Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0199/13.6BECBR
Data do Acordão:03/14/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
NULIDADE
Sumário:Não é de admitir a revista onde apenas estão em causa nulidades imputadas ao acórdão recorrido que delas conheceu de forma fundamentada e com aparente acerto.
Nº Convencional:JSTA000P32016
Nº do Documento:SA1202403140199/13
Recorrente:AA
Recorrido 1:UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

1. AA intentou, no TAF, contra a UNIVERSIDADE DE COIMBRA, acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil, onde pediu a condenação da R. a pagar-lhe a indemnização de € 249.900,00, acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Foi proferida sentença a julgar a acção totalmente improcedente.
O A. apelou para o TCA-Norte, o qual, por acórdão de 03/12/2021, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença.
Deste acórdão, o A. reclamou imputando-lhe diversas nulidades.
A Srª. Desembargadora Relatora, por despacho de 30/5/2022, rejeitou a reclamação, com o fundamento que o acórdão de 3/12/2021 era susceptível de interposição de recurso de revista, pelo que, nos termos do art.º 615.º, n.º 4, do CPC, teria de ser neste recurso que as nulidades teriam de ser arguidas.
Deste despacho, o A. reclamou para a conferência, tendo o TCA-Norte, por acórdão de 16/9/2022, indeferido a reclamação.
O A. interpôs recurso de revista para o STA, o qual, por acórdão datado de 9/11/2023, concedeu provimento ao recurso, revogou o acórdão recorrido e determinou a baixa dos autos ao TCA-Norte para aí serem conhecidas as nulidades invocadas no requerimento autónomo.
O TCA-Norte, por acórdão de 15/12/2023, indeferiu as arguidas nulidades.
É deste acórdão que o A. vem pedir a admissão do recurso de revista.

