Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0316/21.2 BEVIS
Data do Acordão:02/29/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:LILIANA VIEGAS CALÇADA
Descritores:ACTO POLÍTICO
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
Sumário:I - A referência formal à alínea g) do artº 197º da CRP não se reveste de uma relevância determinante para a qualificação de uma Resolução como diploma regulamentar, antes se devendo analisar a mesma em função de um critério material, avaliando se as suas características intrínsecas determinam a respectiva inclusão no âmbito da função política do Governo, ou se, pelo contrário, apresentam natureza de regulamento administrativo.
II - Nos termos do disposto no artº 138º, nº 3, al. b), do CPA, apenas revestem natureza de regulamento as Resoluções de Conselho de Ministros com conteúdo normativo, o que não se verifica com a Resolução nº 75/2010, de 22/9, cujo conteúdo integra apenas a definição de princípios políticos e objectivos programáticos.
III – Tal definição de princípios e objectivos programáticos insere-se no âmbito da competência política do Governo, pelo que a referida Resolução se mostra, em consequência, insindicável pelos tribunais administrativos, nos termos do disposto no artº 4º, nº 3, al. a), do CPTA, o que determina a procedência da excepção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da matéria.
Nº Convencional:JSTA000P31980
Nº do Documento:SA1202402290316/21
Recorrente:AA E OUTROS
Recorrido 1:CONSELHO DE MINISTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acções administrativas de actos dos órgãos superiores do Estado
Autores: BB e outros
Réu: Conselho de Ministros
Contrainteressada: A..., S.A.

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I - Relatório
1. BB, CC, AA e DD, com os sinais dos autos, instauraram, no TAF de Viseu, a presente acção administrativa de impugnação de normas “ nos termos do disposto nos artigos 37.º, n.º 1 alínea b), 72.º do CPTA, derivada do Regime Jurídico do Direito de Participação Procedimental e de Acção Popular, consignado na Lei 83/95, de 31/08, artigo 1.º, n.º 1, artigo 2.º, n.º 1, artigo 12.º, n.º 1, e artigo 52.º, n.º 3, da CRP”, na qual deduzem o pedido de que seja “declarada a ilegalidade das normas administrativas, com força obrigatória geral, constantes:
1) Da Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2010, de 22 de Setembro, pelas quais: a) foi adoptado o princípio da universalidade na implementação do regime de cobrança de taxas de portagem em todas as auto-estradas sem custos para o utilizador (SCUT), b) introduz um regime efectivo de cobrança de taxas de portagem nas auto-estradas SCUT Interior Norte, Beiras Litoral e Alta, Beira Interior e Algarve;
2) do Decreto-Lei n.º 111/2011, de 28 de Novembro, aprovado pelo Conselho de Ministros, pelas quais: a) sujeita ao regime de cobrança de taxas de portagem aos utilizadores os lanços e os sublanços das seguintes auto-estradas: A 23, que integra o objecto da Concessão da Beira Interior; A 24, que integra o objecto da Concessão do Interior Norte; e A25, que integra o objecto da Concessão da Beira Litoral/Beira Alta.”

2. Indicam como Requerido o Conselho de Ministros e como contrainteressada A..., S.A.

3. Referem os AA, no artº 4º da p.i., pretender “ (…) defender os direitos e interesses dos utilizadores dos lanços e sublanços das auto-estradas que integram o domínio público e que foram objecto da Concessão da Beira Interior; da Concessão do Interior Norte; da Concessão da Beira Litoral/Beira Alta constantes do Decreto-Lei n.º 111/2011, de 28 de Novembro, requerendo que seja decretada a suspensão de eficácia das normas administrativas supra identificadas dado que impõem o pagamento de portagens em todas as SCUTS. (sublinhado aditado)
Contudo, não consta da p.i. a alegação de quaisquer elementos de facto ou de direito relativos a tal suspensão, nem os AA incluem na pretensão formulada a final qualquer pedido relativo à suspensão de eficácia das normas dos diplomas identificados, pelo que a mesma não constitui objecto dos presentes autos.
Por outro lado, referem os AA no artº 49º da p.i. que “(…) importa agora analisar os fundamentos invocados e os vícios que põe em causa a validade das normas vertidas naquela Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2010, de 22 de Setembro, já que são estas que constituem o objecto da impugnação da presente acção.” (sublinhado aditado)
Verifica-se, na verdade, que, no decurso da p.i., os AA não alegam quaisquer vícios que ponham em causa a validade das normas constantes do DL nº 111/2011, de 28/11, incluindo, porém, a final, no seu pedido de declaração de ilegalidade de normas administrativas, com força obrigatória geral, as normas do referido Decreto-Lei, pelo que se terá em conta a totalidade do pedido formulado.

4. Invocam os Autores que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2010, de 22/9, viola o disposto nos artigos 9º, 47º, 58º, 60º, 62º, 66º, 70º, 80º, 112º, nº 6 e 266º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa e bem assim o disposto nos artigos 3º e 136º, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo, por estar vedado ao Conselho de Ministros, através de uma Resolução e no exercício do poder administrativo, estabelecer princípios para cobrança de portagens e introduzir regimes efectivos de cobrança de portagens em auto-estradas SCUT – pelo que afirmam padecer tal resolução do “vício de precedência de lei”, sendo “violadora dos princípios ínsitos nas alíneas a), b), d) e e) do artigo 9.º da CRP.

5. Em 20.09.2021, foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a qual julgou o tribunal incompetente em razão da hierarquia para apreciar a ação e competente hierarquicamente o Supremo Tribunal Administrativo.

