecer das AAE respeitantes a actos administrativos relativos a questões fiscais praticadas por actos do Governo é o Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do estatuído nos artigos 31.° e 38.° do ETAF, 2.° da Lei 107-D/2003, de 31 de Dezembro, artigos 2.°/2 e 8.° do DL 325/2003, de 30 de Dezembro e 1.º da Portaria 1418/2003, de 30 de Dezembro.
5. O Tribunal Tributário de Lisboa é, pois, incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer da pretensão formulada pela A….
6. A competência do Tribunal é de ordem pública e precede o conhecimento de qualquer outra matéria (artigo 13.º do CPTC).
7. A douta sentença recorrida violou, assim, o normativo constante do artigo 38.°/b) do ETAF:
Nestes termos e nos mais de direito que Vexas, doutamente, suprirão, deve ser julgado procedente o presente recurso jurisdicional, com consequente revogação da decisão recorrida, na medida em que, indevidamente, considerou competente, em razão da hierarquia, o TT de Lisboa e conheceu do mérito da causa, a fim de os autos serem remetidos ao TCAS, por ser o competente, nos termos do estatuído no artigo 14.°/l do CPTA., como é de LEI.
1.3 Por sua vez, a recorrente “A…”, em alegação, apresentou as seguintes conclusões.
a) Subjacente aos presentes autos não está, ao contrário do implicitamente decidido, uma questão fiscal;
b) E por isso mesmo é que a questão dos autos não está abrangida na competência dos tribunais tributários estabelecida no n.º 1 do art. 49° do ETAF - designadamente em iv) da sua alínea a) - mas sim na competência dos tribunais administrativos, nos termos do n.º 1 do art. 44.º do mesmo ETAF;
c) Entendendo de forma diferente, ao considerar-se competente em razão da matéria, o Tribunal a quo violou as referidas disposições legais
d) Subsidiariamente, quando assim não fosse entendido, deveria a douta sentença ser revogada na parte em que considerou que o despacho impugnado não violou o art. 3º, nº 2, alínea d), do Decreto-Lei n.º 453/88, de 13 de Dezembro, na redacção do art. 1º do Decreto-Lei n.º 36/93, de 13 de Fevereiro.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e declarando-se incompetente em razão da matéria o Tribunal Tributário de Lisboa por ser competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa; quando, por mera hipótese, assim não fosse entendido, deveria revogar-se a douta sentença recorrida na medida em que julgou improcedente a alegação do vício de violação de lei; sempre com as legais consequências; com o que V. Ex.cias, Senhores Conselheiros, farão Justiça!
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.
Nos termos do art. 212°, n° 3 da Constituição da República Portuguesa compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
Por sua vez resulta do art° 4º do ETAF que incumbe aos Tribunais Administrativos e Fiscais na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação a legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito da relações jurídicas administrativas e fiscais.
Sobre o conceito de questão fiscal o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, pag. 154 e seguintes, analisa duas teses essenciais que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a adoptar.
Numa delas entende-se por questão fiscal «toda a que emerge de resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do ente respectivo», admitindo-se, por vezes a sua extensão ao «conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas ou teleologicamente subordinadas» - vide os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, citados pelo referido autor: de 17-3-87, proferido no recurso n.° 23993, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 365, página 469, e em Apêndice ao Diário da República de 7-5-93, página 1509; de 12-1-88, proferido no recurso n.° 24796, publicado em Apêndice ao Diário da República de 8-10-93, página 102; de 22-2-90, proferido no recurso n.° 26147, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.° 394, página 323, e em Apêndice ao Diário da República de 12-1-95, página 1429; de 6-10-93, proferido no recurso n.° 26369, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-10-96, página 4792; de 2-12-93, proferido no recurso n.° 32307, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-10-96, página 6744; de 3-11-94, proferido no recurso n.° 34575, página 7646; de 7-8-96, proferido no recurso n° 40641, página 5743; de 14-5-97, do Pleno, proferido no recurso n° 36943.
