Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02778/11.7BEPRT 0443/17
Data do Acordão:11/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:TRIBUNAL ARBITRAL
PRONÚNCIA
PEDIDO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
Sumário:I - Do disposto no n.º 2 do art. 3.º do RJAT resulta, a contrario, que não é possível deduzir pedido de impugnação judicial e pedido de pronúncia arbitral relativamente ao mesmo acto tributário e com os mesmo fundamentos.

II - Da violação dessa proibição não pode resultar para o sujeito passivo um benefício que não estaria ao seu alcance caso tivesse respeitado esse preceito ou caso a litispendência tivesse sido oportunamente verificada.

III - Assim, se o processo arbitral terminou com a absolvição da instância por se ter verificado uma excepção dilatória imputável ao sujeito passivo, apesar de este poder instaurar uma petição de impugnação judicial em ordem à anulação do mesmo acto tributário e com os mesmos fundamentos, só o poderá fazer se ainda estiver em prazo (cfr. art. 24.º, n.º 3, do RJAT e art. 102.º do CPPT), não podendo valer-se da pendência da impugnação judicial que deduziu em violação do disposto no n.º 2 do art. 3.º do RJAT.

IV - Essa é a única interpretação daqueles preceitos que assegura a unidade do sistema jurídico (cfr. art. 9.º do CC), imposta pela coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica: não seria admissível que, em razão da violação da lei, o sujeito passivo fosse colocado numa situação mais favorável do que aquela que resultaria do cumprimento das regras legais sobre cumulação do pedido arbitral com o pedido de impugnação judicial.

V - A pendência de uma impugnação judicial que foi instaurada ao arrepio das referidas regras e que, não tendo sido oportunamente deduzida a litispendência, nem o podendo ser agora por o processo arbitral já estar findo, constitui uma excepção dilatória inominada, obstativa do conhecimento do mérito, que dá lugar à absolvição da instância.

Nº Convencional:JSTA00070798
Nº do Documento:SA22018110702778/11
Data de Entrada:04/07/2017
Recorrente:A...... SGPS,SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA TAF DO PORTO
Decisão:CONCEDE PARCIAL PROVIMENTO
Área Temática 1:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Área Temática 2:EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Legislação Nacional:ARTIGOS 102º DO CPPT, 3º, N.º 2 E 24º, N.º 3 DO RJAT, 9º DO CÓDIGO CIVIL
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2778/11.7BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, considerando que foram apresentadas duas impugnações com o mesmo objecto e fundamentos, uma naquele Tribunal e outra no Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, o que era proibido, bem como considerando verificada a excepção dilatória de caso julgado, decretou a “extinção da instância” na impugnação judicial deduzida por aquela sociedade contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2007 com fundamento na ilegalidade de duas correcções que a AT efectuou à matéria tributável.

1.2 O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«Quanto à omissão de pronúncia

A. Na Sentença recorrida, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto apreciou e decidiu apenas uma das duas correcções tributárias impugnadas nos autos, correcções que constituem matérias distintas e requerem decisões judiciais autónomas: o Tribunal apenas se debruçou sobre a correcção efectuada na esfera individual da sociedade B……, participada pela A…… SGPS, por não-aceitação de uma menos-valia apurada com a liquidação de uma sociedade, na sequência da desconsideração de uma operação de distribuição de dividendos, prévia à referida liquidação, com fundamento na aplicação da cláusula geral anti-abuso do n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária.

B. A Sentença recorrida é completamente omissa quanto à impugnação de uma correcção efectuada na esfera individual da A……. SGPS por não-aceitação da dedutibilidade dos dividendos distribuídos pela B……, na sua totalidade, ao abrigo do regime da eliminação da dupla tributação constante do artigo 46.º do Código de IRC (51.º à data da correcção e da impugnação).

C. Assim, o Tribunal não conheceu de uma causa de pedir essencial à decisão da lide, incorrendo no vício de omissão de pronúncia, o qual gera o vício de nulidade da Sentença recorrida, que assim deve ser anulada e substituída por outra que contenha a apreciação do pedido de anulação dos actos tributários impugnados na parte da correcção cuja apreciação está em falta.

Quanto à alegada excepção decorrente da pendência simultânea da impugnação judicial e o processo arbitral

D. A Sentença da impugnação judicial proposta, de que aqui se recorre, foi tomada num momento em que o processo arbitral instaurado para impugnação da correcção tributária relativa à cláusula geral anti-abuso já tinha – há muito – terminado. Portanto, quando a Sentença averiguou a existência de excepções, não se verificava, de todo, a excepção de litispendência – seja por via da regra do n.º 2 do artigo 3.º do RJAT seja por aplicação das regras gerais do CPC.

E. Deste modo, o Tribunal recorrido errou ao considerar aplicável no caso decidendo aquele n.º 2 do artigo 3.º do RJAT, em termos que o conduziram a julgar verificada uma excepção dilatória, erro esse que constitui um vício de ilegalidade que origina a necessidade de anulação da Sentença proferida.

F. No entanto, a sentença viola também o artigo 277.º do CPC, na medida em que não invoca nem muito menos demonstra a violação de qualquer uma das razões de extinção da instância previstas no catálogo constante do preceito em apreço: em bom rigor, a Sentença é totalmente omissa quanto às razões de facto e de direito que terão sustentado a decisão de extinção da instância com a absolvição da AT sem qualquer pronúncia de mérito sobre os assuntos colocados à apreciação do Tribunal. Essa omissão gera a nulidade da Sentença, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

Quanto à alegada excepção de caso julgado

G. O caso julgado que configura uma excepção dilatória é o caso julgado material.

H. Porém, não foi uma situação desse tipo que a decisão do processo arbitral gerou, uma vez que este processo terminou com a absolvição da instância da requerida AT, por verificação de uma alegada excepção de “caso resolvido”, que o próprio Tribunal Arbitral qualificou expressamente como excepção dilatória, isto é, como facto que obsta ao conhecimento do mérito da lide.

I. Uma tal decisão, no sentido de julgar verificada aquela excepção dilatória, só podia produzir efeitos no próprio processo em que foi proferida: no caso concreto, o fim da instância arbitral não deve impedir a prossecução da acção, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal, em busca de uma solução definitiva sobre a materialidade da controvérsia tributária.

J. Assim, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, aqui recorrido, não poderia valer-se da Decisão Arbitral, como se valeu nos autos, para julgar extinta a presente instância com base na verificação de uma excepção de caso julgado.

K. Também por este erro de julgamento, consubstanciado na consideração ilegal de uma excepção dilatória de caso julgado, a Sentença deve ser anulada e substituída por outra que contenha, desta feita, a apreciação do m do pedido de anulação dos actos tributários na parte da correcção efectuada na esfera individual da B…… com base na aplicação da cláusula geral anti-abuso do n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária.

