Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0345/15
Data do Acordão:09/24/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:REVISTA
OBJECTO
Sumário:I – Enquanto que, no recurso que interpuseram para o TCA, os recorrentes, reiterando a posição que haviam defendido na reclamação para a conferência, sustentaram que fora cometida uma nulidade processual, por o julgamento da acção administrativa especial, em infracção ao disposto no art.º 40.º, n.º 3, do ETAF, ter sido efectuado por juiz singular, na revista, interposta do acórdão do TCA que julgou não verificada essa nulidade, alegaram que a decisão daquela reclamação não tomou posição sobre a questão de mérito.
II – Destinando-se a revista a rever a decisão do TCA, terá de improceder se neste tribunal não foi equacionada a questão de saber se o acórdão do TAF deveria assumir a decisão sobre o mérito que fora tomada pelo juiz relator.
Nº Convencional:JSTA000P19431
Nº do Documento:SA1201509240345
Data de Entrada:04/30/2015
Recorrente:A...... E B..........
Recorrido 1:INST DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

1. A……… e B…….. intentaram, contra o IEFP-Instituto de Emprego e Formação Profissional, acção administrativa especial, para impugnação do despacho, de resolução do contrato de concessão de incentivos financeiros, proferido pelo Director do Centro de Emprego de Felgueiras.
O TAF de Braga, por decisão de 28/01/2014, julgou essa acção improcedente.
Os A.A., ao abrigo do art.º 27.º, n.º 2, do CPTA, reclamaram desta decisão para a conferência, invocando a existência de uma nulidade processual, por o julgamento da matéria de facto e de direito não ter sido realizado pela formação de três juízes que era exigida pelo n.º 3 do art.º 40.º do ETAF.
Em 8/04/2014, o TAF, em conferência, julgou improcedente essa reclamação.
Os A.A. recorreram para o TCA-Norte, o qual, por acórdão de 9/10/2014, negou provimento ao recurso.
Deste acórdão, interpuseram eles, a coberto do disposto no art.º 150.º, do CPTA, recurso para o STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
“1) Discute-se se nas acções administrativas de valor superior à alçada da relação, pode o juiz singular decidir de facto e de direito, quando é consabido que à face do art.º 40.º, n.º 3 do ETAF, tal competência cabe a uma formação de três juízes;
2) Verificada essa anomalia, os recorrentes reclamaram em primeira instância para a conferência, ao abrigo do art.º 27/2 do CPTA;
3) A conferência limitou-se a julgar improcedente a reclamação, embora admitisse como meio próprio, sem contudo acolher ou afastar o decidido;
4) Mantendo o entendimento da invocada nulidade processual consignada no art.º 201.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA, por incompetência material do juiz singular, reconduzível à violação do princípio do juiz natural, os recorrentes levaram a questão ao TCA Norte que voltou a decidir que só haveria lugar a reclamação para a conferência, sem esclarecer qual o papel da conferência em sede de decisão da própria reclamação, declarando inexistir a invocada nulidade;
5) Nos termos da motivação precedente, saber qual é o papel da conferência, em sede da decisão da reclamação originada pela decisão do juiz singular onde deveria intervir a formação de três juízes, - aliás como melhor explanado na motivação - revela-se necessário para uma melhor aplicação do direito, motivo que justifica a admissão do presente recurso;
6) Mal se percebe que impondo a lei a intervenção de um colectivo de juízes na decisão de facto e de direito, se possa fazer tábua rasa do art. 40.º/3 do ETAF, sufragando, ao menos implicitamente, como boas, decisões onde a formação de três juízes não interveio na decisão de facto ou de direito;
7) Fica estranho o papel da reclamação para a conferência, quando é aceite por todos os tribunais como sendo o meio próprio e daí nenhum extrai uma consequência decisória;
8) Importa saber e clarificar se o conteúdo da reclamação mais que um direito de reclamar, é, e parece que é, o direito de ver a decisão do juiz singular sustentada ou alterada;
9) Se à conferência cabe julgar de facto e de direito, impunha-se que no caso dos autos, onde a conferência começou por não intervir no julgamento da matéria de facto, esta mesma declarasse a nulidade processual referida, reconhecesse a incompetência material do juiz singular, ordenando a repetição do julgamento quer de facto quer de direito, ou no mínimo e sem prescindir, ainda que por diferente fundamentação, declarasse acolher ou alterar a decisão tomada pelo juiz singular;
