Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0209/17
Data do Acordão:03/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
PROCESSO URGENTE
PRAZO PARA ALEGAÇÕES
Sumário:Em processo judicial tributário urgente, quando não tiverem sido apresentadas as respectivas alegações no prazo de 10 dias, deve o recurso interposto ser declarado deserto - por força das disposições combinadas dos artigos 283.º e 282.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Nº Convencional:JSTA000P21596
Nº do Documento:SA2201703150209
Data de Entrada:02/23/2017
Recorrente:A..............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A…………., melhor identificado nos autos, vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide a reclamação por ele deduzida, contra o despacho do chefe do serviço de finanças de Fafe, que indeferiu a arguição de nulidade da citação na qualidade de responsável subsidiário da sociedade devedora originária.

Notificada a Fazenda Pública da admissão do recurso veio esta suscitar, a fls. 180 e seguintes, a questão prévia da deserção do recurso, por falta de apresentação das alegações no prazo legal.
A 17/01/2017 veio o recorrente, A………. responder ao requerimento da Fazenda Publica e juntar as alegações de recurso, ao abrigo do disposto no artº 282º, nº 2 com o seguinte quadro conclusivo:

«1) Ao ter efectuado o pagamento da dívida exequenda, no âmbito da reversão da execução, o reclamante/recorrente apenas pretendeu suspender a tramitação do processo de execução, uma vez que pretende deduzir oposição à mesma;
2) O recorrente, tendo em vista a apresentação de oposição, uma vez decidida a presente reclamação, procedeu ao depósito da quantia exequenda, tendo disso vindo a dar conhecimento ao serviço de Finanças, (como a Fazenda reconhece no ponto 16 da sua contestação), nos seguintes termos: procedeu ao depósito da quantia exequenda … a fim de ser ordenada a suspensão do processo de execução em referência, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 169° e 212° do CPPT”;
3) Não pode aceitar-se o entendimento que sendo o motivo invocado na reclamação, o da nulidade da citação, o pagamento da divida exequenda não permite a prossecução dos autos para apreciação de questões processuais;
4) Quando ocorre nulidade da citação, como é entendimento do recorrente, aquela não pode ser arguida em oposição, devendo ser arguida no próprio processo de execução, como fez o recorrente;
5) A arguição da nulidade da citação é questão prévia à apresentação de oposição que só poderá ser apresentada caso a reclamação venha a ser deferida;
6) É pacificamente aceite pelos tribunais superiores que o pagamento da dívida exequenda por revertido em processo de execução fiscal não é susceptível de constituir fundamento para a inutilidade superveniente da lide da oposição (ou, no caso, da prévia reclamação);
11) E assim é uma vez que a oposição à execução fiscal é o único meio processual adequado para atacar a decisão relativa à reversão da execução fiscal, com o fundamento de o revertido não ser responsável pelo pagamento da dívida;
12) O pagamento da dívida exequenda pelo recorrente (que, de qualquer forma, deu conhecimento na execução que aquele apenas tinha em vista a suspensão desta), nunca poderia traduzir inutilidade da lide da reclamação que apresentou;
6) foi efectuada uma incorrecta aplicação do disposto nos art. 23°, n.º 5 da LGT, 165° e 204° do CPPT e 277°, e) do CPC.»