Termos em que se requer a V. Exas. que julguem o presente Recurso como procedente, com todas as devidas legais resultantes dos vícios nele invocados».

1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.4 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferiu o despacho previsto no n.º 1 do art. 617.º do Código de Processo Civil (CPC), sustentando a inexistências das invocadas nulidades da decisão.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrido e devolvidos os autos à 1.ª instância, a fim de aí ser apreciado o mérito da causa, com a seguinte fundamentação:

«A recorrente, A……. SGPS, SA, vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada a fls. 485/486, em 30 de Junho de 2016, que julgou extinta a instância, na impugnação judicial deduzida contra a LA de IRC do exercício de 2007, no entendimento de que a recorrente não podia ter interposto em simultâneo pedido de pronúncia arbitral e impugnação judicial contra o mesmo acto tributário, nos termos do disposto no artigo 3.º/2 do RJAT.
A recorrente assaca à sentença recorrida vício formal de omissão de pronúncia.
Existe omissão de pronúncia quando se verifica a violação do dever processual que o tribunal tem em relação às partes, de se pronunciar sobre todas as questões por elas suscitadas.
Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou de direito sobre que existem divergências, formuladas com base em alegadas razões de facto e de direito (acórdão do STA, de 1995.06.28 - P. 14611 AP-DR, de 2007.04.18, página 1841).
Nos termos do disposto no artigo 608.º/1 do CPC a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica, sendo certo que nos termos do número 2 o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excepto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
O Tribunal não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o conhecimento oficioso de outras (artigo 608.º/2 do CPC), sob pena de nulidade por excesso de pronúncia.
Nos termos do estatuído no artigo 615.º/1/d) do CPC e 125.º/1 do CPPT a sentença é nula quando deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Ora, como bem se refere no despacho de fls. 533/544, o tribunal recorrido não apreciou nenhuma das duas correcções técnicas à matéria colectável impugnadas.
E, na realidade, não tinha de o fazer.
Com efeito, ao considerar (bem ou mal, pois para este efeito não releva) que ocorre questão prévia, consubstanciada na, alegadamente, ilegal dedução simultânea de pedido de pronúncia arbitral e impugnação quanto ao mesmo acto tributário, com os mesmos fundamentos, que obsta ao conhecimento do mérito da causa, o tribunal recorrido não tinha o dever legal de se pronunciar sobra as correcções à matéria tributável.
Portanto, salvo melhor juízo, não se verifica nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia.
A recorrente imputa, também, à decisão recorrida o vício formal de omissão de especificação dos fundamentos de facto e de direito.
Vejamos, pois.
Só se verifica nulidade da sentença (ou despacho) por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito quando ocorra falta absoluta de fundamentação, ou seja, quando existe ausência total de fundamentos de facto e de direito.1 [1 Este tem sido o entendimento uniforme do STA, entre outros, ver acórdão de 2012.11.07-P.01 109/12. Em termos de doutrina ver Alberto dos Reis, CPC, anotado, volume, 1, página 140 e Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6.ª edição revista, II volume, página 357.]
Deverá considerar-se que existe falta absoluta de fundamentação quando essa fundamentação seja ininteligível ou não tenha relação perceptível com o julgado, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.2 [2 Acórdão do STA, de 1997.03.19, proferido no recurso n.º 21.923, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.]
Quando a fundamentação não exteriorizar, minimamente, as razões que levaram a decidir naquele sentido e não noutro dever-se-á entender que estamos perante uma nulidade por falta de fundamentação.3 [3 Acórdão do STA, de 2003-12-17, proferido no recurso n.º 1471/03, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.]
A fundamentação de direito, por norma, é feita por indicação da norma ou normas legais em que se sustenta, mas poderá, também, ser estruturada por mera indicação dos princípios jurídicos ou doutrina jurídica em que se baseia.
Ora, salvo melhor juízo, da decisão recorrida constam de forma expressa, os fundamentos de facto e de direito, ou seja, o facto do normativo do artigo 3.º/2 do RJAT não permitir que seja deduzido simultaneamente um pedido de impugnação judicial e um pedido de pronúncia arbitral relativamente ao mesmo acto tributário, quando os factos e fundamentos invocados sejam os mesmos, o que constituirá questão prévia que obsta à apreciação do mérito da causa, que o recorrente apreendeu, certamente, como deflui das alegações de recurso.
Questão diferente, a nosso ver, é saber se essa fundamentação é juridicamente sustentável, mas isso já contende com o mérito da fundamentação e não com a sua alegada omissão.
Não se verifica, pois, a nosso ver, a alegada nulidade da sentença por omissão de especificação dos fundamentos de facto e de direito.
Vejamos, agora, o mérito do recurso.
Nos termos do disposto no artigo 3.º/2 do RJAT “É possível deduzir pedido de impugnação judicial e pedido de pronúncia arbitral relativamente a um mesmo acto tributário, desde que os respectivos factos e fundamentos sejam diversos”.
Dispõe o artigo 13.º/4 do RJAT que “A apresentação dos pedidos de constituição de tribunal arbitral preclude o direito de com os mesmos fundamentos, reclamar, impugnar, requerer a revisão, incluindo a da matéria colectável, ou a promoção da revisão oficiosa, ou suscitar pronúncia arbitral sobre os actos objecto desses pedidos ou sobre os consequentes actos de liquidação, excepto quando o procedimento arbitral termine antes da data de constituição do tribunal ou o processo arbitral termine sem uma pronúncia sobre o mérito da causa”.
Por força do disposto no artigo 24.º/2 do RJAT “Sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação preclude o direito de, com os mesmos fundamentos, reclamar, impugnar, requerer a revisão ou a promoção da revisão oficiosa, ou suscitar pronúncia arbitral sobre os actos objecto desses pedidos ou sobre as consequentes liquidações”.
De acordo com o disposto no artigo 24.º/3 do RJAT “Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos actos objecto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral”.
O artigo 3.º do RJAT parece inspirado em princípios similares aos que subjazem à consagração legal da excepção de litispendência, embora não se trate, verdadeiramente, de uma norma relativa a uma excepção dilatória.
Como bem refere a recorrente o normativo do artigo 3.º/2 do RJAT é sistematicamente coerente com o normativo do artigo 13.º/4, nos termos do qual é possível deduzir impugnação judicial com os mesmos fundamentos do pedido arbitral, posteriormente a esse pedido, quando o processo arbitral termine sem uma pronúncia sobre o mérito da causa.
Ora, por identidade de razões, parece que nada obsta a que, no caso em análise, continue a impugnação judicial instaurada simultaneamente com o processo arbitral, uma vez que, à data da sentença recorrida, não se verificava a excepção de litispendência, uma vez que a decisão arbitral já havia transitado em julgado (artigo 580.º/2 do CPC), sendo certo que, também, não se verifica a excepção de caso julgado como se demonstrará a seguir.
Assim, a sentença recorrida ao decidir pela extinção da instância, com fundamento no facto da recorrente não estar autorizada a recorrer, em simultâneo, ao processo arbitral e à impugnação judicial, ao abrigo do disposto no artigo 3.º/2 do RJAT, incorreu em erro de julgamento causa.
Contrariamente ao sustentado pela sentença recorrida, entendemos que não ocorre a excepção dilatória de caso julgado determinante da absolvição da instância da Fazenda Pública.
A excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois da primeira causa ter sido decidida por sentença transitada em julgado não susceptível de recurso ordinário (artigo 580.º/1 do CPC).
A excepção do caso julgado visa evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (artigo 580.º/2 do CPC).
Uma causa repete-se quando põe uma causa idêntica a outra quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir (artigo 581.º/1 do CPC).
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico artigo 581.º do CPC.
As sentenças que recaiam unicamente sobre a relação processual, questões e incidentes fazem, apenas, caso julgado formal e só têm força obrigatória dentro do processo (artigos 91.º/2 e 620.º do CPC).
A sentença só constitui caso julgado material nos precisos limites e termos em que julga (artigo 621.º do CPC).
Ora, como bem refere a recorrente, inexiste caso julgado material, uma vez que na outra acção, que correu pelo Tribunal Arbitral, não se conheceu do mérito da causa, uma vez que a requerida foi absolvida da instância, por procedência da excepção dilatória resultante da falta de pressuposto de admissibilidade da impugnação, resultante de caso decidido, dado que o acto de autorização da aplicação da norma anti-abuso, enquanto acto destacável, não foi, atempadamente, impugnado, tendo-se consolidado na ordem jurídica.
Não se verifica, pois, a nosso ver, a excepção dilatória de caso julgado, inexistindo, assim, fundamento legal para absolver a Fazenda Pública da instância.
A nosso ver, a sentença recorrida merece censura».

