Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0647/12
Data do Acordão:09/12/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS
RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO POR CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO
COIMA
Sumário:I - Sendo o valor da causa inferior ao de um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1ª instância e apesar de a recorrente não ter referido formalmente a expressão «recurso por oposição de julgados» é de admitir o recurso nos termos do disposto nos nºs. 4 e 5 do art. 280º do CPPT se, verificando-se os demais requisitos de admissibilidade (tempestividade, legitimidade), também se depreende claramente das respectivas alegações e conclusões que o mesmo é interposto por a sentença estar em oposição com identificadas decisões do STA.
II - Transitada a decisão de aplicação de coima, a questão da prescrição do procedimento pela respectiva contra-ordenação deixa de relevar, passando, antes, a relevar a eventual prescrição da sanção (coima), também ela sujeita a prazo de prescrição (5 anos), nos termos do art. 34º do RGIT.
Nº Convencional:JSTA00067771
Nº do Documento:SA2201209120647
Data de Entrada:06/11/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECLAMAÇÃO
Objecto:DESPACHO DE 2012/07/13
Decisão:DEFERIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPC96 ART700 N3 N4
CPPTRIB99 ART280 N4 N5 ART281 ART283 ART284 ART98 N4 ART276 ART175 ART204 N1 D
LGT98 ART105 ART97 N3
ETAF02 ART26 B ART27
ETAF84 ART30 ART32 N1 B ART33 N1 B
RGIT01 ART33 N1 ART34 ART70 ART71 ART79 N2 ART80
CPENAL ART121 N3
RGCO ART30-A
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0409/11 DE 2011/05/11; AC STA PROC0408/08 DE 2008/10/01; AC STA PROC022955 DE 1999/03/13
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLIV 6ED PAG419/422.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública, notificada do despacho proferido pelo relator, em 13/7/2012 (fls. 92), que não admitiu (por o valor do processo ser inferior à alçada) o recurso interposto da decisão do TAF de Sintra (que julgou procedente a reclamação contra acto praticado pelo órgão da execução fiscal – art. 276º do CPPT - deduzida pelo executado A…… (na execução fiscal nº 1503.2008/01318470, instaurada no Serviço de Finanças de Cascais 1, para pagamento de dívida de coimas e encargos de processo contra-ordenacional), vem reclamar para a conferência, ao abrigo do nº 3 do art. 700º do CPC.

1.2. Alega o seguinte:
1. Entendeu o Ex. Sr. Conselheiro Relator não admitir o recurso interposto pela Fazenda Pública, por entender não ser legalmente admissível em função do valor da causa.
2. A Fazenda Pública recorreu jurisdicionalmente da sentença do TAF de Sintra que, julgando procedente reclamação de decisão do órgão da execução fiscal deduzida pelo recorrido, e que julgou prescrito o procedimento contra-ordenacional contra este instaurado.
3. No que respeita à questão do valor da causa, dir-se-á, que de facto o valor da coima é inferior ao da alçada dos tribunais tributários. Contudo, dispõe o nº 5 do artigo 280° do CPPT, que: «5 - A existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.»
4. Pelo que, é admissível a interposição de Recurso jurisdicional em causas, cujo valor não exceda o valor da alçada, no caso, dos tribunais tributários, desde que perfilhem soluções opostas relativamente ao mesmo fundamento de direito, com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.
5. Ora, o Recurso apresentado pela Fazenda Pública encontra-se devidamente fundamentado nas alegações de recurso, e ali se sustenta que a decisão recorrida errou ao julgar prescrito o procedimento contra-ordenacional, tendo seguido um entendimento oposto ao de jurisprudência desse STA.
6. No sentido de fundamentar a oposição entre a decisão recorrida e a jurisprudência do STA, são citados e identificados dois Acórdãos nas alegações de recurso.
7. Concretamente, é defendido nas alegações de recurso jurisdicional que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, deveria ter sido seguido o entendimento propugnado no Ac. desse STA proferido em 11/05/2011 no Rec. 0409/11, o qual sustenta que a prescrição do procedimento de contra-ordenação não constitui fundamento de reclamação de acto do órgão de execução fiscal. E, no caso dos autos a decisão recorrida aceitou como fundamento da presente reclamação de acto de execução fiscal, a prescrição do procedimento de contra-ordenação.
8. No que se refere à suscitada questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, é indicado nas alegações de recurso o douto Ac. do STA de 01/10/2008 proferido no Proc. 0408/08, por jurisprudência ali vertida defender que a prescrição do procedimento contra-ordenacional ficar coberta pelo trânsito em julgado da respectiva decisão de aplicação da coima. Ora, a FP, entende que a sentença recorrida andou mal ao ter decidido em sentido oposto ao entendimento do referido Acórdão.
9. Donde, é forçoso concluir que o Recurso interposto deve ser admitido com fundamento em oposição a jurisprudência do STA, dado que tal oposição foi devidamente fundamentada e os Acórdãos devidamente identificados.
Termos em que, com o douto suprimento de Vª. Exª. se requer que sobre a matéria recaia Acórdão deliberando no sentido da admissão do recurso por oposição de Acórdãos, seguindo os demais trâmites.