10) Sendo a decisão colegial mais ponderada e oferecendo maiores garantias aos cidadãos, não pode esta ser afastada sem motivos ponderosos e ancoração legal;
11) Se o juiz não era competente para o julgamento da matéria de facto e o julgamento da matéria de direito, ao decidir fora da sua competência, praticou um acto nulo, e sendo a competência de três juízes, quando o juiz singular assume o papel daqueles violou o princípio do Juiz Natural e qualquer interpretação do art.º 40.º/3 do ETAF, que contrarie este entendimento, padece de inconstitucionalidade material que fica arguida;
12) Por tudo o exposto e ora concluído, entendem os recorrentes que devem ser conhecidas as invocadas nulidade processual, incompetência material do juiz singular e inconstitucionalidade do art.º 40.º, n.º3 do ETAF por violação do princípio do juiz natural quando interpretada no sentido de que, apesar da lei exigir três juízes a decidir de facto e de direito, e por esta formação não ter intervindo em qualquer dessas decisões, a decisão pelo juiz singular se mostra conforme à lei;
13) Em conformidade, deve sufragar-se o presente entendimento, revogar-se a decisão recorrida e ordenar-se o prosseguimento dos autos, como é de lei, para que a conferência decida o que lhe compete;
14) Pelo que, o douto acórdão ao decidir como decidiu, revela má aplicação do direito, sendo a revista necessária para a sua melhor aplicação e reparo pela violação dos preceitos jurídicos citados nas presentes conclusões”.
O recorrido, IEFP, contra-alegou, tendo concluído que o recurso não deveria ser admitido, por não se verificarem os requisitos do n.º1 do art.º 150.º do CPTA ou, assim se não entendendo, ser-lhe negado provimento.
A formação de apreciação preliminar a que alude o n.º 5 do referido art.º150.º admitiu a revista, entendendo que o problema que era colocado consistia em saber qual o papel da conferência quando para ela se reclamava do julgamento feito pelo juiz singular, designadamente se lhe bastava indeferir a nulidade processual que fora arguida ou se tinha de assumir a decisão sobre o mérito que fora tomada.
O digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos do art.º 146.º, n.º1, do CPTA, não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Na reclamação para a conferência da decisão do juiz relator que, conhecendo do mérito da acção administrativa especial intentada pelos ora recorrentes, a julgou improcedente, absolvendo o R. do pedido, foi apenas alegada a verificação de uma nulidade processual resultante de, em infracção ao disposto no art.º 40.º, n.º 3, do ETAF, o julgamento de facto e de direito não ter sido realizado por uma formação de três juízes, pedindo-se a anulação de todos os actos praticados por aquele juiz e, consequentemente, que fosse efectuado, pelo tribunal colectivo, um novo julgamento.
O TAF, em conferência, julgou essa reclamação totalmente improcedente, por considerar que a única consequência que poderia resultar de o julgamento ter sido realizado por juiz singular era a de a decisão por este tomada estar sujeita a reclamação para a conferência, nos termos do art.º 27.º, n.º2, do CPTA, não sendo, assim, aplicável o regime da nulidade previsto no art.º 110.º, n.º 4, do CPC.
No recurso que interpuseram deste acórdão para o TCA-Norte, os ora recorrentes reiteraram a posição que haviam defendido na reclamação, continuando a sustentar que a preterição do tribunal colectivo, acarretando a incompetência do juiz singular para decidir a acção, configurava uma nulidade processual, nos termos do art.º 201.º, do CPC.
O TCA-Norte, pelo acórdão recorrido, negou provimento a esse recurso, por entender que a questão que era colocada pelos recorrentes não configurava uma nulidade processual que devesse ser conhecida e declarada, nos termos do art.º 201.º, do CPC, “tratando-se antes de uma questão que apenas contende com o facto de saber se da decisão proferida por juiz singular em acção para a qual o julgamento caberia a uma formação de três juízes, dela caber reclamação para a conferência ou recurso jurisdicional por força do disposto nos arts. 27.º, do CPTA e 40.º, n.º3, do ETAF, normas das quais, frise-se, resulta ser o juiz relator titular de poderes bastantes para julgar a acção em causa”, sendo irrelevante o facto de este não ter invocado expressamente a alínea i) do n.º 1 deste art.º 27.º.