1.6 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 A decisão recorrida não entrou na apreciação do mérito da causa e, consequentemente, não procedeu à fixação da matéria de facto provada e não provada. Não obstante, respigamos da decisão e da consulta dos autos o seguinte circunstancialismo processual relevante para a apreciação:

a) em 20 de Setembro de 2011, a ora Recorrente apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a petição inicial que deu origem à presente impugnação judicial, pela que veio pedir a anulação «[d]os actos de liquidação adicional de IRC n.º 2011 8310002885, de liquidação de juros compensatórios n.º 2011 00000725448 e acerto de contas n.º 2011 00000271516, relativos ao exercício de 2007, com saldo a pagar de € 13.045.662,09»;

b) na mesma data, a ora Recorrente fez dar entrada no CAAD petição de constituição de tribunal arbitral em ordem à apreciação da legalidade dos mesmos actos de liquidação, nos termos constantes do articulado cuja cópia se encontra de fls. 311 a 373, na qual pediu ao tribunal «[a] declaração de ilegalidade do acto de liquidação de imposto em questão no que concerne à correcção ora contestada, à qual corresponde o valor de imposto liquidado de € 7.436.027,40 (proporção do valor da liquidação respeitante à correcção contestada)»;

c) esse pedido deu origem ao processo com o n.º 5/2011-T, que foi julgado por acórdão arbitral proferida em 26 de Janeiro de 2010, que decidiu «na procedência da excepção dilatória resultante da falta do pressuposto da admissibilidade da impugnação da liquidação resultante de caso decidido, em absolver a Requerida da instância».

