Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:010/05
Data do Acordão:03/02/2005
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL.
SUBIDA DA RECLAMAÇÃO.
CPPT.
RECURSO JURISDICIONAL.
EFEITO SUSPENSIVO.
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL.
INCONSTITUCIONALIDADE.
DÍVIDAS DE RECURSOS PRÓPRIOS COMUNITÁRIOS.
Sumário:I - Mau grado o carácter taxativo do disposto no art. 278°, n.° 3 do CPPT, deve ter subida imediata, sob pena de inconstitucionalidade material do preceito - princípio da tutela judicial efectiva (art. 268° da CRP) - a reclamação de qualquer acto do órgão da execução fiscal, que cause prejuízo irreparável ao executado ou em que, com a subida diferida, a reclamação perca toda a utilidade (como pode ser, nomeadamente, a não suspensão da execução com a consequente venda dos bens).
II - Em tal circunstância, o recurso jurisdicional da sentença deve subir nos próprios autos - art. 97°, n.° 1, al. n) e 278°, n.° 1 do CPPT -, imediatamente - art. 734°, n.° 2 do CPC - e com efeito suspensivo - arts. 740°, n.° 1 do CPC e 286°, n.° 2, in fine, do CPPT.
III - O n.° 6 do art. 169° do CPPT - não aplicação do mesmo normativo às dívidas de recursos próprios comunitários - não padece de inconstitucionalidade material, por ofensa ao princípio constitucional da igualdade e da não discriminação.
Nº Convencional:JSTA0005017
Nº do Documento:SA220050302010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do STA:
Vem o presente recurso jurisdicional, interposto por A..., da sentença do TAF de Lisboa, que «julgou totalmente improcedente» a reclamação do despacho do Chefe da Repartição de Finanças de Loures, que lhe indeferiu a suspensão da execução.
Fundamentou-se a decisão ora recorrida na «extemporaneidade» da reclamação, «excepção que implica, desde logo, o seu não conhecimento», passando, «no entanto, à apreciação do mérito da causa», concluindo pela conformidade constitucional da norma do art. 1690, n.° 6 do CPPT, «atento o princípio da primazia das normas de direito comunitário, que vigoram directamente no ordenamento jurídico interno».
A recorrente formulou as seguintes conclusões:
«l.ª - Deve ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, uma vez que, por um lado, a recorrente só não prestou ainda garantia suspensiva por o Serviço de Finanças ter rejeitado indevidamente tal pretensão e, por outro lado, porque, caso contrário, se frustraria o efeito útil do presente recurso.
2.ª O “vício de extemporaneidade” invocado pelo tribunal a quo acaba por não ter relevância decisiva para a sua decisão de “manutenção do despacho reclamado”, dado que no próprio despacho de admissão do presente recurso se determinou que o mesmo subisse imediatamente, reconhecendo-se, pois, que se está perante uma situação que justifica tal modo de subida, por decisão contrária implicar “prejuízo irreparável” ou “afectar o efeito útil do recurso”.
3.ª - A interpretação e aplicação da norma do n.° 6 do art. 169° do CPPT, tal como são apresentadas pelo tribunal a quo é incoerente, ilegal e inconstitucional, na medida em que desvirtua a ponderação adequada de interesses (Administração/contribuintes) construída com a LGT e o CPPT, e coloca os contribuintes/operadores económicos em posições diferenciadas e desequilibradas (mesmo entre si) perante a mesma situação ou realidade fiscal, lesando seriamente os operadores que arreda da aplicação original do regime do art. 169° (sem o famigerado n.° 6), em violação dos princípios constitucionais da igualdade e da não discriminação e da coerência do sistema.
4.ª - O art. 244° do CAC não se aplica ao processo executivo fiscal, tratando apenas do efeito do recurso e em sede de impugnação da liquidação.
5.ª - Por outro lado, o princípio da primazia do direito comunitário, no actual estado de desenvolvimento das relações entre os ordenamentos jurídicos comunitário e português, torna inaplicáveis as leis ordinárias nacionais contrárias ao direito originário ou derivado, mas não os preceitos e princípios constitucionais (pelo menos o direito derivado, como é o caso dos autos).
- Normas jurídicas violadas: Arts. 20° e 266°, 2, da CRP; arts. 5º, 2, 9°, 55°, 95°, 1 e 2, al. j) e 103°, 2, da LGT; art. 169°, 6, do CPPT.
Nestes termos e nos mais de direito, cujo douto suprimento se impetra, deve a sentença ser revogada, determinando-se ao Serviço de Finanças de Loures 4 - Sacavém que proceda à fixação do montante da garantia a prestar, correspondente à totalidade da dívida exequenda, e à subsequente notificação à recorrente.»
