Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0182/22.0BCLSB
Data do Acordão:05/04/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
DISCIPLINA DESPORTIVA
Sumário:Não se justifica a admissão da revista quando, face à matéria de facto provada e não provada, que este Supremo tem de acatar, a questão jurídica a decidir – objecto de pronúncia unânime tanto do TAD como do TCA Sul – não aparenta dificuldade na sua resolução, tudo apontando para a inviabilidade do recurso.
Nº Convencional:JSTA000P30958
Nº do Documento:SA1202305040182/22
Data de Entrada:04/06/2023
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:A..., FUTEBOL, SAD
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

1. A “A..., Futebol SAD” impugnou, junto do TAD, o acórdão, de 28/6/2022, do Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que lhe aplicara as sanções de multa – no montante de € 38.250,00 – e de realização de dois jogos à porta fechada, pela prática da infracção disciplinar prevista e punida pelo art.º 113.º, do RDLPFP.
O TAD, por acórdão proferido por unanimidade, concedeu provimento a esse recurso, julgando “procedente o pedido de revogação do acórdão recorrido”.
A Federação Portuguesa de Futebol apelou para o TCA-Sul, o qual, por acórdão de 23/2/2023, negou provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.
É deste acórdão que a Federação Portuguesa de Futebol vem pedir a admissão do recurso de revista.

2. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada pelo acórdão recorrido.

3. O art.º 150.º, n.º 1, do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos possa haver excepcionalmente revista para o STA “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como decorre do texto legal e a própria jurisprudência deste STA tem reiteradamente sublinhado, está-se perante um recurso excepcional, só admissível nos estritos limites fixados pelo citado art.º 150.º, n.º 1, que, conforme realçou o legislador na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs. 92/VIII e 93/VIII, corresponde a uma “válvula de segurança do sistema” que apenas pode ser accionada naqueles precisos termos.
No caso em apreço, o TAD, para concluir pela não verificação dos elementos típicos da infracção prevista no art.º 113.º, do RDLPFP, considerou:
“(...).
Com efeito, comecemos por destacar que não se encontra aqui em discussão se o jogador foi, ou não, alvo de atitudes racistas. Na verdade, tal encontra-se plasmado de forma clara em sede de matéria provada na presente decisão. Com efeito, o jogador AA foi efetivamente alvo de cânticos proferidos pelos adeptos afetos à Demandante a imitar os sons que são produzidos pelos símios, em particular “uh, uh, uh”. E não pode estar – nem está – em causa a real censurabilidade, ética e jurídica, destes factos.
Contudo, na opinião deste colégio arbitral, não ficou demonstrado que a Demandante tenha promovido, ou sequer consentido ou tolerado os cânticos racistas em questão, pela razão de que não ficou provado, nestes autos, que a Demandante tenha tido um conhecimento efetivo e/ou atempado da ocorrência dos factos em causa, que lhe permitisse reagir aos acontecimentos em tempo útil.
Na verdade, assumindo-se como verdadeiro que os referidos cânticos tiveram uma duração de cerca de 10 segundos, é facto que se tratou de uma ocorrência muito breve, num contexto de ruído do público particularmente alto, muitas vezes indistinto.
Neste contexto, não ficou demonstrado que a Demandante, por intermédio de alguém da sua estrutura profissional, teve efetivamente conhecimento da ocorrência dos cânticos racistas em causa a tempo de uma intervenção efetiva relativamente aos mesmos.
Ora, só pode “consentir” ou “tolerar” uma determinada conduta o agente que a tenha conhecido (ou devesse tê-la conhecido), em tempo de reagir – e tenha decidido não o fazer. E isto não ficou demonstrado.
(...)”.
O acórdão do TCA-Sul, após rejeitar a impugnação da decisão de facto, confirmou integralmente este entendimento, referindo:
“(...).
A alegação de que o acórdão recorrido incorre em erro de julgamento na aplicação do direito aos factos tem como pressuposto que este Tribunal iria julgar procedente a impugnação da matéria de facto, ou seja, dar por provado nos autos o conhecimento pela Recorrida do cântico racista ocorrido ao minuto 70 do jogo e que a mesma nada fez.
Assim não tendo sido decidido, a manutenção da decisão da matéria provada e não provada do TAD, aliada à circunstância de o conhecimento efectivo e atempado do acontecimento, no caso, racista, ocorrido no jogo, ser um elemento constitutivo do ilícito previsto na norma em referência – não demonstrado ou provado nos autos – implica a improcedência também desta parte do recurso.
(...)”.
A recorrente justifica a admissão do recurso com a relevância jurídica e social da questão da responsabilização dos clubes pela promoção, consentimento ou tolerância do comportamento discriminatório dos seus adeptos e com o errado enquadramento jurídico efectuado pelo acórdão recorrido em virtude de a recorrida ter adoptado uma conduta omissiva perante a ocorrência dos factos.
Porém, face à matéria de facto considerada provada e não provada, que este Supremo tem de acatar, a questão jurídica a decidir – objecto de pronúncia unânime tanto do TAD como do TCA-Sul – não aparenta dificuldade na sua resolução, tudo apontando para a inviabilidade da revista. Efectivamente, tendo sido dado por provado que, “na audição do vídeo do jogo, não se logra identificar com clareza e autonomizar, relativamente ao restante ruído ambiente, o ocorrido ao minuto 70 do jogo”, que se prolongou apenas por 10 segundos, e por não provado que a Demandante tenha tido conhecimento dessa ocorrência em circunstâncias que lhe permitissem adoptar os comportamentos exigíveis, tudo indica que o aresto recorrido solucionou bem a questão jurídica fundamental quando considerou não preenchidos os elementos típicos da infracção prevista e punida pelo art.º 113.º, do RDLPFP.
Assim, face à simplicidade da questão jurídica e ao modo aparentemente acertado como ela foi decidida, não se justifica a admissão da revista.

4. Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 4 de Maio de 2023. – Fonseca da Paz (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.