1.3. Notificado, o recorrido nada disse.

1.4. O MP emite Parecer no sentido da procedência da reclamação.

1.5. Com dispensa de vistos, o processo vem à conferência.


FUNDAMENTOS
2. O despacho reclamado é do teor seguinte:
«1. A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mm° Juiz do TRAF de Sintra que, julgando procedente reclamação de decisão do órgão da execução fiscal deduzida pelo recorrido A……., julgou prescrito o procedimento contraordenacional contra este instaurado.
2. O M° P°, no seu parecer de fls. 82, invocou a inadmissibilidade legal do recurso em função do valor da coima aplicada.
3. Notificadas as partes para se pronunciarem, querendo, sobre esta questão prévia suscitada pelo M° P°, nada vieram dizer (V. fls. 88 e segs.)
4. Cumpre decidir.
Estabelece o art. 83°, n° 1 do RGIT:
“l. O arguido e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1ª instância para o Tribunal Central Administrativo, exceto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1ª instância e não for aplicada sanção acessória”.
Como bem refere o M° P°, a alçada dos tribunais tributários corresponde a 935,25 euros relativamente a processos iniciados até 31 de dezembro de 2007 e 1.250,00 euros relativamente a processo iniciados a partir de l de janeiro de 2008, por aplicação do disposto nos arts. 24°, n° 1 da Lei n° 3/99, de 13 de janeiro, e da sua redação conferida pelo Decreto-Lei n° 303/2007, de 24 de agosto e 6°, n° 1 do ETAF.
Ora, o valor da coima aplicada é de 148,00 euros, pelo que o recurso não é legalmente admissível, sendo certo que a decisão do tribunal tributário não vincula este Supremo tribunal, como claramente resulta do estabelecido no art. 685°-C, n° 5 do CPC.
5. Nestes termos e pelo exposto não se admite o recurso interposto pela Fazenda Pública.
Custas pela recorrente.
Notifique.»

3. Apreciemos, pois, a presente reclamação para a conferência.
3.1. Nos termos do disposto nos nºs. 3 e 4 do art. 700º do CPC, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão, devendo o relator submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária e sendo a reclamação decidida no acórdão que julga o recurso, salvo quando a natureza das questões suscitadas impuser decisão imediata.