6. O Conselho de Ministros deduziu contestação, apresentando defesa por impugnação e por excepção, tendo, neste último âmbito, invocado a verificação das seguintes excepções dilatórias:

“1.1 Incompetência absoluta
1.1.1 Sindicância de atos políticos (RCM 75/2010)
1.1.2 Sindicância de atos legislativos (DL 111/2011)
1.1.3 Fiscalização abstrata da constitucionalidade
1.2 Inimpugnabilidade (de normas não imediatamente operativas)
1.3 Ilegitimidade ativa
1.3.1 Ação popular (falta de interesse difuso tutelável)
1.3.2 Ação individual (falta de demonstração de qualquer prejuízo)
1.4 Ilegitimidade passiva (preterição de contrainteressados)”

7. A contrainteressada A..., S.A. deduziu contestação, apresentando defesa por impugnação e por excepção, tendo, neste último âmbito, invocado a verificação das seguintes excepções dilatórias:
- A – Incompetência absoluta do tribunal
-B – Incompetência absoluta do tribunal, [atentos os limites da jurisdição fixados nos artºs 72º nº 2 do CPTA e artº 281º nº 1 da CRP]
- C – Falta de interesse processual em agir
- D – Ilegitimidade dos Autores
- E – Ilegitimidade da contra-interessada
- F – Ineptidão da petição inicial

8. Devidamente notificados das contestações, os Autores não apresentaram réplica.

9. O Ministério Público, notificado nos termos do artº 85º do CPTA, não emitiu pronúncia.

10. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

- II - Fundamentação

11. Dado que, no termos do disposto no artº 13º do CPTA, “o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”, impõe-se começar por apreciar tal questão.
Como constitui jurisprudência uniforme, a competência do tribunal não depende da legitimidade das partes nem da viabilidade de procedência da acção, devendo ser aferida de acordo com os termos da pretensão enunciada pelo autor, apesar do tribunal não estar vinculado às qualificações jurídicas pelo mesmo efectuadas.
Sublinha reiteradamente o Tribunal dos Conflitos, nomeadamente, e entre muitos outros, no acórdão de 8 de Novembro de 2018, (P. n.º 020/18), que “(…) A competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável – ver, por elucidativo sobre esta metodologia jurídica, o AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14, onde se diz, além do mais, que «o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência…».”.

12. Como resulta do disposto no artº 4º, nº 1, al. a), do ETAF só é da competência dos Tribunais Administrativos a apreciação de litígios surgidos no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais, estando excluídos do âmbito da jurisdição, nos termos do nº 3, al. a), da mesma norma, “a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de: (…) Atos praticados no exercício da função política e legislativa”.
Ora, nos presentes autos, os AA defendem que estão em causa “normas emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo e cuja declaração da ilegalidade, com força obrigatória geral, infra requerem” (artº 7º) - constantes, conforme o pedido, da Resolução do Conselho de Ministros nº 75/2010, de 22/9 e do Decreto-Lei nº 111/2011, de 28/11.
Fundamentam tal pedido alegando, em síntese, o seguinte:

“(…) 50.º Primeiro, aquela Resolução viola, antes de mais, o princípio da legalidade previsto no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo e segundo o qual: “Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins.”
55.º - De facto, sob a epígrafe “Competência administrativa”, o artigo 199.º da CRP dispõe que “Compete ao Governo, no exercício de funções administrativas:
g) Praticar todos os actos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades colectivas.”
56.º - Sendo esta a norma habilitante, expressamente invocada na referida Resolução, impõe-se concluir uma de duas coisas:
I. Ou a Resolução constitui um acto praticado pelo Governo no exercício da sua competência administrativa, tal como ali é plasmada e invocada, o que a torna inválida por estar vedado ao Conselho de Ministros, no exercício de um poder administrativo, estabelecer princípios universais para a cobrança de portagens nas auto-estradas e, consequentemente, introduzir regimes efectivos de cobrança de taxas de portagem em todas as auto-estradas SCUT;
II. Ou a Resolução constitui um acto praticado no exercício das suas competências legislativas, ao contrário do que ali plasma e invoca, e, nesse caso, estamos perante uma Resolução igualmente inválida porque criadora de normas gerais e abstractas, com eficácia externa, mas sem norma habilitante para a sua emissão, violadora do estatuído no artigo 136.º n.º 1 e n.º 2 do CPA.
57.º - Seja qual for o entendimento sufragado, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que não deixamos de estar perante uma Resolução invalida porque praticada fora dos limites que estavam conferidos ao Conselho de Ministros e, com tal, praticada em desobediência à lei e à Constituição.
59.º - Enquanto o artigo 112.º n.º 1 da CRP esclarece, de forma taxativa e inequívoca, que são actos legislativos “as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais”, pelo que, numa interpretação à contrário, temos de concluir que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2010, de 22 de Setembro, não é um acto decorrente da actividade legislativa do Governo.
60.º - Não sendo um acto praticado no exercício da sua função legislativa, afigura-se-nos que estava igualmente vedado ao Conselho de Ministros arrogar-se nessa função para estabelecer a universalidade da cobrança de portagens em todas as auto-estradas e, consequentemente, introduzir regimes efectivos de cobrança de taxas de portagem em todas as auto-estradas SCUT.
64.º - Aqui chegados, poder-se-á dizer que a disposição contida no n.º 1 daquela Resolução também padece do vício da procedência de lei.
66.º - O Governo introduz a universalidade da cobrança de portagens em todas as auto-estradas através de uma resolução que não tem força legislativa.
108.º - Em suma, aquela resolução, embora habilitada no art. 199.º, alínea g), da CRP, adquiriu uma dimensão normativa que é violadora dos princípios ínsitos nas alíneas a), b), d) e e) do artigo 9.º da CRP.”

13. Para melhor análise da questão de competência importa verificar o conteúdo dos diplomas em causa, que de seguida se transcrevem:


Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2010
“A introdução de portagens em auto-estradas sem custos para o utilizador (SCUT) está prevista no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010-2013, aprovado pela Comissão Europeia, em 14 de Abril de 2010, como sendo uma das medidas de consolidação das contas públicas, relevando para a redução do défice e constituindo hoje, à semelhança das restantes medidas de idêntica natureza, um compromisso claro de Portugal junto da União Europeia e dos seus parceiros europeus.
A introdução de portagens reais nas concessões SCUT Norte Litoral, Grande Porto e Costa da Prata, bem como nas restantes SCUT que cumpram os critérios definidos para o efeito, consta igualmente do Programa do XVIII Governo Constitucional e do Orçamento do Estado para 2010.
Para a concretização desta medida, foi alterado o modelo de gestão e de financiamento do sector das infra-estruturas rodoviárias, assente em princípios como o da coesão territorial, o da solidariedade intergeracional e o da contratualização de longo prazo das responsabilidades decorrentes da construção, gestão, manutenção e conservação da rede rodoviária nacional, atribuindo-se à B..., S.A., a concessão da rede rodoviária nacional, de modo a assegurar a sua sustentabilidade económica e financeira.
Este modelo garante uma maior equidade e justiça social, na actual conjuntura económica, e fomenta a criação de condições para que se assegure a sustentabilidade do sector rodoviário, nomeadamente através do reforço da conservação, da segurança e da execução do Plano Rodoviário Nacional (PRN).
O esforço efectuado para a concretização do PRN, cuja taxa de execução atingiu em 2010 os 63 %, verificando-se um crescimento de 13 % face à execução acumulada em 2004 (50 %), e que se concentrou no interior do País, onde alguns distritos apresentavam taxas de execução do PRN inferiores a 35 %, contra taxas superiores a 70 % no litoral do País, só pode ser prosseguido se, num acto de justiça e de solidariedade, as regiões que já dispõem de infra-estruturas rodoviárias e de maior desenvolvimento económico contribuírem financeiramente para a sustentabilidade do sector rodoviário.
O Governo tomou a decisão de introdução de portagens, designadamente nas SCUT Norte Litoral, Grande Porto e Costa da Prata, através do Decreto-Lei 67-A/2010, de 14 de Junho, o qual identificou os lanços e os sublanços de auto-estrada sujeitos ao regime de cobrança de taxas de portagem aos utilizadores que, de acordo com os estudos técnicos efectuados, cumpriam os critérios definidos no Programa do Governo quanto ao desenvolvimento económico-social da região e à existência de alternativas.
Simultaneamente, o Governo publicou as Portarias n.ºs 314-A/2010 e 314-B/2010, ambas de 14 de Junho, que regulamentam o sistema de cobrança de portagens, finalizando, desta forma, o processo para a introdução de portagens, no calendário fixado no PEC.
Contudo, atento o novo regime jurídico resultante da publicação da Lei 46/2010, de 7 de Setembro, o Governo define os princípios políticos que devem sustentar as novas medidas normativas e operacionais para que possa ser dado cumprimento aos compromissos já assumidos pelo Estado Português em matéria de cobrança de taxas de portagem nas SCUT.
Torna-se, deste modo, necessário: i) adequar a data de início de cobrança de taxas de portagem nas SCUT Norte Litoral, Grande Porto e Costa da Prata ao disposto na Lei 46/2010, de 7 de Setembro; ii) adoptar o princípio da universalidade na implementação do regime de cobrança de taxas de portagem, e iii) criar um regime de discriminação positiva, na cobrança de taxas de portagem, para os utilizadores locais das regiões mais desfavorecidas.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Adoptar o princípio da universalidade na implementação do regime de cobrança de taxas de portagem em todas as auto-estradas sem custos para o utilizador (SCUT).
2 - Introduzir um regime efectivo de cobrança de taxas de portagens nas auto-estradas SCUT Norte Litoral, Grande Porto e Costa da Prata a partir de 15 de Outubro de 2010, em conformidade com o disposto no Decreto-Lei 67-A/2010, de 14 de Junho.
3 - Introduzir um regime efectivo de cobrança de taxas de portagem nas restantes auto-estradas SCUT, designadas por SCUT Interior Norte, Beiras Litoral e Alta, Beira Interior e Algarve, até 15 de Abril de 2011, nos termos de diploma legal a aprovar.
4 - Adoptar um regime de discriminação positiva, na cobrança de taxas de portagem, para os utilizadores locais das regiões mais desfavorecidas.
5 - Determinar que, para efeitos do disposto no número anterior, o regime da discriminação positiva se consubstancia na aplicação de um sistema misto de isenções e de descontos nas taxas de portagem, para as populações e empresas locais, através de isenções nas primeiras dez utilizações mensais e de descontos de 15 % nas utilizações seguintes da respectiva auto-estrada SCUT.
6 - Considerar como populações e empresas locais a abranger pelo regime de discriminação positiva aquelas que tenham residência ou sede na área de influência da SCUT, definida em função das regras seguintes:
a) Nas áreas metropolitanas, com maior densidade de oferta de infra-estruturas (SCUT Norte Litoral, Grande Porto e Costa de Prata), aquelas que residam ou tenham sede nos concelhos em que uma qualquer parte do seu território fique a menos de 10 km da via;
b) Fora das áreas metropolitanas (SCUT Interior Norte, Beiras Litoral e Alta, Beira Interior e Algarve), aquelas que residam ou tenham sede nos concelhos inseridos numa nomenclatura de unidade territorial (NUT) iii em que uma qualquer parte do território dessa NUT fique a menos de 20 km da via.
7 - Estabelecer que até 30 de Junho de 2012 é feita uma aplicação transitória e uniforme do regime de discriminação positiva em todas as auto-estradas SCUT, segundo os critérios fixados no número anterior.
8 - Estabelecer que a partir de 1 de Julho de 2012, considerada a evolução positiva previsível na oferta de alternativas, a aplicação do regime de discriminação positiva se mantém apenas nas SCUT que sirvam regiões mais desfavorecidas, tendo em conta o índice de disparidade do produto interno bruto (PIB) per capita regional, nomeadamente nas regiões que registem menos de 80 % da média do PIB per capita nacional.
9 - Determinar que compete aos Ministérios das Finanças e da Administração Pública e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações assegurar em tempo útil a adopção das medidas necessárias à implementação do princípio da universalidade, designadamente a construção das infra-estruturas indispensáveis para o efeito e a revisão dos contratos de concessão.
Presidência do Conselho de Ministros, 9 de Setembro de 2010. (…)” (sublinhado aditado)

