Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0446/16
Data do Acordão:03/08/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
NEXO DE CAUSALIDADE
EXECUÇÃO FISCAL
DÍVIDA COMUNICÁVEL
FALTA DE CITAÇÃO DO CÔNJUGE DO EXECUTADO
PENHORA
BENS IMÓVEIS
BENS COMUNS DO CASAL
VENDA NA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:Não demonstrando o cônjuge lesado de que a sua esfera patrimonial, ou a sua situação jurídica, seria diversa caso, no âmbito da execução fiscal em que foi omitida a sua citação, lhe tivessem sido assegurados e respeitados os direitos processuais previstos no art. 239.º do CPPT e de que, através do uso desses meios e mecanismos, teria obstado à exigibilidade da quantia exequenda e ao pagamento da mesma pelo produto da venda do imóvel comum do casal penhorado, não poderá considerar-se como estando estabelecido o nexo de causalidade entre a ilicitude e os danos produzidos [art. 563.º do CC].
Nº Convencional:JSTA00070589
Nº do Documento:SA1201803080446
Data de Entrada:05/20/2016
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN DE 2015/06/19
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA
DIR ADM GER
Legislação Nacional:CPC ART864 N10.
CCIV66 ART473 ART479 ART566 N3 ART563 ART1690 ART1691 ART1695.
CCOM ART15.
CPPTRIB99 ART239.
Jurisprudência Nacional:STA PROC0874/05 DE 2006/05/16.; AC STA PROC0155/09 DE 2009/10/14.; AC STA PROC0858/10 DE 2011/09/08.; AC STA PROC0628/11 DE 2011/11/22.; AC STA PROC0477/11 DE 2012/03/13.; AC STA PROC0183/13 DE 2013/04/24.; AC STA PROC01932/13 DE 2015/03/25.; AC STAPLENO PROC0576/10 DE 2016/05/19.; AC STA PROC01356/14 DE 2017/03/22.; AC STA PROC0198/15 DE 2017/10/04.
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. A…………, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [doravante «TAF/B»], contra o “ESTADO PORTUGUÊS”, a presente ação administrativa comum, com processo na forma ordinária, peticionando, pela motivação inserta na petição inicial [cfr. fls. 02 a 07 dos autos - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de 45.000,00 € [quarenta e cinco mil euros] a título de indemnização pelos danos que lhe foram causados, valor esse a que acresceriam juros à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.

2. O «TAF/B», por sentença de 20.07.2012 [cfr. fls. 230 a 244], julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou o R. a pagar à A. a quantia de 20.280,00 € [vinte mil duzentos e oitenta euros], acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

3. Inconformados, A. e R. interpuseram recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Norte [doravante «TCA/N»] que, por acórdão de 19.06.2015, negou provimento aos recursos e manteve a decisão recorrida [cfr. fls. 315 a 324].