2.1.2 A decisão recorrida é de extinção da instância, com a seguinte fundamentação: «[…]

In casu, foi suscitada pela Fazenda Pública e pelo Ministério Público a excepção de caso julgado, decorrente da existência da decisão arbitral, já transitada, proferida no processo n.º P 5/2011-T, referindo que existe identidade quanto aos sujeitos, à causa de pedir e ao pedido.
Vejamos.
Compulsados os autos, verifica-se, por um lado, que o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado precisamente na mesma data da presente Impugnação (20/09/2011) e, por outro lado, que, com esse pedido, a ora impugnante ataca precisamente os mesmos actos de liquidação, essencialmente com os mesmos fundamentos.
Ora, não se mostra legalmente possível que seja deduzido pedido de impugnação judicial e pedido de pronúncia arbitral relativamente a um mesmo acto tributário, quando os respectivos factos e fundamentos são os mesmos, conforme claramente decorre a contrario do n.º 2 do artigo 3.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (em diante RJAT - Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20/01), o que bem se compreende face à regra da proibição da repetição de causas que enforma, designadamente, os institutos da litispendência e de caso julgado.
Princípio, aliás, que se encontra ainda vertido no n.º 2 do artigo 24.º do RJAT.
Assim, impera concluir que a apresentação de impugnação judicial preclude a possibilidade de apresentação de pedido de pronúncia arbitral e vice-versa, desde que versem sobre os mesmos factos e tenham os mesmos fundamentos (tratam-se, assim, de meios alternativos e não cumulativos).
De outro modo, se os contribuintes pudessem, em simultâneo, recorrer aos tribunais tributários e ao CAAD para reagir a um mesmo acto tributário, por um lado, correr-se-ia o risco de serem proferidas decisões contrárias sobre a mesma questão e, por outro, estaria frustrado o principal objectivo da instituição do regime da arbitragem – a diminuição das pendências nos tribunais tributários.
Perscrutado o RJAT, verifica-se que apenas existem duas excepções a esta regra previstas:
- no n.º 3 do seu artigo 24.º: quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, é permitida a apresentação de impugnação; e
- no n.º 1 do seu artigo 30.º: foi permitida a apresentação de pedido arbitral no prazo de um ano a contar da entrada em vigor do RJAT, relativamente a pretensões que tenham por objecto actos tributários que se encontravam pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais judiciais tributários há mais de dois anos.
Ora, no caso em apreço, estas excepções são inaplicáveis.
De facto, a segunda excepção não se verifica uma vez que ambas as causas foram instauradas na mesma data.
Quanto à primeira excepção, a mesma também não se aplica, uma vez que, tal como resulta do teor da decisão arbitral, o processo terminou pela procedência da excepção de “caso decidido ou resolvido”, uma vez que o acto de autorização da cláusula anti-abuso, ao não ter sido impugnado, consolidou-se na ordem jurídica, precludindo a possibilidade de impugnar a consequente liquidação de imposto.
Não se pode, assim, concluir que o desfecho do processo ocorreu por facto não imputável ao sujeito passivo.
Assim, tal como resulta do exposto, e independentemente da existência de caso julgado, conclui-se que a impetrante nem sequer estava legalmente autorizada a interpor as duas acções.
Atento o exposto, tendo a Impugnante (ao arrepio da lei) apresentado as duas acções (uma junto deste T.A.F. e outra junto do CAAD), deveria ter-se colocado, desde logo, a questão da litispendência, questão que não foi analisada pois, conforme se constata pelo teor da decisão arbitral e pelos presentes autos, nem a autora nem a Fazenda Pública conhecimento do tribunal arbitral e deste T.A.F. a existência da presente Impugnação e do pedido arbitral, respectivamente.
Destarte, tendo sido proferida decisão arbitral, que inclusive já transitou em julgado, incumbe a este Tribunal, no momento em que tomou conhecimento da existência do processo arbitral, decretar a extinção da instância, porque, tal como já referido, a impetrante nem sequer podia instaurar as duas acções
Adicionalmente, e tal como arguiu a Fazenda Pública e o Ministério Público, verifica-se a excepção dilatória de caso julgado (atenta a verificação das condições elencadas no n.º 1 do artigo 580.º e no artigo 581.º, ambos do C.P.C.), pelo que a Fazenda Pública sempre seria absolvida da instância (alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º do C.P.C.).
No que concerne às custas, entende este Tribunal que as mesmas são a cargo da Impugnante, uma vez que a extinção da instância se deve à conduta processual que adoptou.
Efectivamente, conforme já referido, não poderia a impetrante ter apresentado pedido arbitral e impugnação, versando os mesmos actos de liquidação, essencialmente com os mesmos factos e fundamentos.
Não obstante, tendo-o feito, impunha-se que, a partir do momento em que o processo arbitral se considerou iniciado, tivesse informado este tribunal, em tempo razoável, desse facto, uma vez que a presente lide não poderia ter prosseguido os seus termos, pois legalmente (nos termos do n.º 2 do artigo 3.º, a contrario, do RJAT) não poderiam estar em curso as duas acções.
Pelo contrário, remeteu-se a Impugnante ao silêncio e apenas decidiu pronunciar-se sobre o assunto quando a Fazenda Pública veio informar este Tribunal da existência da decisão no processo arbitral, conduta que se mostra reprovável.
Atento o exposto, e embora legalmente nem pudesse ter apresentado o pedido arbitral, impunha-se à impetrante que, com o início do processo arbitral, tivesse promovido, então, a extinção da presente instância, extinção que lhe seria imputável, não podendo, assim, a responsabilidade pela extinção da instância, agora declarada, deixar de lhe ser atribuída.
[…]».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A ora Recorrente, no mesmo dia, interpôs uma impugnação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e apresentou no CAAD um pedido de pronúncia arbitral, sendo que em ambas as petições formulou pedido de anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2011 8310002885 e da liquidação de juros compensatórios n.º 2011 00000725448.
Note-se que, apesar de no pedido de pronúncia arbitral o pedido ser de declaração de ilegalidade daqueles actos, a diferença é mais de terminologia do que de conteúdo, uma vez que a declaração de ilegalidade da liquidação por parte do CAAD terá, necessariamente, que comportar efeitos anulatórios ( Sobre a questão, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, págs. 110/116.).
No entanto, enquanto o pedido formulado junto do CAAD teve por fundamento a ilegalidade de uma das correcções que a AT efectuou à sua matéria tributável («correcção efectuada na esfera individual da sociedade B……, participada pela A…….. SGPS, por não-aceitação de uma menos-valia apurada com a liquidação de uma sociedade, na sequência da desconsideração de uma operação de distribuição de dividendos, prévia à referida liquidação, com fundamento na aplicação da cláusula geral anti-abuso do n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária»), o pedido feito ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto teve por fundamento, não só essa ilegalidade, mas também a ilegalidade de uma outra correcção («correcção efectuada na esfera individual da A……. SGPS por não-aceitação da dedutibilidade dos dividendos distribuídos pela B……., na sua totalidade, ao abrigo do regime da eliminação da dupla tributação constante do artigo 46.º do Código de IRC (51.º à data da correcção e da impugnação)»).
Assim, não pode afirmar-se sem mais, como o fez a decisão recorrida, que os fundamentos invocados num e noutro processo «são essencialmente os mesmos». São os mesmos, sim, quanto à primeira das correcções acima referidas, mas já não quanto à segunda, cuja ilegalidade apenas foi invocada junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
O que significa também que, em rigor, os pedidos não são os mesmos, mas antes que o pedido formulado ao CAAD se inclui (está contido) no pedido formulado ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, apenas nessa parte se verificando a identidade de pedidos e de causas de pedir. O Tribunal a quo não relevou essa circunstância, antes considerou que o pedido que lhe foi formulado é o mesmo que foi formulado ao CAAD e que os fundamentos que os suportam «são essencialmente os mesmos».
Atentas as circunstâncias que acima deixámos referidos, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou extinta a instância sem que tenha apreciado o mérito da impugnação judicial. Se bem interpretamos essa decisão, foram dois os fundamentos que alicerçaram essa decisão: i) a Impugnante não podia ter apresentado, como apresentou, aliás simultaneamente, pedido de pronúncia arbitral e impugnação judicial relativamente aos mesmos actos e com os mesmos fundamentos e ii) verifica-se excepção dilatória do caso julgado.
Quanto ao primeiro dos fundamentos, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto considerou que, sendo proibida pelo art. 3.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a dedução de pedido de pronúncia arbitral e de pedido de impugnação judicial relativamente ao mesmo acto e com os mesmos fundamentos, a sanção prevista para a violação desse interdito seria a extinção da instância da impugnação judicial.
Quanto ao segundo dos fundamentos, a decisão limitou-se a dizer que «tal como arguiu a Fazenda Pública e o Ministério Público, verifica-se a excepção dilatória de caso julgado (atenta a verificação das condições elencadas no n.º 1 do artigo 580.º e no artigo 581.º, ambos do C.P.C.), pelo que a Fazenda Pública sempre seria absolvida da instância (alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º do C.P.C.)».
A Impugnante discorda dessa decisão, à qual imputa diversas nulidades e erro de julgamento:
i) nulidade por omissão de pronúncia (cfr. conclusões A. a C.);
ii) nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito (cfr. conclusão F.);
iii) erro de julgamento quanto à consequência jurídica decretada (extinção da instância) em razão da instauração simultânea da impugnação judicial e do pedido de pronúncia arbitral (cfr. conclusões D. a F.);
iv) erro de julgamento quanto à excepção de caso julgado (cfr. conclusões G. a K.).
Assim, as questões que ora cumpre apreciar e decidir são as de saber se a decisão recorrida enferma das arguidas nulidades e se fez errado julgamento no que se refere àquelas questões.