Não houve contra-alegações.
O Ex.mo magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso que deve ter efeito meramente devolutivo, sufragando o «entendimento vertido na sentença, apoiado em doutrina conceituada, sobre:
a) a primazia do direito comunitário sobre o direito interno nacional, vigorando aquele directamente na ordem jurídica portuguesa (art. 8°, n.° 3 CRP; CAC aprovado pelo Regulamento (CEE) n.° 2913/92, do Conselho, 12/10/92).
b) em consequência, a prevalência do regime especial de prestação de garantia e de suspensão da execução previsto no CAC, aplicável pelas autoridades aduaneiras e não pelo órgão da execução fiscal»,
sendo que «a norma controvertida (art. 169°, n.° 6 CPPT) não viola o princípio constitucional da igualdade na medida em que:
a) é aplicável a todos os agentes económicos com processos de execução fiscal pendentes para cobrança coerciva de direitos aduaneiros
b) a dicotomia de regimes de suspensão da execução radica em fundamento substancial válido: aplicação do regime do CPPT para receitas tributárias nacionais; aplicação do regime do CAC para recursos próprios comunitários.»
Sem vistos, vem o processo à conferência.
Em sede factual, vem apurado que:
«1 - Em 08/09/2003, a firma “A...”, ora reclamante, apresentou requerimento no âmbito do processo de execução fiscal n.° 3492-03/100738.6, o qual corre seus termos no 4° Serviço de Finanças de Loures, contra a mesma instaurado, com vista à cobrança de dívidas de IVA, direitos aduaneiros e juros compensatórios, no montante total de €249.462,27, no qual pede a suspensão do mesmo processo executivo, ao abrigo do art. 169° do CPPT, devendo ser fixado o montante de garantia a prestar para esse efeito (cfr. documento junto a fls. 44 dos presentes autos; informação exarada a fls. 59 dos autos);
2 - Em 21/10/2003, o 4° Serviço de Finanças de Loures solicitou junto da Direcção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro de Lisboa que se pronunciasse sobre o requerimento identificado no n.° 1 (cfr. documento junto a fls. 48 dos presentes autos; informação exarada a fls. 59 dos autos);
3 - Em 24/05/2004, a Direcção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro de Lisboa informou o 40 Serviço de Finanças de Loures da impossibilidade de suspensão do processo executivo fiscal identificado no n.° 1, no que diz respeito à dívida exequenda relativa a direitos aduaneiros, além do mais, devido a não se encontrarem satisfeitas nenhuma das duas condições exigidas para o efeito pelo art. 244° do CAC (cfr. documento junto a fls. 49 dos presentes autos; informação exarada a fls. 59 dos autos);
4 - Em 27/05/2004, o reclamante foi notificado da informação da Direcção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro de Lisboa identificada no n.° 3 (cfr. documentos juntos a fls. 50 e 51 dos presentes autos; informação exarada a fls. 59 dos autos);
5 - Em 07/06/2004, o Chefe do 4° Serviço de Finanças de Loures indeferiu o requerimento identificado no n.° 1, no que diz respeito à dívida de direitos aduaneiros, no montante de €212.684,98, com base na informação identificada no n.° 3, tendo deferido o mesmo requerimento no que se refere à dívida de IVA e juros compensatórios, no montante de € 36.777,29, dado se tratarem de receitas tributárias nacionais, tudo conforme despacho exarado a fls. 53 dos presentes autos e que se dá aqui por integralmente reproduzido;
6 - Em 07/06/2004, a firma “A...” deduziu a reclamação que deu origem ao presente processo (cfr. data de entrada aposta a fls. 3 dos autos);
7 - Em 14/06/2004, a firma reclamante foi notificada do valor a prestar de garantia com vista à suspensão da execução fiscal no que diz respeito à dívida de IVA e juros compensatórios (cfr. documentos juntos a fls. 55 e 56 dos presentes autos; informação exarada a fls. 59 dos autos);
8 - Em 15/07/2004, o Chefe do Serviço de Finanças de Azambuja ordenou a remessa do processo executivo ao tribunal com vista à apreciação da reclamação identificada no n.° 6 (cfr. despacho exarado a fls. 60 dos autos).»
Vejamos, pois:
Como se disse, a sentença, literalmente, indeferiu a reclamação, visando a suspensão da execução, por dois fundamentos: a extemporaneidade daquela e a conformidade constitucional do disposto no art. 169°, n.° 6 do CPPT, que estabelece que a normação sobre a suspensão da execução, aí prevista, «não se aplica às dívidas próprias de recursos comunitários», como é o caso.
