Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0394/17.9BEALM
Data do Acordão:04/04/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:PEDIDO
PROTECÇÃO INTERNACIONAL
ADMISSIBILIDADE
DEFERIMENTO TÁCITO
Sumário:I - A formação do deferimento tácito quanto à admissibilidade do pedido de proteção internacional produz-se apenas na ausência de observância do prazo de emissão do ato expresso e já não quanto ao prazo da sua notificação [cfr. art. 20.º da Lei n.º 27/2008].
II - O novo enquadramento normativo em termos de pressupostos de formação do deferimento tácito aportado pelo art. 130.º do CPA/2015 não implica a derrogação ou a revogação do específico regime inserto no citado art. 20.º da Lei n.º 27/2008.
III - O art. 679.º do CPC/2013 veio excluir da aplicação remissiva todo o preceituado no art. 665.º, incluindo o n.º 2 que versa sobre as situações que no regime anterior constavam do n.º 2 do art. 715.º, pelo que foi retirada ao tribunal de revista o poder de conhecimento em substituição ao tribunal de apelação quanto a questões cuja apreciação pelas instâncias ficou prejudicada pela solução dada ao litígio.
Nº Convencional:JSTA000P24417
Nº do Documento:SA1201904040394/17
Data de Entrada:02/15/2019
Recorrente:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Recorrido 1:A....... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. A……… e B………, devidamente identificados nos autos, instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada [doravante «TAF/A»] a presente ação administrativa contra o “MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA” [doravante «MAI»], tudo nos termos e com a motivação aduzida na petição inicial de fls. 01 e segs. dos autos [paginação «SITAF» - paginação essa a que se reportarão ulteriores referências à mesma], impugnando os despachos da Senhora Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras [SEF], datados de 16.11.2016, e peticionando a sua anulação, com as devidas e legais consequências, de molde a «que o processo respeitante ao pedido de proteção internacional dos AA. seja apreciado em Portugal».

2. O «TAF/A», por sentença de 06.06.2018 [cfr. fls. 140/187], julgou totalmente procedente a pretensão e, em consequência, anulou os atos impugnados.

3. O R., «MAI», interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul [doravante «TCA/S»] que, por acórdão de 22.11.2018, negou provimento ao recurso e manteve a sentença recorrida [cfr. fls. 233/240].

4. Invocando o disposto no art. 150.º, n.º 1, do CPTA [na redação introduzida pelo DL n.º 214-G/2015 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos deste Código sem expressa referência em contrário], o mesmo R., inconformado agora com o acórdão proferido pelo «TCA/S», interpôs, então, o presente recurso de revista, produzindo alegações [cfr. fls. 248 a 254], com o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
«
1.ª Ante tudo o alegado, emerge perante o recorrente, não só a legitimidade/direito, mas também o dever de superiormente arguir do referido dissentimento, face ao juízo vertido no douto Acórdão a quo, que convictamente, se nos afigura incorreto
2.ª Acresce, a inquestionável relevância jurídica que o objeto do Acórdão de 22 de novembro p.p. contempla.
3.ª Mostra-se destarte imprescindível, a admissão do presente Recurso de Revista, atenta a clara necessidade de melhor aplicação do Direito, face ao entendimento sustentado nos vereditos a quo no que tange ao estatuído no art. 130.º do CPA.
4.ª Pois na firme convicção do recorrente, que a cominação em causa (art. 130.º do CPA), não tem um âmbito de aplicação geral, extensivo a todos os atos administrativos notificados por qualquer órgão administrativo no exercício das respetivas competências, e com inobservância do prazo de notificação.
5.ª Por outras palavras, a mencionada norma não tem aplicação autónoma, vide o disposto no n.º 1 do mesmo preceito.
6.ª Ao invés, o Douto Acórdão de que ora se recorre assim não entende, laborando destarte em erro na interpretação que efetua do citado art. 130.º do CPA, face à Lei 27/2008 de 30 de junho.
7.ª Está in casu em causa, o abalo na confiança jurídica, corolário do princípio da certeza e segurança que se impõe num Estado de direito, também, e sobretudo, na aplicação da justiça.
8.ª Como outrossim e diretamente, o princípio da legalidade.
9.ª O ora recorrente, em total discordância, mas, uma vez vinculado àquele (Acórdão a quo), pugna assim na senda do supra alegado …».