Decreto-Lei n.º 111/2011, de 28 de Novembro
“A introdução de portagens em auto-estradas onde se encontrava instituído o regime sem custos para o utilizador (SCUT) teve início com a publicação do Decreto-Lei n.º 67-A/2010, de 14 de Junho, complementado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2010, de 22 de Setembro, e pela Portaria n.º 1033-A/2010, de 6 de Outubro. Os referidos normativos sujeitaram ao regime de cobrança de taxas de portagem aos utilizadores, nos termos do regime legal e contratual aplicável à concessão em que se integram, determinados lanços e sublanços das concessões SCUT Costa de Prata, do Grande Porto e do Norte Litoral.
Na linha do que ocorreu com estas concessões e tal como previsto no Programa do XIX Governo Constitucional, o Governo tomou a decisão de estender o regime de cobrança de taxas de portagem aos utilizadores às concessões SCUT do Algarve, da Beira Interior, do Interior Norte e da Beira Litoral/Beira Alta, por entender que os princípios da universalidade e do utilizador pagador garantem uma maior equidade e justiça social, bem como permitem um incremento das verbas obtidas com a exploração das infra-estruturas rodoviárias.
Com vista a concretizar a implementação deste modelo, foram desenvolvidos processos negociais com as Concessionárias das concessões SCUT do Algarve, da Beira Interior, do Interior Norte e da Beira Litoral/Beira Alta, nos termos do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de Julho. Esses processos negociais culminaram na adopção de um acordo para a alteração dos respectivos contratos de concessão.
Neste contexto, o presente decreto-lei sujeita os lanços e sublanços das concessões SCUT do Algarve, da Beira Interior, do Interior Norte e da Beira Litoral/Beira Alta ao regime de cobrança de taxas de portagem aos utilizadores, competindo à B..., S. A., a gestão do sistema de cobrança de portagem nos mesmos.
O presente decreto-lei garante, ainda, a criação de um regime de discriminação positiva para as populações e para as empresas locais, em particular das regiões mais desfavorecidas, que beneficiam de um sistema misto de isenções e de descontos nas taxas de portagem.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I Disposições gerais
Artigo 1.º Objecto e âmbito de aplicação
1 - O presente decreto-lei sujeita ao regime de cobrança de taxas de portagem aos utilizadores os lanços e os sublanços das seguintes auto-estradas:
a) A 22, que integra o objecto da Concessão do Algarve;
b) A 23, entre o nó com a A 1 e o nó Abrantes Este, integrada no objecto da Concessão da B..., S. A. (B..., S. A.);
c) A 23, que integra o objecto da Concessão da Beira Interior;
d) A 24, que integra o objecto da Concessão do Interior Norte;
e) A 25, que integra o objecto da Concessão da Beira Litoral/Beira Alta.
2 - O presente decreto-lei fixa a data a partir da qual se inicia a cobrança daquelas taxas e cria um regime de discriminação positiva para as populações e empresas locais, através da aplicação de um sistema misto de isenções e descontos.
3 - Sem prejuízo do disposto no artigo 14.º, o presente decreto-lei estabelece, igualmente, o regime de cobrança de taxas de portagem aos utilizadores a que ficam sujeitos os lanços e os sublanços das auto-estradas referidas no n.º 1.
Artigo 2.º Definições e abreviaturas
Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:
a) «Auto-estradas» a secção corrente, com pelo menos duas vias em cada sentido, os nós de ligação e os conjuntos viários associados que integram o objecto das concessões identificadas no n.º 1 do artigo seguinte;
b) «Cobrança coerciva» a cobrança de uma taxa de portagem que não tenha sido paga pelo utente através da cobrança primária ou da cobrança secundária, implicando ainda o pagamento de um custo administrativo e de uma coima, se aplicável;
c) «Cobrança primária» a cobrança electrónica de taxas de portagem aos utentes com recurso a um contrato com uma entidade de cobrança credenciada através de sistema de débito em conta ou de pré-pagamento, com provisão de conta adequada, independentemente de identificação do utente;
d) «Cobrança secundária» a cobrança electrónica de taxa de portagem aos utentes através de sistema de pagamento posterior à utilização do serviço portajado (pós-pagamento), implicando o pagamento de um custo administrativo;
e) «Concedente» o Estado Português;
f) «Concessionárias» as entidades a quem foram atribuídas as concessões identificadas no n.º 1 do artigo seguinte;
g) «Contratos de concessão» os contratos celebrados entre o Concedente e as Concessionárias;
h) «Custos administrativos» a sobretaxa administrativa a suportar pelo utente, caso a cobrança da taxa de portagem seja efectuada através de cobrança secundária ou coerciva;
i) «IPC» o índice de preços no consumidor, sem habitação, para todo o território nacional, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, I. P.;
j) «Lanço» as secções em que se dividem as auto-estradas;
l) «Sistema MLFF» o sistema de cobrança exclusivamente electrónica de taxas de portagem do tipo Multi-Lane Free Flow;
m) «Sublanço» o troço viário das auto-estradas entre dois nós de ligação consecutivos ou entre um nó de ligação e uma estrada ou auto-estrada;
n) «Transacção» o conjunto de dados gerados num local de detecção aquando da sua transposição por um veículo, à qual corresponde uma taxa de portagem;
o) «Transacção agregada» a liquidação de uma viagem realizada numa via portajada;
p) «Viagem» o percurso realizado num conjunto de um ou mais sublanços das auto-estradas com um ou mais pórticos instalados, a que correspondam taxas de portagem real que o sistema de cobrança existente possa identificar, de uma forma coerente e integrada, por referência a um dado limite de tempo adequado, por uma determinada viatura entre a sua entrada e a sua saída das auto-estradas.
CAPÍTULO II Sujeição ao regime de cobrança de taxas de portagem
Artigo 3.º Lanços e sublanços sujeitos ao regime de cobrança de taxas de portagem
1 - São sujeitos ao regime de cobrança de taxas de portagem aos utilizadores os lanços e sublanços das seguintes auto-estradas sem custos para o utilizador:
a) A 22, que integra o objecto da Concessão do Algarve;
b) A 23, que integra o objecto da Concessão da B..., S. A.;
c) A 23, que integra o objecto da Concessão da Beira Interior;
d) A 24, que integra o objecto da Concessão do Interior Norte;
e) A 25, que integra o objecto da Concessão da Beira Litoral/Beira Alta.
2 - Compete à B..., S. A., a gestão e a implementação do sistema de cobrança de taxas de portagem nos lanços e nos sublanços identificados no número anterior.
Artigo 4.º Isenções e descontos na cobrança de taxas de portagem
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 14.º, as pessoas singulares e as pessoas colectivas que tenham residência ou sede na área de influência das auto-estradas referidas no artigo anterior:
a) Ficam isentas do pagamento de taxas de portagem nas primeiras 10 transações mensais que efectuem na respectiva auto-estrada;
b) Usufruem de um desconto de 15 % no valor da taxa de portagem aplicável em cada transacção que não beneficie da isenção prevista na alínea anterior.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a área de influência de cada auto-estrada encontra-se descrita no anexo ao presente decreto-lei e que dele faz parte integrante, e corresponde à área dos concelhos inseridos numa nomenclatura das unidades territoriais estatísticas de nível 3 (NUTS III), nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 68/2008, de 14 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 85/2009, de 3 de Abril, e pela Lei n.º 21/2010, de 23 de Agosto, em que qualquer parte do território dessa NUTS fique a menos de 20 km dos lanços e sublanços da auto-estrada.
3 - Os utilizadores, para beneficiarem do regime de discriminação positivas supra-referido, no momento da aquisição do dispositivo electrónico associado à matrícula ou da conversão de um dispositivo de uma entidade de cobrança de portagens em dispositivo electrónico associado à matrícula, têm de comprovar a morada da sua residência ou da sua sede, mediante a apresentação do título de registo de propriedade ou do certificado de matrícula, ou, no caso de veículos em regime de locação financeira ou similar, de documento do locador que identifique o nome e a morada da residência ou da sede do locatário.
4 - Os utilizadores previstos no número anterior têm de comprovar, com a periodicidade que venha a ser fixada em portaria do membro do Governo responsável pela área das infra-estruturas rodoviárias, junto dos distribuidores retalhistas ou das entidades de cobrança de portagens, que continuam a reunir as condições para beneficiarem do regime de discriminação positiva previsto no presente decreto-lei.