Quanto ao primeiro ponto e se bem se atentar no teor daquela peça processual, verifica-se que não foi a extemporaneidade, propriamente dita, da reclamação que se teve em conta mas, antes, a extemporaneidade da subida respectiva ao tribunal, como se vê, sem qualquer dúvida, da parte final de fls. 150 onde, depois de se explicitar o regime de subida - imediata apenas quando «esta se fundar em prejuízo irreparável causado pelas ilegalidades taxativamente enumeradas no art. 278°, n.° 3 do CPP Tributário, as quais se reconduzem à existência de uma penhora indevida e/ou à determinação de uma garantia superior à devida» - se refere - fls. 151 in início - que não é o caso dos autos «nem da argumentação do reclamante se pode retirar que o diferimento da apreciação jurisdicional da legalidade dos actos praticados pela A. Fiscal no âmbito do processo de execução fiscal n.° 3492-03/100738.6 ... possa causar um prejuízo irreparável ao mesmo ou faça perder utilidade à própria reclamação».
O que, pois, se entendeu foi que a subida da reclamação ao tribunal devia ser diferida, concretizando-se apenas «após a penhora e a venda», «a final» - art. 278°, n.° 1.
Pelo que não haveria, então, que conhecer «do mérito» da reclamação mas apenas ordenar a baixa da execução à repartição de finanças para o respectivo prosseguimento, subindo a reclamação apenas a final.
Passou-se, «no entanto» (sem que se consiga apurar minimamente o significado de tal expressão) ao conhecimento «do mérito».
Assim, naquele primeiro ponto, só há que concluir que a reclamação é tempestiva.
E correcta a sua subida imediata.
Certo que o dito art. 278° apenas a autoriza, taxativamente, quando esteja em causa «prejuízo irreparável» derivado das vicissitudes da penhora e da prestação de garantia, nele elencadas.
Todavia, tal interpretação literal seria inconstitucional por violação do princípio da tutela judicial efectiva constitucionalmente previsto - art. 268°, n.° 4 da CRP. Por modos que há que procurar uma interpretação do preceito, conforme à Constituição.
«O alcance da tutela judicial efectiva, não se limita à possibilidade de reparação dos prejuízos provocados por uma actuação ilegal, comissiva ou omissiva, da Administração, exigindo antes que sejam evitados os próprios prejuízos, sempre que possível.
Por isso, em todos os casos em que o diferimento da apreciação jurisdicional da legalidade de um acto lesivo praticado pela Administração puder provocar para os interessados um prejuízo irreparável, não pode deixar de se admitir a possibilidade de impugnação contenciosa imediata, pois é a única forma de assegurar tal tutela.
Assim, a restrição aos casos previstos neste n.° 3 do art. 277° da possibilidade de subida imediata das reclamações que se retira do seu texto, será materialmente inconstitucional, devendo admitir-se a subida imediata sempre que, sem ela, o interessado sofra prejuízo irreparável.»
Cfr. Jorge de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado, 4ª edição, pág. 278, nota 5.
Como assinala o mesmo autor, estando em causa a cobrança de dívidas, não haverá, em princípio, grave lesão do interesse público dada a possibilidade de a Administração Fiscal promover arresto de bens, com «o mesmo efeito da penhora a nível da eficácia em relação ao processo de execução fiscal dos actos do executado (arts. 622° e 819° do CPC)».
«Parece mesmo dever ir-se mais longe e assegurar-se a subida imediata das reclamações sempre que, sem ela, elas percam toda a utilidade».
Pois «nos casos em que a subida diferida faz perder qualquer utilidade à reclamação, a imposição desse regime de subida reconduz-se à denegação da possibilidade de reclamação, pois ela não terá qualquer efeito prático, o que seria incompatível com a LGT e o referido sentido da lei de autorização legislativa» (Lei n.° 87-B/98, de 31 de Dezembro), devendo, então, aceitar-se, em tais casos, a subida imediata.
Como será o caso da decisão que recuse suspender o processo de execução.
Cfr. cit., pág. 278, nota 6.
Ora, nos autos a dívida em causa é de € 212.684,98 (mais de 40.000 contos na moeda antiga) pelo que é de entender estar em causa, hoc sensu, um prejuízo irreparável, nos termos da alegação da recorrente: «dados os valores envolvidos», a sua «falência ou, ao menos, uma situação de tesouraria muito grave e geradora de perda, sempre irrecuperável no curto/médio prazos, de competitividade. Circunstâncias que, pelo seu conhecimento e senso comum, nem carecem ... de particulares demonstrações».