5. Devidamente notificados os AA., aqui ora recorridos, vieram produzir contra-alegações [cfr. fls. 266 a 272], que terminam com a seguinte síntese conclusiva:
«
1.ª Bem decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada e bem confirmou a decisão de 1.ª instância o Tribunal Central Administrativo Sul ao anularem o ato administrativo nos termos do disposto no art. 163.º do CPA.
2.ª Contrariamente ao alegado pelo recorrente o que está em causa é a anulabilidade da decisão administrativa e não o deferimento tácito previsto no art. 130.º do CPA.
3.ª Pelo que as doutas Decisões recorridas respeitam integralmente o Direito aplicável.
4.ª Sem prescindir não podem os recorridos deixar de realçar a relevância social deste caso considerando que
a) Estão há mais de dois anos a aguardar a decisão sobre o seu pedido de proteção internacional;
b) Têm a seu cargo duas crianças;
c) Dispõem de apoio familiar em Portugal;
d) Não conhecem ninguém em Espanha.
5.ª Devendo por tais motivos ser aplicadas cláusulas discricionárias previstas no art. 17.º do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho e acolhidos os princípios enformadores previstos nos considerandos (14) e (17) do mesmo Regulamento (UE) …».

6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal, prevista no n.º 6 do art. 150.º do CPTA, datado de 25.01.2019, o presente recurso de revista foi admitido [cfr. fls. 284/285].

7. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 146.º, n.º 1, e 147.º do CPTA [cfr. fls. 291], o digno Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao presente «recurso de revista, confirmando-se os julgados das instâncias, nomeadamente o do Ac. TCAS recorrido, ainda que por fundamentação não totalmente coincidente» [cfr. fls. 292/300], parecer esse que objeto de contraditório não mereceu qualquer resposta [cfr. fls. 303 e segs.].

8. Sem vistos, atento o disposto nos arts. 36.º, n.ºs 1 e 2, e 147.º do CPTA, o processo foi submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.






DAS QUESTÕES A DECIDIR
9. Constitui objeto de apreciação nesta sede o aferir se o acórdão do «TCA/S», ao haver negado provimento ao recurso de apelação deduzido pelo R., ora recorrente, incorreu, conforme alegado, em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do disposto, mormente, no art. 130.º, do Código de Procedimento Administrativo [CPA] [na redação introduzida pelo DL n.º 4/2015 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos deste Código sem expressa menção em contrário], em articulação com os arts. 20.º e 39.º, Lei n.º 27/2008, de 30.06 [na redação pela lhe foi introduzida pela Lei n.º 26/2014, de 05.05] [diploma através do qual se procede ao estabelecimento de condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna diversas diretivas comunitárias] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].


FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
10. Resulta apurado nas instâncias o seguinte quadro factual:
I) Os AA. são cidadãos nacionais da Ucrânia [cfr. prova documental documento n.ºs 03 e 04 junto com a petição inicial]
II) Os AA. são casados e têm os seguintes filhos em comum:
a) …………., nascida na Ucrânia, em 23.05.2014.
b) ………….. nascida em Portugal, a 27.01.2018 [cfr. prova documental - doc. n.º 05 junto com a petição inicial e prova documental de fls. 65 e seguintes dos autos em suporte de papel].
III) Os AA. solicitaram na embaixada espanhola da Ucrânia a emissão de vistos para a entrada no Espaço Schengen [confissão e processo administrativo].
IV) Munidos dos vistos de entrada, referidos no facto provado anterior, os AA. entraram em Portugal com a sua filha …………… [confissão e processo administrativo].
V) Os AA. apresentaram, em 08.08.2016, os pedidos de proteção internacional no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras [SEF], que deram origem aos processos n.ºs 1571J/16, 1572J/16 e 1573J/16 [cfr. prova documental - documentos nºs 03 a 05 juntos com a petição inicial].
VI) A 16.09.2016, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF efetuou um pedido de tomada de cargo dos AA. às autoridades espanholas ao abrigo do disposto no artigo 12.º, n.º 2, do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho [cfr. prova documental - fls. 24 e seguintes do processo administrativo].
VII) Em 15.11.2016, as autoridades espanholas aceitaram o pedido referido no facto provado anterior [cfr. prova documental - fls. 39 e seguintes de ambos os processos administrativos].
VIII) A 10.02.2017, os AA. foram notificados do seguinte, mediante ofício com data de expedição a 06.02.2017 [cfr. prova documental - documento n.º 01 junto com a petição inicial e fls. 34 e seguintes de ambos os processos administrativos]:
.
IX) A decisão mencionada no facto provado anterior, referente ao A. tem o seguinte teor: [cfr. prova documental documento n.º 01 junto com a petição inicial]

X) A decisão referida no facto provado anterior teve como base as seguintes informações/propostas: [cfr. prova documental documento n.º 01 junto com a petição inicial]



XI) A decisão mencionada em VIII), referente à A. e filha tem o seguinte teor: [cfr. prova documental documento n.º 01 junto com a petição inicial]



XII) A decisão referida no facto provado anterior teve como base as seguintes informações/propostas: [cfr. prova documental documento n.º 01 junto com a petição inicial]







«*»

DE DIREITO
11. Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação do objeto de recurso e questões no mesmo suscitadas.

