Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0404/17.0BELSB
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:Não é de admitir o recurso de revista em que apenas se suscitam «questões de inconstitucionalidade».
Nº Convencional:JSTA000P28806
Nº do Documento:SA1202201130404/17
Data de Entrada:12/21/2021
Recorrente:A............
Recorrido 1:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. A………… - autor desta acção administrativa - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, peticionar a admissão de recurso de revista do acórdão proferido pelo TCAS em 02.06.2021, que, negando provimento à sua apelação, «confirmou a sentença» - de 15.06.2018 - pela qual o TAC de Lisboa julgou improcedente a acção em que demandou o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL [FGS] em ordem a ver anulado o despacho do seu Presidente do Conselho de Gestão - de 25.10.2016 - e condenado, o mesmo, a deferir o requerimento que lhe dirigiu para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho no valor 32.191,02€.
Defende que a revista interposta - que pretende ver admitida - é necessária face à «relevância jurídica e social do caso» e à «necessidade de uma melhor aplicação do direito».

O recorrido - FGS - não apresentou contra-alegações.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. As instâncias - TAC de Lisboa e TCAS - julgaram improcedente a acção por entenderem, face à factualidade provada, que o autor não provou os requisitos exigidos no artigo 1º do DL nº59/2015, de 21.04 - com fundamento no qual tinha sido «administrativamente indeferido» esse seu requerimento de «pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho».

O autor, enquanto apelante, insistiu que lhe assistia razão não por apelo à lei ordinária [DL nº59/2015 de 21.04] mas sim ao primado da Directiva 2008/94/CE - do Parlamento Europeu e do Conselho - que aquela teria transposto de forma deficiente. E entendeu-se no acórdão que negou provimento à apelação que a invocada desarmonia entre a dita «Directiva e o DL nº59/2015» não se verificava, porque as situações de «insolvência de facto» não se mostram previstas nem numa nem noutra [artigos 2º, nº1, da Directiva, e 1º do DL nº59/2015], sendo que, no caso, a sociedade empregadora - do apelante - se extinguiu juridicamente, «não deixando qualquer activo a ser partilhado pelos sócios», não tendo ocorrido, para efeitos da legislação nacional aplicável - DL nº59/2015, de 21.04 - «qualquer declaração de insolvência por sentença judicial» nem «qualquer processo de revitalização».

Aparentemente, o apelante conformou-se com esta fundamentação das instâncias pois que, agora nesta revista, vem insistir no mérito da sua pretensão mas, essencialmente, com fundamento em inconstitucionalidade.

Alega, em síntese, que a aplicação da lei que foi efectuada no acórdão recorrido traduz uma discriminação inconstitucional por violar o disposto nos artigos 59º, nº3, 86º, nº2, 22º, e 9º, alínea d), da CRP, uma vez interpretada no sentido do não alargamento da protecção dos trabalhadores assalariados a outras situações de insolvência constatadas por via de processos que não os mencionados nos artigos 2º nº1, da referida Directiva, e 1º, do DL nº59/2015, de 21.04. E invoca expressamente esta inconstitucionalidade, que quer ver declarada com força obrigatória geral.

Sem retirar força à peleja jurídica do actual recorrente, o certo é que a sua pretensão de «revista» não poderá ser deferida. E essencialmente por duas razões: - a primeira, porque a questão da inconstitucionalidade não foi objecto de apreciação «no âmbito do acórdão recorrido», sendo certo que, e por regra, apenas sobre ele a revista se poderia debruçar; - a segunda porque - como reiteradamente tem afirmado esta «Formação Preliminar» - nas «questões de constitucionalidade» a intervenção do tribunal de revista não poderá assegurar as finalidades inerentes a um tal recurso excepcional, isto é, de, em termos finais, decidir litígios ou orientar futuras decisões de casos semelhantes, uma vez que o controlo da constitucionalidade das normas, e das interpretações normativas, cabe, em definitivo, ao Tribunal Constitucional. Além disso - como tem dito esta «Formação» - «para se lograr aceder ao TC e obter tutela em sede do controlo de questão de conformidade constitucional de normas não resulta como exigida, ou sequer como imposta, a necessidade de emissão de uma pronúncia sobre a questão por parte deste Supremo Tribunal no quadro do recurso de revista excepcional tal como se mostra delimitado e gizado no artigo 150º do CPTA, tanto mais que um tal entendimento redundaria ou implicaria que, uma vez suscitada uma questão de constitucionalidade, houvesse lugar à necessária e imediata admissão do recurso de revista, ao arrepio daquilo que constituem as finalidades e âmbito do mesmo e dos critérios definidos».

Impõe-se, pois, considerar não verificado qualquer dos pressupostos de que depende a admissão deste recurso de revista, seja o ligado à clara necessidade correctiva, seja o ligado à vocação paradigmática da decisão a proferir.

Importa, assim, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto pelo recorrente A………….

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.