Crê-se, pois, correcta a subida imediata.
QUANTO AO EFEITO DO RECURSO:
O Meritíssimo Juiz a quo ordenou a subida imediata, nos próprios autos mas com efeito devolutivo.
Ora, como deve ser sabido, o recurso tem efeito devolutivo quando a sua interposição não obsta à execução imediata da decisão recorrida, resultando do recurso apenas a atribuição, ao tribunal superior, da possibilidade de alterar ou anular a decisão recorrida.
E efeito suspensivo que, assim, se lhe contrapõe, quando o recurso, além daquele efeito, tem, ainda, o de impedir que se dê imediata execução à decisão recorrida.
Por modos que não tem qualquer sentido ordenar a subida imediata e nos próprios autos mas com efeito devolutivo.
Nos autos, o recurso deve subir na própria execução já que a reclamação neles próprios é processada - arts. 97°, n.° 1, al. n) e 278°, n.° 1 do CPPT.
Por tal, sobe imediatamente - art. 734°, n.° 2 do CPC.
E com efeito suspensivo - arts. 740º, n.° 1 do CPC e 286°, n.° 2, in fine, do CPPT.
Nos autos, todavia, o recurso já está a ser processado com efeito suspensivo pois que, como se disse, teve subida imediata e nos próprios autos (que não em separado - art. 737º do CPC), estando, pois, já concretizado o efeito suspensivo pretendido pela recorrente.
Aliás, nos processos urgentes, como é o caso - art. 278°, n.° 5 do CPPT - a tramitação urgente da reclamação consequência igual urgência na do recurso jurisdicional (cfr. cit. pág. 1051, nota 8 in fine) - o efeito do recurso jurisdicional só pode ser o suspensivo, sob pena de se frustar completamente o fim pretendido pela lei: manutenção da penhora com a consequente venda ou da garantia indevida ou superior à devida e prejuízos irreparáveis derivado do prosseguimento da execução no caso do pedido de suspensão desta.
O recurso tem, pois, efeito suspensivo.
QUANTO À INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 169°, N.° 6 DO CPPT:
Tal normativo regula a suspensão da execução fiscal e as garantias a prestar para o efeito, dispondo, todavia, aquele n.° 6 que o aí disposto se não aplica às dívidas de recursos próprios comunitários que é o que está ora em causa nos autos.
(Em breve parêntesis, esclareça-se que, ao contrário do que pretende a recorrente, não foi «em manifesto estado de desespero e destempero» (sic) que o Orçamento para 2003 aditou aquele n.° 6, «visando afastar esta possibilidade (garantia) ao contribuinte» - cfr. alegações a fls. 175.
Tal n.° 6, como o n.° 5, constava já da redacção original; só que, por mero lapso, haviam sido omitidos aquando da republicação do CPPT, operada pela Lei n.° 15/01; de 05 de Junho - art. 13°. A «alteração» operada pela Lei n.° 32-B/02, de 30 de Dezembro limitou-se a «repor» a normação respectiva.
Aliás, já o art. 1°, n.° 1 da LGT ressalvava do seu âmbito de aplicação «o disposto no direito comunitário»).
Na verdade, os actos tributários, como actos de natureza administrativa, são susceptíveis de execução imediata, no caso através do processo de execução fiscal, findo o prazo de pagamento voluntário dos tributos, independentemente da respectiva impugnação graciosa ou contenciosa.
O art. 169° prevê os actos e condicionalismos em que se verifica a suspensão da execução.
Quanto aos recursos próprios comunitários, igualmente cobrados coercivamente na execução fiscal - cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 4 edição, pág. 788, nota 10 e art. 148°, n.° 1, al. a) - o art. 244° do CAC prevê um regime especial de suspensão da execução, face ao qual não basta - mas também não é imprescindível - a prestação de garantia, antes se exigindo o condicionalismo nele expresso.
«Consequentemente, é de concluir que a forma de obtenção de suspensão da eficácia e consequente execução de actos administrativos ou tributários em matéria aduaneira a que é aplicável o Código Aduaneiro Comunitário, será a prevista neste art. 244°.
É o reconhecimento desta aplicação prioritária do Código Aduaneiro Comunitário, quanto à suspensão da eficácia de actos de liquidação de receitas tributárias aduaneiras que tem em vista o n.° 6 do presente art. 169°, ao estabelecer que o regime previsto neste artigo não se aplica às dívidas de recursos próprios comunitários.
Assim, serão as autoridades aduaneiras, e não o órgão da execução fiscal, quem pode decidir sobre a suspensão da execução dos actos de liquidação de receitas tributárias aduaneiras.