4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA o R., de novo inconformado com aquele acórdão proferido pelo «TCA/N», interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 332 a 342 v.], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
«...
1.ª) O presente recurso de revista é legalmente admissível, nos termos do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, uma vez que, das decisões proferidas pelos Tribunais Centrais Administrativos, “pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo (...) quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” e, em especial, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, quando tenha por fundamento a violação de lei substantiva ou processual;
2.ª) No caso sub judice, o douto acórdão do TCAN efetuou uma errada interpretação e aplicação das disposições dos artigos 2.º do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de novembro de 1967, 864.º, n.º 11, do CPC, 473.º, n.º 1, 483.º, n.º 1, 562.º a 564.º e 566.º, n.º 3, estes últimos do Código Civil;
3.ª) Verifica-se, assim, a necessidade de intervenção do STA para melhor aplicação do direito, mercê da relevância jurídica da questão suscitada, com importância fundamental para a uniformização da jurisprudência;
4.ª) A solução das questões decidendas envolve a aplicação e concatenação das normas e dos princípios do regime substantivo da responsabilidade civil extracontratual do Estado e a sua efetiva aplicação, ao nível da jurisprudência dos Tribunais de 1.ª instância e dos Tribunais Centrais Administrativos;
5.ª) A concreta matéria jurídica suscitada no presente recurso jurisdicional mereceu tratamento díspar nas duas instâncias e, ademais, adivinha-se a multiplicação de situações em que os Tribunais são chamados a apreciar esta temática, que determina a essencialidade do seu tratamento pela mais alta instância jurisdicional;
6.ª) Verifica-se a necessidade de intervenção do STA para melhor aplicação do direito e pela relevância jurídica da questão suscitada, que assume importância fundamental, assim se justificando a admissão do presente recurso;
7.ª) Deverá, pois, ser efetuada a apreciação preliminar sumária a que alude a norma do n.º 5 do art. 150.º do CPT, e, considerando que o presente recurso preenche os pressupostos do n.º 1 do mesmo artigo, ser o mesmo admitido;
Sem prejuízo e sem conceder,
8.ª) A matéria de facto dada como provada, no âmbito da presente ação, não permite dar como verificados os requisitos do dano e do nexo de causalidade, indispensáveis, ambos e cada um deles, à emergência da responsabilidade civil extracontratual que a A. nela pretende efetivar;
9.ª) Cumpria à A., ora Recorrida, no âmbito da presente ação, alegar e demonstrar que a conduta omissiva imputada ao R. foi ilícita, culposa, que lhe causou danos ou prejuízos na sua esfera patrimonial e que a mesma foi adequada a produzir esses danos, o que efetivamente não fez;
10ª). Ora, da conjugação da matéria de facto dada como provada, imperativo se torna concluir no sentido da inverificação in casu dos requisitos cumulativos do dano e, bem assim, do nexo de causalidade natural e/ou adequada entre os factos ilícitos imputados ao R. e os alegados prejuízos;
11.ª) De facto, o Recorrente Estado Português vem, nesta sede, pugnar no sentido de que, contrariamente ao entendimento veiculado no, aliás douto, aresto sob recurso, no caso sub judice, não ocorre o dano final, mas, tão-somente, quando muito, um dano intermédio, que nem sequer foi alegado e comprovado perante as duas instâncias, e daí que não possa servir de fundamento à condenação do ora Recorrente;
12.ª) Acresce que foi a existência da dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira, da responsabilidade de ambos os cônjuges, pela qual respondiam e respondem os bens comuns do casal e, daí, a fração em causa, que motivou a respetiva penhora e a sua subsequente venda, factos que sempre ocorreriam na esfera patrimonial da A. e determinariam o seu inerente decréscimo, independentemente da sua citação nos termos e para os efeitos do artigo 239.º do CPPT;
13.ª) A ser assim, como efetivamente foi, inexistiu qualquer enriquecimento do Estado Português, muito menos sem causa, traduzindo-se a obtenção do preço da venda do imóvel no mero ato de cobrança de uma dívida que lhe era devida, da responsabilidade de ambos os cônjuges e por isso, também da A. Recorrida;
14.ª) Porque assim é, ocorre uma causa legítima no decréscimo patrimonial verificado na esfera da A., facto que arreda a verificação dos pressupostos a que a lei subordina o instituto subsidiário do enriquecimento sem causa, plasmados no artigo 473.º do CC, sendo, pois, aqui inaplicável a teoria da diferença consagrada no artigo 479.º do mesmo Código;
15.ª) Ainda que, por hipótese de raciocínio, os invocados danos fossem indemnizáveis, e suposta, ainda, a verificação de todos os demais requisitos constitutivos da obrigação de indemnizar, o que não se concede, seguro é que a ora Recorrida peticionou e logrou obter um montante desproporcionado, em função, quer da concreta atuação dos agentes do Recorrente, quer, ainda, dos hipotéticos danos;
16.ª) Com efeito, a ter-se como verificado o dano o que é rejeitado pelo Recorrente, nos termos acima explicitados - mesmo nessa hipótese, a determinação do montante dos supostos danos patrimoniais deveria depender do livre arbítrio do juiz, que se deveria socorrer de juízos de equidade, tendo em conta todas as circunstâncias concretas do caso sub judice, tal como preceitua o n.º 3 do artigo 566.º do CC;
17.ª) Acresce, outrossim, o facto de que esse Alto Tribunal, a sufragar o entendimento de que ocorreu um dano, a ressarcir pelo R., haverá forçosamente de ponderar e tomar em consideração (i) a atual conjuntura económica de severa crise nacional e internacional e (ii) o consequente depauperamento dos cofres do Estado Português, os quais constituem factos notórios e, como tal, carecidos de prova;
18.ª) Destarte, o aliás douto aresto recorrido violou as disposições legais aplicáveis ao caso sub judice, designadamente, as dos artigos 2.º do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de novembro de 1967, 864.º, n.º 11, do CPC, 473.º, n.º 1, 483.º, n.º 1, 562.º a 564.º e 566.º, n.º 3, estes últimos do Código Civil;
19.ª) Nesta conformidade, deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se o, aliás douto, acórdão recorrido e substituindo-se por outro que, nos termos acima explanados, (i) julgue inverificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Recorrente e, consequentemente, (ii) absolva o R. Estado Português, ora Recorrente, do pedido de condenação na indemnização por danos patrimoniais, que nem sequer se mostram alegados e provados ou, quando assim se não entenda, sem prejuízo e sem conceder, (iii) fixe a indemnização, com recurso à equidade, em valor nunca superior a € 1.000,00 …».