Noutra linha, entende-se, mais amplamente, que é «questão fiscal a que exija a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjectivo, para resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública» - neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos, também citados pelo mesmo autor: de 31-1-89, proferido no recurso n.° 26331, publicado em Apêndice ao Diário da República de 14-11-94, página 683; de 8-9-93, proferido no recurso n.º 32624, publicado em Apêndice ao Diário da República de 21-8-96, página 4515; de 7-6-94, proferido no recurso n.° 30654, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-12-96, página 4532; de 10-10-96, proferido no recurso n° 40894-A, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-4-99, página 6702; de 11-3-97, proferido no recurso n.º 41144, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.° 465, página 360.
Destas duas teses defende aquele autor, que «a segunda é a que está mais em sintonia com a razão de ser da repartição de competência em razão da matéria entre os vários tipos de tribunais, que assenta, essencialmente, em procurar incrementar a melhoria da qualidade das decisões judiciais, que se crê ser um corolário natural da especialização».
«Por isso, valendo esta razão de ser da repartição de competência sempre que esteja em causa a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjectivo e a resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública, deverá adoptar-se esta segunda tese».
A questão da competência a apreciar no caso subjudice, reconduz-se assim, à luz desta última tese jurisprudencial, a que aderimos, a saber qual a pretensão jurídica deduzida pela autora na petição inicial, designadamente se se pretende, de alguma forma, apreciar a validade de um acto em que a Administração fez interpretação e aplicação de normas de direito fiscal substantivo ou adjectivo para resolver questão incluída no exercício da função tributária.
Será assim decisiva, para a resolução da questão, a análise da pretensão jurídica formulada pela recorrente, tanto mais que, como é sabido, a competência (ou jurisdição) de um tribunal se afere pelo “quid decidendum”, ou seja, pelos objectivos prosseguidos pelo autor.
Ora, no caso presente, considerando quer um quer outro dos entendimentos jurisprudenciais acima referidos, parece seguro poder concluir-se que, tal como a pretensão jurídica da recorrente foi apresentada, que não estamos perante uma questão de natureza fiscal.
A requerente veio apenas pedir o reembolso de dívidas à Administração Fiscal, dívidas essas resultantes de período anterior à reprivatização, que não terão sido consideradas no processo de avaliação e que, em seu entender, serão da responsabilidade do Fundo de Regularização da Dívida pública, ao abrigo do disposto na al. d) do n° 2 do Decreto-Lei 453/88.
A tutela jurisdicional pretendida pela recorrente não corresponde assim a matéria reservada à jurisdição fiscal, já que é inequívoco que não exige a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, para resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária.
Termos em que somos de parecer que deve ser julgada procedente a arguida incompetência em razão da matéria.
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação dos recursos, quer do Ministério Público recorrente, quer da recorrente sociedade, e ainda perante o parecer do Ministério Público neste Tribunal, as questões que aqui se colocam são, desde logo, as de saber se o Tribunal a quo goza de competência em razão da matéria e da hierarquia.
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
A) A sociedade “...” foi transformada em “…” nos termos do DL n.º 197/91 de 29/05 e em conformidade com a Lei n.° 11/90 de 05/04.
B) A sociedade “…” foi objecto de um processo de reprivatização, nos termos do DL n.° 120/94 de 10/05.
C) O processo de reprivatização desenvolveu-se por fases, nos termos do art.º 1.º do DL n.° 120/94 de 10/05.
D) Na 1ª fase, em 1994, foram objecto de reprivatização as acções correspondentes a 20% do capital social, nos termos do DL n.° 120/94 de 10/05 e da Resolução do Conselho de Ministros n.° 31 - A/94 de 13/05.
E) Na 2ª fase, em 1996, foram objecto de reprivatização acções correspondentes a aproximadamente 45% do capital da sociedade, nos termos do DL n.° 64/96 de 31/05 e das resoluções do Conselho de Ministros n.° 142/96 de 30/08 e n.° 163-A/96 de 04/10.
F) No âmbito da reestruturação, realizada após a 2ª fase de reprivatização, a sociedade “…” foi transformada em sociedade gestora de participações sociais, adoptando a designação de “A…”, por escritura lavrada em 31/12/1996, outorgada no 17° Cartório Notarial de Lisboa (cfr documento a fls. 26 dos autos).
