Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0579/13
Data do Acordão:10/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
NULIDADE
TEMPESTIVIDADE
ILEGALIDADE DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:O acto de liquidação efectuado em aplicação de deliberação autárquica nula, inexistente ou inconstitucional padece de ilegalidade abstracta – arts. 286.º, n.º 1, al. a) do CPT e 204.º, n.º 1 do CPPT -, que, nos casos de cobrança coerciva, pode ser invocada até ao termo do prazo de oposição à execução fiscal, mesmo que posteriormente ao de impugnação de actos anuláveis mas nunca, consequentemente, a todo o tempo.
Nº Convencional:JSTA00068424
Nº do Documento:SA2201310230579
Data de Entrada:04/15/2013
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA (CM DE LISBOA)
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPTRIB91 ART102 ART123 N2 N1 A N3
CPPTRIB99 ART123
LFL87 ART22 N2
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENÁRIO PROC022251 DE 2001/05/30; AC STAPLENÁRIO PROC01108/03 DE 2005/04/07; AC STAPLENO PROC01259/04 DE 2005/06/22; AC STAPLENO PROC019/04 DE 2005/11/16; AC STAPLENO PROC0479/06 DE 2007/07/05; AC STAPLENO PROC0412/13 DE 2013/10/16
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…………………., S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 22 de Outubro de 2012, que, nos autos de impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra a liquidação e cobrança de “encargo de compensação por aumento de área” no valor de 90.629.500$00, julgou verificada a excepção de caducidade do direito de acção e absolveu do pedido a Câmara Municipal de Lisboa.
A recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A – DA FALTA ABSOLUTA DE NOTIFICAÇÃO
1.ª O prazo de impugnação judicial apenas se inicia após a notificação aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, da decisão, autoria, fundamentos, meios de defesa e prazo para reagir e de eventual delegação ou subdelegação de competências, por forma a permitir uma “opção consciente sobre a sua impugnação e a forma de a deduzir”(v. arts. 2º, 20º e 268º/3 da CRP (89) e Maria Fernanda Maçãs, Há notificar e notificar…, CJA, n.º 13, p.p. 10, 22 e 23; cfr. Ac. do TC n.º 383/2005, www.tribunalconstitucional.pt e arts. 64º, 65º e 123º do CPT, 66º e segs. CPA e 36º do CPPT) – cfr. texto n.ºs 1 a 6;
2.ª Nas guias de receitas de fls. 145 a 149 dos autos não se faz referência a qualquer decisão de qualquer órgão autárquico e, muito menos, aos respectivos fundamentos, meios de defesa e prazo para reagir, autoria e eventual delegação ou subdelegação de competências – cfr. texto n.ºs 1 a 6;
3.ª Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, o facto de a ora recorrente ter requerido o pagamento em prestações dos tributos em causa (v. n.º 5 dos FP), a revogação do despacho do Exmo. Senhor Presidente da CML, de 1991.04.11 e o indeferimento desta pretensão (v. n.ºs 2 e 6 a 8 do FP) ou o averbamento do processo em seu nome (v. n.º 4 dos FP) não revela conhecimento dos elementos necessários, identificadores e essenciais dos actos impugnados (v. Ac. STA (Pleno) de 1997.11.26, Proc. 36927, www.dgsi.pt) – cfr. texto n.ºs 1 a 6;
4.ª O despacho do Exmo. Senhor Presidente da CML, de 1991.04.11 (v. n.º 2 do FP; cfr. fls. 56 do Proc. Cam. 4716/OB/90) e o despacho do Exmo. Senhor Vereador de 1992.09.28 (v. n.º 3 dos FP; cfr. fls. 16 e 16 dos autos), não foram notificados à anterior proprietária, nem à ora recorrente, por carta registada com aviso de recepção (v. arts. 268.º/3 da CRP (89) e 64º e 65º do CPT), pelo que não produzem efeitos quanto a elas (v. Ac. TCA Sul de 2002.10.03, Proc. 6797/02, www.dgsi.pt) - – cfr. texto n.ºs 1 a 6;
5.ª Os arts. 22º, 64º, 65º e 123º do CPT, com o sentido e dimensão normativa que lhes foi atribuído pela douta sentença recorrida, são manifestamente inconstitucionais, por violação dos princípios constitucionais do Estado de Direito democrático, da tutela jurisdicional efectiva e da transparência e lealdade nas relações entre a administração e os particulares, consagrados nos arts. 2º, 20 e 268º/3 e 4 da CRP (89) – cfr. texto n.ºs 1 a 6;
6.ª Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, a não utilização, pela anterior proprietária ou pela ora recorrente, do mecanismo previsto no art. 22º do CPT (cfr. art. 31º da LPTA e 37º do CPPT), nunca poderia determinar a caducidade do direito de impugnação, pois o referido normativo atribui ao interessado uma mera faculdade de requerer a notificação ou emissão de certidão, não estabelecendo qualquer obrigação de natureza imperativa ou ónus preclusivo (v. art. 268º nº 3 da CRP) - cfr. texto n.ºs 1 a 6;
7.ª A douta sentença recorrida enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente, além do mais, os arts. 2.º, 20.º e 268.º/3 da CRP (89), os arts. 64º, 65º e 123º do CPT, o art. 29º da LPTA, os arts. 66º e segs. do CPA e o art. 36º do CPPT - cfr. texto n.ºs 1 a 6;
B – NA NULIDADE DOS ACTOS IMPUGNADOS
8.ª A nulidade dos atos de liquidação e cobrança em análise resulta desde logo e expressamente do art. 1º/4 da lei 1/87, de 6 de Janeiro (cfr. art. 88º/1/c) do DL 100/84, de 29 de Março e art. 2º/4 da Lei nº 42/98, de 6 de Agosto) – cfr. texto n.ºs 7º a 12º;
9.ª Os actos impugnados sempre seriam nulos, por constituírem actos consequentes de actos nulos (v. arts. 133º/2 e 134º do CPA) – cfr. texto n.ºs 7º a 12º;
10.ª Os actos impugnados sempre seriam ainda nulos, por constituírem actos consequentes de actos nulos (v. arts. 133º/2 e 134º do CPA) – cfr. texto n.ºs 7º a 12º;
11.ª As normas constantes do despacho 166/P/84, no qual se fundamentou a exigência à ora recorrente da compensação por aumento de área em causa (v. fls. 15 e 16 dos autos), são manifestamente inconstitucionais por violação dos arts. 106º e 167º da CRP/89 (v. Acs. TC n.º 218/95 e n.º 236/94, in www.tribunalconstitucional.pt) – cfr. texto n.ºs 7º a 12º;
12.ª A douta sentença recorrida enferma assim de manifestos erros de julgamento tendo violado frontalmente, além do mais, os arts. 62º, 106º e 167º da CRP (89), o art. 1º/4 da Lei 1/87, de 6 de Janeiro, o art. 88/1/c) do DL 100/84, de 29 de Março, o art. 2º/4 da Lei 42/98, de 6 de Agosto e os arts. 133º e 134º do CPA – cfr. texto n.ºs 7º a 12º.
NESTES TERMOS,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências.
SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA.