2.2.2 DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

A Recorrente considera que a decisão recorrida enferma de omissão de pronúncia na medida em que se teria pronunciado apenas sobre uma das duas correcções tributárias que foram objecto da impugnação judicial por ela deduzida. Na sua tese, «o Tribunal apenas se debruçou sobre a correcção efectuada na esfera individual da sociedade B…….., participada pela A……. SGPS, por não-aceitação de uma menos-valia apurada com a liquidação de uma sociedade, na sequência da desconsideração de uma operação de distribuição de dividendos, prévia à referida liquidação, com fundamento na aplicação da cláusula geral anti-abuso do n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária» e já não sobre a «correcção efectuada na esfera individual da A……. SGPS por não-aceitação da dedutibilidade dos dividendos distribuídos pela B……., na sua totalidade, ao abrigo do regime da eliminação da dupla tributação constante do artigo 46.º do Código de IRC (51.º à data da correcção e da impugnação)».
Salvo o devido respeito, a Recorrente incorre numa inexactidão, que foi salientada, quer pela Juíza do Tribunal a quo no despacho proferido ao abrigo do n.º 1 do art. 617.º do CPC, quer pelo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal: porque a decisão recorrida ficou pela extinção da instância com o fundamento na impossibilidade legal da impugnação judicial prosseguir quando tinha sido deduzido pedido de pronúncia arbitral com os mesmos fundamentos, não lhe cumpria conhecer do mérito da impugnação judicial, como realmente não conheceu; ou seja, não só não apreciou a questão que motivou a invocação da nulidade pela Recorrente, como também não apreciou a questão que a Recorrente considera ter apreciado.
A nulidade por omissão de pronúncia, prevista no n.º 1 do art. 125.º do CPPT e na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, é o vício de que enfermam as decisões judiciais que tenham deixado por apreciar alguma questão cujo conhecimento se lhe impunha por ter sido invocada pelas partes. Constitui, pois, o reverso do dever que impende sobre o tribunal, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC).
Assim, essa nulidade ocorre se o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.
No caso, a decisão recorrida extinguiu a instância – bem ou mal, é questão que para este efeito não releva e à qual voltaremos diante – em momento prévio ao da apreciação do mérito da impugnação judicial. Ou seja, em face do julgamento efectuado (cuja correcção não importa aferir em ordem a averiguar da nulidade, pois esta se situa num patamar anterior, ao nível da correcção formal da decisão), ficou prejudicado o conhecimento das questões de mérito, designadamente daquela em que a Recorrente alicerçou a nulidade por omissão de pronúncia.
Não se verifica, portanto, a invocada nulidade.

2.2.3 DA NULIDADE POR FALTA DE INDICAÇÃO DAS RAZÕES DE FACTO E DIREITO QUE TERÃO SUSTENTADA A DECISÃO DE EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA

A Recorrente assacou à decisão recorrida a falta de fundamentação, prevista como nulidade no n.º 1 do art. 125.º do CPT e na alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC. Isto porque seria «totalmente omissa quanto às razões de facto e de direito que terão sustentado a decisão de extinção da instância».
Como a jurisprudência tem vindo a afirmar, «só se verifica tal nulidade quando ocorra falta absoluta de fundamentação» ( Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotação 7 ao art. 125.º, pág. 357.). Já ALBERTO DOS REIS advertia: «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do art. 668.º [hoje, da alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC]» ( Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, volume V, pág. 140.).
No caso, é manifesto que não há ausência de fundamentação de facto, pois a decisão deixou bem patentes as razões de facto que a suportam: a ora Recorrente interpôs, em simultâneo, impugnação judicial e pedido de pronúncia arbitral relativamente à mesma liquidação e com os mesmos fundamentos.
Já quanto à fundamentação de direito, a decisão, depois de salientar a proibição legal resultante do n.º 2 do art. 3.º do RJAT quanto àquela cumulação, considerou que a consequência cominada para a violação dessa proibição era extinção da instância. No entanto, não subsumiu a situação a nenhuma das alíneas do art. 277.º do CPC, há que reconhecê-lo. Mas essa omissão não basta para que se reconheça a verificação da nulidade, que só ocorre quando na decisão judicial sindicada em sede de recurso se verifique uma total ausência de motivação de direito.
Na verdade, a decisão recorrida ensaia uma justificação jurídica para o julgamento que efectuou: a ora Recorrente não podia instaurar simultaneamente a impugnação judicial e o pedido de apreciação arbitral, porque essa possibilidade está legalmente vedada pelo n.º 2 do art. 3.º do RJAT; porque o fez, e sem prejuízo de a litispendência não ter sido apreciada em tempo e já o não poder ser porque o processo arbitral está findo, deve agora decretar-se a extinção da instância. Ou seja, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto parece ter considerado que a extinção da instância seria, no momento em que foi proferida a decisão, o modo de assegurar o respeito pela proibição decorrente do n.º 2 do art. 3.º do RJAT e pelas regras que visam obviar à repetição de causas que se extraem, designadamente, dos institutos da litispendência e do caso julgado. Se essa justificação é ou não acertada é uma questão que se joga já em sede de erro de julgamento e não em sede de nulidade da decisão, pois esta situa-se no âmbito da respectiva validade formal; o que não pode dizer-se é que a decisão é totalmente omissa quanto à fundamentação de direito.
Não se verifica, pois, a invocada nulidade por falta de fundamentação.