5. Devidamente notificada a A., aqui ora recorrida, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 347/354 e fls. 356/363], mas sem formular conclusões, pugnando pela inadmissibilidade do presente recurso de revista, devendo o mesmo julgar-se totalmente improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido na sua totalidade.

6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA [na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 214-G/2015 tal como todas as referências ulteriores ao CPTA - vide art. 15.º, n.ºs 1 e 2, deste DL], datado de 28.04.2016 [cfr. fls. 367 a 369], veio a ser admitido o recurso de revista, considerando-se, nomeadamente, que as «… questões suscitadas - consequências jurídicas da falta de citação do cônjuge do executado na execução fiscal no âmbito da responsabilidade civil ou enriquecimento sem causa - são questões de importância jurídica fundamental, pela previsível frequência com que podem colocar-se no futuro. Com efeito, são questões que emergem de uma atuação da Administração Fiscal e os contribuintes - no âmbito da execução fiscal, onde razões de eficácia devem adequar-se a razões de legalidade e garantia dos contribuintes - com evidente relevância social. (…) Por outro lado, e em termos mais concretos, a questão de saber qual a relevância jurídica (para efeitos de indemnização ou enriquecimento sem causa) da falta de citação do cônjuge do executado - também responsável pela dívida - em caso de penhora e posterior venda, justifica a intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do Direito».

7. Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para o seu julgamento.

DAS QUESTÕES A DECIDIR

8. Constitui objeto de apreciação o aferir do acerto do acórdão recorrido no segmento em que, julgando improcedendo o recurso deduzido pelo R., manteve a sentença do «TAF/B», já que em alegado erro de julgamento de direito assacado ao acórdão por errada interpretação e aplicação dos arts. 02.º do DL n.º 48051, de 21.11.1967, 864.º, n.º 10, do CPC [não «n.º 11» como certamente por lapso se refere no texto do acórdão recorrido e nas alegações - já que a redação à data dos factos aplicável será a que foi introduzida pelo DL n.º 38/2003 e não a que veio a ser introduzida pelo DL n.º 226/2008], 473.º, n.º 1, 483.º, n.º 1, 562.º a 564.º, 566.º, n.º 3, todos do Código Civil [CC] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas], já que in casu não ocorrem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do dano e do nexo de causalidade, para além de inexistir também um qualquer enriquecimento sem causa.


FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO

9. Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
I) O 1.º Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão instaurou a execução fiscal n.º 045019950102562.7, e apensos, contra B………., por dívidas à Segurança Social.
II) A A. é casada com o referido B………. no regime da comunhão de adquiridos.
III) A execução correu apenas contra o marido da A., sendo que o objeto da execução (a fração) era um bem comum.
IV) Em 13.07.2004, para pagamento do montante em débito, no supra referido processo, o 1.º Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão, penhorou a fração «EC», correspondente ao 5.º andar esquerdo, do prédio constituído no regime de propriedade horizontal, sito na Rua ……….., composto por 138 frações autónomas, repartidas em 3 zonas a saber: Zona A - Corpo de 3 pisos, constituído por 81 lojas destinadas a fins comerciais; Zona B - Corpo de 6 andares destinados a habitação composto por 23 fogos; Zona C - corpo de 7 andares composto por 34 fogos destinados a habitação, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova de Famalicão sob o artigo 992 «EC», e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º 0007/231184 «EC».
V) A fração em causa é um T3 com a área de 108,80 m2, sito na Rua ……………, no centro da cidade de Vila Nova de Famalicão - cfr. certidão matricial junta nesta audiência preliminar.
VI) Por despacho do Chefe do 1.º Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão, proferido em 06.10.2005, foi ordenada a venda do imóvel penhorado, por proposta em carta fechada.
VII) O imóvel foi vendido em 02.11.2005, pelo montante de 40.560,00 €.
VIII) O adjudicatário procedeu ao pagamento do preço em 08.11.2005.
IX) A A. intentou ação de anulação da venda no processo executivo instaurado contra seu marido, em 06.12.2005, que correu termos na Unidade Orgânica 3 deste Tribunal, com o número de processo n.º 1302/05.5BEBRG, no qual foi proferida sentença, transitada em julgado, que julgou improcedente o pedido formulado - cfr. fls. 30 a 35 dos autos em suporte físico.
X) A Direção-Geral dos Impostos remeteu ao marido da A. ofício datado de 14.07.2004 - cfr. fls. 09 do «P.A.» -, cujo teor, por facilidade, para aqui se extrai como segue:
«Assunto: PENHORA DE BENS
Processo de Execução Fiscal n.º 0450199501016148
Executado: B………….
Contribuinte - .........
Fica V. Ex.ª notificado de que foi nomeado fiel depositário dos bens constantes do auto de penhora anexo, relativo à penhora do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova de Famalicão sob o artigo 992 fração EC, de que é proprietário.
A penhora de bens, conforme fotocópia do auto que se junta, foi efetuada em 13 de julho de 2004, para garantia da importância de € 29.995,53 (vinte e nove mil, novecentos e noventa e cinco euros e cinquenta e três cêntimos), por dívida de Contribuições do Centro Regional de Segurança Social de Braga, de abril de 1994 a novembro de 2000, em nome do executado».
XI) Esse ofício foi remetido por carta com registo e aviso de receção, a qual (carta) foi recebida pela A. em 20.07.2004 - cfr. fls. 09 a 11 do Processo Administrativo.
XII) O Chefe do Serviço de Finanças, por despacho de 06.10.2005, ordenou a venda da fração, tendo nessa sequência sido publicado em dois números seguidos [dias 08 e 09.10.2005], do «Jornal Correio do Minho», anúncio publicitando a data de abertura das propostas para venda judicial - cfr. fls. 34 a 40 do Processo Administrativo.
XIII) Por ofícios datados de 06.10.2005, endereçados ao marido da A., por carta registada com aviso de receção, que foram recebidas [as cartas] em 11.10.2005, por sua filha C………….., foi-lhe comunicado, enquanto depositário nomeado, entre o mais, a data de abertura das propostas para venda - cfr. fls. 41 a 46 do Processo Administrativo.
XIV) Em 06.10.2005, o Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão assinou edital, publicitando o dia de abertura das propostas, e modo de apresentação - cfr. fls. 50 a 51 do Processo Administrativo.
XV) Por ofício datado de 23.11.2005, endereçado ao marido da A., por carta registada com aviso de receção, assinado pela A. em 29.11.2005, dele [ofício] ia constante que o imóvel tinha sido adjudicado a D………. - cfr. fls. 104 a 105 do Processo Administrativo.
XVI) A petição inicial que motiva os presentes autos foi remetida a tribunal em 23.10.2008 - cfr. fls. 12 dos autos em suporte físico.
XVII) Em 29.11.2005, a A. soube que contra o seu marido corria pela Direcção-Geral dos Impostos um processo de execução fiscal, onde veio a ser penhorada a fração identificada nos factos descritos em IV) e V).
XVIII) Em 29.11.2005, o marido da A. deu a saber à A. da correspondência provinda da Direção-Geral dos Impostos, designadamente, de que contra si (marido) corria um processo de execução fiscal, cujo objeto penhorado era a fração identificada sob as alíneas IV) e V) da matéria de facto assente.
*