12. Insurge-se o R., aqui ora recorrente, contra o juízo firmado pelo «TCA/S» no acórdão recorrido, assacando a este erro de julgamento por interpretação e aplicação incorreta do disposto no art. 130.º, do CPA em articulação com os arts. 20.º e 39.º, da Lei n.º 27/2008, já que, como sustenta, não se formou deferimento tácito atento o regime previsto neste diploma, sendo que também não se mostram preenchidos os pressupostos cumulativos insertos no art. 130.º do CPA.

13. Convocando e cotejando o quadro normativo posto em evidência temos que, mostrando-se garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, e, bem assim, aos estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento de serem perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual [cfr., nomeadamente, o art. 03.º da Lei n.º 27/2008], o procedimento destinado ao reconhecimento daquele direito terá de operar através de pedido de proteção internacional apresentado perante o SEF [cfr. arts. 10.º, 13.º e 23.º, do mesmo diploma legal], procedimento esse que pode gerar a necessidade de organização de procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional se, no seu âmbito, se vier a considerar que a responsabilidade pela análise daquele pedido pertence a outro Estado Membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.06.2013 [doravante Reg. (UE) n.º 604/2013 - e também denominado «Regulamento Dublim III»] [cfr. seus arts. 18.º, 19.º-A, 36.º e segs.].

14. E cabendo ao diretor nacional do SEF a competência para a apreciação de cada pedido de proteção internacional, tendo em conta o descrito no n.º 2 do art. 18.º da mesma Lei, se necessário com sujeição a tramitação acelerada [cfr. art. 19.º], temos que, quanto à análise que a decisão liminar dos mesmos faça, os pedidos podem ser considerados fundamentados [admissíveis] ou então, ao invés, infundados e inadmissíveis [cfr. arts. 18.º, 19.º, 19.º-A, e 20.º, n.ºs 1 a 3, do mesmo diploma], sendo que os primeiros, tendo prosseguido o procedimento com a devida instrução, serão depois objeto de decisão de concessão ou de recusa de proteção internacional [cfr. arts. 20.º, n.ºs 4 e 5, 27.º, 28.º e 29.º, do mesmo diploma].

15. Na situação sub specie constata-se que, em face dos pedidos de proteção internacional apresentados pelos aqui recorridos, deduzidos em 08.08.2016 [cfr. n.ºs I) a VI) da matéria de facto apurada], e relativamente aos quais a Diretora Nacional do SEF dispunha de um prazo de 30 dias, contado da data de apresentação dos pedidos de proteção, para emitir decisão liminar de rejeição dos mesmos por falta de fundamento ou inadmissibilidade [cfr. os referidos arts. 18.º, 19.º, 19.º-A, e 20.º, n.ºs 1 a 3], decisão essa que teria de ser devidamente fundamentada [cfr. o referido n.º 1 do art. 20.º], foi determinada a abertura de procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise dos referidos pedidos de proteção internacional, tendo o SEF no referido procedimento especial, através do seu Gabinete de Asilo e Refugiados, enviado, em 16.09.2016, pedido de tomada a cargo dos requerentes às autoridades espanholas, ao abrigo do n.º 2 do art. 12.º do Reg. (UE) n.º 604/2013, pedido esse que foi aceite em 15.11.2016 [cfr. n.ºs VI) e VII) da mesma matéria de facto], e, em decorrência desta aceitação, foram proferidas pela Diretora Nacional do SEF as decisões impugnadas, datadas de 16.11.2016, a considerar os pedidos de proteção como inadmissíveis [cfr. n.ºs IX) a XII) da mesma matéria de facto].

16. Está em discussão nos autos o determinar se se formou deferimento tácito quanto à admissibilidade dos pedidos de proteção internacional formulados pelos aqui recorridos.
Analisemos.