2 – Contra-alegou a recorrida Câmara Municipal de Lisboa concluindo nos termos seguintes:
I. O presente recurso é interposto contra a douta Sentença proferida em 22 de Outubro de 2012, a qual julgou verificada a excepção peremptória de caducidade do direito de acção, e por via da mesma absolveu a ora Recorrida do pedido.
II. Advoga o Recorrente a alegada falta de notificação do acto impugnado, para invocar, em traços largos, que o tribunal “a quo” não poderia verificar julgada a excepção de caducidade do direito de acção, porquanto, não obstante, estar a discutir judicialmente o acto de liquidação e cobrança da compensação por aumento de área, não foi notificado formalmente do mesmo; alegando-o, ao arrepio, quer da sua própria conduta administrativa e processual, quer dos factos dados como provados nos presentes autos e que não contesta.
III. Da leitura quer do teor da reclamação graciosa deduzida (ponto 6 a 8 dos Factos Provados), quer da petição inicial junta ao Proc. n.º 164/93, que correu os seus termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, 2.ª secção, apenso aos presentes autos, (vd pontos 10 e 11 da base probatória) verificamos que o Recorrente, teceu muitas considerações relativamente ao acto impugnado, contudo nenhuma assentou na falta de notificação do mesmo, nem tão pouco dos despachos que condicionaram a emissão da licença de obras ao pagamento, cujo acto impugna.
IV. Dos mencionados documentos, não afirmou o Recorrente qualquer desconhecimento do acto impugnado, nem tão pouco dos despachos que o condicionaram, como base das pretensões que então entendeu sujeitar quer administrativa, quer judicialmente, considerando, pois, suficiente o conhecimento de que dispunha sobre os mesmos e que agora afirma não possuir.
V. Da petição inicial junta aos presentes autos, assume o Recorrente, que desde a data que requereu o averbamento do processo de licenciamento em seu nome /04/11/1992) deferido em 27/11/1992, tinha conhecimento da liquidação impugnada. E, tanto a conhecia, que requereu o seu pagamento a prestações, em 30-11-1992 (três dias após o deferimento do averbamento em seu nome).
VI. Dos factos provados e levados aos autos pelo próprio Recorrente, resulta evidente, que este teve conhecimento dos despachos e da liquidação do acto que afirma não ter tido conhecimento e, tanto assim é, que, reitera-se, requereu o pagamento a prestações da liquidação impugnada e procedeu ao pagamento da mesma, facto que não contesta.
VII. Não poderá, pois, aceitar-se, a interpretação que o recorrente defende nestes autos, tendente a considerar a impugnação dedutível a todo o tempo, desde que ocorra uma pretensa (qualquer) deficiência da sua notificação.
VIII. Sempre caberia, pois, ao Recorrente, a prova do desconhecimento dos elementos necessários à impugnabilidade do acto, a qual, como se viu, inviabilizou no momento em que, aquando da impugnação do mesmo (quer graciosa, quer judicialmente), demonstrou e declarou deter pleno conhecimento daqueles.
IX. A falta de notificação não afecta o acto a que respeita sendo posterior e exterior ao mesmo. Ora, a ineficácia do acto de liquidação não implicaria, nunca, qualquer especialidade no prazo de impugnação judicial, tal como pretende o Recorrente.
X. Caso a Impugnante, ora recorrente, tivesse considerado a notificação inexistente, imperfeita ou incompleta, sempre poderia ter recorrido ao mecanismo do art. 36.º do CPPT (anteriormente, 22.º do CPT), por via dele solicitando os elementos alegadamente em falta, como bem o afirma a douta Sentença recorrida.
XI. Considerando os factos provados nos presentes autos, resulta inequívoca, a manifesta extemporaneidade da impugnação judicial, haja em vista a disciplina jurídica então impressa no artigo 123.º do CPT, tal como bem decidiu a douta Sentença Recorrida.
XII. Com efeito o Recorrente deduziu reclamação graciosa contra o acto impugnado em 16-02-1993, tendo sido notificado do seu indeferimento em 22/4/1993, ora atendendo ao disposto no n.º 2 do artigo 123.º do CPT, dispunha do prazo de 8 dias para deduzir impugnação judicial, que contudo, só interpôs em 07/03/1994. A mesma consequência jurídica, caducidade do direito de acção, resulta, também da aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 123.º, mostrando-se efectuado o pagamento em 11/02/1993, o prazo de noventa dias, há muito se encontrava ultrapassado aquando da dedução da impugnação judicial em 07/03/1994.

