Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0316/18.0BESNT
Data do Acordão:04/21/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:CONTRIBUIÇÕES
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:As normas que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético” não violam os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade, da igualdade na repartição dos encargos públicos, da protecção da confiança, segurança jurídica e não retroactividade da lei fiscal, nem o princípio da especificação orçamental.
Nº Convencional:JSTA000P29310
Nº do Documento:SA2202204210316/18
Data de Entrada:11/09/2021
Recorrente:A........, S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A…………, S.A., melhor sinalizada nos autos, visando a revogação da sentença de 28-06-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação que intentara contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) nº 27000001127, relativa ao ano de 2016, no montante de €185.976,25, absolvendo a Fazenda Pública dos pedidos.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente A……….., S.A., as seguintes conclusões:

Erros de julgamento
Natureza da CESE
1. A jurisprudência do Tribunal Constitucional proferida no Acórdão n.° 7/2019, de 08.09, acolhida na sentença recorrida e que aqui merece todo o respeito, por um lado não possui força obrigatória e geral, produzindo efeitos apenas no âmbito do processo onde foi proferido, e, por outro lado, a decisão que comporta está temporalmente limitada, pelos poderes de cognição assumidos por aquele Tribunal Constitucional, ao ano de 2014. Na apreciação desta questão são essenciais aspectos do Regime Jurídico da CESE, supervenientes a 2014, ano a que o Acórdão expressamente limita a sua apreciação, que permitem melhor compreender o tributo aqui em causa.
2. O contexto em que o legislador português aprovou (cf. artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro – “Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2014”) o regime da CESE, a vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2014, teve em vista, principalmente, financiar os custos decorrentes das opções políticas adoptadas no sector de produção de energia eléctrica, designadamente a redução da dívida tarifária associada à assunção dos CIEG.
3. A vigência desta contribuição foi sendo sucessivamente prorrogada, mantendo-se ainda em vigor. Com efeito, o Regime Jurídico da CESE foi aprovado pelo artigo 228.° da Lei n.° 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014) com início de vigência em 01.01.2014 alterado e prorrogado pelas Lei n.º 13/2014, de 17 de Março; Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro; Lei n.° 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2015); Lei n.º 159-C/2015, de 30 de Dezembro (Prorrogação de receitas previstas no Orçamento do Estado para 2015); Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017); Lei n.º 114/2017, de 29 Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2018); Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2019); Lei n.º 2/2020, de 31 de Março (Lei do Orçamento do Estado para 2020); Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2021).
4. Esta contribuição é devida pelas pessoas singulares ou colectivas que exerçam actividades relacionadas com a exploração de centros electroprodutores, que sejam titulares de licença de produção de electricidade, concessionárias de actividades de transporte ou de distribuição de electricidade, concessionárias de actividades de transporte, distribuição ou de armazenamento de gás natural, titulares de licença de distribuição local de gás natural, operadores de refinação de petróleo bruto e de tratamento ou distribuição de produtos de petróleo, comerciantes grossistas de electricidade, de petróleo bruto ou de produtos de petróleo, com domicílio fiscal ou com sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território português a 1 de Janeiro de 2018.
5. Não obstante a norma de incidência subjectiva o regime da CESE prevê inúmeras isenções, abrangendo actividades/entidades que, apesar de integrarem o sector energético não têm esta obrigação tributária.
6. Em termos de incidência objectiva, a CESE incide sobre o valor dos elementos do activo que respeitem a activos fixos tangíveis, activos fixos intangíveis (excepto os elementos provenientes de propriedade intelectual) e activos financeiros afectas às concessões ou às actividades licenciadas supra referidas (artigo 3.°, n.° 1 do regime jurídico da CESE), considerando-se como "valor dos elementos do activo", para estes efeitos, o valor dos activos líquidos reconhecidos na contabilidade dos sujeitos passivos (artigo 3.°, n.° 4, do regime jurídico da CESE).
7. Contudo, se a actividade desenvolvida pelo sujeito passivo for uma actividade regulada pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), a CESE incide sobre o valor dos activos regulados, caso esse valor seja superior ao valor dos elementos do activo, conforme previsto no artigo 3.°, n,° 3 (na redacção à data dos factos, e actual n.° 4), do regime jurídico da CESE. Em virtude da alteração introduzida ao regime jurídico da CESE pela Lei n.° 33/2015, de 27 de Abril, a CESE incide igualmente sobre o valor económico equivalente dos contractos de aprovisionamento de longo prazo, em regime de take-or-pay, dos sujeitos passivos comercializadores do SNGN.
8. De acordo com o artigo 1.° do Regime Jurídico da CESE, o tributo teria um objetivo dúplice, sob a égide da finalidade geral de promoção da sustentabilidade sistémica do sector: 1) redução do défice tarifário do sector elétrico e 2) financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético. Sendo que, a afetação a essas duas subfinalidades seria de um terço da receita para a primeira e de dois terços para a segunda, afetação que resulta igualmente do disposto no artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 55/2014, de 9 de abril, diploma que cria o FSSSE.
9. Em face das enunciadas finalidades que presidiram à criação da CESE, verifica-se no cerne das mesmas um objetivo de arrecadação de receitas com vista ao custeio de despesas públicas. Esse é, pois, o objetivo principal assumido no relatório do Orçamento do Estado e no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 55/2014, qual seja o do contributo do sector para o esforço de consolidação orçamental.
10. A afetação preponderante ao financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético é de tal modo vaga e indeterminada, face à ausência de concretização de qual a atividade do Fundo nesse âmbito, que não se divisa uma prestação pública concreta.
11. As incumbências do FSSSE, enquanto património autónomo sem personalidade jurídica, criado no âmbito do Ministério do Ambiente, Ordenamento o do Território e Energia, ao reconduzirem-se genericamente à promoção de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, não se distinguem, com especificidade, das incumbências estaduais gerais a prosseguir pela administração central.
12. No que concerne à natureza extraordinária da CESE, é difícil, volvidos 7 anos de vigência deste tributo, sustentar a natureza transitória do tributo. Por esta razão o legislador, sentindo necessidade de “balizar” a sua vigência, veio alterar o n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.° 55/2014, de 9 de Abril foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de Dezembro de 2018 (com entrada em vigor no dia seguinte), o qual passou a prever, na sua alínea a), que “As verbas do FSSSE são afetas aos seguintes fins: a) Cobertura de encargos decorrentes da realização do objetivo definido na alínea a) do artigo 2.º [financiamento de políticas de cariz social e ambiental relacionadas com medidas de eficiência energética] no montante até um terço da receita referida na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior [o produto da CESE]” (sublinhado nosso). Mais se dispondo, no n.º 4 da mesma norma (também objecto de alteração) que “A percentagem da alocação de verbas prevista na alínea a) do n.º 2 é definida por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da energia”.
13. Ora, como visto e bem frisado pela ERSE no “Parecer da ERSE sobre a Proposta de Alteração do Regime da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético e do DL 55/2014, de 9 de Abril”, com a alteração do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de Dezembro de 2018, o legislador assumiu duas importantes realidades que (i) a imposição da CESE tem como prioridade a cobertura da dívida tarifária e que (ii) pretende balizar o caracter temporário (extraordinário) da CESE, tornando-o dependente da evolução dessa dívida. E estas conclusões vêm lançar luz sobre as dúvidas quer quanto ao carácter transitório do tributo quer quanto à (quase) total ausência as alegadas políticas do sector energético que o mesmo “declara” financiar. Posto isto,
14. A ser considerada uma contribuição financeira, como sustenta o Tribunal a quo, a CESE pressuporia, desde logo, a homogeneidade dos sujeitos passivos a que se dirige, para além da existência de um nexo causal entre a obrigação tributária e a finalidade do tributo e da correspondência entre o encargo suportado e o benefício (prejuízo) obtido (causado).
15. O grupo de sujeitos passivos a que a contribuição aqui em causa se dirige carece de homogeneidade. E esta questão não pode ser apreciada sem referência à própria finalidade do tributo.
16. O sector energético é composto por vários subsectores que, tendo em comum o simples facto de operarem no ramo da energia, são muito distintos, designadamente da perspectiva do ónus que impõem à actividade pública do Estado. De facto, o sector da energia divide-se tradicionalmente em três subsectores aos quais correspondem 3 grandes sistemas nacionais: o da electricidade, o do gás natural e o petrolífero. A Impugnante, ora Recorrente, enquanto comercializadora de gás de petróleo liquefeito, integra-se no SPN.
17. É a remuneração regulada do SEN, que está na origem do défice tarifário, que ameaça a sustentabilidade do sector eléctrico nacional e reflexamente do sector energético português. Circunstância que permite, desde logo, afirmar que foi o próprio Estado que, em razão das políticas adoptadas no seio do SEN, causou o custo que ora se pretende essencialmente compensar pela CESE e são os consumidores de energia eléctrica que em última linha beneficiam de tais políticas.
18. Destaque-se que os operadores dos SEN e SGN actuam num mercado em que é exercida uma regulação económica (que inclui a fixação das condições económicas da prestação das atividades como são o caso do transporte, a distribuição e a comercialização de último recurso de energia elétrica e de gás natural) com recurso a infra-estruturas públicas, o que não sucede com a Recorrente nem com as entidades que integram o seu específico sub-sector. E esta é também uma diferença substantiva relevante, entre os operadores do SEN, que estão sujeitos a regulação auferem uma margem de lucro garantida, e os integrantes dos sectores liberalizados (como é o SPN na vertente em que se insere a Recorrente), que estão expostos às condições de mercado, assumindo o inerente risco.
19. A Recorrente, não integra o SEN, sendo alheia ao défice tarifário da electricidade, já que a actividade que desenvolve traduz-se na compra e venda de gás de petróleo liquefeito. A única conexão que a actividade desenvolvida pela Recorrente apresenta com o défice tarifário é a que resulta de ela própria ser consumidora dos bens e serviços prestados pelos agentes do SEN. O nível de aproveitamento de políticas do Estado é francamente mais débil da perspectiva da Recorrente que actua em mercado liberalizado, do que aquele de que previsivelmente beneficiam os operadores que actuam em mercado regulado ou com recurso a infra-estruturas públicas.