2 – A Fazenda Pública, apesar de defender a inadmissibilidade do recurso, veio ao abrigo do princípio do contraditório, apresentar, a fls. 212 e seguintes, as suas contra alegações, com as seguintes conclusões:
«I. Ora, salvo devido respeito por entendimento diverso, entende a Fazenda Pública a não apresentação das alegações de recurso com o requerimento de interposição do mesmo, viola o disposto no artigo 283º, do CPPT, determinante no não conhecimento do recurso.
II. Deste modo, o artigo 283º do CPTT determina que nos processos urgentes, os recursos jurisdicionais serão apresentados por meio de requerimento juntamente com as alegações, no prazo de 10 dias.
III. O requerimento de interposição do presente recurso apresentado pelo RR ora Recorrente, deu entrada em 15.12.2016 e somente em 17.01.2017 apresentou as suas alegações.
IV. Considera a Fazenda Pública que, tratando-se, in casu, pois, de processo de natureza urgente, e mantendo-se essa natureza na fase de recurso jurisdicional interposto da decisão ali proferida, este deve obedecer ao disposto no citado artigo 283º do CPPT, ou seja, deve ser apresentado por meio de requerimento juntamente com as alegações no prazo de 10 dias.
V. E sendo obrigatória a junção das alegações ao requerimento, ela é um requisito formal do próprio requerimento de interposição, pela que a sua falta justifica a rejeição do recurso (cfr. Jorge de Sousa, loc. cit., anotação 5 ao artigo 283º do CPPT, página. 458).
VI. Ora só por manifesta falta de conhecimento da lei processual tributária pode o ora Recorrente sustentar que presente processo não deve prosseguir a tramitação dos processos urgentes e, como tal, as respetivas alegações não deveriam acompanhar o requerimento de interposição do recurso.
VII. Assim, porque é manifesto que no caso não foi observado o disposto no artigo 283º do CPPT, pois as alegações não foram apresentadas com o requerimento de interposição do recurso e foram-no mesmo muito depois do termo do prazo para interposição do recurso (cfr. fls. 165 a 168 e 185 a 198 do processo físico).
VIII. Em suma, concluímos que as alegações foram apresentadas para além do prazo legal para o efeito, motivo pelo qual pugna a Fazenda Pública pela inadmissibilidade do presente recurso, por falta de apresentação tempestiva das alegações de recurso, nos termos do artigo 283º do CPPT, dele não se conhecendo.
II. DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Atenta a simplicidade da causa e, bem assim, a lisura da sua conduta processual nos presentes autos, vem a Fazenda Pública requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça por si devida, nos termos do disposto nos n.º 2 e 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais.»

3- A fls. 200 a Mª Juiz ordenou a subida dos autos a este Supremo Tribunal Administrativo, deixando consignado o seguinte despacho:
«Nos presentes autos foi proferido despacho de admissão de recurso, quando o mesmo não cumpria com os requisitos processuais legalmente exigidos, facto pelo qual nos penitenciamos.

No entanto, impõe-se ordenar a subida dos autos Supremo Tribunal Administrativo.
O que se determina.»


4 – Neste Supremo Tribunal Administrativo o Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu parecer a fls. 224 e seguintes com o seguinte fundamentação que, na parte relevante se transcreve:
(….) 2. Importa desde logo conhecer da questão da deserção do recurso, por falta de apresentação das alegações no prazo legal, invocada pela Fazenda Pública.
Decorre dos autos que a reclamação ao abrigo do artigo 276° do CPPT foi apresentada contra o “indeferimento tácito” de um requerimento de arguição de nulidade por falta de citação, no âmbito da qual foi requerida a subida imediata e invocado prejuízo irreparável.
No primeiro despacho vertido no processo a Mma. Juiz “a quo” não emitiu qualquer pronúncia sobre a natureza do processo, mas ao mandar prosseguir o mesmo e determinar a notificação da FP para contestar implicitamente admitiu a natureza urgente do mesmo.
O próprio Reclamante assim o entendeu, uma vez que reconheceu no requerimento de recurso apresentado a 17/05/2016 e junto a fls. 79 dos autos estar perante “um processo que segue as regras dos processos urgentes (art. 278°, n°6, do CPPT)”.
Decorre do artigo 283° do CPPT que os recursos jurisdicionais nos processos urgentes são apresentados por meio de requerimento juntamente com as alegações no prazo de 10 dias. Decorrido esse prazo sem que sejam apresentadas as alegações o recurso deve ser julgado deserto, nos termos do n°4 do artigo 282° do CPPT.
No caso concreto dos autos é manifesto que as alegações foram apresentadas para além do prazo de 10 dias previsto no artigo 283° do CPPT. Por outro lado afigura-se-nos que não há motivos objetivos para considerar que o Recorrente tenha sido induzido em erro sobre a natureza do processo na sequência da prolação do despacho vertido a fls. 111/112 e que se pronunciou sobre a oportunidade da apreciação do pedido de aclaração da sentença e arguição de nulidade, uma vez que a invocação do disposto no artigo 282° do CPPT por parte da Mma. Juiz “a quo” teve apenas o desiderato de esclarecer que aquela pronúncia só era possível após decorrido o prazo para a parte recorrida apresentar as respetivas alegações. Não resulta do referido despacho qualquer elemento que permita inferir que o tribunal considerou ser aplicável ao processo a tramitação dos processos não urgentes.
Afigura-se-nos, assim, que o recurso deve ser declarado deserto por falta de apresentação de alegações no prazo de 10 dias, nos termos do disposto no artigo 283° do CPPT.»