XIII. No ordenamento jurídico-administrativo português, o regime regra de invalidade dos actos é a mera anulabilidade, por razões de segurança jurídica, a qual assegura que, padecendo um acto de vício que implique a sua anulabilidade, decorrido determinado hiato temporal sem que a sua validade seja atacada, tal acto se converta em definitivo, tornando-se assim válido.
XIV. Com efeito, só são nulos os actos administrativos para os quais a lei expressamente comine tal forma de invalidade, designadamente aqueles a que falte algum dos seus elementos essenciais, ou que forem ofensivos do conteúdo essencial de direitos, liberdades ou garantias.
XV. Os actos de liquidação praticados com fundamento em deliberações ilegais ou inconstitucionais são meramente anuláveis.
XVI. Efectivamente, ainda que procedesse o vício que o Recorrente invoca, o que apenas se admite por mera cautela de raciocínio, a consequência do mesmo nunca seria a nulidade, como defende, mas a mera anulabilidade, tal como decidido e bem pelo Tribunal “a quo”.
XVII. Neste sentido tem sido unânime a Jurisprudência do STA, louvando-se a Recorrida, entre outros, seguintes Acórdãos deste Tribunal Superior: Acórdão de 10 de Janeiro de 2007, proferido no Proc. n.º 459/06; Acórdão de 29 de Novembro de 2006, proferido no Proc. n.º 479/06; Acórdão de 23 de Novembro de 2005, proferido no Proc. n.º 612/05; Acórdão de 22 de Junho de 2005, proferido no Proc. n.º 1259/04; Acórdão de 12 de Janeiro de 2005, proferido no Proc. n.º 19/04; Acórdão de 15 de dezembro de 2004, proferido no Proc. n.º 1920/03.
XVIII. É precisamente esta a situação dos autos, face à qual permite-se a Recorrida concluir que a Jurisprudência maioritária daquele douto Tribunal, quanto à questão do prazo de propositura de Impugnação Judicial de actos de liquidação, com fundamento na inconstitucionalidade da deliberação na qual aquele acto colheu os seus fundamentos de direito, é a de que a mesma, por se fundar em alegado vício de anulabilidade, deverá ser intentada dentro dos prazos previstos na lei, e não a todo o tempo.
XIX. Uma vez decorrido o mencionado prazo de instauração de Impugnação Judicial e consequentemente de apreciação da sua legalidade, tais actos tornam-se definitivos e, eventualmente, convalidam-se na ordem jurídica.
XX. Bem decidiu, assim, o Tribunal “a quo” na douta sentença proferida em 22 de Outubro de 2012 que deve manter-se em vigor na ordem jurídica, estando isenta de qualquer reparo.
Nestes termos se conclui, invocando o Douto suprimento de V. Exªs, pela manutenção da douta Sentença recorrida, para que assim se faça a já costumada JUSTIÇA.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu o parecer de fls. 385 e 386 dos autos, concluindo no sentido do não provimento do recurso.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -

4 – Questão a decidir
É a de saber a sentença recorrida cometeu erro de julgamento ao julgar verificada a excepção de caducidade do direito de acção em razão da intempestividade da impugnação deduzida contra o “encargo de compensação por aumento de área” que lhe foi liquidado pela Câmara Municipal de Lisboa.


5 – Matéria de facto
Na sentença do tribunal Tributário de Lisboa objecto do presente recurso encontram-se fixados os seguintes factos:
1. A “B…………………. SA, anterior proprietária do imóvel sito na Av. ……………….., n.º …… a ….., requereu à CML, através do processo n.º 4716/OB/90, a aprovação de um projecto e o licenciamento de uma construção que pretendia implementar naquele local (cf. Processo Administrativo não numerado, de ora em diante designado de PA, n.º 4716/OB/CML).
2. Em 11/4/91 foi proferido pelo Presidente da CML despacho de aprovação do processo de licenciamento da obra identificado no ponto anterior, sob condição de pagamento de encargos de urbanização, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. despacho no PA n.º 4716/OB).
3. Em 28/9/1992 foi proferido o despacho pelo vereador do Pelouro das Finanças que fixou o encargo de compensação por aumento de área, no valor de PTE 90.629.500$00 (EUR 452058.05) exarado na informação nº 1164/D/92, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. despacho no PA n.º 4716/OB e cópia a fls. 15 dos autos).
4. Em 27/11/1992, foi deferido o pedido formulado pela ora impugnante de averbamento em seu nome de toda a documentação e licenças relativas ao processo de licenciamento descrito em 1, em virtude da aquisição do direito de propriedade em 28/1/1992 (cf. fls. 1 a 3 do PA n.º 3401 da CML).
5. Em 30/11/1992 a impugnante requereu ao Presidente da CML, a concessão de autorização para o pagamento em seis prestações mensais da compensação identificada em 3 (cf. Proc. n.º 23999 do PA).
6. Em 16/02/1993, a ora impugnante requereu ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa a revogação do Despacho que condicionou a emissão da licença de construção requerida no Proc. n.º 4716/OB/90, ao pagamento de uma compensação no valor de PTE 90.629.500$00 (EUR 452058.05) cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. requerimento no PA n.º 34.01)
7. Em 6/4/1993, foi proferido pelo Presidente da CML despacho de indeferimento do requerimento descrito no ponto anterior, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. despacho no PA n.º 34.01)
8. Em 22/4/1993 a impugnante recepcionou a comunicação do despacho identificado no ponto anterior, enviada via postal registado (cf. aviso de recepção no P.A. n.º 3401).
9. Em 11/2/1993 a impugnante efectuou o pagamento da primeira prestação do valor liquidado e descrito em 3 (cf. comprovativo a fls. 12 dos autos).
10. Em 13/4/1993, a ora impugnante deduziu recurso contencioso de anulação do despacho proferido pelo Presidente da Câmara, identificado em 2, e do despacho proferido pelo Vereador do Pelouro das finanças descrito em 3, no TAC de Lisboa (cf. PA não numerado).
11. No âmbito do processo referido no ponto anterior e por Acórdão do STA de 3/11/1994, Proc. n.º 34.575, confirmado pelo Pleno da Secção em 1.12.1996, foi declarada a incompetência em razão da matéria para conhecer do recurso referido no ponto anterior (cf. PA não numerado).
12. Em 7/3/1994 a presente impugnação deu entrada na Divisão de Contencioso e Estudos Fiscais da Câmara Municipal de Lisboa (cf. carimbo aposto a fls. 2 dos autos).