20. Dentro da lógica que justifica a imposição de uma contribuição, a considerar-se que o bem público que a contribuição visa acautelar é a sustentabilidade do sector eléctrico nacional por referência à sustentabilidade (financeira) do próprio SEN, ameaçada pelo défice tarifário, deveriam ser os agentes que nele participam, no qual não se inclui a Recorrente, e que constituem um grupo de “utilizadores” identificável, a financiar tal propósito.
21. Note-se também, que, ainda que se admitisse que o défice tarifário do SEN deveria imputar-se solidariamente a todas as empresas que integram o sector energético ainda assim não se compreende como se excluem do âmbito subjectivo do tributo as empresas produtoras de energias renováveis, as quais, diga-se, são directamente responsáveis pela realidade que a contribuição visa compensar/financiar (o défice tarifário do SEN).
22. Tal conclusão só vem confirmar, desde logo, que não existe homogeneidade de sujeitos passivos da CESE nem efectiva bilateralidade entre as prestações da administração pública e as (presumidas) utilidades aproveitadas pelas empresas do sector energético, já que há sujeitos isentos (e.g. os produtores de energias renováveis) e excluídos do âmbito de incidência subjectiva (os não domiciliados em Portugal) que também contribuíram para o crescimento do défice tarifário no sector energético, mas não estão sujeitos ao pagamento da (pretensa) contraprestação pelo custo que provocaram, ou benefício, que daí obtiveram.
23. No que concerne à finalidade da CESE consubstanciada no financiamento de políticas do sector energético de cariz social e ambiental relacionadas com medidas de eficiência energética, não se compreende, desde logo, de que forma é que o respectivo custo deve ser imputado a um grupo delimitado de sujeitos passivos já que, na realidade tal finalidade consubstancia um custo de interesse público geral. Das finalidades da CESE esta é a única que presumivelmente é aproveitável pelos operadores nas mesmas condições da Recorrente, sendo certo que em intensidade francamente menor do que aqueles operadores que actuam em mercado regulamentado e/ou utilizando infra-estruturas públicas.
24. A aplicação do imposto a agentes económicos excluídos do sector de produção energética eléctrica (como a ora Recorrente) faz com que não se possa identificar, também na base de incidência objectiva, qualquer relação entre a actividade desenvolvida e o tributo, já que não é possível, por referência ao facto gerador (activos líquidos inscritos na contabilidade), identificar qualquer nexo de bilateralidade, ainda que genérico, que suscite uma adicional actividade/custos públicas (na vertente de regulação de mercado ou de disponibilização de infra-estruturas) ou que demonstre uma capacidade contributiva adicional que fundamente uma tributação que acresça à tributação em sede de IRC.
25. A Recorrente entende, pois, não existir dúvidas que, por referência à delimitação da incidência subjectiva do tributo, não existe qualquer homogeneidade entre os sujeitos passivos da CESE, não existindo homogeneidade entre a actividade desenvolvida pelos operadores do sector eléctrico ou do gás natural e a actividade desenvolvida pela Recorrente enquanto operadora do SPN.
26. Actualmente, o nexo causal que permitia justificar a imposição do tributo a operadores excluídos do SEN (nexo esse considerado interrompido ou mesmo excluído pela jurisprudência constitucional na componente destinada à redução da dívida tarifária) não só se reduziu substancialmente (passando a ser não só potencial como absolutamente residual) como ainda, o carácter (alegadamente) temporário do imposto (que justifica a sua natureza “extraordinária”) passa a ser estritamente definido por referência a essa finalidade (redução do défice tarifário).
27. Não abstraindo do facto de tal alteração legislativa ter efeitos apenas para o futuro, a Recorrente entende que a mesma constitui um elemento interpretativo relevante na definição da identidade deste tributo. E isto porque, como melhor se explicará, das finalidades declaradas do imposto, decorridos mais de 7 anos sobre a sua vigência, apenas é possível ter evidência da afectação da receita da CESE à redução do défice tarifário. O que significa que estas alterações legislativas vêm dar cobertura àquela que tem vindo a ser a real finalidade do tributo – a redução do défice tarifário.
28. Com a total ausência de evidência, até presente data, de quaisquer políticas dessa natureza e em face da concreta definição da natureza extraordinária da CESE por referência ao propósito de redução do défice tarifário do sector elétrico, que vem finalmente deixar claro o seu verdadeiro propósito, o nexo causal entre o tributo pago pela Recorrente (e outros operadores do sector energético não eléctrico) e a utilidade predominante que o mesmo visava acautelar revela-se inexistente ou residual.
29. E nem a falta de eficiência energética constitui um problema gerado pelos sujeitos passivos da CESE, em especial os que integram o SPN como a Recorrente, nem as (quase desconhecidas) medidas financiadas pela CESE no contexto de adopção de políticas sociais e ambientais que promovam a eficiência energética, têm como beneficiários estes sujeitos passivos.
30. De facto, volvidos 7 anos da vigência deste tributo, a (quase, como veremos) total ausência de evidência quanto à afetação (preponderante) da CESE ao financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético e a falta de concretização de qual a atividade do FSSSE nesse âmbito, não permitem divisar qualquer prestação pública concreta de que a Recorrente seja beneficiária ou a que tenha dado razão. Sendo certo, reitere-se, que, a esta data, a afectação preponderante da receita da CESE acaba por ser a redução do défice tarifário e o caracter extraordinário deste tributo é definido exclusivamente por referência a esta finalidade.
31. As incumbências do FSSSE ao reconduzirem-se genericamente à promoção de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, não se distinguem, com especificidade, das incumbências estaduais gerais a prosseguir pela administração central. E isto porque o problema da (falta de) eficiência energética tem natureza sistémica não podendo ser imputado a um grupo específico de operadores económicos.
32. À data de hoje, é desconhecida qualquer política social e/ou ambiental que tenha sido financiada pela CESE e que tenha como principais beneficiários (ou causadores) os operadores económicos do sector energético e, em particular, os que se dedicam, como a Recorrente à importação, distribuição e comercialização de gás de petróleo liquefeito.
33. É sintomático do carácter universal da utilidade aqui em causa, o facto de a consignação da receita estar afecta a um património autónomo sem personalidade jurídica, com autonomia administrativa e financeira (cf. artigo 1.º, n.º 2 e artigo 8.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril). E tal facto revela que o FSSSE é apenas um veículo de financiamento (beneficiário de receitas consignadas) para a realização de políticas do Estado, seja a de redução do défice sejam as alegadas políticas sociais e ambientais de eficiência energética.
34. Com excepção dos valores cobrados a título de CESE, os quais foram afectos ao FSSSE apenas em 2016 (€ 90.000.000, cfr. página 109 do Relatório do Orçamento do Estado para 2016 disponível em www.dgo.pt), todas as restantes receitas deste fundo (cfr. artigo 39 do Decreto-Lei n.° 55/2014) são eventuais, não se conhecendo, efectivamente, se alguma vez as mesmas foram obtidas pelo FSSSE. E sublinhe-se também que a receita da CESE do ano aqui em causa não foi transferida para o Fundo.
35. Verifica-se que parte da receita do FSSSE (a definir por despacho dos membros responsáveis pelas áreas das finanças e economia) constitui receita anual do Fundo de Inovação, Tecnologia e Economia Circular (FITEC) (cfr. artigo 5.º, n.º 2 alínea c) do Decreto-Lei n.º 86-C/2016, de 29 de Dezembro).
36. Este fundo foi criado pelo Decreto-Lei n.º 86-C/2016, de 29 de Dezembro, e teve uma dotação inicial de €44M (cf. Lei n.º 113/2017, de 29 de dezembro, que estabelece as Grandes Opções do Plano para 2018, p.6740), dos quais €10M transferidos do Fundo Português do Carbono; €5M do IAPMEI (cf. n.º 1 do artigo 5.º do referido decreto-lei).
37. Em 2017, €29,2M foram transferidos do FSSSE para o FITEC (cf. Parecer do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado de 2017, p.125, que assinala a indevida contabilização desta verba como despesa de ativos financeiros).
38. Assim, como decorre do exposto, o financiamento deste veículo foi realizado utilizando cerca de 33% da receita anual orçamentada da CESE (metade da prevista para as “políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética”).
39. O FITEC tem como finalidade “apoiar políticas de valorização do conhecimento científico e tecnológico e sua transformação em inovação, de estímulo à cooperação entre Instituições de Ensino Superior, centros de interface tecnológico (CIT) e o tecido empresarial e de capacitação para um uso mais eficiente dos recursos, preservando a sua utilidade e valor ao longo de toda a cadeia de produção e utilização, nomeadamente através da eficiência material e energética” (cfr. artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 86-C/2016).
40. Os objectivos específicos do fundo são: a) Valorizar o conhecimento científico e tecnológico, potenciando a sua transferência para as empresas e a sua transformação em inovação; b) Melhorar a articulação entre os diferentes intervenientes no sistema de Inovação: Instituições de Ensino Superior, CIT e empresas; c) Assegurar um financiamento de base aos CIT que desempenhem um papel relevante na transferência de tecnologia e capacitação das empresas na sua transição para uma economia circular, designadamente contribuindo para a redução das emissões de gases com efeito de estufa e, assim, para mitigação das alterações climáticas; d) Aumentar a capacidade de I&D (Investigação e Desenvolvimento) e Inovação nas pequenas e médias empresas, potenciando a sua ligação ao sistema de inovação através dos CIT; e) Promover a inovação que conduza a um uso eficiente e produtivo de recursos materiais e energéticos através dos CIT; f) Facilitar o acesso dos CIT e das empresas a recursos humanos altamente qualificados, promovendo emprego qualificado”. Apenas parte de um dos objectivos específicos deste fundo [o elencado na alínea e) supra] poderá ser em susceptível de, em abstrato, integrar a finalidade da CESE consubstanciada no financiamento de políticas sociais e ambientais de eficiência energética. Todos os demais são alheios a esta finalidade.
41. O FITEC foi essencialmente criado para assegurar o financiamento plurianual dos CIT no âmbito do Programa Capacitar a Indústria Portuguesa. Este programa pretende essencialmente:
“(…) capacitar os Centros de Interface Tecnológico (CIT), e é formulado com o objetivo de valorizar o conhecimento científico e tecnológico, potenciando a sua transferência para as empresas, e de melhorar a articulação entre os diferentes atores do sistema de Inovação: Instituições de Ensino Superior, CIT e empresas”;