5 – Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

6 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga considerou como provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
a) No dia 4.12.2010 foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) n.º 0361201001129759, tendo por devedora originária a B…………, LDA, contribuinte fiscal n°……………, por dívidas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), do ano 2007, no montante total, à data da instauração, € 2.577.024,51 - cfr. certidão de dívida de fls. 2 do PEF apenso;
b) No dia 28.03.2012 a AT procedeu à anulação parcial da dívida, pelo que a quantia exequenda do referido PEF reduziu para € 497.212,37 - cfr. fls. 19 do PEF apenso;
c) A AT — SF de Barcelos — reverteu o PEF identificado em A. contra o aqui reclamante — A……………, NIF………….;
d) No dia 15.01.2016, o aqui reclamante solicitou através de requerimento cópia da citação e a guia de pagamento da dívida em execução nos termos do n.º 5 do artigo 23° da LGT, - cfr. fls. 93 do PEF apenso;
e) Na sequência do requerimento mencionado na al. anterior, o SF de Barcelos procedeu à emissão do Modelo 50, com o nº 161021035370271000005, referente ao PEF identificado em A., com o nome do aqui reclamante, no montante de € 497.212,37— cfr fls. 5 do requerimento de 173 da paginação electrónica;
f) No dia 18.01.2016, o aqui reclamante procedeu ao pagamento da dívida exequenda, na qualidade de responsável subsidiário, dando conhecimento ao OEF em 19.01.2016;
g) No dia 17.02.2016 o OEF informou o aqui reclamante que a reversão efectivada contra si encontra-se extinta por pagamento efectuado nos termos do n° 5 do art. 23° da LGT.

7. Da questão prévia suscitada pela Fazenda Pública.

Cumpre apreciar em primeiro lugar a questão prévia suscitada pela Fazenda Publica referente à deserção do recurso por falta de alegações no prazo legal.
Mostram os autos que a fls. 157 e seguintes foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, vindo a concluir a final pela verificação da impossibilidade superveniente da lide, e declarando extinta a instância, nos termos da alínea e) do artigo 277° do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo tributário.
A referida sentença foi notificada ao executado/reclamante por carta registada remetida em 05/12/2016, o qual da mesma interpôs recurso em 15/12/2016, dirigido à Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo e invocando o disposto no n°1 do artigo 280° do CPPT (fls. 168), requerimento esse desacompanhado de alegações.
Só em 18/01/2017, na sequência da prolação de despacho de admissão do recurso, o recorrente apresentou alegações (fls. 185 e seguintes).
Nas suas alegações o recorrente pronuncia-se no sentido da natureza não urgente do processo, por estar em causa a arguição de nulidade do ato de citação de gerente revertido, alegando não ser tal acto subsumível na previsão do artigo 278° do CPPT.
Mais alega que em anterior recurso que apresentou, pretendeu que o processo seguisse a tramitação dos processos urgentes, tendo em consequência apresentado alegações juntamente com o requerimento de interposição de recurso.
Porém, em seu entender resulta do despacho de 15.06.2016 (a fls. 111/112) que o tribunal a quo considerou que o recurso não deveria seguir a tramitação dos processos urgentes, aplicando-se lhe o disposto no nº 2 do artº 282º do CPPT (ao invés do pretendido 283°). E que, face à posição processual adoptada pela Mª Juiz, alegadamente traduzida no referido despacho, as partes necessariamente teriam de assumir que a tramitação do processo não seguiria as regras dos processos urgentes.