A decisão sobre a atribuição deste efeito suspensivo, seja ou não provocada por requerimento do interessado na sua obtenção, é controlável através de recurso contencioso (o que corresponde a um direito constitucionalmente garantido pelo art. 268°, n.° 4, da CRP), a que são aplicáveis as regras do direito interno português, conforme é determinado no art. 245° do Código Aduaneiro Comunitário.»
Cfr. Jorge de Sousa, cit., pág. 789, nota 10.
(Assim e em outro breve parêntesis, esclareça-se igualmente que, ainda ao contrário do que pretende a recorrente, a alegada actuação das autoridades aduaneiras - indeferindo «sistemática e sumariamente os pedidos de suspensão» - cfr. fls. 173/75 - tem remédio, não em termos da pretendida declaração de inconstitucionalidade, mas do predito recurso contencioso, com pedido de suspensão de eficácia do acto de indeferimento.)
E é em tal diferença de regime que radicaria, na tese da recorrente, a inconstitucionalidade daquele n.° 6 do art. 169° do CPPT por «violação dos princípios constitucionais da igualdade e da não discriminação e da coerência do sistema» - cfr. nomeadamente a conclusão 3ª.
Mas cremos que sem razão.
O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado variadíssimas vezes sobre o princípio da igualdade, reconduzido, na vertente ora em causa, essencialmente, à proibição do arbítrio.
O princípio é acolhido no art. 13° da CRP e estruturante do Estado de direito democrático e do próprio sistema constitucional global - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 1993, pág. 125.
Postula, em síntese, que se dê tratamento igual a situações essencialmente iguais e tratamento desigual a situações desiguais, proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual de situações desiguais.
Proíbe-se, assim, o arbítrio e afasta-se a discriminação infundada.
Por outro lado, o princípio da igualdade não funciona apenas na vertente formal e redutora da igualdade perante a lei; implica, do mesmo passo, a aplicação igual de direito igual, «o que pressupõe averiguação e valoração casuísticas da diferença, de modo que recebam tratamento semelhante os que se encontrem em situações semelhantes e diferenciando os que se achem em situações legitimadoras da diferenciação».
Cfr., por todos e por mais recentes, os Ac’ do TC de 02/06/2004, n.° 403/04 in Diário da República, II Série, de 22/07/2004, com larga citação doutrinal e jurisprudencial.
Ora, há-de reconhecer-se como evidente a diversidade de situações.
As receitas próprias de países membros da Comunidade Europeia destinam-se à satisfação de interesses próprios, segundo os ditames de política económica e financeira de cada um e da satisfação das respectivas necessidades públicas, de que é base fundamental o Orçamento do Estado e as Grandes Opções do Plano.
Ao passo que os recursos próprios comunitários destinam-se à satisfação de interesses próprios da Comunidade, segundo os ditames por esta estabelecidos. De modo que se trata de situações diversas, a exigir normação distinta: normação interna para aquelas, comunitária para estas.
Aliás, nunca o art. 169° poderia aplicar-se, mesmo sem o seu n.° 6, às dívidas de recursos próprios comunitários.
Desde logo, seria incompatível com a LGT - dito art. 1°- e com o próprio sentido da autorização legislativa em que o governo se baseou para aprovar o CPPT - Lei n.° 87-B/98, de 31 de Dezembro -pois ela estava já ínsita na mesma LGT.
Depois, seria incompatível com o direito comunitário - dito art. 244° do CAC -, sendo que as normas deste são hierarquicamente superiores ao direito ordinário interno - art. 244° do Tratado de Roma.
Daí que o art. 8°, n.° 3 da CRP venha sendo interpretado, de modo largamente majoritário, tanto jurisprudencial como doutrinalmente, como impondo o primado do direito comunitário sobre o direito interno nacional.
Cfr. Jorge de Sousa, cit., pág. 468.
Finalmente, refira-se que, face ao exposto e mutatis mutandis e mesmo para quem defenda a primazia do direito constitucional interno sobre o direito comunitário, o art. 244° do CAC se harmoniza perfeitamente com o conteúdo do dito princípio da igualdade, nos termos atrás enunciados, dada a diferenciação legítima existente entre os tributos internos e os comunitários.
Termos em que se acorda, com a presente fundamentação, negar provimento ao recurso, atribuindo-se-lhe, todavia, efeito suspensivo.
Custas pela recorrente, com procuradoria de 1/6.
Lisboa, 2 de Março de 2005. – Brandão de Pinho – (relator) – Fonseca Limão – Baeta de Queiroz.