5 - O membro do Governo responsável pela área das infra-estruturas rodoviárias pode definir, por portaria, a introdução de descontos no valor das taxas de portagem aplicáveis, nomeadamente através da modulação horária, em benefício dos veículos afectos ao transporte rodoviário de mercadorias.
Artigo 5.º Início da cobrança das taxas de portagem
A cobrança das taxas de portagem aos utilizadores nos lanços e nos sublanços das auto-estradas identificados no artigo 3.º inicia-se com a entrada em vigor do presente decreto-lei.
CAPÍTULO III Regime de cobrança de taxas de portagem
Artigo 6.º Sistema de cobrança de taxas de portagem
1 - O sistema de cobrança de taxas de portagem desenvolve-se segundo uma solução exclusivamente electrónica do tipo Multi-Lane Free Flow (MLFF).
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, as formas de pagamento das taxas de portagem devem ser compatíveis com os sistemas de pagamento em vigor na rede nacional concessionada, incluindo as modalidades legalmente previstas ou outras que o Concedente autorize.
3 - O sistema de cobrança de taxas de portagem deve permitir, designadamente:
a) A interoperabilidade com o sistema de portagens electrónico actualmente em utilização nas concessões nacionais;
b) A compatibilidade com o disposto na Directiva n.º 2004/52/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril, sobre interoperabilidade dos sistemas de cobrança electrónica de portagens, transposta para a ordem jurídica interna pela Lei n.º 30/2007, de 6 de Agosto, e nos Decretos-Leis n.os 111/2009, 112/2009, alterado pela Lei n.º 46/2010, de 7 de Setembro, e 113/2009, todos de 18 de Maio.
Artigo 7.º Tarifas e taxas de portagem
1 - Para efeito da aplicação das tarifas de portagem, as classes de veículos são, por ordem crescente do respectivo valor tarifário, as seguintes: (ver documento original)
2 - Os veículos ligeiros de passageiros e mistos, tal como definidos no Código da Estrada, com dois eixos, peso bruto superior a 2300 kg e inferior ou igual a 3500 kg, com lotação igual ou superior a cinco lugares e uma altura, medida à vertical do primeiro eixo do veículo, igual ou superior a 1,10 m e inferior a 1,30 m, desde que não apresentem tracção às quatro rodas permanente ou inserível, pagam a tarifa de portagem relativa à classe 1, quando os seus utentes:
a) Sejam aderentes de um serviço electrónico de cobrança;
b) Façam prova, perante a entidade gestora do respectivo sistema electrónico de cobrança e mediante apresentação de documento oficial emitido pela entidade competente, do preenchimento dos requisitos exigidos no presente número.
3 - A relação entre o valor das tarifas de portagem das classes 2, 3 e 4 e a tarifa da classe 1, a definir pelo membro do Governo responsável pelo sector das infra-estruturas rodoviárias, não pode ser superior a, respectivamente, 1,75, 2,25 e 2,5.
4 - As taxas de portagem para as classes de veículos definidas nos n.ºs 1 e 2 são o produto da aplicação das tarifas de portagem ao comprimento efectivo de cada sublanço ou conjunto de sublanços onde sejam aplicadas, arredondado ao hectómetro, acrescido do IVA que seja aplicável à taxa em vigor.
5 - As taxas são arredondadas para o múltiplo de (euro) 0,05 mais próximo ou outro que, por acordo entre o Concedente e a Concessionária, melhor se adeque ao sistema monetário em vigor.
6 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as taxas máximas de portagem a praticar têm como base a tarifa de referência para a classe 1, calculada de acordo com a fórmula indicada no n.º 1 do artigo seguinte, reportada a Dezembro de 2006, e que é de (euro) 0,06671, não incluindo IVA.
7 - Por determinação do Concedente, e tendo em vista a prestação do melhor serviço aos utentes e o interesse público, as taxas de portagem fixadas nos termos do presente artigo podem variar, designadamente em função da hora do dia em que sejam cobradas, de zonas especiais ou de passagens regulares e frequentes do mesmo veículo, ou em função da classe do veículo.
8 - Constituem, ainda, fundamento para a variação das taxas de portagem nos termos do número anterior a especificidade de determinados sublanços bem como a fluidez do tráfego, factores que podem determinar que as extensões dos percursos considerados para a fixação das taxas de portagem se baseiem em percursos médios ponderados.
9 - A cada transacção corresponde uma taxa de portagem, devendo proceder-se à cobrança de uma taxa de portagem única, agregando várias transacções, no caso de as mesmas corresponderem de forma coerente e integrada a uma só viagem.
10 - No caso de ter sido efectuada uma transacção agregada que não tenha sido objecto de cobrança primária, são cobrados ao utente, além da taxa de portagem, custos administrativos calculados de forma a cobrir os custos adicionais com essa cobrança, cujo valor é fixado por portaria do membro do Governo responsável pela área das infra-estruturas rodoviárias, sendo actualizado anualmente de acordo com a variação no IPC.
11 - O montante das taxas de portagem bem como a correspondente fundamentação são aprovados por portaria dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pela área das infra-estruturas rodoviárias, sob proposta da B..., S.A., e mediante parecer do Instituto das Infra-Estruturas Rodoviárias, I. P.
Artigo 8.º Actualização das tarifas de portagem
1 - As tarifas de portagem podem ser actualizadas, anualmente, no primeiro mês de cada ano civil, por despacho do membro do Governo responsável pela área das infra-estruturas rodoviárias, tendo em atenção a evolução do IPC, de acordo com a expressão seguinte:(ver documento original)
2 - A B..., S.A., deve comunicar às entidades encarregadas da cobrança de taxas de portagem o valor das novas tarifas com uma antecedência mínima de 15 dias relativamente à data da entrada em vigor das mesmas.
Artigo 9.º Não pagamento das taxas de portagem
O não pagamento ou o pagamento viciado de taxas de portagem devidas nos lanços e sublanços sujeitos ao regime efectivo de cobrança de taxas de portagem identificados no n.º 1 do artigo 3.º é sancionado nos termos previstos nas disposições legais e regulamentares aplicáveis, incluindo aquelas que regulem as competências e os poderes que assistem aos agentes de fiscalização das Concessionárias nesta matéria.
Artigo 10.º Receitas de cobrança de taxas de portagens
1 - Nos termos regulados no contrato de concessão celebrado entre a B..., S.A., e o Concedente, a B..., S.A., é titular do direito de cobrança de portagens na rede concessionada, incluindo os lanços e sublanços de auto-estrada identificados no artigo 3.º, revertendo para esta entidade as receitas da cobrança de taxas de portagem.
2 Cada transacção agregada dá origem ao registo de uma receita de portagem a favor da B..., S. A.
3 - As Concessionárias devem celebrar com a B..., S.A., um contrato de prestação de serviços relativo ao serviço de cobrança de taxas de portagem.
Artigo 11.º Cobrança de taxas de portagem
1 - À cobrança de taxas de portagem é aplicável o disposto no presente decreto-lei, na Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 113/2009, de 18 de Maio, pela Lei n.º 46/2010, de 7 de Setembro, e pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, nos Decretos-Leis n.ºs 111/2009, 112/2009, alterado pela Lei n.º 46/2010, de 7 de Setembro, e 113/2009, todos de 18 de Maio, e nas disposições legais e regulamentares aplicáveis, em cada momento, a esse serviço.
2 - O Sistema MLFF deve assegurar os níveis de disponibilidade proporcionados pelas suas potencialidades técnicas, bem como evitar situações de indisponibilidade ou limitar ao mínimo a sua duração e intensidade.
CAPÍTULO IV Disposições finais e transitórias
Artigo 12.º Actos de execução
Compete aos membros do Governo responsáveis da área das finanças e pela área das infra-estruturas rodoviárias, na qualidade de representantes do Concedente, a prática de todos os actos necessários à execução do presente decreto-lei.
Artigo 13.º Direitos das Concessionárias e processo negocial
O regime previsto no presente decreto-lei não prejudica os direitos das Concessionárias previstos nos respectivos contratos de concessão e nos acordos celebrados, nem a continuidade dos processos negociais que se encontrem em curso, tendo em vista as alterações a introduzir nos contratos de concessão em função do início do regime efectivo de cobrança de taxas de portagem.
Artigo 14.º Vigência
1 - O regime de isenções e descontos previsto no artigo 4.º aplicar-se-á uniformemente aos lanços e sublanços de auto-estradas identificados no artigo 3.º, até 30 de Junho de 2012.
2 - A partir de 1 de Julho de 2012, a aplicação do regime de isenções e descontos previsto no artigo 4.º manter-se-á apenas para as auto-estradas referidas no artigo 3.º que sirvam regiões cujo produto interno bruto (PIB) per capita regional seja inferior a 80 % da média do PIB per capita nacional.
Artigo 15.º Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no 10.º dia seguinte ao da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 13 de Outubro de 2011. (…)”