2.2.4 DO ERRO DE JULGAMENTO NA PARTE EM QUE NA PRESENTE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL SE QUESTIONA A LEGALIDADE DA 2.ª CORRECÇÃO À MATÉRIA TRIBUTÁVEL IDENTIFICADA NA PETIÇÃO INICIAL

Perante o deixámos dito quanto ao âmbito do referido processo arbitral e da presente impugnação judicial, podemos desde já concluir que nesta a ora Recorrente invocou um fundamento – a ilegalidade da «correcção efectuada na esfera individual da A……. SGPS por não-aceitação da dedutibilidade dos dividendos distribuídos pela B……….., na sua totalidade, ao abrigo do regime da eliminação da dupla tributação constante do artigo 46.º do Código de IRC (51.º à data da correcção e da impugnação)» – que não foi incluído no objecto do pedido de pronúncia arbitral e, por isso, não podia ter sido tratado pela decisão judicial recorrida como se o tivesse sido.
A decisão recorrida não atentou nessa especificidade e, ao invés, considerou que os fundamentos dos pedidos dirigidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e ao CAAD eram «essencialmente os mesmos». Essa inexactidão repercutiu-se na amplitude do julgamento que efectuou.
Assim, independentemente do juízo que venhamos a formular quanto à correcção desse julgamento na parte em que se refere ao fundamento partilhado pela impugnação judicial e pelo pedido de pronúncia arbitral – o que se refere à primeira das referidas correcções –, podemos desde já adiantar que o mesmo não pode manter-se na parte em que a impugnação judicial tem um fundamento exclusivo, qual seja a ilegalidade da segunda das referidas correcções.
Na parte que se refere a esta correcção, nunca poderia a impugnação judicial ter sido “julgada extinta” com fundamento na violação do n.º 2 do art. 3.º do RJAT, nem se poderia verificar a excepção do caso julgado, que implica uma identidade de pedidos e de fundamentos (cfr. arts. 580.º e 581.º do CPC) que, nessa parte, se não verifica entre a impugnação judicial e o processo arbitral.
A decisão sob escrutínio arrancou de um pressuposto (identidade total de fundamentos invocados no pedido de pronúncia arbitral e no pedido de impugnação judicial) que se não verifica, motivo por que, na referida parte, o recurso será provido, a decisão recorrida será revogada e os autos deverão regressar ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para aí prosseguirem com a apreciação do mérito da pretensão, se a tal nada mais obstar.
Na parte restante, ou seja, na parte em que a impugnação judicial respeita à invocada ilegalidade da primeira correcção referida e em que se verificava identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir relativamente ao processo arbitral, cumpre ainda nesta sede averiguar se o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto fez correcto julgamento ou se a decisão sob recurso enferma dos erros que a Recorrente lhe assaca.
É o que passaremos a fazer.

