Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0739/16
Data do Acordão:06/23/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
CONTRATAÇÃO PÚBLICA
CAPACIDADE TÉCNICA
LEGITIMIDADE ACTIVA
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se admitir a revista excepcional em que estão em apreciação questões, de validade do requisito de capacidade técnica e de legitimidade activa para a impugnação de decisão final da fase de qualificação de um concurso limitado para celebração de acordo quadro, que assumem importância jurídica fundamental no domínio da contratação pública e apresentam potencial de reiteração de litigiosidade.
Nº Convencional:JSTA000P20721
Nº do Documento:SA1201606230739
Data de Entrada:06/08/2016
Recorrente:A...., S.A.
Recorrido 1:B......, S.A. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. A……….., SA, autora na acção de contencioso pré-contratual intentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra contra Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, IP, tendo como contra-interessadas B………., SA e outras, relativa ao “concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo-quadro para a prestação de serviços de vigilância e de segurança” recorre, ao abrigo do art.º 150.º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 07/04/2016, que negou provimento ao recurso do acórdão do TAF que julgara a acção improcedente.
A recorrente pretende ver apreciadas questões que formula da forma seguinte:
A) Num concurso limitado dividido em lotes, uma entidade que tenha impugnada a decisão de qualificação quanto a vários lotes, incluindo aqueles a que não apresentou candidatura, carece de legitimidade para o fazer quanto a estes últimos quando a impossibilidade de apresentação de candidatura decorreu precisamente da falta de preenchimento de um requisito cuja ilegalidade vem invocar?
B) É legal e legítimo exigir como requisito de capacidade técnica a prática pelo candidato de determinado preço mínimo? É legítimo considerar que tal exigência se mostra justificada por, como entendeu o tribunal a quo, corresponder ao preço constante da recomendação da ACT de 2012?
C) É legal uma aferição meramente formal do cumprimento pelo candidato dos requisitos de qualificação mediante a análise da letra dos documentos da candidatura? É legal a exclusão imediata de um candidato exclusivamente com base na forma como os documentos foram redigidos, sem um prévio pedido de esclarecimentos, ainda por cima quando os documentos em causa são da autoria de terceiros?

Para justificar a admissão da revista excepcional, a recorrente alega importância fundamental pela relevância jurídica e social das questões, sendo a enunciada na alínea B) ainda relevante para o mercado público da segurança privada, e a susceptibilidade de repetição em futuros procedimentos para a celebração de acordos quadro.

No que agora releva, a entidade recorrida e a contra-interessada B………, SA consideram não verificadas qualquer das hipóteses de admissão do recurso excepcional de revista.

2. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

3. No que respeita à questão da legitimidade, o acórdão recorrido considerou:
“No caso, como vimos, a decisão final de não qualificação da A…… nos lotes a que não apresentou candidatura não lhe é dirigida e, desse modo, não procede à aplicação de nenhuma disposição do PC, vg. do requisito de experiência previsto no respectivo artigo 8º.
Por conseguinte, essa disposição – artigo 8º do PC – tornou-se inimpugnável relativamente a lotes a que a ora Recorrente S. não apresentou candidatura.
E nessa medida ocorre ilegitimidade parcial da A……….. Caso esta pretendesse garantir o direito a participar no procedimento relativamente a tais lotes, ou impugnava directamente essa disposição do PC no prazo legalmente previsto ou apresentava a sua candidatura a esses mesmos lotes e, caso viesse a ser excluída, impugnava a deliberação que assim decidisse com fundamento na invalidade do critério de experiência fixado no artigo 8º do PC.
Certo é que a ora Recorrente A……….. não impugnou directamente as peças do procedimento nem apresentou candidaturas.
Isto mesmo foi entendido pelo Tribunal a quo quando concluiu que “a A. não tem interesse em demandar por ser exterior à relação jurídica na parte que respeita aos lotes aos quais não concorreu” e por essa razão “é parte ilegítima em relação aos lotes a que não concorreu e, portanto, em que nenhuma decisão do Réu, consequentemente, a pode prejudicar”, não merecendo pois tal juízo qualquer reparo.”