“(…) reforçar o financiamento aos CIT que desempenhem um papel relevante na transferência de tecnologia e capacitação das empresas, reforçando também a exigência da sua ação baseando este financiamento num processo de avaliação”;
“(…) aumentar a capacidade de Investigação e Desenvolvimento (I&D) e inovação nas pequenas e médias empresas (PME), potenciando a sua ligação ao sistema de inovação através dos CIT e facilitar o acesso destas entidades a recursos humanos altamente qualificados, promovendo o emprego científico e qualificado, e aumentando o seu acesso a conhecimento.”; e
Constituir um apoio à “Agenda para a Igualdade no Mercado de Trabalho e nas Empresas, concorrendo para a concretização dos seus objetivos, concretamente no combate à segregação ocupacional no setor das tecnologias e inovação.”
42. A eficiência energética é apenas um objectivo residual do programa e as medidas a implementar no âmbito do mesmo têm um núcleo último de beneficiários – o tecido empresarial português, em especial as PME. Sendo certo que a principal fonte de financiamento deste veículo (FITEC) é a CESE.
43. Consequentemente, se no caso dos operadores que não se inserem no SEN a correspondência entre o encargo imposto com a CESE e o benefício por eles obtido em resultado de uma actuação pública era “presumida e assumida” como parcial, mas, ainda assim, justificada pelo carácter extraordinário da CESE, atualmente tal relação é insusceptível de ser determinada quer porque se assumiu claramente que o fim da contribuição é eliminar o défice tarifário, quer porque as políticas conhecidas e efectivamente adoptadas pelo Estado nesta sede não têm como efectivos beneficiários estes sujeitos passivos.
44. Tendo a vigência da CESE ficado estritamente condicionada à eliminação da dívida tarifária, colmata-se a lacuna relativa ao seu âmbito de vigência temporal, o que, em conjunto com todos os demais argumentos antes expostos, legitima o juízo de prognose póstuma segundo o qual, não sendo a necessidade de financiamento de políticas sociais e ambientais de eficiência energética que justifica a imposição da CESE (tributo extraordinário criado efectivamente por referência à redução do défice tarifário), a sua consagração como uma das finalidades do tributo constitui apenas uma forma de alargar a tributação a um maior número de contribuintes sem que, como visto, parte deles beneficiem especificamente das respectivas utilidades ou tenham especialmente dado origem a tal necessidade financeira do Estado.
45. Do que fica exposto resulta que inexiste (i) qualquer nexo causal entre a obrigação tributária e a finalidade efectiva do tributo, bem como (ii) correspondência entre o encargo suportado pela Recorrente e qualquer benefício (prejuízo) obtido (causado) efectivo ou potencial, passado, presente ou futuro, que o justifique.
46. Considerando as reais estrutura e finalidades do tributo haverá que concluir que a CESE não cabe no conceito de contribuição especial em sentido estrito, seja na modalidade de contribuição de melhoria (uma vez que da actuação de entidades públicas não se vislumbra, no caso concreto da Recorrente, a obtenção de quaisquer vantagens económicas particulares), seja na modalidade de contribuição por maiores despesas (dado que da actividade da Recorrente, ou em virtude dos bens por si detidos, não decorre qualquer despesa adicional para as autoridades públicas).
47. E para que um tributo possa ser conformado como contribuição financeira é imprescindível que assente numa presunção suficientemente forte do aproveitamento ou causa da prestação administrativa por parte dos respectivos sujeitos passivos.
48. Assim, ao contrário do que sustenta a sentença recorrida, a esta data é possível afirmar que não se reconhecem na CESE as características que permitem qualificá-la como uma contribuição financeira.
49. Atendendo à caracterização dos impostos e às características que a esta data se reconhecem à CESE, não pode deixar de se qualificar este tributo como um verdadeiro imposto, razão pela qual incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, devendo ser revogada a decisão recorrida, e conhecidos os demais vícios invocados atinentes à qualificação do tributo defendida pela Recorrente.
Violação dos princípios constitucionais da igualdade tributária e da tributação pelo lucro real
50. Tendo a CESE a natureza de um verdadeiro imposto, tal tributo viola o princípio da igualdade, nas suas vertentes de universalidade e uniformidade, colidindo com o disposto no artigo 13.º e, bem assim, com o n.º 2 do artigo 104.º da CRP.
51. O princípio da igualdade fiscal impõe uma conformação universal (identificação do grupo de sujeitos passivos) e uniforme (determinação da medida do tributo a pagar por cada um) do dever de pagar impostos. Deste modo, o princípio constitucional da igualdade exige da lei ordinária soluções consentâneas com a igualdade material (na lei) e não meramente formal (perante a lei).
52. O princípio da igualdade em matéria fiscal impõe que os tributos sejam materialmente legitimados garantindo, por um lado, o carácter de generalidade por referência ao grupo de sujeitos passivos e, por outro lado, o respeito pela capacidade contributiva no que concerne à determinação da medida do tributo a pagar por cada sujeito passivo.
53. Acresce que é também na dimensão negativa de princípio de proibição do arbítrio que deve encontrar-se o limite definido pelo princípio da igualdade à criação de normas discriminatórias, impondo-se que as mesmas assentem em critérios de adequação e proporcionalidade, devidamente fundamentados, entre a discriminação operada e o fim pretendido pela norma.
54. Da perspectiva da uniformidade como corolário do princípio da igualdade tributária (determinação da medida do tributo a pagar por cada um), impõe-se ao legislador ordinário que na criação dos impostos observe o princípio da tributação segundo a capacidade contributiva no sentido de definir a incidência objectiva do imposto por referência às três manifestações de riqueza susceptíveis de indiciar a capacidade económica do contribuinte: (i) a riqueza angariada (rendimento); (ii) a riqueza possuída (património); e (iii) a riqueza despendida (consumo). Este princípio pressupõe, assim, tributação igual para quem beneficia da mesma capacidade contributiva e, a contrario, tributação diferente para aqueles cuja capacidade contributiva é diferente, em função e no limite dessa mesma diferença. Já nas contribuições financeiras o critério a adoptar na repartição dos tributos será o do custo ou benefício, segregando-se as entidades que dão origem ao custo ou beneficiam da actuação administrativa e definindo-se a medida do tributo por tal custo ou benefício.
55. Apesar de a CRP não consagrar expressamente o princípio da capacidade contributiva, a sua dignidade constitucional tem sido, consistentemente, reconhecida pelo Tribunal Constitucional, tendo este decidido, por exemplo no acórdão de 12.01.2003, proferido no processo n.º 84/2003.
56. A opção do legislador constitucional assumida no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição, quanto à tributação das empresas incide inequivocamente na tributação do rendimento real. Esta é a medida da capacidade contributiva destes sujeitos passivos. E a capacidade contributiva, como vimos, a medida da justiça e igualdade fiscal.
57. No contexto constitucional em que esta opção foi eleita, o real contrapõe-se ao rendimento normal, ao rendimento presumido, ao rendimento inferido a partir de indícios (os métodos indirectos) ou outros critérios alternativos de medição do lucro e consequente capacidade contributiva das empresas em sede de tributação do seu rendimento. É para salvaguardar a aplicação subsidiária (in extremis) destes critérios alternativos, cuja utilização razões de praticabilidade podem justificadamente aconselhar em certas situações ou para certos grupos de contribuintes, que a Constituição incluiu o advérbio de modo fundamentalmente: “tributação fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.
58. Esta válvula de escape não foi, porém, instituída para permitir ao legislador tributar um lucro distinto do real assente num qualquer critério alternativo, fruto da sua vontade discricionária. Ao impor a tributação pelo rendimento real, o legislador constituinte afastou a tributação de rendimentos presumidos ou normais, exigindo expressamente que se tributem os rendimentos efectivamente obtidos pelos sujeitos passivos, sempre que tal se revele possível.
59. Ora, a CESE não onera os contribuintes em geral mas apenas parte dos que operam no sector energético. Este imposto aplica-se a uma categoria específica de sujeitos passivos, não homogénea, sem que exista uma razão devidamente evidenciada na disciplina e finalidade do tributo que os distinga homogeneamente do resto da colectividade. Distinção essa que, no caso particular da Recorrente, é por demais evidente que inexiste.
60. Acresce que, tendo em conta que (entre isenções e exclusões de tributação) apenas algumas entidades do sector energético estão sujeitas ao pagamento da CESE, sem que haja, efectivamente, qualquer critério legitimador para o tratamento diferenciado, verifica-se também uma discriminação, ilegítima e infundada, entre as próprias entidades do sector energético – i.e. uma desigualdade intra sistemática.
61. E nem se diga, como sustenta o Tribunal a quo, que as especificidades do regime aplicável às entidades do sector energético que beneficiam de isenção justificam as diferenças de tratamento porquanto, como acima evidenciado, incompreensivelmente as especificidades e diferenças assinaláveis às entidades que integram o setor em que se insere a Recorrente não mereceram, por parte do legislador qualquer distinção.
62. Os objectivos da CESE não se cingem, apenas, à sustentabilidade do sector energético, mas também à promoção de políticas de cariz social e ambiental, relativamente às quais não se afigura defensável a diferenciação do impacto em função do número, de activos de cada operador económico (tendo já sido realçado que o benefício que daí deriva é de carácter geral. E tendo sido criada com o objectivo de promover o ajustamento orçamental, de salvaguardar a sustentabilidade sistémica do sector energético, de reduzir a dívida tarifária e de prosseguir políticas sociais e ambientais em matéria de eficiência energética, as finalidades prosseguidas com a CESE aproveitam também os restantes agentes económicos do mercado energético português.
63. A CESE traduz-se num imposto discriminatório, dado que é aplicável a um sector específico — e apenas a uma parte desse sector, recorde-se — previamente identificado, sem que se apresente qualquer motivo atendível para tal.
64. A CESE assenta em fundamentos insusceptíveis de aplicação restrita ao sector energético, mas antes extensíveis a todos os sectores e contribuintes, como a contribuição para o esforço de ajustamento orçamental, fazendo incidir este imposto extraordinário apenas sobre o sector energético.
65. Sendo este tributo absolutamente unilateral quanto às suas reais finalidades (designadamente no que respeita a operadores não integrantes do SEN), não colhe, como fundamento da discriminação o argumento de que os sujeitos passivos onerados devem com razoabilidade suportar essa finalidade uma vez que é possível admitir que tais sujeitos beneficiarão de alguma vantagem ou deram origem a um qualquer custo que deva ser financiado através do tributo que estão a pagar.