17. Como referido, presente o regime específico definido neste domínio nos n.ºs 1 a 3 do art. 20.º da Lei n.º 27/2008, em transposição e aplicação in casu daquilo que, nomeadamente decorre do regime constante dos arts. 31.º a 33.º da Diretiva n.º 2013/32/UE [relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional], temos que in casu a Diretora Nacional do SEF dispunha de um prazo de 30 dias a contar da data de apresentação dos pedidos de proteção internacional para proferir uma decisão fundamentada sobre os pedidos considerados infundados e inadmissíveis, já que na «falta de decisão dentro do prazo previsto no número anterior, considera-se admitido o pedido» [n.º 2 do referido preceito], e, para além disso, impunha o n.º 3 do mesmo artigo que «[a] decisão sobre o pedido mencionado nos números anteriores é notificada ao requerente no prazo de dois dias» [n.º 3].

18. Tal prazo, que estava em curso após dedução dos respetivos pedidos de proteção [em 08.08.2016], contado nos termos do art. 87.º do CPA, veio, todavia, a ser suspenso mercê de no quadro do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise dos mesmos pedidos haver sido formulado pedido de tomada a cargo dos requerentes dirigido pelo SEF às autoridades espanholas, em 16.09.2016, suspensão essa que decorre do facto de a instrução do procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional suspender, até decisão final, a contagem, nomeadamente, do prazo previsto no n.º 1 do art. 20.º [cfr. art. 39.º da Lei n.º 27/2008].

19. E a suspensão da contagem daquele prazo de decisão dos pedidos de proteção internacional formulados pelos requerentes, operada em 16.09.2016, manteve-se até 15.11.2016, data em que as autoridades espanholas comunicaram a aceitação do pedido de tomada a cargo, retomando, então, a mesma e o curso do prazo.

20. E presentes os factos e as datas a considerar temos que as decisões proferidas pela Diretora Nacional do SEF foram-no não apenas no prazo de 05 dias que resulta previsto no n.º 2 do art. 37.º da Lei n.º 27/2008, mas, também, dentro do prazo de 30 dias de que a mesma dispunha para esse efeito, sob pena de deferimento tácito tal como se mostra previsto nos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 20.º da mesma Lei, enquanto prazo e regime disciplinador específico para este tipo de procedimentos e que, nessa medida, afasta o regime geral previsto no CPA, nomeadamente, o seu art. 130.º, o qual apenas seria supletivamente aplicável se e na ausência de concreta disciplina normativa, o que não é o caso.

21. Com efeito, sem paralelo no regime normativo de direito derivado definido pelo Direito da União neste domínio, resulta do disciplinado no diploma em referência a previsão de um regime de deferimento tácito que, quanto à definição de prazo de decisão e à pressuposta exigência de formação com emissão de decisão expressa de indeferimento/rejeição naquele prazo [30 dias] e notificação da mesma decisão num determinado prazo certo/específico [02 dias] [cfr. art. 20.º, n.ºs 1 a 3], se mostrava especial face àquilo era o regime geral constante do art. 108.º do CPA/91-96 e mesmo quanto ao atual art. 130.º do CPA, pelo que atenta a natureza de tal regime não se descortina, atento o disposto no art. 07.º do CC e, bem assim, o enunciado e previsto no DL n.º 4/2015 [cfr., nomeadamente, seu art. 04.º], que o novo enquadramento normativo aportado pelo referido art. 130.º do CPA e novos pressupostos de formação do deferimento tácito, importe a sua derrogação ou revogação.

22. Ocorre que, pese embora a tempestividade da emissão dos referidos atos de rejeição por inadmissibilidade dos pedidos de proteção internacional formulados pelos requerentes, aqui recorridos, temos que a sua notificação, devendo observar os requisitos e exigências, nomeadamente definidos pelo n.º 3 do art. 37.º da Lei n.º 27/2008, não cumpriu, contudo, aquilo que é o prazo definido e imposto para a mesma pelo n.º 3 do art. 20.º da mesma Lei, ou seja, o prazo de 02 dias, já que devendo ter lugar a 18.11.2016 a sua notificação apenas veio a concretizar-se com a expedição a 06.02.2017 e receção a 10.02.2017 [cfr. n.ºs VIII) a XII) da mesma matéria de facto].

23. Face a esta constatação vemo-nos, então, confrontados com a questão de saber quais as implicações ou as consequências que importa extrair da inobservância daquele prazo de notificação dos atos de rejeição expressa dos pedidos de proteção, mormente aferir se um tal incumprimento daquela obrigação de notificação integrava o quadro normativo pressuposto para a produção ou formação ou não do deferimento tácito.