2. O art.º 150.º, n.º 1, do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos possa haver excepcionalmente revista para o STA “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como decorre do texto legal e tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência deste STA, está-se perante um recurso excepcional, só admissível nos estritos limites fixados pelo art.º 150.º, n.º 1, que, conforme realçou o legislador na Exposição de Motivos das Propostas de Leis nºs. 92/VIII e 93/VIII, corresponde a uma “válvula de segurança do sistema” que apenas pode ser accionada naqueles precisos termos.
Na reclamação do acórdão do TCA-Norte de 3/12/2021, o A. imputou-lhe as seguintes nulidades, vertidas nas als. b) a d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC:
- Falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito justificadores da decisão;
- Fundamentação contraditória, ambígua e obscura que tornavam o acórdão ininteligível;
- Omissão e excesso de pronúncia.
O acórdão recorrido, em obediência ao aludido acórdão do STA de 9/11/2023, conheceu destas nulidades nos seguintes termos:
“ O domínio que aqui importa é o das nulidades da sentença, em que o art. 615.º, n.º 1, do CPC, enumera taxativamente as específicas causas, determinando que (apenas) podem consistir na omissão da assinatura do juiz [al.a)]; na omissão da especificação dos fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão [al.b)]; na contradição entre os fundamentos e a decisão ou ocorrência de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível [al.c)]; na omissão de pronúncia ou excesso de pronúncia [al.d)]; na condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido [al.e)].
Portanto, nada que respeite ao que o reclamante identifica como “erro de julgamento do acórdão”.
Também é muito claro que a decisão especifica os fundamentos de facto e de direito que fundamentam a decisão, sendo de assinalar que “vem sendo pacificamente defendido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade da sentença, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação -cfr.Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, pág. 348
9.6. Na verdade, não deve confundir-se a falta de fundamentação com fundamentação deficiente, medíocre ou errada e menos ainda com fundamentação divergente. “O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”; e, por “falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto” – cfr.Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, Coimbra Editora, pág. 140.
9.7. Destarte, apenas a total falta de fundamentos de facto e de direito, ou a total omissão da motivação do julgamento da matéria de facto realizado, e não apenas uma especificação incompleta, sumária ou errada, gera a nulidade da sentença.
9.8.Porque assim é, compreende-se que padecendo o julgamento da matéria de facto do vício da deficiência, no sentido do tribunal não ter julgado como provados ou não provados factos essenciais integrativos da causa de pedir alegada pelo autor ou das exceções deduzidas pelas partes, ou factos complementares que, ainda que não alegados, a respetiva prova tenha resultado da instrução da causa e tenha sido observado quanto aos mesmos o princípio do contraditório, ou factos instrumentais que, ainda que não alegados, a respetiva prova tenha resultado da instrução da causa, esse vício não determine a nulidade da sentença, designadamente, por omissão de pronúncia, mas antes traduza erro de julgamento da matéria de facto, na vertente da deficiência, que terá de ser suprimido pelo Tribunal de 2.ª Instância sempre que tal seja viável. E se preveja na al. d), do n.º 2 do art.º 662º do CPC, que sempre que determinado facto essencial para o julgamento da causa não esteja devidamente fundamentado, a 2.ª Instância deve determinar a baixa dos autos à 1ª Instância para que esta o fundamente devidamente, tendo em conta os depoimentos gravados e registados.” (Ac. deste TCAN, de 17-112023, proc. n.º 118/23.1BECBR).
Já quanto ao que o reclamante alimenta de omissão e excesso no conhecimento de questões, é notório que tal discurso não se identifica com uma qualquer questão.
“Entre as causas de nulidade da sentença (acórdão ou despacho) taxativamente enunciadas no n.º 1 do art. 615º, contam-se também o vício da nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia (al. d), do n.º 1 do art. 615º).
Trata-se de nulidades que se relacionam com o preceituado no art. 608º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
11.2.Na verdade, devendo o tribunal conhecer todas as questões que lhe são submetidas, isto é, todos os pedidos deduzidos pelas partes, com fundamento em todas as causas de pedir por elas invocadas para ancorar esses pedidos e todas as exceções invocadas por aquelas com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte e, bem assim, todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitadas/arguidas pelas partes, pelo que não integra nulidade da sentença, a omissão de pronúncia quanto a exceção de conhecimento oficioso do tribunal, mas não arguida pelas partes e de que aquele não conheceu, mas sim erro de julgamento) cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes na sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC).
11.3. Inversamente o conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção não arguidos pelas partes e que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente configura nulidade por excesso de pronúncia.
11.4. Acresce precisar que, como já alertava Alberto dos Reis impõe-se distinguir entre “questões” e “razões ou argumentos”. “(…) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”- cfr. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 55 e 143.
11.5. Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões. Neste sentido, veja-se Ferreira de Almeida- in “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371-, em que reafirma que “questões” são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzida pelas partes”.
11.6. Do mesmo modo, apenas o conhecimento pelo tribunal de questões não suscitadas pelas partes nos seus articulados e de que aquele não possa conhecer oficiosamente determina a invalidade da sentença por excesso de pronúncia. (Ac. deste TCAN, de 17-11-2023, proc. n.º 118/23.1BECBR).
Também não se vislumbra contradição entre os fundamentos e a decisão ou ocorrência de ambiguidade ou obscuridade, não devendo confundir-se essa contradição, que se coloca no plano lógico de construção do seu silogismo - no caso, perfeitamente inteligível -, com o desacordo que a parte para com ele tenha, como, pelo/no que discorre, o reclamante tem.
Por último, quanto a uma suposta falta de imparcialidade, nada se vê que a corporize; brota das discordâncias do reclamante; mas carente de apoio”.
O A. justifica a admissão da revista com a necessidade de se proceder a uma melhor aplicação do direito, alegando que o acórdão recorrido não cumpriu o que havia sido determinado pelo STA, limitando-se “a desdizer de forma subjectiva e não fundamentada” o que invocara no seu requerimento, sem fazer qualquer referência substancial ao acórdão a que imputara as nulidades, concluindo que estas deveriam ter sido julgadas procedentes.
Porém, como resulta claramente do seu teor, o acórdão não só conheceu das nulidades que haviam sido arguidas, como o fez de forma fundamentada e com aparente acerto.
Assim, porque tudo aponta para a inviabilidade do recurso, não havendo, por isso, uma clara necessidade de reapreciação do aresto recorrido, deve prevalecer a regra da excepcionalidade da admissão da revista.

3. Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 14 de março de 2024. – Fonseca da Paz (relator) – Teresa de Sousa – Maria do Céu Neves.