66. O facto tributário relevante nesta sede corresponde ao valor dos elementos do activo da empresa, pelo que é legítimo concluir que a base tributável que se visa atingir através dessa realidade será, em última linha, a capacidade produtiva que tem o seu reflexo último no rendimento empresarial.
67. O objecto da CESE é em tudo idêntico ao IRC distinguindo-se apenas o facto tributário, ou seja, o elemento revelador da capacidade de gerar o rendimento.
68. A CESE incorre, pois, em violação do princípio da igualdade, na sua vertente de uniformidade, de acordo com a qual a repartição dos impostos deve obedecer ao mesmo critério para todos os destinatários do dever de pagar impostos — o critério da capacidade contributiva, cuja dignidade constitucional é consistentemente reconhecida pelo Tribunal Constitucional, que vê nele expressão do princípio da igualdade fiscal ou tributária.
69. Aplicado às empresas, o princípio da capacidade contributiva materializa-se no princípio da tributação pelo rendimento real (cf. artigo 104.°, n,° 2, da CRP). Este princípio tem um alcance duplo: (i) por um lado, visa impor que o rendimento das empresas seja tributado de acordo com o princípio da tributação pelo rendimento real; (ii) por outro lado, salvaguarda a possibilidade de as empresas poderem ser tributadas através de outro tipo de impostos, como os impostos sobre o consumo (IVA) e sobre despesas (tributação autónoma, prevista no Código do IRC).
70. O legislador constituinte visou salvaguardar a tributação do rendimento das empresas de acordo com o seu rendimento real, afastando, directamente, a tributação do rendimento das empresas segundo o princípio da tributação pelo rendimento normal ou presumido.
71. Neste contexto, o princípio da tributação pelo rendimento real das empresas implica que, ao lucro das empresas resultante do desenvolvimento da sua actividade, sejam deduzidos os custos em que incorreu, precisamente com o desenvolvimento dessa actividade; pois só assim se pode obter o rendimento líquido objectivo, que é a base de tributação do rendimento-acréscimo.
72. O activo líquido das empresas é um mero conceito contabilístico que representa o conjunto de todos os bens e direitos, tangíveis ou intangíveis, detidos por uma empresa, aos quais pode ser atribuído um valor monetário. E o Sistema de Normalização Contabilística, bem como as Normas Internacionais de Contabilidade apresentam quadros de princípios e não regras de aplicação unívoca.
73. Estas regras deixam margem para conformação individual designadamente no que respeita ao reconhecimento de activos (e.g. regras de capitalização de activos), sua depreciação (com possibilidade de adopção de métodos e taxas diferentes) e valorização (reconhecimento de imparidades mesmo as irrelevantes para efeitos de IRC). Sendo certo que a contabilização de um activo nem sempre pressupõe a sua efectiva utilização. Esta situação conduz, inevitavelmente, a resultados arbitrários, na exacta medida em que se parte do pressuposto que a mera detenção de activos gerará lucros ou capacidade produtiva, ainda que se demonstre que não gerou.
74. Acresce que a violação do princípio constitucional de tributação das empresas pelo rendimento real é agravada pela injustificada cumulação de não dedutibilidade em IRC do tributo dito extraordinário.
75. Determinando o n.º 1 do artigo 23.º do CIRC que são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados para a obtenção ou para a garantia de rendimentos sujeitos a IRC, sendo esta regra aplicada uniformemente aos diversos sectores de actividade dos sujeitos passivos deste imposto, o artigo 12.º e do regime jurídico da CESE (e a alínea q) n.º 2 do artigo 23.º-A do CIRC) violam o princípio da igualdade, pois impedem que um custo decorrente da actividade comercial e em função desta seja fiscalmente dedutível.
76. De facto, o artigo 12.º do regime jurídico da CESE não assegura a igualdade tratando de forma desigual um tipo de gasto (incorrido para garantir rendimento), mas também faz depender esse tratamento diferenciado de um critério que não altera a natureza jurídico-fiscal do gasto.
77. Ora o facto de a CESE não constituir um gasto dedutível em sede de IRC, revela que o legislador quis verdadeiramente erigir este tributo como (mais) um imposto sobre o rendimento, que incide indirectamente sobre os lucros, onerando, nesta sede, duplamente os respectivos sujeitos passivos. E, neste contexto, o tributo em crise pressupõe a existência de um rendimento que é, ou pode ser, na sua totalidade, meramente aparente, sendo, por isso, e em face do n.° 2. do artigo 104.°, da CRP, constitucionalmente inadmissível, por ser violadora do princípio da igualdade nas suas vertentes de universalidade e uniformidade. E o aceitar da coexistência deste tributo com o IRC equivale a admitir que as empresas sujeitas a CESE podem ser tributadas, em sede de impostos sobre o rendimento, de acordo com dois resultados tributáveis cumulativos: o do lucro presumido, por aplicação destas regras de determinação indirecta do lucro tributável, e o do lucro real, obtido por aplicação do regime previsto nos artigos 17.° e seguintes do Código do IRC.
Sem prescindir,
78. Ainda que se classificasse a contribuição sobre o sector energético como uma verdadeira contribuição, o que não se concebe mas em que aqui se concede apenas a benefício de raciocínio, sempre esta incorreria em violação do princípio da equivalência, o qual representa o critério material de igualdade adequado às taxas e às contribuições. De acordo com o princípio da equivalência, às contribuições está inerente uma ideia de troca entre o tributo e a prestação administrativa de que beneficiam ou que é provocada por um determinado grupo de sujeitos.
79. Ora, atendendo à delineação da incidência objectiva do tributo, esta não identifica uma relação com os custos de qualquer prestação pública. E mesmo que se pudesse pôr de parte a constatação de que não há qualquer prestação pública financiada pela contribuição, de imputação exclusiva a um sector e não à colectividade, sempre haveria lesão do princípio da equivalência pelo facto da base tributável não evidenciar qualquer nexo com o custo das prestações públicas.
80. Conclui-se, pois, que a contribuição sobre o sector energético viola igualmente o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.° da CRP, padecendo por isso de inconstitucionalidade material, razão pela qual se impõe a revogação da sentença recorrida e anulação do acto tributário em crise.
81. Em face de todo o exposto, resulta por demais demonstrada a violação operada pelos artigos 2.º. 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do Regime Jurídico da CESE do princípio da igualdade fiscal resultante do artigo 13.° e do n.º 2 do artigo 104.º da CRP, nas suas vertentes de universalidade e uniformidade, e, nesta medida, o erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo.
Violação do princípio da proporcionalidade e igualdade na repartição dos encargos públicos
82. O princípio da proporcionalidade é uma decorrência do princípio da igualdade e do princípio da capacidade contributiva. Este princípio, também conhecido como princípio da proibição do excesso, afere da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito das medidas adoptadas pelos poderes públicos. Nesta medida, para passar pelo crivo da proporcionalidade, o imposto deve ser adequado ao fim prosseguido (pressupondo, primeiro, que esse fim é legítimo), necessário, no sentido de que é necessário adoptar tal medida para atingir aquele fim, e não pode ter um impacto excessivo no seu destinatário, de tal maneira que os custos ou imposições sejam demasiados, para o objectivo que se visa atingir.
83. A ponderação de interesses constitucionais determina a necessidade de verificar se a ablação patrimonial que o imposto em causa provoca não se encontra desproporcionado em face de outros direitos dos seus destinatários, como, por exemplo, o direito à propriedade privada, liberdade económica, liberdade de trabalho e de profissão e direito de iniciativa privada.
84. Com efeito, verifica-se que o impacto que a CESE tem na situação económica e na actividade dos destinatários é excessiva, por desproporcionada. A Recorrente — tal como as outras entidades sujeitas a CESE — encontra-se não só sujeita a CESE, como à tributação do seu rendimento, através do IRC, bem como aos demais tributos já referidos.
85. Incidindo sobre activos patrimoniais que podem não gerar rendimento, não podendo ser repercutida nem deduzida no apuramento do lucro tributável do IRC, a CESE consubstancia uma medida que produz um impacto excessivo e desproporcional sobre, apenas, algumas das empresas do sector energético e os seus accionistas.
86. Considerando que a finalidade do tributo que potencialmente poderia ser aproveitada (ou considerada causada) pela Recorrente é a que se traduz na execução de políticas que promovam a sustentabilidade do sistema energético e que de tal execução pouco ou nada se conhece, não poderá deixar de se concluir que a CESE se afigura extremamente onerosa tendo em conta os fins visados e, nessa medida, constitui um tributo desproporcional. Circunstância que constitui uma violação ao princípio da igualdade tributária constitucionalmente consagrado (artigos 13.º e 104.º CRP).
87. Ora, em termos de proporcionalidade em sentido estrito, as medidas adoptadas afiguram-se demasiadamente onerosas em relação aos fins visados. De facto, não se vislumbra porque necessitará o Governo de mais receita - recorde-se que o governo arrecadou, até ao início de 2018, cerca de 317.000.000 de receita efectiva com a cobrança da CESE, encontrando-se cerca de 338.000.000 pendente de cobrança (cfr. Resposta do Ministério das Finanças à Pergunta 441/XIII/3, de 30 de Novembro de 2017) apenas para garantir a sustentabilidade de um sector que não se encontra em risco, sistémico ou outro de colapsar e para adoptar medidas de política ambiental.
Sem prescindir,
88. Perspectivando a CESE como uma verdadeira contribuição, como sustenta o Tribunal a quo, o que não se concebe mas em que aqui se concede apenas a benefício de raciocínio e dever de patrocínio, sempre esta incorreria em violação do princípio da equivalência, o qual representa o critério material de igualdade adequado às taxas e às contribuições.
89. A verdade é que, tendo como fundamento a repercussão de um custo/compensação de um benefício que o contribuinte efectiva ou presumivelmente provoca/aufere à/da administração, as contribuições e taxas “mostram-se legítimos e não discriminatórios na precisa medida em que na sua falta o contribuinte seria colocado numa posição de vantagem injustificada face ao todo da comunidade que integra (…)”, pelo que “(…) o propósito destes encargos está em reconduzir os contribuintes à posição relativa que ocupavam antes de realizada prestação administrativa, restaurando a igualdade que foi quebrada pela provocação do custo ou pelo aproveitamento do benefício”.
90. De acordo com o princípio da equivalência, às contribuições está inerente uma ideia de sinalagma entre o tributo e a prestação administrativa de que beneficiam ou que é provocada por um determinado grupo de sujeitos.
91. A exigência de que se verifique uma proporção ou equilíbrio entre o tributo imposto e a actividade do ente público constitui expressão do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 266.º da CRP.
92. A equivalência é, pois, um reflexo do princípio da proporcionalidade e visa assegurar que a imposição da taxa/contribuição não excede o estritamente necessário à realização do interesse público.
