Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0773/09
Data do Acordão:01/20/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IMPOSTO DE SELO
TRANSMISSÃO PARA EFEITOS FISCAIS
VALOR PATRIMONIAL
USUCAPIÃO
AVALIAÇÃO
Sumário:Tendo sido adquirido por usucapião apenas o prédio rústico onde foi erguida uma construção, só o valor daquele deve ser considerado para efeitos de incidência de imposto de selo.
Nº Convencional:JSTA000P11364
Nº do Documento:SA2201001200773
Recorrente:A... E MULHER
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO

1.1. A… e B…, com os sinais dos autos, recorrem da sentença que, proferida pelo Mmo. Juiz do TAF de Braga, lhes julgou improcedentes as impugnações (apensadas) deduzidas contra as liquidações do imposto de selo, efectuadas em 7/12/2006, no montante de € 2.362,50, cada.

1.2. Os recorrentes terminam as alegações do recurso formulando as Conclusões seguintes:
A - O Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” julgou improcedente a impugnação judicial que deduziram contra o acto de liquidação do imposto de selo, relativamente a construção de uma habitação, actualmente inscrito na matriz sob o artigo 482 urbano da freguesia de Cambeses.
B - O referido prédio urbano foi construído a expensas dos recorrentes, tendo sido apenas o prédio rústico, verbalmente, transmitido.
C - Sendo um investimento patrimonial dos recorrentes, não podendo ser considerado uma transmissão gratuita.
D - Assim o Imposto Selo devido deverá apenas incidir sobre o prédio rústico, pois só este foi adquirido originariamente.
E - Carecendo, por isso a construção da habitação, num terreno usocapido originariamente adquirido de qualquer incidência normativa.
F - A aquisição por usucapião para efeito fiscais só ocorreu no momento em que o documento que a titula (Escritura de Justificação) foi celebrada, e apenas nessa data se tornou definitiva, como decorre do disposto no artigo nº 5, al. r) do CIS.
G - Ora o valor do imóvel é o valor patrimonial que consta da matriz, no momento da transmissão.
H - O imposto de Selo devido deverá recair sobre o valar patrimonial de um prédio rústico com as características; (área, localização) do justificado.
I - O Imposto de Selo deverá ser calculado, após obtenção do valor patrimonial, segundo as regras estabelecidas no CIMI nos artigos 17º e seguintes
J - Assim foram violadas as normas preceituadas nos artigos 5º al. r) CIS e 15º e 17º e seguintes do CIMI.
Terminam pedindo o provimento do recurso, com a procedência da impugnação e a anulação das liquidações impugnadas.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer no sentido do não provimento do recurso, fundamentando-se, em síntese, no seguinte:
«Alegam os recorrentes que o prédio urbano actualmente inscrito na matriz sob o artigo 482 urbano de freguesia de Cambeses, foi construído a expensas dos mesmos, não podendo ser considerado uma transmissão gratuita, tendo sido apenas o prédio rústico verbalmente transmitido.
Assim, concluem, o imposto Selo devido deverá apenas incidir sobre o valor do prédio rústico, pois só este foi adquirido originariamente.
A nosso ver carecem de razão.
O Imposto de Selo incide, em geral, sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, excluídas as operações abrangidas pela incidência do IVA e dele não isentas (Vide neste sentido José Casalta Nabais Direito Fiscal, pág. 608).
Com a revogação do CIMSISD, a partir de 1 de Janeiro de 2004, as transmissões gratuitas de móveis e imóveis passaram a ser reguladas pelo CIS.
São consideradas transmissões gratuitas as que tenham por objecto direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião.
No caso dos autos resulta do probatório que em 30.08.04 foi lavrada escritura de justificação no 1° Cartório Notarial de Barcelos, ficando a constar da mesma que os impugnantes adquiriram em comum e partes iguais, um terreno onde foi edificado um prédio urbano actualmente inscrito na matriz sob o artigo 482 da freguesia de Cambeses, adquirido por compra meramente verbal no ano de 1972 a C….
Mais resulta provado que os justificantes, pretendendo levar a registo o identificado prédio, invocaram a usucapião como forma de aquisição originária;
Ora, como bem se salienta na decisão recorrida, em sede de Imposto de Selo a quantificação da obrigação tributária será efectuada a partir do valor do prédio tal como ele é descrito na escritura.
No caso foram os próprios outorgantes que declararam, à data da escritura, serem donos de um prédio urbano, e já não de um prédio rústico, daí que seja aquele valor o relevante para a fixação do imposto de selo.
Sendo que resulta do art. 13°, nº 1 do CIS que o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.
Assim sendo, porque a obrigação tributária se constitui com a transmissão operada por via da escritura de justificação notarial (art. 5°, nº 1, al. r do CIS), sendo irrelevante o momento de aquisição do direito de propriedade, (Vide neste sentido, Acórdão citado de 26.11.2008, recurso 376/08 in www.dgsi.pt) é manifesto que falece razão aos recorrentes.
Termos em que somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o julgado recorrido.»