3.2. No caso presente, como flui da alegação da reclamante Fazenda Pública, acima transcrita, a reclamação para a conferência é apresentada porque, no seu entender, apesar de o valor da causa ser inferior à alçada, o recurso é admissível já que a sentença perfilha solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito, a uma decisão de tribunal de hierarquia superior, sendo que o recurso se encontra devidamente fundamentado nas respectivas alegações e ali se sustenta que a decisão recorrida errou ao julgar prescrito o procedimento contra-ordenacional, tendo seguido um entendimento oposto ao de jurisprudência do STA, citando-se e identificando-se, no sentido de fundamentar a oposição entre a decisão recorrida e a jurisprudência do STA, dois acórdãos.
E na verdade afigura-se-nos que assim é.
a) Por um lado, apesar de nas alegações e conclusões do recurso não referir formalmente a expressão «recurso por oposição de julgados» a recorrente invoca, porém, claramente (nas Conclusões XV a XVIII) que o julgado recorrido está em oposição com as decisões do STA que identifica (os acs. da SCT do STA, de 11/5/2011, rec. n° 0409/11, de 1/10/2008, rec. nº 408/08 e de 13/3/1999, rec. nº 022955).
Com efeito alega ali o seguinte:
«XV. Neste sentido, o procedimento prescreveria no máximo em 30.11.2011 (30.04.2004 acrescido de 7 anos e meio) e seria este o prazo a que se atenderia por ter ocorrido primeiro.
XVI. E foi aqui que a douta sentença errou, pois o procedimento prescreveria naquela data, caso a decisão de fixação de coima não se tivesse materializado quando se tornou definitiva por trânsito em julgado ocorrido em 09 de Outubro de 2008.
XVII. É preciso ter isto em atenção, pois o que o ora Reclamante invocou não foi a prescrição da dívida exequenda mas sim, a do procedimento de contra-ordenação e neste contexto, não faz qualquer sentido falar-se naquele após a condenação do arguido com trânsito em julgado, aliás conforme vem reiterado no Acórdão de 11.05.2011, proc. N° 0409/11, 2ª Secção do STA.
XVIII. Pois que, "a prescrição do procedimento de contra-ordenação está coberta pelo trânsito em julgado da respectiva decisão de aplicação da coima", conforme neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 01.10.2008, Recurso 408/08 e de 13.03.1999, Recurso 022955, ambos in www.dgsi.pt.»
Trata-se, a nosso ver, de uma manifestação concreta e substancial de que a sentença recorrida decidiu em oposição com tal jurisprudência.
E, assim sendo, afigura-se-nos ser de aceitar que o recurso foi interposto nos termos dos citados nºs. 4 e 5 do art. 280º do CPPT, normativo onde (em concretização do disposto no art. 105º da LGT) se prevê a possibilidade de recurso para o STA em casos que, sendo o valor da causa inferior ao de um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1ª instância, tiverem por objecto decisões que perfilhem solução oposta, relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, à adoptada em mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.
Como aponta o cons. Jorge de Sousa, ( ( ) Cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª edição, 2011, anotações 10 e 11 ao art. 280º, pp. 419 a 422. ) este «recurso de decisões dos tribunais tributários com fundamento em oposição de julgados segue a tramitação dos recursos jurisdicionais previstos no presente art. 280º, designadamente a que resulta dos arts. 281º a 283º, e não a prevista no art. 284º, como se deduz da referência que neste último se faz a acórdãos, e não também a sentenças ou, genericamente, a julgados. Assim, designadamente, não haverá, nestes recursos do art. 280º, uma decisão autónoma sobre a questão preliminar da existência da oposição, que deve ser apreciada como mais um pressuposto do recurso, que acresce aos restantes pressupostos processuais (como, por exemplo, a legitimidade e a tempestividade que também devem ser apreciadas, expressa ou tacitamente, antes de se passar à apreciação do mérito do recurso). (…)
Entre os requisitos de admissibilidade do recurso com fundamento em oposição de julgados inclui-se o de terem transitado em julgado as decisões invocadas como fundamento do recurso» e não «se fazendo qualquer restrição relativamente à formação do STA com competência em contencioso tributário (SCT ou Pleno ou Plenário) que proferiu o acórdão com o qual a decisão da 1ª instância está em contradição, esta pode ocorrer em relação a qualquer acórdão do STA» e sendo que «o que está em causa no recurso previsto no art. 280º, nº 5, do CPPT é apreciar a correcção da decisão da 1ª instância, sendo a oposição com um acórdão do STA um mero requisito de admissibilidade do recurso» e que «Este recurso com fundamento em oposição de julgados deverá ser interposto invocando esse fundamento e com indicação do lugar em que tenham sido publicadas ou registadas as decisões, podendo o juiz ordenar a junção de certidões para efeitos de seguimento do recurso, sob pena de não admissão do recurso (art. 284º, nºs 1 e 2 do CPPT, analogicamente aplicável)» cabendo à SCT do STA e não ao respectivo Pleno, diferentemente do que sucede com os recursos por oposição de acórdãos, a competência para conhecer de tal recurso, como resulta actualmente do disposto nos arts. 26º, al. b), e 27º do ETAF de 2002 e já resultava do disposto nos arts. 30º, 32º, nº 1, alínea b), e 33º, nº 1, alínea b), do ETAF de 1984.
Conclui-se, portanto, que embora o valor da causa seja inferior ao de um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1ª instância e embora a recorrente não tenha referido formalmente a expressão «recurso por oposição de julgados» o que se depreende claramente das suas alegações e conclusões é que o mesmo é interposto por a sentença estar em oposição com decisões do STA que identifica.