G) Na 3ª fase, em 1998, foram objecto de reprivatização acções correspondentes a aproximadamente 25% do capital social, nos termos do DL n.° 94-A/98 de 17/04 e das Resoluções do Conselho de Ministros n.° 61/98 de 06/05 e n.° 63/98 de 18/05.
H) Na 4ª fase, em 2001, foram objecto de reprivatização acções correspondentes a 10,049% do capital da sociedade, nos termos do DL n.° 331/2000 de 30/12 e da Resolução do Conselho de Ministros n.° 40/2001 de 19/04.
I) Antes de cada uma das quatro fases da privatização, a A. foi objecto de uma avaliação, nos termos do art.° 296.° al. e) da CRP e do art.° 5.° da Lei n.° 11/90 de 05/04.
J) Em Outubro de 2003, a A. foi notificada pela Direcção Geral dos Impostos de uma liquidação n.° 8310017212 de 14/10/2003, referente ao IRC, relativa ao exercício de 1999, no montante de € 4.038.934,33 (cfr. documento a fls. 36 dos autos).
K) Em 23/02/2004, a A. deduziu reclamação graciosa da liquidação adicional mencionada na alínea anterior, alegando em síntese que “(...) as correcções dizem respeito a um ajustamento correspondente a 40% do aumento das reintegrações resultante de avaliações de bens do activo imobilizado corpóreo vendidos intragrupo em 1996, 1997 e 1999.” Pelo que “A reclamante entende que não foi tida em consideração pelos Serviços de Inspecção Tributária, a situação particular das reavaliações do imobilizado vendido intragrupo” e que as “(...) reavaliações ocorrido no âmbito de uni complexo processo de privatização. (...) Em 27/09/1996, foi requerida ao Ministro das Finanças a faculdade de reavaliar o imobilizado corpóreo utilizado na sua actividade operacional. O pedido apresentado foi deferido parcial mente, por despacho do Ministro das Finanças de 24/12/1996, apenas indeferindo a possibilidade de acréscimo das amortizações referente aos exercícios de 1992 a 1995. (...) estando a reclamante e o grupo de sociedades cujas participações sociais esta geria abrangidas pela Tributação pelo Lucro Consolidado, nos termos previstos no artigo 59.° do CIRC (...) as amortizações registadas pelas diversas empresas do grupo (...) foram incluídas como custos fiscais do grupo consolidado. Pelo que a consideração da totalidade do custo, e não apenas de 60% do mesmo é uma consequência directa da sucessão de factos elencados, decorrentes da privatização, nos moldes e com as autorizações que lhe foram concedidas, da sua reestruturação e do regime de consolidação. Não havendo fundamentação para as correcções ora operadas, consistentes na desconsideração de 40% daquele custo.” (cfr. documento a fls. 37 e ss, Vol. 1, do Processo Administrativo).
L) Em 11/11/2004, tendo em conta a referida liquidação e nos termos do art.° 3.° n.° 2 al. d) do DL n.° 453/88 de 13/12, a recorrente A. requereu ao Senhor Presidente do Fundo de Regularização da Dívida Pública o montante de € 4.038.934,33, acrescido de juros moratórios, assumindo o compromisso de devolver a totalidade dos valores restituídos pelo Fundo (cfr. documento a fls. 45 e ss dos autos).
M) Em 18/01/2005, a A. recebeu o ofício datado de 10/01/2005, notificando o Despacho de indeferimento do requerimento mencionado em L) (cfr. documento a fls. 9 e 25 dos autos).
N) O Despacho mencionado na alínea anterior foi proferido em 07/01/2005 (Despacho n.° 52/05-SETF) pelo Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças com os seguintes fundamentos:
- Só após a confirmação da dívida pela Administração Fiscal face à reclamação graciosa apresentada pela A… e só após o pagamento da mesma dívida é que o Fundo de Regularização da Dívida Pública (FRDP) poderia ter de reembolsar a A.;
- Em qualquer caso, o reembolso da quantia em causa à A. não é justificável visto que iria beneficiar os titulares do capital já reprivatizado nas três primeiras fases;
- Por último, sempre deveria ser julgado improcedente o pedido de pagamento da quantia em causa uma vez que afigura-se altamente improvável e não está minimamente demonstrado, que o conhecimento antecipado da existência da obrigação fiscal referida fosse causa suficiente para alterar a decisão de investimento. (cfr. documento a fls. 25, 48 dos autos e parecer de fls. 51 a 56 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
O) Anteriormente foram efectuadas liquidações adicionais de IRC, referentes aos anos de 1990 e 1991.