DE DIREITO

10. Sendo este o quadro factual que resulta fixado nos autos passemos, então, à apreciação dos fundamentos que constituem objeto do recurso de revista e que se foram supra elencados.

11. Constitui objeto de litígio e de discussão o aferir do acerto do juízo do «TCA/N» que manteve a condenação que havia sido firmada pelo «TAF/B» do R. no pagamento de indemnização à A., cumprindo, em especial, analisar o juízo de preenchimento in casu dos requisitos do dano e do nexo de causalidade, bem como o apelo ao instituto do enriquecimento sem causa e aplicação do disposto nos arts. 864.º, n.º 10, do CPC, 473.º e 479.º do CC.

12. E começando, desde já, pela análise do apelo feito ao referido instituto e à aplicação do citado quadro legal como fundamento da condenação do R. na indemnização arbitrada temos que o mesmo se mostra desacertado.

13. Preceituava-se no n.º 10 do art. 864.º do CPC na redação supra apontada que «[a] falta das citações prescritas tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu, mas não importa a anulação das vendas, adjudicações, remições ou pagamentos já efetuados, dos quais o exequente não haja sido exclusivo beneficiário, ficando salvo à pessoa que devia ter sido citada o direito de ser indemnizada, pelo exequente ou outro credor pago em vez dela, segundo as regras do enriquecimento sem causa, sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos gerais, da pessoa a quem seja imputável a falta de citação».

14. Ora, como primeira nota, importa assinalar que a pretensão indemnizatória deduzida pela A. contra o R. através da presente ação mostra-se fundada não no instituto do enriquecimento sem causa aludido no art. 864.º, n.º 10, 1.ª parte, do CPC, mas no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, já que deduzida ao abrigo do disposto no art. 864.º, n.º 10 parte final, do CPC em conjugação com os arts. 02.º e segs. do DL n.º 48051, e 483.º e segs. do CC.

15. Efetivamente, sendo a A. cônjuge do sujeito executado no processo executivo que correu termos no 1.º Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão, processo esse no âmbito do qual, alegadamente, viu ser ilícita e culposamente omitida a sua citação prevista no art. 239.º do CPPT já que penhorado bem imóvel comum do casal, temos que, analisada a petição inicial, a mesma, mercê da impossibilidade de anulação da venda dado o exequente não ser o exclusivo beneficiário, funda a sua pretensão indemnizatória única e exclusivamente na «responsabilidade civil nos termos gerais» tal como previsto no referido n.º 10 do art. 864.º do CPC em articulação com o demais quadro legal supra enunciado.

17. Daí que uma condenação do R. no pagamento da indemnização arbitrada à A. feita na decisão recorrida enquanto fundada ou tendo por base o instituto do enriquecimento sem causa, nos termos do disposto no arts. 864.º, n.º 10, do CPC, 473.º e 479.º do CC, não poderá manter-se dado que fora do âmbito, ou do objeto do processo, daquilo que constitui a causa de pedir da pretensão que se mostra deduzida [cfr. arts. 264.º, 273.º, 659.º, 661.º, 664.º, todos do CPC], e, bem assim, ao arrepio da própria natureza subsidiária de que reveste aquele instituto [cfr. art. 474.º, do CC].

18. Passando, agora, à análise dos pressupostos de responsabilidade em crise, importa aferir, então, da ocorrência de dano e do nexo de causalidade.