A recorrente alega que tem interesse directo e pessoal em impugnar a decisão final da fase de qualificação em todos os lotes a concurso nos termos da al. a) do n.º 1 do artº 55.º do CPTA, pois o requisito alegadamente ilegal impediu-a de apresentar candidatura em certos lotes e determinou a sua exclusão de outros.
A problemática da legitimidade para a impugnação de actos em procedimento pré-contratual surge com alguma frequência, tendo já justificado a admissão da revista pelo ac. de 6/10/2015, Proc. 1131/15. Sucede que, por acórdão de 25/11/2015, o Supremo Tribunal veio a decidir aquela questão aparentemente em sentido contrário ao do acórdão agora recorrido, mas em situação que se afigura não ser inteiramente coincidente com a presente. Assim, justifica-se que também neste caso se considere que o recurso versa sobre questão de importância fundamental.
Já quanto à questão relativa ao requisito de capacidade técnica, defende a recorrente que a exigência de um preço mínimo a um único cliente nada tem a ver com a capacidade técnica e que esta se afere através das características dos candidatos, nomeadamente, experiência curricular em função da natureza e/ou da dimensão/quantidade dos serviços prestados e não do preço cobrado pelos mesmos e muito menos do preço cobrado a um único cliente. Deste modo, o requisito tal como foi definido no artigo 8.º do programa é ilegal por não respeitar à capacidade técnica dos candidatos, violando o n.º 1 do art.º 165.º do CCP e também os princípios da concorrência, da igualdade e da proporcionalidade.
A seu propósito, o acórdão recorrido ponderou:
“Atente-se, concretamente nos lotes 2 a 8 e 18 a 24, em que é exigida uma experiência revelada pela prestação de serviços, em 2012 a, pelo menos, um cliente.
Conforme recomendou, igualmente em 2012, a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) - recomendação dirigida às empresas de segurança privada e aos seus clientes -,o valor do trabalho relacionado com uma portaria 24 horas/TDA, atendendo às normas legais aplicáveis e ao acordo colectivo de trabalho em vigor, é superior a € 6019,98. Este é, aliás, o valor resultante apenas de direitos com trabalhadores e outros custos inerentes ao trabalho, acrescidos de custos de estrutura e do lucro da empresa de segurança (cfr. docs. nº 1 a 3 juntos com a oposição cautelar).
É, pois, seguro que o valor mínimo (ainda que não houvesse custos de estrutura ou lucro) era naquele montante, ou seja, multiplicado esse valor por 14 meses, é superior a € 80.000,00. Assim, por um lado, exigir uma experiência demonstrada a partir do contrato celebrado com um cliente releva, efectivamente, uma experiência por parte de um candidato. Por outro lado, o valor da experiência exigido para os lotes regionais corresponde apenas a que os candidatos tivessem unicamente prestado serviço em mais do que uma portaria. Tal seria suficiente para evidenciar a experiência exigida pelo artigo 8º do PC.
Destarte, concluímos que não houve favorecimento de qualquer candidato na definição de lotes regionais na medida em que foram objectivamente fixados.
De igual modo, também não ocorre qualquer invalidade na definição do requisito da experiência quanto aos lotes nacionais.
Aí, a experiência relevante foi valorativamente mais exigente porquanto nesses lotes está em causa a possibilidade de uma entidade adquirente, ao abrigo do acordo-quadro, adquirir agregadamente serviços para todas as suas instalações em todo o território nacional.
Exigiu-se, por conseguinte, a demonstração de uma experiência que revelasse, por parte dos candidatos, uma capacidade de organização para prestar serviços, pelo menos, em seis portarias, o que, necessariamente, corresponde a um mínimo exigível perante um lote destinado à protecção de serviços num âmbito territorial mais alargado.
Improcedem pois os vícios assacados pela Recorrente A……….. às normas do concurso ínsitas no artigo 8º do PC .
No tocante à conformidade com o disposto no artigo 165º do CCP, a validade do requisito de experiência definido encontra-se plenamente justificado. Como referimos, a demonstração da experiência curricular depende da apresentação de declarações relativas a contratos anteriormente celebrados, com indicação do respectivo preço.
É de notar que a principal fatia dos custos mínimos com a prestação dos serviços em causa se encontra tabelada (e, igualmente, o número máximo de horas de prestação de trabalho por trabalhador). Na medida em que a principal fatia dos custos mínimos a incorrer na prestação dos serviços em causa se encontra tabelada, a exigência de demonstração da prestação de serviços num determinado montante é, efectivamente, o meio próprio para aferir da experiência passada dos candidatos. Quanto ao montante do valor exigido para a prestação de serviços, conforme referido supra, ela é apta a demonstrar um requisito mínimo de experiência exigível.”

Tal como este Supremo Tribunal considerou no ac. de 19/05/2016, Proc. 571/16, em situação paralela, trata-se de matéria que se apresenta muito complexa e de grande impacto na contratação pública, justificativa de admissão da revista.

Tanto basta para concluir que estão em apreciação questões que assumem importância jurídica fundamental no domínio da contratação pública e apresentam potencial de reiteração de litigiosidade, justificando a admissão do recurso.

4. Decisão
Pelo exposto, decide-se admitir a revista.

Lisboa, 23 de Junho de 2016. – Vítor Gomes (relator) – Alberto Augusto Oliveira - São Pedro.