Carece no entanto de razão a recorrente.
De facto não resulta do referido despacho qualquer elemento que permita inferir que o tribunal considerou ser aplicável ao processo a tramitação dos processos não urgentes.
Aliás as transcrições que o recorrente faz do despacho em causa estão completamente descontextualizadas da respectiva fundamentação, delas retirando, em abono da sua tese, ilações indevidas.
Com efeito no despacho em questão pronunciou-se a Mº Juiz a quo sobre a oportunidade da apreciação do pedido de aclaração da sentença e arguição de nulidade formulado pelo recorrente.
E o que ali se disse sobre tal matéria foi que «contrariamente às regras do CPC, onde o processo só é concluso ao Juiz para despacho de apreciação do recurso após a junção aos autos das alegações das partes, recorrente e recorrido, ou após o decurso do prazo para tal, no processo tributário a referida conclusão surge num momento anterior, ou seja com o requerimento de interposição de recurso, o qual pode vir já acompanhado das alegações, como o determina o art. 283.° do CPPT, no caso dos processos urgentes. Pelo que, só após a parte recorrida ter sido notificada para contra-alegar e decorrido o prazo para o fazer é que o juiz aprecia as motivações do recurso interposto, devendo aí pronunciar-se sobre as nulidades eventualmente arguidas e os pedidos de reforma.»
Concluindo a Mª Juiz não ser aquele o momento processual para o Tribunal apreciar as nulidades eventualmente arguidas mas sim após o cumprimento do contraditório.
Em suma resulta evidente que a invocação do disposto no nº 3 do artigo 282° do CPPT no despacho em causa teve apenas o desiderato de esclarecer que aquela pronúncia só era possível após decorrido o prazo para a parte recorrida apresentar as respectivas alegações.
Não há pois quaisquer razões, como bem nota o Ministério Público, para se considerar que o Recorrente tenha sido induzido em erro sobre a natureza do processo na sequência da prolação do despacho vertido a fls. 111/112
Bem pelo contrário o que resulta dos autos é que o reclamante e ora recorrente invocou na sua reclamação a existência de «prejuízo irreparável» como fundamento para a subida imediata da reclamação, o que foi admitido, tendo a reclamação seguido, a partir daí, as regras dos processos urgentes (artº 278º, nº 3 e 6 do CPPT) – cf. petição inicial, a fls. 15, arts. 38º a 41º e subsequente despacho judicial que ordenou a notificação da Fazenda Pública para contestar nos termos do artº 278º, nº 2 do CPPT ( fls. 45).
Em face disso os autos foram tramitados como processo urgente, o que aliás, o próprio reclamante reconheceu no requerimento de arguição de nulidades e no primeiro recurso (De que não se cuida agora porque se refere a decisão declara nula por despacho de 13.09.2016 (cf. fls. 134).) apresentado em 17.05.2016 e junto a fls. 79 dos autos.

Ora, nos termos do artº 278º, nº 6 do Código de Procedimento e Processo Tributário a reclamação referida naquele normativo segue as regras dos processos urgentes, tendo a sua apreciação prioridade sobre quaisquer processos que devam ser apreciados no tribunal que não tenham esse carácter.
Como esclarece Jorge Lopes de Sousa no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de, vol. IV, pag. 315., o regime de tramitação como processo urgente «deverá aplicar-se a todos os casos em que dever ocorrer subida imediata, designadamente os que se referiram em que este regime de subida se impõe por a subida diferida retirar qualquer efeito útil à reclamação. Isto é, a «reclamação referida no presente artigo» é a reclamação com subida imediata, pelo que, estando-se perante uma situação em que se impõe a subida imediata, tem de se lhe atribuir carácter de urgência».
E sob a epígrafe «Alegações apresentadas simultaneamente com a interposição do recurso» dispõe o artº 283º do mesmo diploma legal que os recursos jurisdicionais nos processos urgentes serão apresentados por meio de requerimento juntamente com as alegações no prazo de 10 dias.