19. Insurge-se o aqui recorrente quanto ao juízo firmado pelo acórdão recorrido de que in casu se verificavam aqueles pressupostos, mantendo o julgado pelo «TAF/B», porquanto sustenta, por um lado, não resultar alegado e demonstrado nos autos que, não obstante omitido o ato de citação da A. e decorrente impossibilidade de uso dos meios de defesa pela mesma, a situação da A. seria diversa daquela que existiria se a mesma tivesse sido devidamente citada e pudesse ter feito uso dos meios de defesa; e, por outro lado, que o valor arbitrado nos termos do n.º 3 do art. 566.º do CC a título de reparação dos danos sofridos se mostra como desproporcionado e excessivo.
Vejamos.

20. O DL n.º 48051 não continha uma regulamentação completa e acabada do regime da responsabilidade extracontratual das pessoas coletivas de direito público, remetendo em alguns casos expressamente para a disciplina constante do Código Civil [cfr., nomeadamente, seus arts. 04.º e 05.º], remissão esta que, no que aqui ora releva, vale e se impõe, até por razões de ordem sistemática, quanto ao pressuposto do nexo de causalidade pese embora nada se disponha nem diretamente nem por via remissiva.

21. Assim, para que exista responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa coletiva de direito público, como é o aqui R., é condição essencial que se verifique nexo de causalidade entre o seu comportamento/atuação e os prejuízos gerados na esfera jurídica da lesada aqui A. [cfr. art. 563.º do CC].

22. Deriva do normativo acabado de convocar, enquanto preceito no qual se estabelece o regime do nexo de causalidade em matéria de obrigação de indemnizar, que esta «só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».

23. Consagra-se no referido artigo, tal como tem vindo a ser entendido na doutrina e na jurisprudência, a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, teoria justificada pela ideia de que o prejuízo deve recair sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano, pelo que o facto ilícito que, no caso concreto, foi efetivamente condição do resultado danoso só deixa de ser causa adequada se, na ordem natural das coisas, for de todo em todo indiferente para a produção do dano [cfr., ente outros, os Acs. deste STA de 16.05.2006 (Proc. n.º 0874/05), de 14.10.2009 (Proc. n.º 0155/09), de 08.09.2011 (Proc. n.º 0858/10), de 22.11.2011 (Proc. n.º 0628/11), de 13.03.2012 (Proc. n.º 0477/11), de 24.04.2013 (Proc. n.º 0183/13), de 25.03.2015 (Proc. n.º 01932/13), de 19.05.2016 (Pleno) (Proc. n.º 0576/10), de 22.03.2017 (Proc. n.º 01356/14), de 04.10.2017 (Proc. n.º 0198/15)].

24. Cumpre, assim, indagar se a falta de citação da A. para os termos da execução foi geradora de prejuízos, ou seja, se estes foram consequência da falta daquela citação, ou se se teriam produzido independentemente desta considerando, mormente, o regime legal das dívidas dos cônjuges e do tipo de bens que respondem pelo seu pagamento.

25. Resulta da factualidade apurada e da documentação inserta nos autos e aos mesmos apensa que a A. era casada no regime de comunhão de adquiridos com o sujeito executado em sede de execução fiscal que correu termos no 1.º Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão por dívidas à Segurança Social [de abril de 1994 a novembro de 2000], dívidas essas que teriam sido contraídas pelo cônjuge ali executado no exercício da respetiva atividade profissional de contabilidade e de mediação de seguros [cfr. n.ºs I), II), III), IV) e X) da factualidade provada, fls. 215 dos autos e teor do apenso relativo ao processo de execução fiscal].
26. Exercendo o cônjuge da A., ali executado, a sua atividade profissional enquanto comerciante, temos que, de harmonia, com o disposto conjugadamente nos arts. 1690.º, 1691.º, n.ºs 1, al. d), e 3, 1695.º, todos do CC, e 15.º do Código Comercial, estamos em face de dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, já que contraída em proveito comum do casal, o qual aqui, aliás, se presume, dívida essa pela qual respondem, desde logo, os bens comuns do casal.