14. Atentas as contestações apresentadas pelo Conselho de Ministros e pela Contra-interessada, verifica-se que em ambas se mostra invocada a excepção de incompetência absoluta dos tribunais administrativos, por estar excluída do âmbito da jurisdição administrativa, nos termos do artº 4º, nº 3, al. a), do ETAF, a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício de funções políticas e legislativas – com fundamento no facto de as determinações contidas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2010 terem sido emitidas no exercício da função política do Governo e as contidas no DL nº 111/2011 terem sido emitidas pelo mesmo no exercício da sua função legislativa.
Importa, assim, analisar se os diplomas em causa contêm preceitos de natureza política e legislativa ou antes de natureza administrativa, uma vez que tal distinção é determinante para a delimitação do âmbito da jurisdição administrativa.

15. As competências do Governo no âmbito político, legislativo e administrativo encontram-se estabelecidas nos artºs 197º, 198º e 199º da Constituição da República Portuguesa, não sendo fornecida uma definição de cada uma dessas funções, mas unicamente indicados, de forma não exaustiva, alguns actos em que as mesmas se consubstanciam.
Recorrendo à doutrina, entende Marcelo Rebelo de Sousa que “a função política corresponde à prática de actos que exprimem opções sobre a definição e prossecução dos interesses essenciais da colectividade, e que respeitam, de modo directo e imediato, às relações dentro do poder político e deste com outros poderes políticos”, sendo que “ a função administrativa compreende o conjunto dos actos de execução de actos legislativos, traduzida na produção de bens e na prestação de serviços destinados a satisfazer necessidades colectivas que, por virtude de prévia opção legislativa, se tenha entendido que incumbem ao poder político do Estado-colectividade”(Lições de Direito Administrativo, volume I, 1999, pág. 10).

A jurisprudência do STA tem adoptado conceitos idênticos, como se vê, entre muitos outros, do acórdão proferido em 18/12/2013, no processo nº 0856/10, em cujo sumário se consignou o seguinte:

“I- A função política consiste na definição e prossecução do interesse geral da colectividade e na correspondente escolha das opções destinadas à melhoria, preservação e desenvolvimento do modelo económico e social escolhido, por forma a que os cidadãos se possam sentir seguros e possam alcançar os bens materiais e espirituais que o mesmo é susceptível de lhes proporcionar.
II - A actividade administrativa funciona a jusante da função política revestindo, no essencial, natureza executiva e complementar visto se destinar a pôr em prática as orientações gerais traçadas pela política com vista a assegurar em concreto a satisfação necessidades colectivas de segurança e de bem estar das pessoas.
III - Deste modo, e porque o Governo tem competências política e administrativa e porque esta última se materializa em actos administrativos que podem estar inclusos em diploma legislativo - pese embora não ser essa a regra – é fundamental apurar se uma determinada decisão decorre da sua da função política ou da sua actividade administrativa pois que só esta é susceptível de controlo judicial.
IV - A imposição contida numa norma de execução orçamental de transferência de determinadas verbas das autarquias locais para o SNS constitui uma decisão política/legislativa e, por que assim, a mesma não é contenciosamente sindicável.”