b) Por outro lado, verificam-se os demais requisitos de admissibilidade - tempestividade e legitimidade ( ( ) Aliás, em situação inversa o Cons. Jorge de Sousa aponta que, «Se, eventualmente, o recurso foi interposto para o STA ao abrigo do nº 5 do art. 280º e se vem a constatar que não se verifica a alegada oposição de julgados, o recurso pode ser convolado para recurso nos termos gerais, desde que ele seja admissível à face das regras gerais, em consonância com o princípio da correcção oficiosa da forma de processo, enunciado nos arts. 97º, nº 3, da LGT e 98º nº 4, do CPPT. Neste caso, se se constatar que o âmbito do recurso não se restringe a matéria de direito, o STA, depois de efectuar a convolação do recurso, deverá declarar-se incompetente para conhecimento do mérito do recurso.» (cfr. Ibidem, anotação 11 d) ao art. 280º, p. 422). ) e, como se vê, nomeadamente do referido acórdão de 11/5/2011, rec. n° 0409/11, transitado em julgado, a sentença recorrida perfilha solução oposta à firmada em tal aresto, sendo que ambos os casos versam e decidem expressamente sobre situações fácticas substancialmente idênticas, num quadro legislativo substancialmente idêntico.

3.3. Neste contexto, procede, pois, a presente reclamação para a conferência, revogando-se em conformidade o despacho reclamado e admitindo-se, em conformidade, o presente recurso por oposição de julgados, nos termos do disposto nos nºs. 4 e 5 do citado art. 280º do CPPT.

4. Cabe, portanto, apreciar o mérito do recurso (como se disse, não há, nestes recursos do art. 280º, uma decisão autónoma sobre a questão preliminar da existência da oposição, que deve ser apreciada como mais um pressuposto do recurso, que acresce aos restantes pressupostos processuais, antes de se passar à apreciação do mérito do próprio recurso).
É, pois, o que se passará a fazer em seguida.

5. Este ora admitido recurso vem interposto pela Fazenda Pública da decisão do TAF de Sintra que, julgando procedente a reclamação contra acto do órgão da execução fiscal – art. 276º do CPPT - deduzida pelo executado A…… (na execução fiscal nº 1503.2008/01318470, instaurada no Serviço de Finanças de Cascais 1, para pagamento de dívida de coimas e encargos de processo contra-ordenacional), anulou o despacho proferido pelo chefe daquele Serviço de Finanças.