Na presente revista, ao A.A. alegam que quando o citado art.º 40.º, n.º 3, determina que o julgamento da matéria de facto e de direito cabe a uma formação de três juízes, são estes que têm a competência exclusiva para o efeito, sendo esta competência originária que justifica a existência da reclamação para a conferência, na decisão da qual há que tomar posição a favor ou contra o decidido pelo juiz singular, sustentando ou alterando o que este decidiu, não bastando que conferência se limite a julgar procedente ou improcedente a reclamação. A não intervenção do tribunal colectivo na decisão de facto e de direito, implica que o juiz singular tenha praticado um acto nulo, por decidir fora da sua competência e que tenha violado o princípio do juiz natural, sendo inconstitucional, por violação do art.º 32.º, n.º 9, da CRP, outra interpretação do mencionado art.º 40.º, n.º 3. Concluem, pedindo a revogação do acórdão recorrido e que se ordene o prosseguimento dos autos “para que a conferência decida o que lhe compete”.
Resulta do que ficou exposto que a nulidade processual que os A.A. consideram que se verifica traduz-se na preterição do tribunal colectivo, por, em infracção ao disposto no art.º 40.º, n.º 3, do ETAF, o julgamento de mérito da acção administrativa especial ter sido efectuado por juiz singular e não por uma formação de três juízes.
Porém, enquanto que na reclamação para a conferência e no recurso da decisão desta que foi interposto para o TCA-Norte, essa nulidade resultava de ter sido proferida, por juiz singular, sentença a julgar, de facto e de direito, a acção, na revista ela é invocada com o fundamento que o acórdão do TAF não tomou posição sobre o mérito da decisão reclamada. Embora em qualquer dos casos se ataque o que consta deste acórdão, é inequívoco que são distintos os fundamentos dessa impugnação, sendo também diferentes as consequências da procedência dos vícios alegados. Efectivamente, a incompetência em que se consubstancia a nulidade processual alegada ocorre no primeiro caso por ter sido o juiz singular a julgar a acção e no segundo por a conferência, ao não se pronunciar sobre a questão de mérito, não ter assumido a decisão daquele. Revelador desta distinção são as diferentes consequências da procedência dos vícios em causa, dado que o julgamento da revista, ao contrário do que sucedia com o do recurso interposto para o TCA-Norte, é insusceptível de vir a afectar a sentença, apenas podendo, como, aliás, é pedido pelos recorrentes, determinar que a conferência se venha a pronunciar sobre o mérito da sentença.
Esta “omissão de pronúncia” que, em rigor, é agora imputada ao acórdão do TAF não constituiu objecto do recurso para o TCA-Norte, o qual, no acórdão recorrido, também não se pronunciou sobre essa questão.
A natureza do recurso como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial que visa reapreciar, revogando-a, alterando-a ou confirmando-a, determina que o seu objecto consista apenas no vício ou vícios daquela, tendo, por isso, que improceder na parte em que suscita questão não apreciada na decisão recorrida que não seja de conhecimento oficioso e relativamente à qual não é imputada a nulidade de omissão de pronúncia.
Portanto, destinando-se a presente revista a rever a decisão do TCA-Norte e dependendo a sua procedência da existência de erros de apreciação ou julgamento ínsitos na pronúncia emitida pela decisão sob censura, não pode ela proceder na parte em causa se, como é o caso, naquele tribunal não foi equacionada a questão de saber se o acórdão do TAF deveria assumir a decisão sobre o mérito que fora tomada pelo juiz relator, não enfermando, assim, nesse aspecto, o acórdão recorrido de qualquer vício.
Os recorrentes, embora de forma algo lacónica e genérica, alegam ainda que o acórdão recorrido, ao considerar que não se verificava a nulidade processual suscitada, adoptou uma interpretação inconstitucional do art.º 40.º, n.º 3, do ETAF, por violação do princípio do juiz natural consagrado no art.º 32.º, n.º 9, da CRP.
Como já referimos, a decisão recorrida perfilhou o entendimento que a competência estabelecida no aludido art.º 40.º, n.º 3, não obstava a que o juiz relator, ao abrigo do art.º 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA, fosse titular de poderes bastantes para julgar a acção, embora a sua decisão estivesse sujeita a reclamação para a conferência, nos termos do n.º 2 deste art.º 27.º.
Ora, esta interpretação, que admite que, através da reclamação para a conferência, a formação de três juízes seja chamada a participar na decisão da acção, não viola o princípio do juiz natural, por não se traduzir na atribuição da competência a um tribunal diferente daquele que foi legalmente estabelecido.
Nestes termos, terá de improceder a presente revista.

3. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo o acórdão recorrido.
Custas, em partes iguais, pelos recorrentes.

Lisboa, 24 de Setembro de 2015. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – Jorge Artur Madeira dos Santos.