16. Ora, os AA defendem que a Resolução nº 75/2010, de 22/9, foi emitida no âmbito da competência administrativa do Governo, quer por conter normas de natureza administrativa, quer por nela se referir ter sido proferida “nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição” – na qual se dispõe que “Compete ao Governo, no exercício de funções administrativas: g) Praticar todos os actos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades colectivas”.

Contudo, não pode atribuir-se a essa referência formal à alínea g) do artº 197º da CRP uma relevância determinante para a qualificação da Resolução como diploma regulamentar, antes se devendo analisar a mesma em função de um critério material, avaliando se as suas características intrínsecas determinam a respectiva inclusão no âmbito da função política do Governo, ou se, pelo contrário, apresentam natureza de regulamento administrativo.

17. Nos termos do artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo, “consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos.”
Ora, as disposições contidas na Resolução nº 75/2010 não constituem normas jurídicas gerais e abstractas, nem resultam do exercício de poderes jurídico-administrativos, mas antes de poderes políticos, como se mostra claramente evidenciado no texto da referia Resolução.
Na verdade, estamos perante um conteúdo recheado de meras declarações programáticas, decorrentes de opções políticas, e de afirmação de princípios políticos norteados pela sustentabilidade económica e financeira, que se integram manifestamente no exercício das funções políticas do Governo.
Ora, nos termos do disposto no artº 138º, nº 3, al. b), do CPA, apenas revestem natureza de regulamento as Resoluções de Conselho de Ministros com conteúdo normativo, o que não se verifica com a Resolução nº 75/2010, de 22/9, cujo conteúdo integra apenas a definição de princípios políticos, como no seu preâmbulo expressamente se reconhece.

18. Abordando esta matéria, é de sublinhar a análise de Alexandre de Sousa Pinheiro constante de artigo publicado na Revista JULGAR, nº 26, 2015, a fls. 135 e segs, intitulado “Problemas de constitucionalidade das normas de prevalência entre regulamentos do governo no código do procedimento administrativo de 2015”, disponível em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/05/JULGAR-26-07-Alexandre-S-Pinheiro-Regulamentos-do-Governo-preval%C3%AAncia.pdf, nos seguintes termos:

“(…) 5. As resoluções do Conselho de Ministros não dispõem de previsão constitucional, traduzindo-se num ato de múltiplo recorte político e normativo. Trata-se de ato aprovado em Conselho de Ministros e publicado no DRE depois de assinado pelo PM. Nestes atos, não existe, ao contrário do que sucede nos decretos regulamentares, intervenção do PR, embora se verifique, necessariamente a aprovação colegial.
A atividade política do Governo, expressa em texto, não adquire apenas dimensão normativa. Pode traduzir-se na aprovação de instrumentos políticos ou na constituição de equipas de trabalho.
O Executivo define amiúde planos de ação e enuncia publicamente políticas para as quais não existe expressão normativa. Neste âmbito, o ato que se adota tem uma dimensão colegial — aprovação em Conselho de Ministros — e é publicado no jornal oficial. Trata-se de atos de natureza política, insindicáveis e sem conteúdo normativo. Podem respeitar a políticas globais ou setoriais e, frequentemente, definem calendários de intervenção política. (…)” (sublinhado aditado)

Por outro lado, importa salientar que, no domínio da competência política atribuída ao Governo pelo artº 197º da CRP, se mostra consagrada uma competência residual, constante da al. j), do nº 1, da referida norma, onde se prevê que “Compete ao Governo, no exercício de funções políticas: j) Praticar os demais actos que lhe sejam cometidos pela Constituição ou pela lei.

Verifica-se, assim, que a enunciação de competências políticas constante do artº 197º da CRP não é exaustiva, não se restringindo às aí previstas, podendo, pois, abranger a prática de outros actos que decorram da lei, como sucede no caso dos autos.

Na verdade, o Orçamento do Estado para 2010, constante da Lei nº 3-B/2010, de 28/4, prevê no seu artº 164º o seguinte:

“Artigo 164.º Introdução de portagens em concessões SCUT

1 - Para além dos casos em que já foi definida a introdução de taxas de portagens nas auto-estradas em regime SCUT, em 2010 o Governo pode introduzir novas taxas de portagem em outras auto-estradas em regime SCUT, desde que verificados os critérios utilizados para a sua introdução.

2 - A aplicação de taxas de portagens aos utentes em auto-estradas em regime SCUT é realizada mediante prévia alteração às respectivas bases de concessões, na sequência dos acordos obtidos ou a obter em sede de comissão de negociação.

3 - O produto da cobrança de taxas de portagem nas auto-estradas referidas nos números anteriores constitui receita própria da B..., S.A.”

Assim, face à referida norma orçamental, a que lhe cabia dar cumprimento, podia o Governo praticar actos de natureza política visando a introdução de portagens em concessões SCUT, nomeadamente através da emissão de uma resolução sem conteúdo normativo, adoptando as definições programáticas que ficaram a constar da Resolução nº 75/2010 – sem prejuízo de poder vir igualmente a emitir as normas regulamentares que fossem consideradas necessárias para a execução orçamental, nos termos do artº 199º, al. b), da CRP.