Sendo que do nº 4 do artº 282º do CPPT resulta igualmente que, na falta de alegações, (……), o recurso será julgado logo deserto no tribunal recorrido (Cf., neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03.12.2008, recurso 929/08, in www.dgsi.pt.).

Ora no caso subjudice o recorrente foi notificado da sentença por carta registada remetida em 05/12/2016, e interpôs recurso em 15/12/2016, dirigido à Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, invocando o disposto no n°1 do artigo 280° do CPPT (fls. 168) mediante requerimento desacompanhado de alegações.
E só em 18/01/2017 apresentou alegações (fls. 185 e seguintes).

Assim sendo, estando em causa um processo urgente, visto que o requerimento de interposição de recurso foi desacompanhado de alegações de recurso, tendo estas sido apresentadas manifestamente para além do prazo de 10 dias previsto no artº 283º do CPPT, forçoso será concluir que o recurso não devia ter sido admitido, como efectivamente foi.
Nestes termos, e também porque o despacho que admite o recurso, fixa a sua espécie e determina o seu efeito, tem carácter provisório e não vincula o tribunal superior, que tem a faculdade de revê-lo (artº 685º -C, nº 5, do Código de Processo Civil), julga-se procedente a questão prévia suscitada pela Fazenda Pública, declarando-se o recurso interposto deserto por força das disposições combinadas dos arts. 283º e 282º, nº 4 do CPPT.

8. Da dispensa do remanescente da taxa de justiça

A Fazenda Pública requerer também a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça por si devida, nos termos do disposto nos n.º 2 e 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais.»

De harmonia com o disposto no nº 7 do art. 6° do RCP nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Trata-se de uma dispensa excepcional que, podendo ser oficiosamente concedida (à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no n.º 7 do art.º 7.º), depende sempre de avaliação pelo juiz, pelo que haverá de ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de ser omitida, mediante requerimento de reforma dessa decisão (Conforme admite Salvador da Costa, RCP anotado, 5.ª ed., 2013, em anotação ao preceito).

No âmbito do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem-se entendido que cabe a este STA apreciá-lo tão só no que respeita ao recurso (processo autónomo, na acepção do nº 2 do art. 1º do RCP) que a ele foi dirigida (Neste sentido, Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 15.10.2014, recurso 1435/12, in www.dgsi.pt.).
Por outro lado, e quanto à complexidade da causa haverá que ter em conta os parâmetros estabelecidos pelo disposto no nº 7 do art. 537º do actual CPC (art. 447º-A do CPC 1961).
De acordo com este normativo, para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que: (a) contenham articulados ou alegações prolixas; (b) digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou (c) impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
As questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica serão, por regra, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (neste sentido, Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.85).
Em síntese poderemos dizer que a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No caso subjudice verificam-se esses requisitos.
Por um lado a conduta processual das partes no recurso não merece censura que obste a essa dispensa.
Por outro lado, pese embora a tramitação processual tenha sido, no essencial, uma tramitação regular própria dos recursos jurisdicionais, no caso concreto dos autos, o objecto do recurso acabou por não ser conhecido, uma vez que se julgou procedente a questão prévia suscitada referente à deserção do recurso por falta de alegações no prazo legal.

Em face do exposto, a questão tratada no presente recurso pode ser considerada de complexidade inferior à comum, justificando-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça na medida em que o montante da taxa devida se mostra desproporcionado em face do concreto serviço prestado.
Neste contexto, entendemos que estão preenchidos os requisitos exigidos pelo mencionado nº 7 do art. 6º do RCP, para que possa dispensar-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

9. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em declarar o recurso interposto deserto por força das disposições combinadas dos arts. 283º e 282º, nº 4 do CPPT.

Custas pelo recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Lisboa, 15 de Março de 2017. – Pedro Delgado (relator) – Dulce Neto – Ascensão Lopes.