5.2. A recorrente formulou as Conclusões seguintes:
I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a reclamação deduzida por A……., NIF ……., contra o despacho de 15 de Dezembro de 2011, proferido pelo Exmo. Senhor Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Cascais 1, que indeferiu o pedido de prescrição do procedimento de contra-ordenação.
II. Considerou a douta sentença que, nos termos do regime previsto no RGIT que entrou em vigor em 05.07.2001, conforme artigo 14° da Lei 15/01 de 5 de Junho, o prazo prescricional é de 5 anos, conforme n° 1 do artigo 33° RGIT.
III. E que assim sendo, e tendo em conta o preceituado no n° 1 do artigo 33° do RGIT, o prazo de cinco anos previsto no n° 1 daquele preceito, interrompe-se e suspende-se nos termos do n° 3 do mesmo artigo.
IV. Deste modo, para evitar que a renovação do prazo de prescrição, depois de cada interrupção, torne eterna a possibilidade de prosseguir um processo de contra-ordenação contra o arguido, a jurisprudência do STA tem decidido no sentido de aplicar subsidiariamente o n° 1 do artigo 121° do Código Penal.
V. Conclui assim a douta sentença que, no caso sub judice, o reclamante praticou a infracção em 30 de Abril de 2004, ou seja, a data limite para entrega da declaração modelo 3 de IRS respeitante ao ano de 2003.
VI. Porquanto, considerou ter ocorrido a prescrição em 30.10.2011, pelo decurso do prazo de sete anos e meio contados da prática da infracção e que por isso, à data em que o despacho reclamado foi proferido, já tinha decorrido o prazo de prescrição.
VII. Em face do exposto, e salvo o devido respeito, entende a Administração Fiscal que o Tribunal a quo errou no seu julgamento quando perante os factos, entendeu que se verifica a prescrição do procedimento contra-ordenacional em 30.10.2011, pelo decurso do prazo de sete anos e meio contados da data da prática da infracção (30.04.2004).
VIII. Porquanto, in casu, o ora Reclamante, não entregou a declaração modelo 3 de IRS respeitante ao ano de 2003, a que estava legalmente obrigado nos termos do artigo 57° do Código do Imposto sobre Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), sendo que o prazo legal para cumprimento daquela obrigação terminou em 30 de Abril de 2004, conforme o n° 1 do artigo 57° CIRS.
IX. Não tendo cumprido com a obrigação a que estava obrigado incorreu em infracção (contra-ordenação) tipificada nos termos do artigo 116° do RGIT; tendo o ora Reclamante praticado uma infracção omissiva, esta considera-se praticada na data em que terminou o prazo para a entrega da declaração, isto é, 30 de Abril de 2004.
X. E é a partir daqui que é necessário determinar qual o prazo que a Administração Fiscal dispõe para determinar e exigir ao ora Reclamante, a coima devida pela prática de tal infracção.
XI. O prazo de prescrição do procedimento de contra-ordenação é de 5 anos reduzido ao prazo de caducidade no caso da infracção depender de liquidação da prestação tributária, sendo que, a infracção depende de liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de sanção aplicável depender do valor daquela prestação, o que não ocorre in casu, dado que na contra-ordenação tipificada no artigo 116° do RGIT (FALTA DE ENTREGA DE DECLARAÇÕES/ a sanção aplicável não depende de prestação tributária.
XII. Atendendo a que, a notificação para exercer o direito de defesa nos termos do artigo 70° do RGIT, teve lugar em 30 de Outubro de 2007, ocorre aqui uma causa de interrupção do prazo de prescrição do procedimento de contra-ordenação (com a notificação ao arguido, ora Reclamante, para exercício do direito de defesa nos termos do artigo 70° do RGIT, em 30.10.2007) nos termos do n° 3 do artigo 33° do RGIT e alínea a) do n° 1 do artigo 28° do Regime Geral de Contra-ordenações (RGCO).
XIII. A interrupção tem como efeito a inutilização de todo o tempo entretanto decorrido, reiniciando-se a contagem de prescrição novamente, logo que desapareça essa causa de interrupção, conforme o que resulta do n° 2 do artigo 121° do Código Penal (C.P.), pelo que, tendo em conta a data (30.10.2007) em que se verificou a notificação (facto interruptivo), a prescrição do procedimento ocorreria em 30.10.2012. ou seja, 5 anos após 30.10.2007 - data da notificação para defesa).
XIV. Por outro lado, quando se verifica uma interrupção no prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, deve atender-se ao prazo máximo de prescrição, que tem sempre lugar, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, quando tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.
XV. Neste sentido, o procedimento prescreveria no máximo em 30.11.2011 (30.04.2004 acrescido de 7 anos e meio) e seria este o prazo a que se atenderia por ter ocorrido primeiro.
XVI. E foi aqui que a douta sentença errou, pois o procedimento prescreveria naquela data, caso a decisão de fixação de coima não se tivesse materializado quando se tornou definitiva por trânsito em julgado ocorrido em 09 de Outubro de 2008.
XVII. É preciso ter isto em atenção, pois o que o ora Reclamante invocou não foi a prescrição da dívida exequenda mas sim, a do procedimento de contra-ordenação e neste contexto, não faz qualquer sentido falar-se naquele após a condenação do arguido com trânsito em julgado, aliás conforme vem reiterado no Acórdão de 11.05.2011, proc. N° 0409/11, 2ª Secção do STA.
XVIII. Pois que, "a prescrição do procedimento de contra-ordenação está coberta pelo trânsito em julgado da respectiva decisão de aplicação da coima", conforme neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 01.10.2008, Recurso 408/08 e de 13.03.1999, Recurso 022955, ambos in www.dgsi.pt.
XIX. Em conformidade com o disposto no artigo 34° do RGIT, contando-se o prazo de 5 anos desde a data em que a decisão de aplicação da coima transitou em julgado (09.10.2008), verifica-se que a prescrição do procedimento de contra-ordenação ainda não ocorreu, ocorrerá sim em 09.10.2013.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão recorrida ser revogada e a reclamação do acto de órgão de execução fiscal ser declarada totalmente improcedente.