24. E respondendo à questão acabada de colocar afigura-se que o particular regime que se mostra instituído neste domínio e para este procedimento aponta no sentido de que o deferimento tácito quanto à admissibilidade do pedido se forma ou se produz apenas na ausência de observância do prazo de emissão do ato expresso e já não quanto ao prazo da sua notificação [cfr. art. 20.º da Lei n.º 27/2008 - «[n]a falta de decisão dentro do prazo previsto no número anterior» (sublinhado nosso)].

25. Na verdade, presente o concreto e expresso teor do regime acabado de convocar não se descortina, como referido, que o novo enquadramento normativo aportado pelo art. 130.º do CPA, mormente, os novos pressupostos de formação do deferimento tácito, implique a derrogação ou revogação do específico regime aplicável à situação em presença.

26. Nessa medida, se assim é e deve ser entendido temos, então, que na situação vertente não ocorreu formação de deferimento tácito quanto à admissibilidade dos pedidos de proteção internacional que haviam sido deduzidos pelos requerentes, aqui recorridos, pelo que assiste razão ao R., aqui recorrente, nas críticas que dirige ao juízo firmado pelo «TCA/S», juízo esse que, à luz da fundamentação antecedente, não poderá, assim, ser mantido.

27. Mas, não se tendo formado deferimento tácito quanto à admissibilidade dos pedidos de proteção internacional que haviam sido deduzidos pelos requerentes, aqui recorridos, impunha-se, então, presente a pretensão impugnatória que se mostra deduzida no quadro da ação administrativa sub specie a emissão dum juízo sobre os demais fundamentos de ilegalidade que se mostram acometidos aos atos impugnados [cfr. o teor dos arts. 35.º a 40.º da petição inicial].

28. Ocorre que um tal enquadramento e apreciação não foi feita em sede da pronúncia que se mostra firmada pelo Tribunal a quo, pelo que se impõe a remessa dos autos ao mesmo Tribunal para efetivação daquele julgamento.

29. Com efeito, presente o quadro normativo inserto, mormente no art. 150.º do CPTA, temos que «na ausência de normação própria, o poder de substituição do STA ao tribunal recorrido em situações deste género só poderia resultar da aplicação supletiva do art. 726.º do anterior CPC ao julgamento da revista no contencioso administrativo, com as necessárias adaptações. Remetendo-se nesse art. 726.º para o regime de apelação e estando apenas excluída a aplicabilidade do n.º 1 do art. 715.º, seriam aplicáveis as normas constantes do n.º 2 do art. 715.º a que correspondiam os n.ºs 3 e 4 do art. 149.º do CPTA. Sucede que o art. 679.º do novo Código de Processo Civil veio excluir da aplicação remissiva todo o preceituado no art. 665.º, incluindo o n.º 2 que versa sobre as situações que no regime anterior constavam do n.º 2 do art. 715.º, pelo que foi retirada ao tribunal de revista o poder de substituição ao tribunal de apelação neste tipo de situações. (…) Assim, tendo desaparecido a base normativa em cuja aplicação supletiva encontraria apoio, não pode atualmente conhecer-se na revista deste tipo de questões cuja apreciação pelas instâncias ficou prejudicada pela solução dada ao litígio» [cfr., entre outros, os Acs. deste STA de 29.05.2014 - Proc. n.º 0502/13, de 03.12.2015 - Proc. n.º 01028/15, de 07.01.2016 - Proc. n.º 01021/15, de 28.01.2016 - Proc. n.º 01396/15, de 30.06.2016 - Proc. n.º 0270/16, de 26.04.2018 - Proc. n.º 0326/14, de 07.06.2018 - Proc. n.º 01210/16 consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta»].

30. Nestas circunstâncias, deverão os autos ser remetidos àquele Tribunal para apreciação das questões e consequências aludidas no antecedente § 27, nos termos do n.º 3 do art. 149.º do CPTA, juízo a efetuar levando em consideração o que ora se julgou.




DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional sub specie e revogar o acórdão recorrido, ordenando a baixa do processo ao «TCA/S» para, no prosseguimento dos autos, proceder à apreciação das questões que supra se mostram definidas.
Não são devidas custas [cfr. art. 84.º da Lei n.º 27/2008].

D.N..

Lisboa, 4 de abril de 2019. - Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Jorge Artur Madeira dos Santos.