2.2.5 DA EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INSTAURAÇÃO SIMULTÂNEA DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL E DE PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto decidiu extinguir a instância porque considerou inviável a dedução em simultâneo de impugnação judicial e de pedido de pronúncia arbitral.
Desde logo, a decisão suscita-nos algumas dúvidas quanto à consequência legal que nela foi decretada: a extinção da instância. Na verdade, como bem salientou a Recorrente, a extinção da instância apenas pode ser determinada pela ocorrência de alguma das causas constantes do rol do art. 277.º do CPC e a decisão recorrida não apontou a alínea daquele artigo à qual subsumia a situação sub judice. Se bem entendemos o discurso argumentativo da decisão recorrida, com base na proibição que resulta do n.º 2 do art. 3.º do RJAT, a ora Recorrente «não estava legalmente autorizada a interpor as duas acções»; porque o fez e porque a questão da litispendência não foi oportunamente apreciada (porque os pressupostos factuais dessa excepção não foram dados a conhecer nem ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto nem ao CAAD), a Juíza do Tribunal a quo concluiu: «incumbe a este Tribunal, no momento em que tomou conhecimento da existência do processo arbitral, decretar a extinção da instância, porque, tal como já referido, a impetrante nem sequer podia instaurar as duas acções».
Ora, a decisão recorrida não diz a qual das alíneas do art. 277.º do CPC subsumiu a situação sub judice. Foi por isso que a Recorrente arguiu a nulidade da decisão por falta de fundamentação, que desatendemos no ponto 2.2.3, mas que ora cumpre apreciar sob a veste de erro de julgamento.
Poderá, eventualmente, a decisão recorrida ter reconduzido a situação à previsão da alínea b) do art. 277.º do CPC, onde surge como causa de extinção da instância o «compromisso arbitral». Adiante pronunciar-nos-emos sobre essa eventualidade.
A Recorrente insurge-se contra tal decisão e respectivos fundamentos. Considera que quando a mesma foi proferida já o processo arbitral tinha, há muito, terminado e que, por isso, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, quer a questão seja apreciada sob a óptica do n.º 2 do art. 3.º do RJAT, quer o seja à luz das aplicação das regras gerais do CPC.
Se bem interpretamos as alegações e respectivas conclusões, sustenta a Recorrente que, à data em que foi proferida a decisão recorrida, já não se verificavam os requisitos da litispendência porque o processo arbitral já tinha findado e, porque a litispendência não foi oportunamente conhecida, o Tribunal a quo já não podia extrair consequência alguma de uma situação que já não se verificava, qual seja a pendência de duas causas idênticas (na parte que ora consideramos). Mais sustenta que, contrariamente ao que entendeu a decisão recorrida, também não se encontra apoio no n.º 3 do art. 24.º do RJAT para pôr fim à causa, uma vez que esta norma visa obviar às situações de litispendência e de caso julgado, ou seja, impedir a emissão de pronúncias contraditórias sobre o mérito das pretensões deduzidas; ora, a decisão do CAAD em causa não conheceu do mérito da pretensão e, como dela consta expressamente, absolveu a AT da instância por considerar verificada a excepção dilatória do “caso decidido” ou “caso resolvido”.
Vejamos:
É certo que do n.º 2 do art. 3.º do RJAT resulta, a contrario, não ser possível deduzir pedido de pronúncia arbitral e impugnação judicial relativamente a um mesmo acto tributário com base nos mesmos fundamentos ( Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág. 150. ).
Bem se compreende a ratio legis: essa proibição visa impedir a repetição de causas, que implica a verificação da tríplice identidade de elementos que definem a acção – quanto aos sujeitos, aos pedidos e à causa de pedir –, ainda que em tribunais de natureza distinta (arbitrais, uns, e judiciais tributários, os outros) mas dentro da mesma jurisdição (administrativa e tributária), a que pretendem obviar os institutos da litispendência e do caso julgado (cfr. arts. 580.º e 581.º do CPC); repetição que poria o tribunal, arbitral ou administrativo e fiscal, perante a alternativa de contradizer ou de confirmar a decisão anterior, ainda que proferida por tribunal de outra natureza, com as consequentes quebra de prestígio de uns e outros tribunais resultante de eventuais decisões em sentido divergente e inutilidade, com o consequente desperdício de tempo, de dinheiro e de esforços, da segunda decisão proferida, pois, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 625.º do CPC, apenas a que primeiro transitasse em julgado seria susceptível de ser executada ( Cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, págs. 287/289.).
Também a fim de impedir a repetição de causas, o RJAT adoptou as soluções legais consagradas no n.º 4 do art. 13.º e no n.º 2 do art. 24.º. No primeiro, diz-se: «A apresentação dos pedidos de constituição de tribunal arbitral preclude o direito de, com os mesmos fundamentos, reclamar, impugnar, requerer a revisão, incluindo a da matéria colectável, ou a promoção da revisão oficiosa, ou suscitar pronúncia arbitral sobre os actos objecto desses pedidos ou sobre os consequentes actos de liquidação, excepto quando o procedimento arbitral termine antes da data da constituição do tribunal arbitral ou o processo arbitral termine sem uma pronúncia sobre o mérito da causa»; e no segundo: «Sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação preclude o direito de, com os mesmos fundamentos, reclamar, impugnar, requerer a revisão ou a promoção da revisão oficiosa, ou suscitar pronúncia arbitral sobre os actos objecto desses pedidos ou sobre os consequentes actos de liquidação».
Estas disposições legais constituem solução paralela à consagrada no CPC para os institutos da litispendência e do caso julgado, respectivamente.
É certo que as citadas disposições legais condicionam o seu âmbito de aplicação à circunstância de a decisão arbitral ter recaído sobre o mérito do pedido, mas isso não significa que, quando essa decisão tenha sido proferida com base em fundamentos formais que tenham obstado à apreciação do mérito não haja qualquer limitação ao ulterior direito de impugnar, graciosa ou contenciosamente ou de deduzir novo pedido de pronúncia arbitral. Vejamos:
Dos termos do n.º 3 do art. 14.º do RJAT resulta que esse direito, no caso de o processo arbitral ter terminado por decisão que não conheça do mérito da causa, poderá ainda ser exercido pelo sujeito passivo, mas apenas se ainda estiver em tempo para tanto, pois o prazo para o efeito só se conta a partir da notificação da decisão arbitral que pôs termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão se o motivo que determinou essa abstenção do conhecimento do mérito não decorre de facto imputável ao sujeito passivo. É o que resulta do n.º 3 do art. 24.º do RJAT, que dispõe: «Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos actos objecto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral». O que significa que «se o não conhecimento do mérito for imputável ao sujeito passivo este só poderá reclamar, impugnar, requerer a revisão oficiosa, ou até suscitar nova pronúncia arbitral, com os mesmos fundamentos se ainda estiver em tempo» ( Cfr. CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária comentado, Almedina, 2015, págs. 346 e 464.).
Tendo presente o que vimos de dizer, e regressando ao caso sub judice, diremos ainda o seguinte:
É inquestionável que a ora Recorrente não podia ter deduzido simultaneamente pedido de pronúncia arbitral e pedido de impugnação judicial relativamente à liquidação adicional de IRC com os mesmos fundamentos, como deduziu, no que se refere à segunda das correcções acima referidas (a «correcção efectuada na esfera individual da sociedade B……., participada pela A…….. SGPS, por não-aceitação de uma menos-valia apurada com a liquidação de uma sociedade, na sequência da desconsideração de uma operação de distribuição de dividendos, prévia à referida liquidação, com fundamento na aplicação da cláusula geral anti-abuso do n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária»).
À data, verificavam-se, pois, os requisitos da litispendência, como a Recorrente reconhece.
É certo que essa litispendência não foi declarada porque ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ( Note-se que nos autos as partes concordam que a litispendência deveria ser conhecida no processo de impugnação judicial, o que faz crer que aceitam que terá sido nesta que a Fazenda Pública foi notificada em último lugar para contestar (cfr. art. 582.º do CPC).) não foi dado conhecimento, nem ele o adquiriu oficiosamente, do pedido de pronúncia arbitral e do respectivo processo senão quando o mesmo já (há muito) fora julgado findo, pelo julgamento de absolvição da AT da instância em virtude de o tribunal arbitral ter considerado verificado uma excepção dilatória: «falta do pressuposto de admissibilidade da impugnação da liquidação resultante de caso decidido» por a aí Requerente e ora Recorrida não ter oportunamente impugnado a decisão administrativa de aplicação da cláusula geral antiabuso.
Mas, a circunstância de não se poder já conhecer da litispendência, uma vez que os seus requisitos se deixaram de verificar por o processo arbitral estar já findo, não significa que a Recorrente possa obter através dessa ilegalidade que praticou uma vantagem que lhe não seria concedida se tivesse pautado o seu comportamento pela observância da lei. Dito de outro modo, a proibição resultante do n.º 2 do art. 3.º do RJAT não se esgota em face da não oportuna verificação da litispendência. Procurando explicar:
Caso a litispendência tivesse sido oportunamente verificada, a impugnação judicial, na parte em questão, teria findado, com a absolvição da instância da Fazenda Pública, nos termos do disposto nos arts. 278.º, n.º 1, alínea e), 580.º e 581.º do CPC.
Ou seja, não haveria impugnação judicial pendente com o mesmo pedido e fundamento do processo arbitral quando este foi julgado findo.
Do mesmo modo, caso a ora Recorrente tivesse conformado o seu comportamento processual com as determinações legais, como lhe era exigível, não teria deduzido simultaneamente pedido de pronúncia arbitral e processo de impugnação judicial.
Assim, após o processo arbitral ter terminado e porque a decisão aí proferida não conheceu do mérito da pretensão nele formulada, apesar de a ora Recorrente não estar impedida de deduzir impugnação judicial do mesmo acto com os mesmos fundamentos, só o poderia fazer se ainda estivesse em tempo para o efeito.
Na verdade, a decisão que pôs termo ao processo arbitral não conheceu do mérito do pedido por causa imputável à aí Requerente e ora Recorrente, pois nesse processo foi decretada a absolvição da instância com o fundamento de que se formara “caso resolvido” ou “caso decidido” por falta de oportuna impugnação judicial da decisão administrativa que autoriza aplicação de cláusula antiabuso. O que significa que, na sequência dessa absolvição da instância da AT no processo arbitral, seria permitida a instauração de impugnação judicial com os mesmos fundamentos que tinham sido invocados no pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 24.º do RJAT. Mas esta nova impugnação judicial só poderia ser deduzida se ainda estivesse em curso o prazo para impugnar. Prazo este que, porque a absolvição da instância resultou de causa imputável à ora Recorrente, seria a contar nos termos do art. 102.º do CPPT e não da notificação daquela decisão (cfr. n.º 3 do art. 24.º do RJAT).
Ou seja, é manifesto que a ora Recorrente, caso tivesse observado a proibição decorrente do n.º 2 do art. 3.º do RJAT, não poderia instaurar a impugnação judicial na sequência da decisão arbitral por estar já esgotado o prazo para o efeito.
Ora, se à data em que foi proferida a decisão arbitral já não estava em prazo para apresentar a impugnação judicial, também não pode a Recorrente valer-se da impugnação judicial já instaurada e que apenas se encontra pendente (na parte que ora consideramos) em resultado da violação pela Recorrente do disposto no art. 3.º, n.º 2, do RJAT, e de tal violação não ter sido anteriormente verificada.
Não pode a Recorrente pretender que a impugnação judicial, que na parte ora sob apreciação foi indevidamente interposta e só prosseguiu porque o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto não teve oportunamente conhecimento da dedução do pedido de pronúncia arbitral. possa valer para os efeitos previstos no n.º 3 do art. 24.º do RJAT como a impugnação judicial que a Recorrente poderia instaurar após a absolvição da instância.
Caso contrário, a Recorrente retiraria um benefício do incumprimento das regras processuais, extraindo um benefício da violação da lei em que incorreu ao apresentar em simultâneo pedido de pronúncia arbitral e impugnação judicial
Na verdade, se tivesse cumprido com essas regras, perante a decisão do CAAD não poderia instaurar nova acção, nem mediante pedido de pronúncia arbitral nem mediante pedido de impugnação judicial por está já esgotado o prazo para o efeito. Ora, a Recorrente não pode obter através do incumprimento das regras um benefício (o direito de propor impugnação judicial do mesmo acto e com os mesmos fundamentos) que já não estaria ao seu alcance (por preclusão do prazo) caso as tivesse cumprido.
A admitir-se a posição contrária, a Recorrente ficaria colocada numa posição mais favorável do que um sujeito passivo que tivesse observado as regras processuais, o que se afigura uma solução intolerável à luz dos critérios de justiça que enformam a nossa ordem jurídica.
Não pode, pois, prosseguir a presente impugnação judicial na parte ora sob consideração, como bem decidiu (sem prejuízo do reparo feito no ponto 2.2.3) a Juíza do Tribunal a quo.
É essa a solução que decorre daquela que se nos afigura a melhor interpretação dos preceitos aplicáveis, tendo presente essencialmente a unidade do sistema jurídico (cfr. art. 9.º do Código Civil), imposta pela coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica.
Assim, e em conclusão, deve considerar-se verificada uma excepção dilatória inominada, decorrente da ilegal instauração e pendência da impugnação judicial na parte sob consideração, excepção essa que tem como consequência a absolvição da instância – tudo nos termos dos arts. 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º e 578.º, do CPC – e não a extinção da instância decretada pelo Tribunal a quo.
Na verdade, não conseguimos subsumir a situação de impossibilidade de instauração da impugnação judicial a nenhuma das causas constantes do catálogo, que se nos afigura fechado, do art. 277.º do CPC. Admitimos, como acima deixámos dito, que a decisão recorrida tenha reconduzido a situação à previsão da alínea b) do art. 277.º do CPC, onde surge como causa de extinção da instância o «compromisso arbitral». Se assim foi, embora com dúvidas, não acompanhamos essa posição. A nosso ver, esse compromisso arbitral (previsto no art. 280.º do CPC) será «um acordo superveniente à ocorrência do conflito, tendo por base sempre um litígio em concreto» ( Cfr. CARLA CASTELO TRINDADE, ob. cit., págs. 38 e 173.), enquanto a arbitragem tributária, tal como configurada legalmente na nossa ordem jurídica ( Pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 11 de Janeiro, no uso da autorização legislativa concedida pela art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2010), na versão introduzida pelos arts. 228.º e 229.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2013).), quando admitida, não depende senão da escolha do sujeito passivo, uma vez que a AT se encontra vinculada nos termos legais, de acordo com o n.º 1 do art. 4.º do RJAT e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Em face do exposto, embora por fundamentação não inteiramente coincidente, entendemos que deve manter-se a sentença na parte ora sob apreciação, embora com a ressalva de que o efeito jurídico a retirar da ilegal interposição e pendência do processo de impugnação judicial, sempre na parte sob escrutínio, é a absolvição da instância por verificação de uma excepção dilatória inominada e não a extinção da instância.
Fica, pois, prejudicado o conhecimento do invocado erro de julgamento quanto à excepção do caso de julgado.