P) Foi requerido do Fundo de Regularização da Dívida Pública o pagamento das liquidações referentes aos anos mencionados na alínea anterior (cfr. documento a fls. 57 e ss dos autos).
Q) Tendo o Fundo assumido a responsabilidade pelo pagamento integral das mesmas (cfr. documento a fls. 60 e 61 e ss dos autos).
R) Foi deferido idêntico pedido relativo à liquidação adicional relativa ao exercício de 1993 (cfr. documento a fls. 65 dos autos).
2.2 De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 46.º (“Objecto”), inserido no Capítulo I (“Disposições Gerais”) do Título III (“Da Acção administrativa especial”) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, «Seguem a forma da acção administrativa especial, com a tramitação regulada no capítulo III do presente título, os processos cujo objecto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de actos administrativos, bem como de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo». E o n.º 2 do mesmo artigo 46.º dispõe que «Nos processos referidos no número anterior podem ser formulados os seguintes pedidos principais: a) Anulação de um acto administrativo ou declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica; b) Condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido; c) Declaração da ilegalidade de uma norma emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo; d) Declaração da ilegalidade da não emanação de uma norma que devesse ter sido emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo.
Por sua vez, os artigos 44.º e 49.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (redacção da Lei n.º 107-D/2003, de 21 de Dezembro) estabelecem, respectivamente, a “Competência dos tribunais administrativos de círculo”, e a “Competência dos tribunais tributários”.
O n.º 1 daquele artigo 44.º preceitua que «Compete aos tribunais administrativos de círculo conhecer, em 1.ª instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa, com excepção daqueles cuja competência, em primeiro grau de jurisdição, esteja reservada aos tribunais superiores e da apreciação dos pedidos que nestes processos sejam cumulados».
E o n.º 1 daquele artigo 49.º reza que «Compete aos tribunais tributários conhecer: a) Das acções de impugnação: i) Dos actos de liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais, e parafiscais, incluindo o indeferimento total ou parcial de reclamações desses actos; ii) Dos actos de fixação dos valores patrimoniais e dos actos de determinação de matéria tributável susceptíveis de impugnação judicial autónoma; iii) Dos actos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal; iv) Dos actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais; b) Da impugnação de decisões de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria fiscal; c) Das acções destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal; d) Dos incidentes, embargos de terceiro, verificação e graduação de créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de actos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantadas nos processos de execução fiscal; e) Dos seguintes pedidos: i) De declaração da ilegalidade de normas administrativas de âmbito regional ou local, emitidas em matéria fiscal; ii) De produção antecipada de prova, formulados em processo neles pendente ou a instaurar em qualquer tribunal tributário; iii) De providências cautelares para garantia de créditos fiscais; iv) De providências cautelares relativas aos actos administrativos impugnados ou impugnáveis e às normas referidas na subalínea i) desta alínea; v) De execução das suas decisões; vi) De intimação de qualquer autoridade fiscal para facultar a consulta de documentos ou processos, passar certidões e prestar informações; f) Das demais matérias que lhes sejam deferidas por lei».
Por outro lado, segundo o artigo 37.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (redacção da Lei n.º 107-D/2003, de 21 de Dezembro), «Compete à Secção de Contencioso Administrativo de cada tribunal central administrativo conhecer: a) Dos recursos das decisões dos tribunais administrativos de círculo para os quais não seja competente o Supremo Tribunal Administrativo, segundo o disposto na lei de processo; b) Dos recursos de decisões proferidas por tribunal arbitral sobre matérias de contencioso administrativo, salvo o disposto em lei especial; c) Das acções de regresso, fundadas em responsabilidade por danos resultantes do exercício das suas funções, propostas contra juízes dos tribunais administrativos de círculo e dos tribunais tributários, bem como dos magistrados do Ministério Público que prestem serviço junto desses tribunais; d) Dos demais processos que por lei sejam submetidos ao seu julgamento».
