Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01404/12
Data do Acordão:01/17/2013
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:PAIS BORGES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
Sumário: I - Nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, “excepcionalmente”, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
II - A matéria de facto, incluindo os juízos de facto ou juízos sobre factos, e a apreciação da prova produzida não podem ser reapreciadas pelo tribunal de revista, nos termos do art. 150º, nº 4 do CPTA.
Nº Convencional:JSTA000P15152
Nº do Documento:SA12013011701404
Data de Entrada:12/07/2012
Recorrente:INST DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P.
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

( Relatório )

O INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS (IFAP, IP) interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do art. 150º do CPTA, recurso de revista do acórdão do TCA Sul, de 13.09.2012 (fls. 448 e segs.), que negou provimento ao recurso jurisdicional por si interposto e confirmou o acórdão do TAF de Sintra pelo qual foi julgada procedente a acção administrativa especial contra si intentada por A……, SA, com os sinais dos autos, e anulado, por preterição de formalidades legais e por erro nos pressupostos, o acto que determinou a reposição da quantia de 104.635,07 €, considerada como indevidamente recebida a título de restituições à exportação de carne de suíno.

Alega, em abono da admissibilidade da revista, e em síntese, que o acórdão recorrido enferma de erro grosseiro e de violação da lei substantiva, ao considerar a insuficiência e inadequação dos elementos probatórios recolhidos pela Administração, afirmando que os mesmos se reconduzem tão só à fórmula de produção inicialmente entregue pela empresa, onde consta que o produto exportado continha proteína de soja, substância proibida pela regulamentação comunitária de apoio à exportação, mas sem recolher documentação relativa à produção efectuada naquele período ou análises internas aquando da exportação, e que tal não basta para comprovação inequívoca da incorporação daquele produto, até porque a empresa declara ter entregado, por erro, a fórmula de produção de outro produto.
Conclui a entidade recorrente que o acórdão viola a regulamentação comunitária relativa aos controlos a posteriori,previstos no art. 5º do Regulamento (CEE) nº 386/90, que devem ser efectuados de acordo com as normas constantes do Regulamento (CEE) nº 4045/89, da Comissão, num momento posterior à exportação dos produtos, sendo autónomos relativamente aos controlos físicos realizados no momento da exportação, assim invertendo ilegalmente o ónus da prova, o que reclama a intervenção do tribunal de revista em ordem a uma melhor aplicação do direito.

( Fundamentação)

O art. 150º n° 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, “excepcionalmente”, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
A jurisprudência do STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n°s 92/VIII e 93/VIII, de uma “válvula de segurança do sistema” que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.
Deste modo, a intervenção do STA só se justificará em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se generalizar este recurso de revista, o que não deixaria de se mostrar desconforme com os aludidos fins tidos em vista pelo legislador.
A admissão da revista para melhor aplicação do direito terá lugar, designadamente, e segundo a referida jurisprudência, quando, em face das características do caso concreto, ele revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros, e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, assim fazendo antever como objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.

No caso sub judice, e à luz da orientação jurisprudencial enunciada, entendemos que não se verificam, in casu, os pressupostos de admissão da revista.
O acórdão recorrido, confirmando integralmente a decisão da 1ª instância, considerou que “o Recorrente, nestes autos, não logrou provar que os indicados chouriços exportados tivessem efectivamente proteína de soja na sua fórmula, mas apenas provou que aos seus inspectores foi entregue pelo Recorrido uma documentação que assim indicava”, e que, por seu turno, “o Recorrido, nestes autos, logrou provar que a fórmula de chouriço destinado a países terceiros não tinha proteína de soja”, concluindo que “da fundamentação da resposta à matéria de facto, retira-se que o Recorrido não só afastou a prova que o recorrente pretendia fazer, como provou nestes autos que a fórmula de chouriço destinado a países terceiros, que fabricava, não tinha proteína de soja. Portanto, face à prova produzida nestes autos, ter-se-á de considerar procedente a indicada violação de lei, por erro nos pressupostos”.

Não está pois em causa uma questão de inversão do ónus da prova, mas uma pronúncia do tribunal a afirmar a prova efectivamente feita pelo recorrido de inexistência de proteína de soja no produto exportado.

O que a entidade recorrente pretende é, justamente, que o tribunal de revista desdiga um juízo de facto afirmado pelo tribunal recorrido: o de que ficou provada a inexistência de proteína de soja no produto exportado pelo recorrido.
Ora, a matéria de facto, incluindo os juízos de facto ou juízos sobre factos, e a apreciação da prova produzida não podem ser reapreciadas pelo tribunal de revista, nos termos do art. 150º, nº 4 do CPTA (“o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

O que basta para fundamentar a não admissão da revista.

( Decisão)

Com os fundamentos expostos, por não se verificarem os pressupostos exigidos pelo art. 150º nº 1 do CPTA, acordam em não admitir a revista.

Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 17 de Janeiro de 2013. – Luís Pais Borges (relator) – José Manuel da Silva Santos Botelho – Rosendo Dias José.