6 – Apreciando
6.1 Da excepção de caducidade do direito de acção
A sentença recorrida, a fls. 284 a 292 dos autos, julgou verificada a excepção de caducidade do direito de impugnação, absolvendo a Câmara Municipal de Lisboa do pedido, por ter entendido que a impugnação foi intentada para além do prazo substantivo de 90 dias referido no artigo 102.º do CPT (actual artigo 123.º do CPPT), não sendo o acto impugnável a todo o tempo, porque os vícios que a impugnante lhe assaca não geram nulidade, mas anulabilidade do acto - cfr. sentença recorrida, a fls. 292 dos autos.

Discorda do decidido a recorrente, pugnando pela tempestividade da impugnação, porquanto – alega – se verificaria a falta absoluta de notificação do acto impugnado (conclusões 1.ª a 7.ª das suas alegações de recurso) e a nulidade deste, por violação do disposto no art. 1.º/4 da Lei 1/87, porque actos consequentes de actos nulos, por falta de atribuições, de elementos essenciais e por ofensa do conteúdo essencial de direitos fundamentais, bem como em razão da inconstitucionalidade das normas constantes do despacho 166/P/84, na qual se fundamentou a exigência da compensação por aumento de área (conclusões 8.ª a 12.º das alegações de recurso).

A recorrida defende a manutenção do decidido, bem como o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos.

Vejamos, pois.

A impugnação que está na origem dos presentes autos foi deduzida em 7/3/1994 – cfr. o n.º 12 do probatório fixado – tendo por objecto “encargo de compensação por aumento de área” liquidado e cobrado pela câmara Municipal de Lisboa.

Ao tempo em que a impugnação foi deduzida vigorava a Lei das Finanças Locais 1/87, de 6 de Janeiro, cujo artigo 22.º (n.º 2) condicionava a impugnação da liquidação e cobrança de taxas, mais-valias e demais rendimentos gerados em relação fiscal a reclamação prévia necessária a deduzir perante os órgãos executivos das autarquias locais, com recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância territorialmente competente.

No caso dos autos, tal reclamação foi deduzida (cfr. o n.º 6 do probatório) e expressamente indeferida (cfr. o n.º 7 do probatório), tendo o despacho de indeferimento sido notificado à impugnante, por carta registada com aviso de recepção recebida em 22/4/1993 (cfr. o n.º 8 do probatório fixado).

Ao tempo, dispunha o n.º 2 do artigo 123.º do Código de Processo Tributário (CPT) que: «Em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação será de oito dias após a notificação».

Ora, tendo a impugnação sido deduzida em 7/3/1994 (cfr. o n.º 12 do probatório fixado), é manifesto que há muito havia sido ultrapassado o prazo de que a ora recorrente dispunha para a impugnação do acto.

À mesma conclusão se chegaria se se considerasse aplicável ao prazo de impugnação do acto sindicado a alínea a) do n.º 1 do artigo 123.º do CPT, como fez a sentença recorrida.

É certo que o n.º 3 do artigo 123.º do CPT estabelecia que “O disposto neste artigo não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias”, podendo entender-se, por aplicação supletiva das disposições do Código de Procedimento Administrativo que, estando em causa actos nulos, estes seriam impugnáveis a todo o tempo.

Sucede, porém, que, como bem decidido, o acto de liquidação em causa, mesmo que padecesse dos vícios que lhe são imputados pelo impugnante, não seria impugnável a todo o tempo.