2.3 No caso sub judicio, a recorrente sociedade conclui que «a questão dos autos não está abrangida na competência dos tribunais tributários estabelecida no n.º 1 do art. 49° do ETAF - designadamente em iv) da sua alínea a) - mas sim na competência dos tribunais administrativos, nos termos do n.º 1 do art. 44.º do mesmo ETAF» [cf. sua conclusão b)].
E tem razão a sociedade ora recorrente.
Com efeito, na presente acção administrativa especial, entrada em Tribunal em
19-4-2005, a sociedade autora, ora recorrente, veio pedir «que a acção deve ser julgada procedente e, em consequência, o Despacho dos autos ser anulado por ilegal, ser declarado que a A. tem direito ao pagamento requerido e por isso ser ordenado tal pagamento, com as legais consequências». E, na verdade, o acto impugnado nos autos é o Despacho n.º 52/05-SETF, de 7 de Janeiro de 2005, do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, referido em M) do probatório, que indeferiu o requerimento que a ora recorrente apresentara ao Presidente do Fundo de Regularização da Dívida Pública a pedir “(…) o pagamento à requerente da quantia de IRC e juros compensatórios adicionalmente liquidados, no montante de € 4.038.934,33, acrescido de juros moratórios que vierem a ser liquidados, assumindo o compromisso de, obtendo ganho de causa na reclamação graciosa ou em eventual impugnação judicial que lhe venha a suceder, devolver a totalidade dos valores restituídos pelo Fundo». Este requerimento fora apresentado, «nos termos do art.º 3.º, n.º 2, al. d) do DL n.º 453/88 de 13/12», e no seguimento de notificação feita pela Direcção Geral dos Impostos de liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 1999, no referido valor – cf. nomeadamente as alíneas J), L) e N) do probatório e os documentos aí referidos.
Ora, como logo se vê, o que está em causa nesta acção administrativa especial é o acto de indeferimento pelo Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças do pedido feito pela sociedade autora, ora recorrente, de pagamento pelo Fundo de Regularização da Dívida Pública do IRC que lhe fora adicionalmente liquidado, no montante de € 4.038.934,33, relativamente ao exercício do ano de 1999.
Portanto: não está em causa nenhum acto ou questão fiscal com elenco no supracitado n.º 1 do artigo 49.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, determinante da competência em razão da matéria dos tribunais tributários – o que, aliás, vem proficientemente salientado no parecer do Ministério Público consignado supra em 1.4, e de que aqui neste passo, data venia, nos apropriamos.
Razão por que a competência em razão da matéria para o conhecimento da presente acção administrativa especial é, em 1.ª instância, a dos tribunais competentes para a resolução de «todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa», não exceptuados por lei, nos termos do supracitado n.º 1 do artigo 49.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais: os tribunais administrativos de círculo.
Como assim, e visto que a competência em razão da matéria para conhecer da presente acção administrativa especial é, em 1.ª instância, do Tribunal Administrativo de Círculo, não pode proceder a questão da competência em razão da hierarquia (do Tribunal Central Administrativo) levantada pelo Ministério Público recorrente.
Estamos deste modo a concluir que o Tribunal a quo neste caso não goza de competência em razão da matéria, cuja é do Tribunal Administrativo de Círculo.
Então, havemos de convir, em súmula, que é o Tribunal Administrativo de Círculo (e não o Tribunal Tributário) que goza de competência em razão da matéria para, em 1.ª instância, conhecer da acção administrativa especial que tenha por objecto o acto do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, de indeferimento de pedido de pagamento pelo Fundo de Regularização da Dívida Pública do IRC liquidado a empresa reprivatizada, formulado ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 453/88 de 13 de Dezembro.
3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso do Ministério Público; e conceder provimento ao recurso da sociedade recorrente, revogando-se a sentença recorrida, julgando-se o tribunal tributário a quo incompetente em razão da matéria e declarando-se o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa o competente em razão da matéria e da hierarquia para o conhecimento da presente acção administrativa especial.
Sem custas.
Lisboa, 16 de Setembro 2009. – Jorge Lino (relator) – Isabel Marques da Silva – Brandão de Pinho.