5.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

5.4. O MP emitiu, como se disse, Parecer no sentido da não admissibilidade do recurso, dado ser a causa de valor inferior à alçada.
Questão que supra foi já apreciada.

6. A sentença recorrida fixou a matéria de facto seguinte:
a) Corre termos contra o Reclamante A……, no Serviço de Finanças de Cascais 1, o processo de Execução Fiscal n° 1503.2008/01318470, para pagamento de dívida de coimas e encargos de processo contra-ordenacional, no valor de Euros 148,00 - Cfr. documento a fls. 1 do PEF apenso aos autos;
b) O Reclamante foi condenado ao pagamento da coima referida na alínea antecedente pela falta de entrega da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2003 - Cfr. Informação a fls. 14;
c) O prazo para cumprimento da obrigação de entrega da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2003 terminou em 30 de Abril de 2004 - Cfr. Informação a fls. 14;
d) Em 6 de Dezembro de 2011 o ora Reclamante dirigiu requerimento ao Chefe de Serviço de Finanças de Cascais 1, no âmbito do PEF referido em a), pedindo o arquivamento dos autos, por efeito de prescrição - Cfr. documento a fls. 3 do PEF apenso aos autos;
e) Em 15 de Dezembro de 2011 foi proferido despacho, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Cascais 1, indeferindo o pedido do Reclamante mencionado na alínea antecedente, nos seguintes termos: "(...) Vistos os autos e a informação supra e com base na legislação invocada, atendendo a que não se encontram reunidos os pressupostos para a verificação da prescrição, indefiro a pretensão do executado. (...)" - Cfr. fls. 9 do PEF apenso aos autos;

7.1. Enunciando como única questão a decidir a que se prende com a prescrição da dívida de coima em cobrança coerciva, a sentença veio a julgar procedente a reclamação, na consideração de que, sendo o prazo de prescrição o de 5 anos (nº 1 do art. 33º do RGIT) contados da prática da infracção [30/4/2004 - que corresponde à data limite para entrega da declaração modelo 3 de IRS respeitante ao ano de 2003 (cfr. alínea c) do probatório)] e sendo de aplicar supletivamente o disposto no nº 3 do art. 121° do Código Penal, então ocorreu (em 30/10/2011) a prescrição, pelo decurso do prazo de sete anos e meio contados da data da prática da infracção, o que significa que, à data em que foi proferido o despacho reclamado, já tinha decorrido o prazo de prescrição, pelo que deverá o mesmo ser anulado.