93. A verdade é que a CESE, quanto às suas finalidades declaradas, não custeia uma prestação pública em exclusivo proveito das empresas sujeitas ou de que estas são, com forte probabilidade, causadoras, custeia sim as despesas gerais do Estado em benefício de toda a colectividade.
94. Em rigor, considerando o encargo tributário sofrido pela Recorrente com a CESE em 2016 no valor de € 185.976,25 é possível afirmar que,
a. € 123.984,17, terão sido afectos à finalidade do tributo que se traduz no financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energéticos (as quais são pouco conhecidas e as que se conhecem não têm qualquer conexão directa, indirecta ou presumida com a actividade desenvolvida pela Impugnante, reitere-se), sendo que
b. Pelo menos € 61.992,08 foram afectos à redução do défice tarifário, finalidade essa totalmente alheia à actividade desenvolvida pela Recorrente
95. Assim, mesmo assumindo (por hipótese de raciocínio) que a finalidade referida em a. aproveita a Recorrente (o que não é possível afirmar, antes pelo contrário), sempre se verificaria um insustentável desvio ao princípio da equivalência, atento o valor efectivamente pago pela Impugnante, ora Recorrente, e que foi afecto à redução do défice tarifário, utilidade/finalidade cujo aproveitamento/origem não se lhe pode imputar.
96. Acresce que, em sede de IRC, esta “contribuição” não sendo fiscalmente dedutível por força do artigo 12.º do respectivo regime jurídico, implicou para a Impugnante um encargo tributário de, pelo menos, mais € 39.055,01 (€ 185.976,25 x 21%) o que traduz a especial violência da desproporcionalidade deste tributo. Evidências bastantes do total desrespeito pelo princípio da proporcionalidade subjacente ao Regime da CESE, logo da inconstitucionalidade do tributo (independentemente da qualificação jus-tributária que se lhe confira).
97. E, chamado a pronunciar-se sobre a violação do princípio da proporcionalidade preconizada pela CESE, no Acórdão n.° 7/2019, de 8 de Janeiro, reitere-se, o Tribunal Constitucional, para que remete o Tribunal a quo, e bem assim este ilustre tribunal na sentença recorrida, não realiza sequer o teste da proporcionalidade da medida que implementa a CESE, deixando por responder a questão da sua necessidade e proporcionalidade (em sentido estrito), cingindo-se apenas a uma - superficial – análise da sua adequação.
98. Ora, como acima demonstrado, a CESE de 2016 aqui em causa é insusceptível de passar o teste de necessidade e proporcionalidade.
99. E atento o exposto, resta concluir, pois, que a CESE se afigura excessiva em relação aos fins que o Governo pretende prosseguir com a angariação da sua receita, que não são sequer fins legítimos - porque desnecessários. Deste modo, estamos perante uma violação inadmissível do princípio da proporcionalidade, enquanto princípio decorrente da capacidade contributiva e da igualdade.
100. Em face de todo o exposto, conclui-se, pois, que os artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da CESE violam o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.° da CRP, e o princípio da proporcionalidade constante do artigo 266.º da CRP, padecendo por isso de inconstitucionalidade material, o que determina a inconstitucionalidade da própria CESE, razão pela qual se impõe a anulação do acto tributário em crise.
101. Por estas razões entende a Recorrente ter o tribunal recorrido incorrido em erro na aplicação do direito, devendo a sentença recorrida ser revogada e anulado o ato tributário aqui em causa.
Violação da protecção da confiança, segurança jurídica e não retroactividade da lei fiscal
102. Apesar de a Lei n.° 82-8/2014, de 31 de Dezembro, estabelecer, no seu artigo 261.°, a sua entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2015, o certo é que não podia o legislador estabelecer a cobrança de impostos com referência a períodos anteriores, por tal facto atentar contra o princípio da não retroactividade da lei fiscal, hoje e desde 1997, consagrado expressamente no n.º 3 do artigo 103.º da CRP e igualmente previsto no artigo 12.º, n.° 1, da LGT.
103. Corolário do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança é o princípio da não retroactividade da lei fiscal.
104. É a própria Constituição que proíbe a retroactividade, passando a proibição da retroactividade a ser regra expressa. Para estes efeitos, quer a doutrina, quer a jurisprudência têm vindo a fazer uma distinção entre dois tipos de retroactividade, quando aplicada aos impostos sobre o rendimento: a retroactividade forte, autêntica ou própria e a retroactividade fraca, inautêntica ou imprópria. A retroactividade forte caracteriza-se por aplicar a nova lei a factos já totalmente formados, diferentemente da retroactividade fraca que se caracteriza por aplicar a nova lei a factos ainda em formação. No primeiro caso, o sujeito já não tem a possibilidade de alterar o sacrifício adicional que a lei nova lhe traz, enquanto, no segundo caso, o sujeito ainda tem alguma possibilidade - embora possa ser, por vezes, irrelevante - de atenuar o sacrifício adicional que a lei nova lhe provoca.
105. O que, de facto, é relevante é demonstrar que as legítimas expectativas dos contribuintes foram violadas e que foi posta em crise a segurança dos contribuintes, que não contavam - nem podiam contar com as alterações introduzidas, em clara ofensa com o princípio da protecção da confiança.
106. Como referido inicialmente, a CESE foi aprovada pela Lei do Orçamento de Estado para 2014, para vigorar, apenas, durante esse ano, tendo sido prorrogada para 2015, por via da Lei de Orçamento do Estado para 2015 (para 2016, conforme disposto pelo artigo 6.°, da Lei n.° 159-C/2015, de 30 de Dezembro, para 2017, nos termos previstos no artigo 264.° da Lei n.° 42/2016, de 28 de Dezembro, para 2018, nos termos previstos no artigo 208.° da Lei n.° 114/2017, de 29 de Dezembro, para 2019 nos termos do artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31de Dezembro; para 2020 nos termos do artigo 376.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, e para 2021 nos termos do artigo 415.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro.
107. Sucede, porém, que os moldes em que o tributo foi criado levaram a um inevitável vício de inconstitucionalidade, por violação da proibição de criação de tributos de natureza retroactiva. Com efeito, e desde logo, lançou um tributo retroactivo, por se aplicar a factos tributários ocorridos em 2014. Da mesma forma, o artigo 261.° da Lei n.° 82-B/2014, de 31 de Dezembro, ao prorrogar os efeitos e cobrança da CESE para 2015, lançou um tributo retroactivo, por se aplicar a factos ocorridos em 2014.
108. O legislador estabeleceu, no artigo 3.°, n,° 4 (na redacção à data dos factos — actual n.° 3), do Regime Jurídico da CESE, que o valor dos activos é o que consta das respectivas demonstrações financeiras em 1 de Janeiro de 2015. Tenta o legislador, ao determinar como último dia de formação do facto tributário o mesmo dia em que entra em vigor a lei tributária que aumenta o sacrifício patrimonial dos seus sujeitos passivos, que fique afastada a possibilidade de haver retroactividade autêntica. Não pode, porém, a Recorrente, nem qualquer outra entidade pública ou privada, compactuar com esse desiderato.
109. O facto tributário reporta-se aos activos registados no balanço, que se foram formando ao longo do exercício económico de 2014. A situação de facto reveladora da capacidade contributiva são os activos tangíveis, intangíveis e financeiros registados no balanço dos sujeitos passivos, balanço esse que é elaborado com referência ao período de 2014 e não ao período de 1 de Janeiro de 2015.
110. Quando estes factos se foram formando — em 2014 —, não poderiam os sujeitos passivos da CESE prever que viria a ser prorrogado o regime jurídico da CESE, porquanto a Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2014 que viria a ser prorrogada, na parte que aprovou e previu o regime jurídico da CESE, sem que tal se previsse, dado o seu carácter (pretensamente) extraordinário — apenas previa a vigência da CESE para o ano de 2014, não podendo exigir-se ao contribuinte que soubesse que o regime haveria de ser prorrogado para 2015 (e para 2016, depois para 2017, e agora para 2018).
111. Ainda que o legislador pretendesse que a CESE fosse um imposto de formação única, ela nunca o será, porquanto o facto tributário em que assenta é de formação sucessiva ao longo de vários anos, antes da sua criação.
112. Atenta a definição de retroactividade forte — que é pacífica na doutrina e na jurisprudência —, verifica-se que o regime jurídico da CESE compreende uma retroactividade forte, autêntica ou própria, na exacta medida em que se reporta ao balanço efectuado com referência ao ano de 2014, numa altura em que já não é possível — sob padrões de razoabilidade — diminuir o sacrifício patrimonial que este regime jurídico comporta para os seus sujeitos passivos no ano de 2015.
113. Assim, como resulta da factualidade acima descrita, a autoliquidação datada de 27 de Outubro de 2016, no montante de € 185.976,25, efectuada ao abrigo do regime jurídico da CESE, incidiu sobre os activos de todo o período que decorreu até 31 de Dezembro de 2015, atento ao facto de o mencionado normativo ter sido prorrogado e com entrada em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2016. Ora, é inegável que o legislador da CESE afectou de forma ilegítima e intensa mais do que as expectativas de algumas das empresas do sector energético, porquanto estas não poderiam prever, no momento a que o imposto se reporta, que, também neste ano de 2016, os seus activos fossem onerados, a título de CESE (até porque é sabido que tal situação violaria os princípios da capacidade contributiva e da igualdade).
114. A Recorrente – assim como as restantes entidades sujeitas ao pagamento da CESE — viu-se na obrigação de pagar um imposto que incide sobre activos já existentes na sua esfera jurídica e sobre os quais não teve possibilidade alguma de conformação, tal como já foi demonstrado e agora sublinha, dado que não sabia que o regime jurídico da CESE, criado pela Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2014, viria a ser sucessivamente prorrogado, dado, também, o seu carácter alegadamente extraordinário.
115. Dúvidas não restam de que a CESE padece de inconstitucionalidade material, por violação do n.° 3, do artigo 103°, da CRP, por impor uma tributação de factos integralmente ocorridos antes da sua entrada em vigor.
116. Acresce que a CESE foi criada para vigorar no ano de 2014 (mas reportando-se ao ano de 2013, recorde-se), tendo sido prorrogada a sua vigência para os anos de 2015 e, depois, sucessivamente para os anos seguintes, o que só reforça a ideia de que esta contribuição/tributo não é, de todo, extraordinária, constituindo, outrossim, uma violação do princípio da confiança legítima dos investidores da Recorrente que, com a prorrogação desta contribuição, viram as suas expectativas de obtenção de retorno do Investimento frustradas, consubstanciando uma ofensa ao princípio da segurança jurídica, enquanto corolário do Estado de Direito português, que decorre do artigo 2.° da CRP.
117. A respeito deste tipo de medidas com carácter aparentemente extraordinário, e pese embora referente a uma diferente temática (reduções remuneratórias), importa remeter para o entendimento já exposto pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.° 413/2014, proferido no âmbito dos Processos n.°s 14/2014, 47/2014 e 137/2014, em 30 de Maio de 2014.