27. O imóvel em causa que foi penhorado e que veio a ser objeto de venda em sede de execução fiscal constituía bem comum do casal [cfr. n.ºs I), III), IV), VI), e VII) da factualidade provada].

28. Ora da análise dos autos temos que não se mostra alegado pela A., nem pela mesma foi posta em causa, a comunicabilidade da dívida objeto de execução, nem que o concreto bem imóvel na mesma alienado estivesse subtraído ao acervo patrimonial responsável pelo pagamento da dívida exequenda.

29. Temos, é certo, que, ao arrepio do preceituado e imposto pelo n.º 1 do art. 239.º do CPPT, foi omitido o ato de citação da A. enquanto cônjuge do executado, ato esse legalmente devido na sequência da penhora do bem imóvel, e que, por efeito de tal omissão, aquela não pode fazer uso dos meios e mecanismos legais de reação e de tutela dos seus direitos e interesses em termos similares aos que eram e são atribuídos ao executado originário, mormente, obstando à realização da venda.

30. Ocorre, porém, que a A. não alegou, nem demonstrou minimamente que, uma vez e se observado tal comando legal nos autos de execução fiscal, a mesma, fazendo uso de tais meios e mecanismos de defesa, lograria obstar ao prosseguimento daquela execução contra si, mediante a invocação de fundamento ou fundamentos dotados de tal potencialidade, ou sequer obviar a que o concreto bem imóvel penhorado não viesse a ser vendido e, assim, responder pelo pagamento da dívida exequenda.

31. Nada foi invocado, e muito menos foi provado, que uma vez assegurada e observada a devida citação para os termos daquela execução a A. no âmbito da mesma desenvolvesse atuação processual que, logrando obter procedência, viesse ou pudesse conduzir ao levantamento da penhora sobre o imóvel em questão ou, então, que a realização da venda viesse a ser inviabilizada ou não tivesse lugar.

32. Se assim é, então, falha a relação de adequabilidade entre a ausência do ato de citação da A. para os termos da execução fiscal e a produção dos alegados prejuízos sofridos pela mesma, porquanto, efetivamente, não se evidenciam ou resultam demonstradas circunstâncias que permitiriam concluir que, caso se tivesse verificado aquela citação e à mesma sido dada a possibilidade de fazer uso dos meios e mecanismos de defesa, o imóvel vendido no âmbito da referida execução ainda continuaria a integrar o património do casal, e que inexistiria, assim, uma qualquer perda patrimonial na e para a esfera jurídica da A..

33. Na verdade, o direito indemnizatório não poderá subsistir se a ilegalidade existente não influiu no sentido duma alteração da efetiva e real situação jurídica da A., já que não resulta demonstrado que, observado o comando legal aquela e fazendo uso dos meios e mecanismos de que dispunha, a mesma gozaria ou estaria em situação diversa, nomeadamente o seu património não teria sofrido qualquer ablação.

34. Daí que não demonstrando a A. lesada, alegando e provando-o, que a sua esfera patrimonial, ou a sua situação jurídica, seria diversa caso no âmbito da execução fiscal em referência lhe tivessem sido assegurados e respeitados os seus direitos processuais e de através do uso dos meios e mecanismos obstado à exigibilidade da quantia exequenda e ao pagamento da mesma pelo produto da venda do imóvel em questão, não poderá considerar-se como estando estabelecido o nexo de causalidade entre a ilicitude e os danos produzidos [cfr. art. 563.º do CC], procedendo, nessa medida, o recurso jurisdicional sub specie e consequente total improcedência da presente ação administrativa comum.

DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) conceder provimento ao recurso jurisdicional sub specie e revogar o acórdão recorrido; e, em consequência,
B) julgar a presente ação administrativa comum totalmente improcedente, absolvendo o R. do pedido.
Custas neste Supremo e nas instâncias a cargo da A., tudo sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. D.N..
Lisboa, 8 de março de 2018. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.