1.5. Foram colhidos os Vistos legais e cabe decidir.

1.6. Em face do teor quer das conclusões apresentadas quer do Parecer do Ministério Público, a questão a decidir é a de saber se o imposto de selo deveria ter sido liquidado reportando-se ao valor do prédio rústico originariamente adquirido pelos recorrentes, ou ao valor que se encontrava inscrito na matriz à data da escritura de justificação notarial (arts. 1º, nºs. 1 e 3, 2º nº 2, al. b), 3º nºs. 1 e 3 al. b), 5º al. r) e 13º nº 1, todos do CIS).

FUNDAMENTOS
2.1. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1 - Em 30/08/04 foi lavrada escritura de Justificação no 1º Cartório Notarial Barcelos, extraída a folhas 44 do livro 324-B.
2 - Ficou a constar dessa escritura que os impugnantes adquiriram em comum e partes iguais, um terreno onde foi edificado um prédio urbano actualmente inscrito na matriz sob o artigo 482 da freguesia de Cambeses, adquirido por compra meramente verbal no ano de 1972 a C….
3 - Os justificantes A… e mulher B…, pretendendo levar a registo o identificado prédio invocaram a usucapião como forma de aquisição originária;
4 - Com a justificação, foi apresentada no Serviço de Finanças de Barcelos a declaração de modelo I do Imposto Municipal sobre Imóveis nos termos do artigo 13° nº 1 al. i) do CIMI.
5 - Para efeitos de registo Predial, foi exigido que fosse efectuada a participação em sede de Imposto de Selo da justificação em conformidade com o disposto na alínea a) do nº 3 do art. 1º C.I.S. o que foi efectuado.
6 - Foi solicitado ao serviço de finanças a participação para efeito de Imposto Selo a que se refere o ponto anterior, juntando-se ao respectivo processo fotocópia da escritura de justificação do terreno onde o mesmo prédio foi construído.
7 - Na declaração I.S modelo I, Anexo I - Relação de Bens 01 foi mencionado o artigo urbano 482 de Cambeses.
8 - Quem construiu o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 482 de Cambeses foram os impugnantes, a expensas suas, em terreno adquirido verbalmente a C….

2.2. A sentença julgou improcedentes as impugnações, com fundamento em que, em termos de incidência, o imposto de selo não incide sobre a aquisição da propriedade, em si, mas sobre os actos jurídicos praticados relativamente àquela aquisição, sendo, pois, devido pela celebração da escritura pública de justificação ou da escritura pública de compra e venda, nos casos mais comuns e com fundamento, no que respeita à quantificação da obrigação tributária, em que esta é quantificada pelo art. 9º do CIS, conjugado com a Tabela Geral anexa àquele, a qual remete para o valor objecto do acto de escritura, pelo que o mesmo deve ser apurado a partir do valor do prédio tal como nela é descrito. E porque o facto tributário ocorre aquando da escritura, o estado do imóvel a atender para a aferição do valor terá de ser o verificado na data daquela, independentemente das causas das modificações verificadas, sendo que tal estado é uno e não pode cindir-se em rústico e urbano.
Vejamos.

2.3. Revogado que foi, a partir de 1/1/2004 (cfr. arts. 31º e 32º do DL nº 287/2003, de 12/11), o Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, as transmissões gratuitas de móveis e imóveis passaram a ser reguladas pelo Código do Imposto de Selo (CIS), cujo art. 1º dispõe, no que aqui interessa, o seguinte:
1 - O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
2 – (…)
3 - Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto:
a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião; (Redacção introduzida pela Lei nº 39-A/2005, de 29/7).
(…)
Por sua vez, o artigo 2º (incidência subjectiva) dispõe:
1 – (…)
2 - Nas transmissões gratuitas, são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, sem prejuízo das seguintes regras:
a) (…)
b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respectivos beneficiários. (Redacção introduzida pelo DL nº 287/2003, de 12/11).
E o artigo 3º (Encargo do imposto), dispõe:
1 - O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1º. (Redacção introduzida pelo DL nº 287/2003, de 12/11).
2 – (…)
3 - Para efeitos do Nº 1, considera-se titular do interesse económico: a) Nas transmissões por morte, a herança e os legatários e, nas restantes transmissões gratuitas, bem como no caso de aquisições onerosas, os adquirentes dos bens;
Já a al. r) do art. 5º (Nascimento da obrigação tributária) dispõe (redacção da Lei nº 60-A/2005, de 30/12) que a obrigação tributária se considera constituída, nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial.
Finalmente, o nº 1 do art. 13º dispõe que o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.
E de acordo com a verba 1.2. da Tabela Geral o imposto do selo recai em 10% sobre o valor dos respectivos contratos de «aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião (…)».