118. Figuras de excepção deverão vigorar em momentos excepcionais e concretamente delimitados no tempo. Subjacente à criação do FSSSE estão objectivos de longo prazo (não são temporários mas, sim, permanentes), pelo que está demonstrada a não conformidade da CESE ao princípio da protecção da confiança.
119. É, portanto, inegável que a forma como a CESE foi criada e se encontra gizada e moldada é demonstrativa de como o imposto não foi criado, afinal, com uma finalidade temporária ou extraordinária, constituindo, ao invés, uma situação que demonstra, precisamente, o contrário.
120. Para além de todos os aspectos até agora referidos e analisados, destaca-se, ainda, o facto de que, através da Lei n.° 33/2015, de 27 de Abril, a qual, recorde-se, alterou o regime jurídico da CESE, com vigência a partir do ano de 2015, e cujos efeitos foram, entretanto, prorrogados para os anos seguintes, as empresas reguladas passam a estar sujeitas à submissão de declarações de substituição — para efeitos de correcção da contribuição liquidada no ano "n" — no prazo de 30 dias após a publicação pela ERSE, no seu sítio na Internet, dos documentos onde consta o valor do ativo considerado no cálculo dos ajustamentos definitivos aos proveitos permitidos (artigo 79, n.° 6, do referido diploma legal).
121. Assim, mais uma vez, fica demonstrada a insegurança jurídica que o regime jurídico da CESE e as suas características criaram nas entidades a ela sujeitos, consubstanciando uma ofensa ao princípio da segurança jurídica, enquanto corolário do Estado de Direito português, que decorre do artigo 2.° da CRP, que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos. Razão pela qual a sentença recorrida padece de erro na aplicação do direito devendo ser revogada e, em consequência, anulado o ato contestado.
Da ilegalidade abstracta e da inconstitucionalidade (indirecta) por vício de não discriminação orçamental e da consequente inexistência do acto de autoliquidação
122. Ao contrário do que sustenta o Tribunal Recorrido, a receita proveniente da CESE não se encontra devida e suficientemente especificada, quer na Lei do Orçamento do Estado respeitante ao ano da CESE aqui em causa — 2016 -, quer, aliás, em qualquer uma das Leis do Orçamento do Estado desde a criação da CESE até à presente data — 2014 a 2021.
123. Com efeito, o princípio, e regra orçamental, da discriminação encontra-se prevista nos artigos 15° a 17.º da Lei de Enquadramento Orçamental ("LEO"), aprovada pela Lei n.° 151/2015, de 11 de Setembro, decorrendo também da própria CRP a imposição de "discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo dos fundos e serviços autónomos" (cfr. artigo 105.°, n.° 1, alínea a), da CRP). A LEO, por sua vez, goza de valor reforçado, prevalecendo sobre todas as normas que estabeleçam regimes particulares que a contrariem (cfr. artigo 4.° do supracitado diploma). De acordo com a regra orçamental da especificação, o orçamento deve individualizar suficientemente as receitas.
124. O fundamento da regra da especificação orçamental reside nos requisitas de clareza e maior verdade e, bem assim, numa perspectiva de racionalidade financeira e controlo político. Com efeito, estabelece o artigo 17.° da LEO que "As receitas são especificadas por classificador económico e fonte de financiamento".
125. As classificações a que obedece a especificação de receitas encontram-se vinculadas "a um princípio de tipicidade legal, cuja violação determina inconstitucionalidade no caso das classificações funcionais e orgânicas – in genere, e ilegalidade, no caso das mesmas classificações in specie e da classificação económica (receitas e despesas correntes e de capital e suas espécies).”.
126. A este respeito, no Mapa V da Lei do Orçamento do Estado para 2016, referente às Receitas dos Serviços e Fundos Autónomos, por classificação orgânica, com especificação das receitas globais de cada serviço e fundo, prevê-se, tão-só, a arrecadação pelo FSSSE do montante global de €90.000.000.
127. Se é certo que, do artigo 3.°, n.° 1, al. a) do Decreto-Lei n.° 55/2014, de 9 de Abril, resulta que constitui receita do FSSSE, designadamente, o produto da CESE, assim como outras receitas provenientes de aplicações financeiras, de doações, heranças, entre outras, no aludido Mapa V, as receitas do FSSSE não estão individualizadas, nem suficientemente discriminadas pois que não se especifica quais os montantes, a título de CESE, que afinal, se autoriza que sejam cobrados durante o ano e consignados ao FSSSE em clara violação da CRP (artigo 105.°. n.° 1, alínea a)) e da LEO (artigo 17.º).
128. Com efeito, o registo da receita global do FSSSE, se permite, por um lado, prever o volume de receita total, por outro lado já não permite identificar a fonte de cada receita que se prevê arrecadar.
129. Recorde-se que a cobrança da CESE constitui apenas uma das componentes de receitas do FSSSE, juntando-se-lhe, nos termos da lei (cf. art.° 3.° do Decreto-Lei n.° 55/2014, de 9 de Abril) (i) as dotações que lhe sejam afectas por lei; (ii) os rendimentos provenientes de aplicações financeiras de capitais disponíveis; (iii) o produto de doações, heranças, legados ou qualquer outra contribuição e, bem assim (iv) quaisquer outras receitas que lhe sejam atribuídas por lei ou por negócio jurídico. De onde se conclui que não está, por isso, discriminado, nos termos da Lei e da CRP, de que é constituído o valor inscrito no Mapa V, de €90.000.000,00, e deste valor, assumindo que ali está incluída a CESE, qual o que lhe efectivamente corresponde.
130. Do que antecede não é possível descortinar qualquer referência, indirecta que seja, à receita prevista com a cobrança da CESE. Mais se acrescenta que, atentando no Mapa VI (Receitas dos Serviços e Fundos Autónomos, por classificação económica), também aí não é realizada qualquer referência à receita prevista em cada ano com a cobrança da CESE.
131. As receitas a obter com a cobrança da CESE deveriam ser feitas constar dos Mapas I, ou seja, a par das receitas dos serviços integrados, por classificação económica, como receita corrente, mas não basta, para cumprir com os propósitos da especificação orçamental, como sustenta o Tribunal a quo a designação agregada da CESE com outras receitas sob a designação de “impostos directos diversos”.
132. Por outro lado, os vícios apontados quanto à inscrição orçamental das receitas da CESE, atentam, não apenas contra o princípio da legalidade por violação do princípio da especificação das receitas, mas também o incumprimento de outros princípios orçamentais, nomeadamente o princípio da transparência, da unidade e universalidade e mesmo da não consignação e da não compensação.
133. Paralelamente à impossibilidade de determinar qual a fonte de receita ou se a mesma se trata de receita consignada e qual o seu valor, implica, ainda, outra impossibilidade, nomeadamente quanto à determinação do volume de receita destinada especificamente à cobertura do objectivo traçado pela alínea a) do art.° 2.° do Decreto-Lei n.° 55/2014, de 9 de Abril.
134. Não é possível determinar, sem se saber o volume previsto de arrecadação de receitas com a CESE: (a) dois terços desse valor; (b) se esse valor é ou não inferior ao limite estabelecido na alínea a) do n.° 2 do art.° 4.° do mencionado diploma legal. Nem se consegue determinar se os valores da receita da CESE são imputados a uma entidade — ao FSSSE - e os valores da despesa à entidade que procedeu à liquidação e cobrança — Autoridade Tributária e Aduaneira.
135. E não se diga, como sustenta o tribunal a quo que é suficiente a classificação económica por capítulo, grupo e artigo (“impostos directos diversos”), porquanto, de acordo com as Instruções para preparação do Orçamento do Estado para 2016 aprovadas por despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado do Orçamento em 18 de dezembro de 2015., porquanto as instruções da Direcção Geral do Orçamento emanadas da sua Directora Geral e constantes da CIRCULAR SÉRIE A N.º 1379, de 18.12.2015, eram claras ao afirmar no seu ponto 54 que “As previsões de receita e as dotações de despesa são inscritas com referência aos setores institucionais envolvidos nas operações, sempre que essa identificação seja exigida, nos termos do classificador aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/2002, de 14 de fevereiro, não podendo ser inscritas verbas globais a desagregar posteriormente.”
136. A não previsão das receitas da CESE aliada à falta da sua especificação nos Orçamentos do Estado no ano aqui em causa, vem reforçar a ilegalidade deste tributo, porquanto coloca em crise, também, os princípios da transparência, da unidade e universalidade e, por via indirecta, da não consignação e da não compensação. Por este motivo, o acto de (auto)liquidação da CESE aqui em apreço enferma de um vício gerador de ilegalidade abstracta, porquanto a sua liquidação e cobrança não terão sido devidamente autorizados em conformidade com a CRP e a LEO. E o vício do referido acto de liquidação está para além da mera inexigibilidade da dívida, sendo mesmo equiparável ao vício de inexistência do tributo.
137. Em face do exposto e atenta a desconformidade do tributo em questão com o disposto no artigo 17.° da LEO e com a norma constante do artigo 105.° da CRP, é manifestamente ilegal e inconstitucional (indirectamente que seja) o acto de (auto)liquidação impugnado. Não tendo assim decidido, o tribunal a quo incorreu também quanto a esta questão, em erro na aplicação do direito, razão pela qual deve a sentença recorrida ser revogada, devendo o acto tributário sob impugnação ser declarado nulo, ou inexistente, e sempre ilegal, com todas as consequências.
Ilegalidade da decisão do recurso hierárquico
138. A Recorrente entende ainda que mal andou o Tribunal a quo ao considerar não ter havido ilegalidade na decisão do recurso hierárquico e isso porque a Autoridade Tributária e Aduaneira se absteve de apreciar os argumentos e fundamentos apresentados pela Impugnante, ora Recorrente, com o argumento, em suma, de que estando subordinada à lei não pode deixar de a aplicar e que até que a lei seja declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional o seu dever é aplica-la.
139. Ora, este entendimento, acolhido pelo Tribunal a quo reduz a produção de efeitos da Constituição à actividade legislativa e esvazia de sentido o princípio, também constitucionalmente consagrado, segundo o qual todos os poderes públicos, incluindo o administrativo, estão vinculados à Constituição.
140. Acresce que os princípios invocados pela Recorrente são também princípios acolhidos pelas leis infra-constitucionais:
• O princípio da capacidade contributiva é acolhido no n.º 1 do artigo 4.º da LGT;
• O princípio da proporcionalidade e o da igualdade encontram consagração no artigo 5, n.º 1 e n.º 2 e, bem assim, no artigo 55.º da LGT;
• O artigo 12.º, n.º, da LGT prevê o princípio da protecção da confiança, segurança jurídica e não retroatividade da lei fiscal, e, nessa medida, deveriam ter sido apreciados.
141. Não tendo sido esse o procedimento, incorreu o Tribunal Recorrido em erro de julgamento ao não anular o acto de indeferimento do recurso hierárquico, por ilegal, assim como o acto de autoliquidação da CESE aqui em causa.
Juros indemnizatórios
142. Procedendo o presente recurso, como não poderá deixar de ser decidido, deve a Recorrente ser reembolsada do montante indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, já que o erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da decisão recorrida, nessa medida determinando-se