Sobre esta questão, que não é nova, houve no passado vivo debate jurisprudencial, no termo do qual se firmou uma corrente jurisprudencial uniforme, embora não pacífica (como se colhe nos votos de vencido lavrados nos Acórdãos do Plenário de 30 de Maio de 2001, proc. n.º 22.251 e de 7 de Abril de 2005, proc. n.º 1108/03), no sentido de que não são impugnáveis a todo o tempo os actos de liquidação como o que está em causa nos autos, antes têm de ser impugnados no prazo de impugnação dos actos anuláveis ou, nos casos em que haja instauração de execução fiscal, até ao termo do prazo de oposição.

Esta orientação jurisprudencial foi reafirmada em pelo menos três acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste STA (Acórdãos de 22 de Junho de 2005, proc. n.º 1259/04, de 16 de Novembro de 2005, proc. n.º 019/04 e de 5 de Julho de 2007, proc. n.º 479/06), todos tomados por unanimidade, reassumida posteriormente em vários outros acórdãos da secção, entre os quais o Acórdãos de 10 de Janeiro de 2007, rec. n.º 459/06, e ainda muito recentemente reiterada em Acórdão do Pleno da Secção do passado dia 16 de Outubro, rec. n.º 412/13, também unânime, onde se consignou, entre o mais, ser nesse sentido a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA.

Nas suas alegações de recurso, sintetizadas nos termos supra reproduzidos, o recorrente nenhum argumento novo aporta à discussão que, por não ter sido antes considerado ou por se impor sobre todos os demais, conduza a contrariar a jurisprudência firmada no sentido da não impugnabilidade a todo o tempo dos actos de liquidação como os que estão em causa nos autos.

De facto, se parece um ilogismo jurídico que os actos consequentes de uma norma ou deliberação ferida pela lei com o vício da nulidade sejam meramente anuláveis, também o seria reconhecer que a “ilegalidade abstracta”, em sede de execução, teria de ser invocada no prazo de oposição à execução, mas a impugnação da respectiva liquidação poderia fazer-se “a todo o tempo”.

Perfilharemos, pois, a orientação jurisprudencial no sentido de que está sujeita a prazo a impugnação de acto de liquidação de “compensação por aumento de área”, sendo, pois, extemporânea a impugnação deduzida pelo ora recorrente, como bem decidiu a sentença recorrida, que nenhuma censura merece, e pelos fundamentos constantes do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste STA de 22 de Junho de 2005, proc. n.º 1259/04, no qual se consignou o seguinte entendimento:

«(…) No domínio do contencioso tributário, a nulidade ou mesmo a inexistência de norma em que se baseie um acto de liquidação não implica a nulidade deste, gerando apenas uma situação de ilegalidade abstracta da liquidação, com o regime que resulta da al. a) do n.º 1 do art. 286.º do CPT (aplicável ao caso).

Assim, a serem nulas as deliberações camarárias que prevêem o lançamento dos tributos liquidados pelos actos impugnados, estes enfermarão de ilegalidade abstracta que poderia ser invocada até ao termo do prazo de oposição, se tivesse tido lugar a cobrança coerciva.
Tendo havido pagamento voluntário, a impugnação dos actos referidos apenas poderia ter lugar de acordo com o regime legal de impugnação de actos anuláveis.
E o mesmo se diga,
mutatis mutandis, em relação a acto que aplique norma inconstitucional, salvo se ofenderem o conteúdo essencial de um direito fundamental - al. d) do n.º 2 do art. 133.º do CPA - o que não é o caso do princípio da legalidade ou do direito à propriedade privada que não é absoluto ou ilimitado, como o TC vem acentuando.
As imposições tributárias não podem ser vistas como restrições ao direito de propriedade mas antes como limites implícitos deste direito, mesmo que se considere o direito de propriedade um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias.
Cfr. os Acs. do STA de 30/05/2001 rec. 22.251 (Plenário) e de 29/06/2005 rec. 117/05, 22/06/2005 rec. 1259/04 (Pleno), 25/05/2004 rec. 208/04, 25/05/2004 rec. 1708/03, 12/01/2005 rec. 19/04, 28/01/2004 rec. 1709/03, 14/01/2004 rec. 1678/03, 15/12/2004 rec. 1920/03; do TC n.º 67/91
in BMJ 406-190 e o Parecer da Procuradoria Geral da República de 30/06/2005, in DR, II Série, de 26/09/2005» (fim de citação).

Improcedem, deste modo, as alegações do recorrente, estando o seu recurso votado ao insucesso.


- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando, com a presente fundamentação, a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 23 de Outubro de 2013. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Valente Torrão – Dulce Neto.