2.4. Sobre a questão aqui em causa já se debruçaram, embora sem unanimidade, vários arestos desta secção do STA.
E, de acordo com a jurisprudência recente, temos vindo a entender que o acto de «aquisição por usucapião» do imóvel objecto dessa aquisição é incidente de tributação em imposto de selo, não o sendo já, porém, o acto de aquisição de benfeitorias entretanto realizadas no mesmo imóvel pelo sujeito beneficiário da usucapião (cfr. o ac. de 13/1/2010, rec. nº 1124/09).
É certo que embora sendo uma forma de aquisição originária (cfr. arts. 1287º e segts. do CCivil), a usucapião é, para efeitos fiscais, considerada como uma transmissão gratuita de bens imóveis, que ocorre no momento em que se torna definitivo o documento que titula essa aquisição ou transmissão: a data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial – cfr. a citada al. r) do art. 5º do CIS).
Todavia, também é certo que, como se disse, só o acto de aquisição do prédio objecto da aquisição por usucapião (e não o acto de aquisição das benfeitorias neste realizadas) é que está abrangido no âmbito da incidência objectiva do imposto de selo, pois que, vigorando nesta sede (de incidência do imposto), o princípio da tipicidade fiscal, a regra constante quer da norma corporizada na verba 1.2. da Tabela Geral, quer das normas da al. a) do nº 1 e do nº 3, ambos do art. 1º do citado CIS e acima transcritas, é a de que tal imposto só incide sobre o acto de «aquisição por usucapião».
E na verdade, conforme se exara no citado acórdão desta secção do STA, 1124/09, de 13/1/2010, que subscrevemos como adjunto, «o acto tributário tem que ter por base uma situação de facto ou de direito, concreta, prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Tal base é, pois, o pressuposto de facto ou o facto gerador da imposição – cf. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 1972, p. 266.
No Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade (…).
O facto tributável, com ser um facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos, que, por esta nova óptica, se convertem em elementos do próprio facto, bastando a não verificação de um deles para que não haja, pela ausência de tipicidade, lugar à tributação. No Direito Tributário, a tipologia é dominada não só por um princípio de taxatividade como também por um princípio de exclusivismo. Opera-se o fenómeno que a lógica jurídica designa por implicação intensiva.
Verifica-se a implicação intensiva sempre que os elementos enunciados no pressuposto não são apenas suficientes, mas ainda necessários para a verificação da consequência: se esses elementos se verificarem, segue-se a consequência, mas esta só se segue se eles se verificarem – cf., sobre o princípio da tipicidade em Direito Fiscal, Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, p. 263 e ss. Sobre o conceito de "implicação intensiva", cf. Castanheira Neves, Questão-de-facto - Questão-de-direito, p. 264, e ainda J. Baptista Machado, Introdução ao Estudo do Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1991, 5.ª reimpressão, p. 187.
A tributação resulta, assim, da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstractamente, na lei de imposto.»

2.5. Assim, embora, como diz a sentença recorrida, para este efeito seja irrelevante o momento da aquisição do direito de propriedade para efeitos do nascimento da obrigação tributária, pois que esta se constitui com a transmissão gratuita operada por via da escritura de justificação notarial (al. r) do art. 5º do CIS), já não o é para efeitos do respectivo valor tributável, pois que só sobre o acto de aquisição por usucapião incide o imposto.
E como só o prédio rústico foi objecto de tal forma de aquisição, só o valor deste deve ser considerado na aplicação da respectiva taxa, não podendo afirmar-se, sem mais, como também faz a sentença, que o estado do imóvel a atender para a aferição do valor terá de ser o verificado na data da escritura de justificação, independentemente das causas das modificações verificadas, sendo que tal estado é uno e não pode cindir-se em rústico e urbano e que a quantificação da obrigação tributária se faz apenas a partir do valor do prédio objecto da escritura.
E também não releva (para poder concluir que o valor para cálculo do imposto é o do prédio urbano, por ser assim que o mesmo é descrito na escritura) a circunstância, apontada pelo MP, de terem sido os outorgantes a declarar, à data da escritura, que eram donos de um prédio urbano, e não já de um prédio rústico, dado que tal declaração não pode, neste âmbito, ter efeitos constitutivos (nºs. 3 a 5 do Probatório).
Aliás, a realidade imobiliária existente no terreno à data da celebração da escritura de justificação não pode ignorar que foram os recorrentes que edificaram nele a construção em causa (nº 8 do Probatório), em momento anterior à celebração dessa escritura. E tratando-se de uma benfeitoria útil – art. 216º do CCivil (que poderia, porventura, vir a conferir a propriedade do terreno por via de acessão industrial imobiliária) não podia a mesma incluir-se no âmbito da aquisição por usucapião, para efeitos das aqui questionadas liquidações.
As liquidações impugnadas sofrem, portanto, de ilegalidade decorrente da violação das apontadas normas do CIS e têm que ser anuladas na parte em que nelas foi incluído o valor das benfeitorias realizadas pelos recorrentes.

DECISÃO
Termos em que se acorda em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedentes as impugnações, anulando-se as liquidações impugnadas, na medida em que nelas foi incluído o valor das benfeitorias realizadas pelos recorrentes.
Sem custas.
Lisboa, 20 de Janeiro de 2010. Casimiro Gonçalves (relator) - Dulce Neto - Pimenta do Vale.