19. Procedendo, como supra se referiu, à análise da Resolução nº 75/2010 em função de um critério material, conclui-se que as suas “disposições” não se revestem de natureza normativa, nem possuem características de generalidade e abstracção, não constituindo comandos que se imponham directamente, mas sim meros parâmetros dependentes de futura densificação por meio de normas legais a emitir posteriormente e expressamente reconhecidas como necessárias.
Com efeito, refere-se no preâmbulo da Resolução que “o Governo define os princípios políticos que devem sustentar as novas medidas normativas e operacionais para que possa ser dado cumprimento aos compromissos já assumidos pelo Estado Português em matéria de cobrança de taxas de portagem nas SCUT,”
Por outro lado, prevê-se no nº 3 da Resolução que o Conselho de Ministros resolve: “Introduzir um regime efectivo de cobrança de taxas de portagem nas restantes auto-estradas SCUT, designadas por SCUT Interior Norte, Beiras Litoral e Alta, Beira Interior e Algarve, até 15 de Abril de 2011, nos termos de diploma legal a aprovar.”
Ora, o “diploma legal a aprovar” veio a ser o DL nº 111/2011, de 22/9, que, esse sim, criou “novas medidas normativas”, referindo no seu artº 1º que “O presente decreto-lei sujeita ao regime de cobrança de taxas de portagem aos utilizadores os lanços e os sublanços das seguintes auto-estradas:(…)”
Assim, ao contrário do que os AA defendem no artº 66º da p.i., o Governo introduziu a universalidade da cobrança de portagens em todas as auto-estradas através de diplomas com força legislativa – primeiro o DL nº 67-A/2010 de 14/6 e posteriormente o DL nº 111/2011, de 28/11 - e não através da Resolução nº 75/2010, de 22/9.

20. É, pois, manifesto, face ao próprio texto da Resolução, que as suas “determinações” constituem apenas a definição de objectivos a alcançar e não uma regulamentação normativa actual ou concretizadora de um diploma legal precedente.
Na verdade, ao dizer-se, por exemplo, no nº 7 da Resolução nº 75/2010, que se resolve “Estabelecer que até 30 de Junho de 2012 é feita uma aplicaçãotransitória e uniforme do regime de discriminação positiva em todas as auto-estradas SCUT, segundo os critérios fixados no número anterior”, tal não corresponde à previsão efectiva desse regime de discriminação positiva, mas tão somente à indicação de uma data de referência para a futura criação legal do mesmo.

Do mesmo modo, o conteúdo do ponto 9. da Resolução – “Determinar que compete aos Ministérios das Finanças e da Administração Pública e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações assegurar em tempo útil a adopção das medidas necessárias à implementação do princípio da universalidade, designadamente a construção das infra-estruturas indispensáveis para o efeito e a revisão dos contratos de concessão.” – demonstra claramente que estamos apenas perante um plano de acção política e técnica, e não perante comandos de natureza normativa.

21. Realizada a construção das infra-estruturas e efectuada a revisão dos contratos de concessão, o Governo aprovou então o DL nº 111/2011, de 28/11, em cujo artº 1º se prevê que “O presente decreto-lei sujeita ao regime de cobrança de taxas de portagem aos utilizadores os lanços e os sublanços das seguintes auto-estradas: (…)” – estabelecendo ainda a necessidade da sua própria regulamentação, ao referir, no seu artº 7º, nº 11, que O montante das taxas de portagem bem como a correspondente fundamentação são aprovados por portaria dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pela área das infra-estruturas rodoviárias, sob proposta da B..., S.A., e mediante parecer do Instituto das Infra-Estruturas Rodoviárias, I. P.”

As taxas de portagem vieram a ser fixadas para as auto-estradas em causa nos autos, através da Portaria nº 303/2011, de 5/12, cujo artº 1º prevê que “A presente portaria fixa o montante das taxas de portagem a cobrar nos lanços e sublanços de auto-estrada abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 111/2011, de 28 de Novembro, bem como a respectiva fundamentação.”

E, por outro lado, através da Portaria nº 211/2012, de 13/7, foi introduzida nova redacção ao disposto no artº 3º da Portaria nº 1033-A/2010, de 6/10, que os AA referem no artº 47º da sua p.i., passando tal norma a prever, no seu nº 5, que “(…) o âmbito de aplicação do regime de discriminação positiva previsto no presente artigo é alargado às populações e empresas locais que tenham residência ou sede na área de influência das autoestradas a que se refere o n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 111/2011, de 28 de novembro.”

São, pois, as Portarias supra referidas que contêm afinal as normas regulamentares que os AA erradamente afirmam constar da Resolução nº 75/2010, de 22/9.

Assim, a Resolução do Conselho de Ministros nº 75/2010 não se reveste de conteúdo normativo, não tendo materialmente a natureza de regulamento, pelo que não se integra no exercício das funções administrativas do Governo, mas sim no âmbito das suas funções políticas - sendo, em consequência, insindicável pelos tribunais administrativos, nos termos do disposto no artº 4º, nº 3, al. a), do CPTA, o que determina a incompetência absoluta deste tribunal.

Idêntico entendimento foi já adoptado quanto a tal Resolução, conforme referiram o requerido e a contra-interessada, nos acórdãos do TCA Norte de 2/2/2012 (Proc. nº 00007/10.0BCPRT) e de 25/10/2012 (Proc. nº 00008/10.8BCPRT), bem como no acórdão do TCA Sul de 18/10/2012 (Proc. nº 08974/12), disponíveis em www.dgsi.pt.

22. Cumpre ainda referir, quanto ao pedido formulado relativamente às normas constantes do DL nº 111/2011, de 28/11, que a respectiva causa de pedir é totalmente inexistente, uma vez que os AA não alegam qualquer fundamento de ilegalidade de tais normas.

Ora, tratando-se manifestamente de um acto legislativo, face ao disposto na al. a) do nº 1, do artº 198º da CRP, encontra-se o mesmo excluído do âmbito da jurisdição administrativa, nos termos do disposto no artº 4º, nº 3, al. a), do ETAF, o que determina a incompetência absoluta deste tribunal.

Pelo exposto, atenta a procedência desta excepção dilatória, fica prejudicado o conhecimento de todas as demais invocadas pelo requerido e pela contra-interessada.

III – Decisão

Nos termos expostos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, em:

a) – Julgar procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da matéria, nos termos do disposto no artº 4º nº 3, al. a), do ETAF e artº 89º, nº 2 e 4, al. a), do CPTA, absolvendo da instância a entidade demandada e a contra-interessada;
b) – Julgar prejudicado o conhecimento das restantes excepções dilatórias invocadas.

Sem custas, nos termos do artº 4.º nº 1, al. b), do Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo do disposto nos seus nºs 6 e 7.

D.N.

Lisboa, 29 de fevereiro de 2024 – Liliana Maria do Estanque Viegas Calçada (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz - Cláudio Ramos Monteiro.