Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01001/16
Data do Acordão:09/22/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
INCINERAÇÃO E CO-INCINERAÇÃO DE RESÍDUOS PERIGOSOS
Sumário:É de admitir recurso de revista do acórdão do TCA relativamente à validade do despacho ministerial que dispensou a Avaliação de Impacto Ambiental no processo de licenciamento da co-incineração de resíduos industriais perigosos por uma cimenteira.
Nº Convencional:JSTA000P20923
Nº do Documento:SA12016092201001
Data de Entrada:09/08/2016
Recorrente:A... E MAMB
Recorrido 1:B... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso de Revista 1001/16-11
Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.


Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. O MINISTÉRIO DO AMBIENTE e a A………….., S.A. recorreram nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte, proferido em 18 de Março de 2016, que revogou a decisão proferida pelo TAF de Coimbra e, consequentemente:

- (i) anulou o Despacho n.º 16.447/2006, de 21 de Julho de 2006, do Ministro do Ambiente que concedeu à A…………. a dispensa total do Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental – AIA – para o Projecto de co-incineração de Resíduos Industriais Perigosos (RIP) em Souselas (acção n.º 922/06BECBR);

- (ii) anulou o ato do Presidente do Instituto do Ambiente de 15 de Novembro de 2006, que concedeu licença ambiental à A…………, no Centro de Produção de Souselas, estritamente no que concerne à co-incineração de Resíduos Industriais Perigosos (RIP), sem que tenha sido emitida nova Declaração de Impacto Ambiental – DIA - favorável à co-incineração (acção n.º 364/07BECBR);

- (iii) anulou o acto do Vice-presidente do Instituo dos Resíduos, de 24 de Novembro de 2006, que concedeu licença de instalação à A…………, no Centro de Produção de Souselas, estritamente no que concerne à co-incineração de Resíduos Industriais Perigosos (RIP), sem que tenha sido emitida nova Declaração de Impacto Ambiental – DIA favorável à co-incineração (acção n.º 364/07BECBR);

- (iv) anulou o acto de 24 de Janeiro de 2008, do Subdirector-geral da Agência Portuguesa do Ambiente de concessão de licença de exploração para a co-incineração de Resíduos Industriais Perigosos (RIP), na fábrica de Cimentos da A…………. em Souselas, sem que tenha sido emitida nova Declaração de Impacto Ambiental – DIA - favorável à coincineração (acção n.º 641/08BECBR).

1.2. O MINISTÉRIO DO AMBIENTE justificou a admissibilidade da revista com a relevância social da questão, ou seja, a co-incineração de resíduos industriais perigosos, temática que, como alega, “tem desencadeado, e continua a desencadear, posições extremadas e apaixonadas na sociedade portuguesa”.

Por outro lado, entende a recorrente, que se justifica a intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito relativamente à seguinte questão: “Pode o tribunal substituir-se à administração no preenchimento do conceito indeterminado “circunstâncias excepcionais” prescrito na norma do n.º 1 do art. 3º do DL n.º 69/2000, de 3 de Maio, sem que com isso incorra em violação do n.º 1 do art. 3º do CPTA, designadamente o princípio da separação de poderes?”

1.3. A A………… justifica a admissão da revista invocando o acórdão deste STA que admitiu recurso de revista na providência cautelar que teve como objecto precisamente o mesmo despacho ministerial – agora anulado – acórdão de 6-6-2007, proferido no recurso 0471, onde se decidiu ser de admitir “por preencher o critério da relevância fundamental, o recurso da decisão do TCA que em segunda instância manteve a suspensão de eficácia do despacho governamental que, invocando razões excepcionais dispensou a realização de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) no processo de licenciamento da co-incineração de resíduos industriais perigosos (RIP) numa cimenteira”.

Justifica relevância jurídica da questão pelo facto de o mesmo despacho já ter sido objecto de várias decisões contraditórias.

Considera ainda ser necessária a intervenção do STA para uma melhor interpretação e aplicação do direito relativamente à dimensão dos poderes do ministro do ambiente ao poder dispensar um projecto específico da realização de Avaliação de Impacto Ambiental.

1.4. Entendem os recorridos que não deve ser admitido o presente recurso de revista, pedindo que, caso o mesmo seja admitido, lhe seja fixado efeito meramente devolutivo.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. Nos presentes autos o TCA Norte revogou o acórdão proferido no TAC de Coimbra e, com um voto de vencido, anulou os actos acima referidos, com o fundamento essencial de que o despacho do Ministro do Ambiente que concedeu dispensa total do procedimento de Avaliação do Impacto Ambiental para o projecto de co-incineração de Resíduos Industriais perigosos (RIP) em Souselas era ilegal.

O art. 1º, 1 do Dec. Lei 197/2005, de 8/11 prevê, em determinadas situações, a dispensa de procedimento AIA: “Em circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas o licenciamento de um projecto específico pode, por iniciativa do proponente e mediante despacho do ministro responsável pela área do ambiente e do ministro da tutela ser efectuado com dispensa, total ou parcial, do procedimento AIA”.

Entendeu o TCA que “se é certo que a dispensa de AIA constitui uma faculdade do Governo, a mesma, em qualquer caso, não está dispensada da necessária e suficiente fundamentação, atenta até a necessária salvaguarda dos valores ambientais”. Consequentemente colocou como essencial a questão de “ponderar e verificar se ocorrera em concreto as circunstâncias excepcionais determinantes da dispensa da Avaliação de Impacto Ambiental” e concluiu: “(…)Em síntese, atenta a circunstância de não terem sido efectuados quaisquer procedimentos prévios à dispensa da realização da AIA em 2006, ao que acresce o facto da mesma ter assentado em AIA de 1998 já caducada e desactualizada em termos de facto e de direito, impunha-se a realização de nova Avaliação de Impacto Ambiental.”.

Com esta conclusão o acórdão considerou prejudicados os demais vícios imputados ao acto e anulou-o, sendo que a sua anulação acarretou a anulação daqueles que, por serem actos consequentes, o pressupunham válido.

3.3. A nosso ver justifica-se admitir a revista quer pela relevância social da questão, em termos de saúde pública – como é sublinhado pelo Ministério do Ambiente. Para além da relevância social da questão central (co-incineração de resíduos industriais perigosos, na cimenteira de Souselas) a questão jurídica também se mostra de importância fundamental, na medida em que se prende com os limites e o âmbito dos poderes do Tribunal na sindicância de actos administrativos através dos quais se preenchem conceitos indeterminados. Finalmente justifica-se a intervenção deste STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito, tendo em conta, desde logo, que no presente processo o TCA revoga o acórdão do TAC de Coimbra, com um voto de vencido.

3.4. Quanto ao efeito a atribuir ao recurso nada se diz, uma vez que esse aspecto não cabe no âmbito das atribuições da formação a que alude o art. 150º do CPTA.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Lisboa, 22 de Setembro de 2016. – São Pedro (relator) – Vítor Gomes – Alberto Augusto Oliveira.