2.2.6 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Do disposto no n.º 2 do art. 3.º do RJAT resulta, a contrario, que não é possível deduzir pedido de impugnação judicial e pedido de pronúncia arbitral relativamente ao mesmo acto tributário e com os mesmo fundamentos.

II - Da violação dessa proibição não pode resultar para o sujeito passivo um benefício que não estaria ao seu alcance caso tivesse respeitado esse preceito ou caso a litispendência tivesse sido oportunamente verificada.

III - Assim, se o processo arbitral terminou com a absolvição da instância por se ter verificado uma excepção dilatória imputável ao sujeito passivo, apesar de este poder instaurar uma petição de impugnação judicial em ordem à anulação do mesmo acto tributário e com os mesmos fundamentos, só o poderá fazer se ainda estiver em prazo (cfr. art. 24.º, n.º 3, do RJAT e art. 102.º do CPPT), não podendo valer-se da pendência da impugnação judicial que deduziu em violação do disposto no n.º 2 do art. 3.º do RJAT.

IV - Essa é a única interpretação daqueles preceitos que assegura a unidade do sistema jurídico (cfr. art. 9.º do CC), imposta pela coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica: não seria admissível que, em razão da violação da lei, o sujeito passivo fosse colocado numa situação mais favorável do que aquela que resultaria do cumprimento das regras legais sobre cumulação do pedido arbitral com o pedido de impugnação judicial.

V - A pendência de uma impugnação judicial que foi instaurada ao arrepio das referidas regras e que, não tendo sido oportunamente deduzida a litispendência, nem o podendo ser agora por o processo arbitral já estar findo, constitui uma excepção dilatória inominada, obstativa do conhecimento do mérito, que dá lugar à absolvição da instância.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:

- revogar a decisão recorrida na parte em que extinguiu a instância da impugnação judicial relativamente à correcção que na petição inicial foi identificada em segundo lugar no art. 2.º, devendo a impugnação judicial prosseguir no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para apreciação do mérito da impugnação judicial quanto à legalidade dessa correcção, se a tal nada mais obstar;

- manter a decisão na parte em que entendeu que a impugnação judicial não podia prosseguir para conhecimento da legalidade da correcção que na petição inicial foi identificada em primeiro lugar no art. 2.º, com a fundamentação do presente acórdão e alterando o efeito jurídico decretado, que será, não a extinção da instância, mas a absolvição da instância do que respeita a esse fundamento;

- condenar a Recorrente e a Recorrida nas custas do recurso, na proporção do decaimento e ficando a Recorrida dispensada do pagamento da taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.

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Lisboa, 7 de Novembro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Dulce Neto.