(i) A nulidade ou inexistência jurídica do acto de autoliquidação de CESE, n.° 27000001127, sub judice relativo ao ano de 2016, no valor de € 185.976,25, por padecer de ilegalidade abstrata com as necessárias consequências legais, designadamente o reembolso do montante indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal;

(ii) A anulação do despacho da Exma. Senhora Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, o qual indeferiu o recurso hierárquico apresentado pela ora impugnante;
(iii) A anulação do acto de autoliquidação de CESE n.° 27000001127, relativo ao ano de 2016, no montante de € 185.976,25, com as necessárias consequências legais, designadamente o reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, a taxa legal;
assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

Não houve contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser de negar provimento ao recurso, no parecer que se segue:


O presente recurso vem interposto por A…….., S.A., impugnante nos autos e inconformada com a Sentença proferida em 28/06/2021, nos termos da qual foi decidido julgar improcedente a impugnação, absolvendo a entidade pública dos pedidos.
A impugnação deduzida pela aqui recorrente teve por objecto o despacho proferido pela Directora-Geral da Administração Tributária e Aduaneira (AT), que indeferiu o Recurso Hierárquico interposto contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) nº 27000001127, relativa ao ano de 2016, no montante de € 185.976,25.
Na impugnação a aqui recorrente invocou violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade, da igualdade na repartição dos encargos públicos, da protecção da confiança, segurança jurídica e não retroactividade da lei fiscal; invocou ainda ilegalidade abstracta e inconstitucionalidade por vício de não discriminação orçamental e da consequente inexistência do acto de autoliquidação impugnado, o que determina a Ilegalidade da decisão proferida no procedimento de recurso hierárquico.
Pediu a anulação do despacho da Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), de 21.12.2017, que indeferiu o recurso hierárquico apresentado e, consequentemente, a anulação do acto de autoliquidação da CESE nº 27000001127, relativa ao ano de 2016, devendo ser restituído o montante de € 185.976,25, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal.
A impugnante suscita a ilegalidade da CESE, por violação dos princípios constitucionais e legais e respectiva ponderação no confronto com os fins prosseguidos, a saber: (i) princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real; (ii) princípio da proporcionalidade; (iii) princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos; (iv) princípio da protecção da confiança, segurança jurídica e não retroactividade da lei fiscal; (iv) ilegalidade abstracta e inconstitucionalidade (indirecta) por vício de não discriminação orçamental e da consequente inexistência do acto de autoliquidação.
A Fazenda Pública, regularmente notificada nos termos do art.º 110.º n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), contestou e defendeu a legalidade do acto impugnado.
O tribunal a quo considerou provada a matéria de facto elencada de A) a Q) no ponto “III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO, III.1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO” da sentença recorrida, que aqui consideramos integralmente reproduzida.
O tribunal a quo identificou e apreciou as questões suscitadas pela impugnante considerando e decidindo:
(i) Da inconstitucionalidade material do tributo, enquanto imposto – violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real:
Considerou o tribunal a quo que, no que respeita à classificação da CESE, se encontra estabilizada, na jurisprudência e na doutrina, de acordo com a concepção tripartida a que se refere o art.º 3.º da Lei Geral Tributária - impostos, taxas e contribuições - ela é uma contribuição.
Teve em consideração que, aquando da revisão constitucional de 1997, foi introduzida, no artigo 165º, nº 1, alínea i) da CRP, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria das contribuições financeiras a favor de entidades públicas, constituem um tertium genus de receitas fiscais, podendo ser qualificadas como “taxas coletivas”, na medida em que compartilham, em parte, a natureza dos impostos – porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte -, e em parte, a natureza das taxas – porque visam retribuir o serviço prestado por uma entidade pública a uma certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam colectivamente de uma actividade administrativa – distinguindo-se, especialmente, das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas são presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo, assim, a uma relação de “bilateralidade genérica”.
E considerou, ainda, que «alguma doutrina evidencia o caráter “híbrido” desta terceira espécie de tributo, que se aproxima dos impostos - em função da ausência de uma contrapartida individualizada – mas também das taxas – já que visa retribuir o serviço prestado por uma entidade pública a um conjunto homogéneo de entidades – reconduzindo-a, nessa medida, ao conceito de parafiscalidade. [neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. I, 2007, pp. 1094; e Cardoso da Costa, in “Sobre o princípio da legalidade das “taxas” e das demais contribuições financeiras”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no Centenário do seu Nascimento, Coimbra Editora, 2006, p. 805].»
Relevou, o tribunal a quo, a jurisprudência do Tribunal Constitucional que tem vindo a pronunciar-se sobre a caracterização da figura tributária das contribuições e sua distinção face aos demais tributos, designadamente, o Acórdão nº 365/2008, de 02.07.2008 (relativo à taxa de regulação e supervisão cobrada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), em que o Tribunal Constitucional considerou que “… tem sido apontada a existência de … figuras marginais designadas como tributos parafiscais (artigo 3.º, n.º 1, a), da Lei Geral Tributária), nos quais se incluem, com especial visibilidade, as contribuições cobradas para a cobertura das despesas de pessoas coletivas públicas não territoriais, que resultam numa verdadeira consignação subjetiva de receitas (...). A criação de tais contribuições a favor de determinadas pessoas coletivas públicas distintas da Administração estadual, regional ou local, visam o seu sustento financeiro, escapando à disciplina jurídica clássica, como forma de evitar o crescimento do défice das contas públicas e contornar a rigidez do regime dos impostos, através da previsão de meios financeiros mais dúcteis.”
O Tribunal a quo teve, também em consideração o Acórdão n.º 539/2015 (relativo à taxa de segurança alimentar, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), em que se considerou que as contribuições financeiras se distinguem das taxas “porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir …”.
E quanto ao âmbito da reserva constitucional da competência parlamentar para a criação de cada um dos tributos, salientou que “enquanto a criação de impostos se encontra abrangida pela reserva de lei parlamentar (cf. artigo 165º, n.º 1, alínea i) da CRP) quanto a todos os seus elementos essenciais – incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (cf. artigo 103.º, n.º 2 da CRP) –, a criação de taxas e contribuições financeiras apenas está sujeita a reserva de lei parlamentar no que se refere à fixação do respetivo regime legal.”
O tribunal a quo considerou o regime jurídico da CESE, criada pelo regime aprovado pela Lei nº 83-C/2013 (art.º 228.º) e teve como objetivos, designadamente, a redução da dívida tarifária do Sistema Eléctrico Nacional (SEN), a promoção da sustentabilidade sistémica do sector, através do financiamento de um conjunto de políticas de cariz social e ambiental e da adopção de medidas relacionadas com a eficiência energética e a minimização dos encargos financeiros para o Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN), isto depois das alterações introduzidas pela Lei nº 33/2015 e pela Lei nº 42/2016.
De acordo com o seu regime jurídico esta contribuição tem por objectivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético- cf. art.º 1.º - e são sujeitos passivos da CESE as pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território português, nas condições previstas no art.º 2.º.
Ora, da factualidade assente nos autos resulta que a Impugnante integra o sector energético nacional, com sede em Portugal, enquadrando-se, como sujeito passivo, na previsão da alínea d), do artigo 2.º do Regime Jurídico da CESE, razão por que procedeu à autoliquidação da mesma, referente ao ano de 2016 em obediência ao regime legal em vigor.
Como resulta do respectivo regime, a CESE visa compensar uma prestação administrativa, inserida nos objectivos de criação do FSSSE, de que os operadores do sector energético, no qual se inclui o subsetor do gás natural, em cuja a actividade a Impugnante se insere, são beneficiários.
Concluí o tribunal a quo, ancorado no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 7/2019, proferido no processo nº 141/16 e também no Acórdão deste STA de 16.09.2020, exarado no processo nº 0387/17.6 BEMDL, que a liquidação questionada nestes autos “tem subjacente a cobrança de uma verdadeira contribuição financeira, e não de um imposto, tendo sido cobrada por quem para tanto detém competência e liquidada perante os pressupostos de facto e de direito que previamente a determinaram”.
Concluiu ainda o tribunal a quo que “reconduzindo-se a CESE à categoria jurídica das contribuições financeiras, fica … prejudicada a análise dos argumentos invocados pela Impugnante com vista a sustentar a inconstitucionalidade material das normas em que se sustenta o tributo, por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, enquanto concretização do princípio da igualdade e do princípio da tributação das empresas pelo lucro real”.
(ii) Violação do princípio da proporcionalidade e violação do princípio da repartição dos encargos públicos:
Alega a recorrente que a CESE viola directamente o princípio da proporcionalidade, porque o impacto que tem na sua situação económica e na actividade dos destinatários é excessivo, por desproporcionado, invocando que está sujeita à tributação do seu rendimento, através do IRC e outros impostos sendo que a implementação da CESE representou um incremento de cerca de 3% dos encargos que suporta.
O tribunal a quo considerou e bem, apoiado na jurisprudência a que faz referência que “os critérios estabelecidos pelo legislador na delimitação do âmbito de incidência subjectiva da CESE não se mostram violadores do princípio constitucional da proporcionalidade (e da igualdade), sendo certo que os sujeitos passivos da CESE e os operadores económicos dela isentos contribuem, ainda que em medidas diferentes, e por vias distintas, para a implementação de medidas sociais e ambientais em matéria de eficiência energética e de redução da divida tarifária do SEM” e que não é possível concluir que a mesma assenta em critérios arbitrários.
Como resulta do Acórdão n.º 7/2019 do Tribunal Constitucional, a sujeição à CESE do grupo constituído pelos operadores económicos em que a recorrente se inclui não é desprovida de contrapartidas, sendo que “é para o setor da energia globalmente considerado que são destinadas a maior parte das verbas, visando o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, e de apoio às empresas, já que apenas um terço é reservado à redução da dívida tarifária do SEN”.
Sendo assim relativamente à proporcionalidade e igualdade material não vemos que seja configurável qualquer violação na medida em que a Impugnante é tratada de forma idêntica quanto a todos os demais sujeitos passivos, sendo chamada a contribuir na proporção da sua dimensão e capacidade.
(iii) Da violação do princípio da protecção da confiança, da segurança jurídica e da não retroactividade da lei fiscal:
No que respeita a esta questão o tribunal a quo ancorou a sua decisão no Acórdão deste STA proferido no processo n.º 0415/16.2BEVIS em que se concluiu que não se verifica a violação do princípio da confiança, da segurança jurídica e da não retroactividade da lei fiscal, uma vez que a CESE não é um imposto, mas antes um tributo extraordinário que surgiu num contexto de crise financeira. Por seu lado, a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, só será inadmissível quando sejam introduzidas na ordem jurídica normas que produzam uma mutação dessa mesma ordem, com que, razoavelmente, os seus destinatários não possam contar e quando a alteração da ordem jurídica não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes sobre os interesses particulares afectados.
No caso dos autos os pressupostos referidos não se verificam, razão por que se não verifica a violação dos princípios supra referidos.
(iv) Da não discriminação orçamental das receitas de CESE:
A obrigação de especificação das receitas e das despesas orçamentais resulta da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do art.º 105.º da CRP, nos termos do qual as receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos devem ser discriminadas e que a lei deve definir as regras da sua execução, as condições a que deve obedecer o recurso ao crédito público e os critérios que deverão presidir a eventuais alterações introduzidas pelo Governo nas rubricas de classificação orgânica no âmbito de cada programa orçamental aprovado pela Assembleia da República.
Do princípio da especificação das receitas e das despesas e do princípio da discriminação, resulta que o Orçamento deve especificar suficientemente as receitas previstas e as despesas nele fixadas (artigo 8.º da LEO).
Quanto às receitas previstas devem ser suficientemente especificadas de acordo com uma classificação económica e a estrutura dos códigos da classificação económica das receitas e das despesas é definida por decreto-lei, podendo a especificação desagregada do terceiro nível de detalhe ser definida por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças- cf. art. 8.º nºs 1 e 7 da LEO.
Em nosso entender mostra-se cumprida a imposição constitucional de especificação das receitas que é muito menos exigente do que as relativas às despesas, não se mostrando violado o princípio da não consignação de receitas.
(v) Da violação do princípio da legalidade nº 2 do artigo 5º da LGT e artigo 8º da LGT- ilegalidade da decisão proferida no procedimento de recurso hierárquico.
É isento de dúvidas que a Administração em geral está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente e também de acordo com o art.º 55.º da LGT.
A decisão da Diretora-Geral da AT, que indeferiu o recurso hierárquico, não merece censura não padecendo do vício de violação do dever de decisão, previsto no artigo 56º da LGT, nem do de violação do princípio da legalidade previsto no art.º 5.º nº 2 e 8º da LGT, nem dos demais vícios que lhe vêm imputados não podendo proceder o pedido de anulação.
Em suma, a recorrente discorda da Sentença impugnada mas o certo é que a mesma se encontra fundamentada e ancorada em jurisprudência, sendo certo que os Acórdãos adoptados versam sobre questões idênticas à questões suscitadas nestes autos, sendo a decisão aqui proferida isenta de erro ou mácula, podendo constituir um exemplar precedente quanto à matéria em discussão. Aliás, a presente decisão analisa interpreta e aplica o direito correctamente, fazendo boa apreciação da causa.
É nosso entendimento que o tribunal recorrido decidiu correctamente e, ao decidir como decidiu, fê-lo, assumindo os argumentos e os fundamentos de Acórdãos, onde a matéria e questões objecto de litígio estão impecavelmente analisadas e decididas, inclusivamente em matéria de constitucionalidade, nos pontos em que questão dessa natureza também estava em causa.
A sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento e não é susceptível da censura que lhe vem feita pelo recorrente, nem de qualquer outra.
Finalmente, diga-se que as questões suscitadas foram exaustivamente analisadas e não vemos que sejam necessárias ou úteis quaisquer aditamentos ou alterações.
Sendo assim, entendemos que, como resulta de tudo o que deixámos exposto, deve negar-se provimento ao recurso interposto devendo manter-se a Sentença proferida e em reapreciação, uma vez que a mesma não padece de qualquer vício que determine a sua alteração.

*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.


*


2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:


A) A Impugnante, A……….. S.A., é uma sociedade anónima, constituída em julho de 2014, que tem como objeto social, designadamente, a “importação, armazenagem, exploração, distribuição, transporte e comercialização, por grosso e a retalho, de gás de petróleo liquefeito, incluindo gás canalizado, e de outros produtos petrolíferos e seus derivados ou de outras formas de energia que sejam legalmente permitidas, exercer bem como de bens, equipamentos, materiais e quaisquer outros produtos relacionados com quaisquer formas de energia, (…) bem como a prossecução de qualquer atividade industrial ou comercial, relacionada, direta ou indiretamente, com aquelas atividades e a prestação de qualquer serviço relacionado com o desenvolvimento das atividades mencionadas”. - [cf. documento nº 12, junto com a petição inicial, a fls. 427/431 dos autos];

B) Em 27.10.2016, a Impugnante apresentou a Declaração modelo 27, referente à CESE, de 2016, pela atividade de “comercializador grossista de energia”, onde apurou uma base tributável de € 21.879.558,93, correspondente a ativos fixos tangíveis, no valor de € 16.809.409,66 e ativos fixos financeiros, afetos a concessões ou atividades licenciadas , no valor de € 5.070.149,27 e um valor a pagar de € 185.976,25, por aplicação da taxa de 0,850% - [cf. documento nº 3, junto com a petição inicial, a fls. 138/139 dos autos];

C) Na sequência da declaração, identificada na alínea anterior, foi emitido, em nome da Impugnante, o documento de cobrança nº 27000001127, no valor, a pagar, de € 185.976,25 - [cf. documento nº 2, junto com a petição inicial, a fls. 136 dos autos];

D) Em 27.10.2016, a Impugnante procedeu ao pagamento do valor autoliquidado, mencionado na alínea que antecede – [cf. documento nº 2, junto com a petição inicial, a fls. 136/137 dos autos];

E) Em 03.02.2017, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra o ato de autoliquidação da CESE, do ano de 2016, com o nº 27000001127, autuada com o nº 3654201704000994 - [cf. documento nº 4, junto com a petição inicial, a fls. 140/251 dos autos];

F) Em 15.03.2017, a Divisão de Gestão e Assistência Tributária (DGAT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) elaborou o projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, consubstanciado na “Informação nº 47-AIR2/2017” – [cf. documento nº 5, junto com a petição inicial, a fls. 252/267 dos autos];

G) Em 17.03.2016, a Divisão de Gestão e Assistência Tributária (DGAT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) endereçou o ofício nº 1390, ao mandatário da Impugnante, visando a notificação do projeto de decisão, referido na alínea antecedente, e para o exercício do direito de audição – [cf. documento nº 5, junto com a petição inicial, a fls. 252 dos autos];

H) Em 31.03.2017, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia – [cf. documento nº 6, junto com a petição inicial, a fls. 268/279 dos autos];

I) Em 06.04.2017, a Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária (DGAT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), exarou despacho de indeferimento da reclamação graciosa, concordante com a informação nº 79-AIR2/2017 – [cf. documento nº 7, junto com a petição inicial, a fls. 280/289 dos autos];

J) Em 07.04.2017, a Divisão de Gestão e Assistência Tributária (DGAT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) endereçou o ofício nº 1878 ao mandatário da Impugnante, visando a notificação da decisão, referida na alínea anterior – [cf. documento nº 7, junto com a petição inicial, a fls. 280 dos autos];

K) Em 11.05.2017, a Impugnante apresentou recurso hierárquico, contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e contra o ato de liquidação da CESE, com o nº 27000001127, relativos à CESE, do ano de 2016, o qual correu termos sob o procedimento nº 3654201710000456 - [cf. documento nº 8, junto com a petição inicial, a fls. 290/406 dos autos];

L) Em 02.08.2017, foi elaborado projeto de decisão de indeferimento do recurso hierárquico, identificado na alínea que antecede, donde se extrai que:
“(…)

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– [cf. documento nº 10, junto com a petição inicial, a fls. 409/414 dos autos];

M) Em 03.08.2017, a Diretora-Geral da AT proferiu despacho, determinando a notificação da então recorrente para o exercício do direito de audição - [cf. documento nº 10, junto com a petição inicial, a fls. 409/414 dos autos];

N) Em 20.10.2017, a UGC dirigiu ao mandatário da Impugnante o ofício nº (ilegível), visando o exercício do direito de audição prévia - [cf. documento nº 10, junto com a petição inicial, a fls. 409 dos autos];

O) Em 07.11.2017, a Impugnante exerceu o referido direito de audição – [cf. documento nº 11, junto com a petição inicial, a fls. 415/426 dos autos];

P) Em 21.12.2017, a Diretora-Geral da AT proferiu despacho de indeferimento do recurso hierárquico, concordante com a informação exarada em 20.12.2017, convertendo em definitivo o projeto de decisão, reproduzido em L) - [cf. documento nº 1, junto com a petição inicial, a fls. 129 dos autos].

Q) Em 22.12.2017, a UGC endereçou o ofício nº 4333 ao mandatário da Impugnante, visando a notificação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico – [cf. documento nº 1, junto com a petição inicial, a fls. 128 dos autos].

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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou improcedente a impugnação, padece de erro de julgamento, no que diz respeito à natureza jurídica da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (C.E.S.E.), por se tratar de um imposto e estar ferida de inconstitucionalidade material por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade e da igualdade, da protecção da confiança, segurança jurídica e não retroatividade da lei fiscal, ilegalidade abstracta e inconstitucionalidade por vício de não discriminação orçamental e da consequente inexistência do acto de autoliquidação impugnado, o que determinaria a ilegalidade da decisão proferida no procedimento de recurso hierárquico.
Sucede que é perceptível das alegações de recurso que o objectivo da Recorrente com a interposição do recurso é apenas o de voltar a debater a natureza jurídica ou qualificação da CESE e a reapreciação da sua conformidade constitucional e legal com base em questões e argumentos que já foram objecto de apreciação por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (designadamente nos acórdãos n.ºs 415/16.2BEVIS; 386/17.8BEMDL; 387/17.6BEMDL; 314/18.3BEVIS; 03037/16.4BELRS, de 13/07/2021 e 0545/19.9BEPRT, de 08/09/2021, entre muitos outros.- todos integralmente disponíveis em http://www.dgsi.pt) e que foram também já objecto de controlo directo de conformidade constitucional, particularmente no acórdão n.º 7/2019, de 8 de Janeiro de 2018, acolhido nos nossos arestos (jurisprudência que o Tribunal Constitucional posteriormente reiterou nos acórdãos n.ºs 395/2021 e 506/2021, igualmente todos integralmente disponíveis em https://www.tribunalconstitucional.pt) e mais recentemente, no Acórdão n.° 540/2021, de 13 de Julho de 2021.
Considerando que as referidas apreciações e controlo, são, para além de recorrentes, recentíssimas, sendo, pois, indiscutível a actualidade da jurisprudência citada, é por referência à fundamentação que neles ficou explanada (e que de resto foi a que, de forma minuciosa, o Tribunal a quo transcreveu abundantemente), que acolhemos sem reservas e aqui damos integralmente por reproduzidas, que julgamos totalmente infundadas as alegações de recurso jurisdicional. E, consequentemente, que julgamos improcedente o presente recurso jurisdicional quanto aos vícios de violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade, da igualdade na repartição dos encargos públicos, da protecção da confiança, segurança jurídica e não retroactividade da lei fiscal.

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No que respeita à questão da alegada violação do princípio da especificação orçamental, isto é, ao facto de a CESE e as respectivas receitas não estarem alegadamente orçamentadas nos termos exigidos pelo artigo 17.º da Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro), tal questão foi objecto de julgamento em recentes acórdãos deste STA proferidos em 08.09.2021, nos processos n.ºs 1587/18.7BEPRT e 0545/19.9BEPRT, tendo aí sido julgada improcedente, pelas razões de direito que também aqui se acolhem e reproduzem a partir do primeiro dos citados arestos:
“(…)
«3.2. Na impugnação judicial cuja decisão agora se aprecia em sede de recurso foi também suscitada uma questão ainda não tratada na jurisprudência antes invocada, a saber: a alegada violação do princípio da especificação orçamental, i. e. o facto de a CESE e as respectivas receitas não estarem alegadamente orçamentadas nos termos exigidos pelo artigo 17.º da Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro) e, como tal, daí resultar, consequentemente, um vício de inconstitucionalidade por violação do artigo 105.º da CRP.
Sobre este específico fundamento da impugnação, que o Tribunal a quo igualmente julgou improcedente, sustentou-se a decisão recorrida nos seguintes argumentos.
Primeiro, no princípio da plenitude orçamental ou da plenitude do Orçamento do Estado. De acordo com este princípio, o que as regras da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 105.º da CRP pretendem impedir é a desorçamentação de verbas e não eventuais desacertos quanto às respectivas rubricas de inscrição. E apoiou-se, para o efeito, no acórdão do TC n.º 414/2011.
Segundo, invocou a suficiência da conjugação dos critérios da classificação do tributo como contribuição, da autonomia do FSSSE decorrente do seu regime legal (Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril), dos critérios legais de incidência objectiva da CESE e da previsão das receitas (globais) do FSSSE no Mapa V do orçamento, e assim fundamentou, in casu, o respeito pelo princípio da suficiência da especificação orçamental.
Cumpre sublinhar que o que a Recorrente pretende essencialmente questionar com este argumento é a conformidade constitucional e legal, no plano orçamental, da circunstância de estas contribuições serem cobradas pela AT, não obstante a lei as configurar como receitas consignadas do FSSSE. E reconduz depois a complexidade deste circuito tributário-financeiro e a sua configuração no plano orçamental a uma violação do princípio constitucional da especificidade orçamental.
Ora, para além de acompanharmos os fundamentos da decisão recorrida, aditamos ainda uma terceira razão pela qual o recurso há-de também improceder quanto a este fundamento. Um argumento extraído da jurisprudência constitucional sobre a interpretação do princípio da especificidade orçamental, segundo a qual, para efeitos constitucionais (designadamente do exercício de poderes reservados ao Parlamento no âmbito do orçamental), este princípio é relevante, sobretudo, para efeitos de despesas e não tanto de orçamentação de receitas. Neste sentido v. acórdão n.º 206/87, no qual pode ler-se o seguinte:
«[…] A análise, ainda que superficial, deste preceito [à data, artigo 108.º, n.º 1, al. a) e n.º 5 da CRP] logo mostra que a CRP se preocupa muito mais em precisar o grau de especificação das despesas que o grau de especificação das receitas, talvez porque, no respeitante às receitas, e uma vez discriminadas as suas fontes, uma maior ou menor especificação, para além disso - e diferentemente do que sucede com as despesas - é desprovida de consequências jurídicas de qualquer ordem, pelo menos para o Estado. Assim é que, por exemplo, a cobrança de receitas pode ser efectuada mesmo para além do montante inscrito (artigo 17.º, n.º 2, da Lei n.º 40/83) […]».
Ora, mantendo-se hoje em vigor, quer uma redacção semelhante das normas constitucionais em matéria de exigência constitucional quanto à discriminação de receitas e despesas do Estado [a actual alínea a) do n.º 1 do artigo 105.º da CRP)], quer uma formulação normativa idêntica quanto à admissibilidade em sede de LEO de liquidação e cobrança de receitas para além do previsto na respectiva inscrição orçamental, devemos considerar que se mantém válida a interpretação jurisprudencial veiculada no aresto antes mencionado quanto à relativa desconsideração para efeitos jurídicos das exigências de especificação orçamental em matéria de receitas.”
Improcedendo na totalidade o recurso jurisdicional cabe à Recorrente, vencida, suportar, nos termos do preceituado no artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, as custas da presente acção, desde já ficando ambas as partes, ao abrigo do preceituado no artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, dispensadas de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo valor da acção, na parte superior a €275.000,00, atenta a simplicidade com que realizamos este julgamento, face à existência da jurisprudência citada que nos limitamos a acolher.
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3. DECISÃO

Termos em que, acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, negar ao provimento ao recurso jurisdicional.

Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 21 de Abril de 2022. - José Gomes Correia (relator) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.