7.2. Mas, salvo o devido respeito, não é assim.
Vejamos.
A sentença recorrida respeita à reclamação apresentada, nos termos do art. 276º do CPPT, contra o despacho proferido na execução fiscal nº 1503.2008/01318470 (instaurada para pagamento de dívida de coimas e encargos de processo contra-ordenacional, no valor de Euros 148,00) pelo chefe do Serviço de Finanças de Cascais 1.
Referenciando que o processo de execução fiscal respeita a uma pretensa falta de entrega do IRS referente ao ano de 2003, o executado (ora recorrido) requereu ao chefe do Serviço de Finanças de Cascais 1 o arquivamento dos autos, invocando que «O prazo de procedimento por contra-ordenação prescreve decorridos que estejam cinco anos da data da infracção», que «A obrigação deveria ter sido cumprida em Abril de 2004», pelo que, «… aplicando a título subsidiário o Código de Processo Penal, a prescrição ocorre sempre que tenha decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade», «Pelo que o prazo de prescrição ocorreu em 30 de Outubro de 2011» (cfr. o requerimento de fls. 4 do apenso).
E o despacho reclamado indeferiu o ali peticionado, com fundamento, no essencial, em que não ocorreu a prescrição da dívida exequenda, pois considerando o disposto no art. 34º do RGIT e no art. 30º-A do RGCO, não passaram sete anos e meio sobre a data do trânsito em julgado da decisão de fixação de coima (9/10/2008).
A sentença veio, como se viu, a julgar procedente a reclamação, na consideração de que, sendo aplicável supletivamente o disposto no nº 3 do art. 121° do CPenal, a prescrição ocorreu em 30/10/2011, pelo decurso do prazo de sete anos e meio contados da data da prática da infracção, pelo que à data em que foi proferido o despacho reclamado já tinha decorrido tal prazo de prescrição.
Ora, como se salienta num dos acórdãos fundamento invocados pela recorrente (o ac. deste STA, de 11/5/2011, rec. nº 0409/11), a prescrição do procedimento de contra-ordenação (invocada pelo ora recorrido como fundamento do requerimento oportunamente dirigido ao Serviço de Finanças e que está na origem do despacho de indeferimento reclamado) «constitui vício do procedimento sancionatório a alegar no próprio processo de contra-ordenação (na fase de defesa do arguido – cfr. arts. 70º e 71º do RGIT) ou em recurso judicial da decisão de aplicação da coima, a deduzir no prazo de 20 dias após a notificação desta, nos termos dos arts. 79º nº 2 e 80º e ss. do RGIT.
Ultrapassada aquela fase processual e esgotado o prazo para o recurso da decisão sem que este seja deduzido, a questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional fica coberta pelo trânsito em julgado da respectiva decisão de aplicação da coima (cfr. o Acórdão deste Supremo Tribunal de 1 de Outubro de 2008, rec. n.º 0408/08), tornando-se insindicável pelo arguido.»
Ou seja, transitada a decisão de aplicação de coima, a questão da prescrição do procedimento pela respectiva contra-ordenação deixa de relevar e de poder ser apreciada nesta sede executiva, no âmbito da qual passa, antes, a relevar a eventual prescrição da sanção (coima), também ela sujeita a prazo de prescrição (5 anos), nos termos do art. 34º do RGIT.
No mencionado requerimento o ora recorrido terá, pois, laborado em erro ao pedir, já em sede do processo de execução da quantia correspondente à coima aplicada, a declaração de prescrição do procedimento contra-ordenacional.
E a sentença recorrida, que anula o despacho reclamado (proferido pelo chefe do Serviço de Finanças de Cascais 1) igualmente labora no mesmo equívoco, ao considerar que, por estar prescrito o procedimento contra-ordenacional, nos termos que foram alegados pelo executado, tal despacho é ilegal.
Porém, uma coisa é a prescrição do procedimento contra-ordenacional e coisa diferente é a prescrição da dívida exequenda.
Como igualmente se exara no supra citado acórdão deste STA de de 11/5/2011, rec. nº 0409/11, e decorre de jurisprudência já firmada em face do CPT (cfr. os ali referidos acs. do STA de 18/2/1998, rec. nº 22.195 e de 10/3/1999, rec. nº 22.955 – também este invocado como acórdão fundamento para a presente oposição de julgados) e que vale integralmente em relação aos arts. 175º e 204º nº 1, al. d) do CPPT (cfr. o ac. deste Tribunal de 11/10/2008, rec. nº 408/08 – igualmente invocado como acórdão fundamento) «a prescrição de conhecimento oficioso a que se refere o artigo 175º do CPPT é a prescrição da dívida exequenda, podendo, naturalmente, quando a dívida exequenda respeite a coima abranger a prescrição das coimas (cfr. o nº 2 do artigo 176º do CPPT e o artigo 34º do RGIT), mas não a prescrição do procedimento contra-ordenacional», que é o fundamento invocado pelo recorrente na sua reclamação.
Ora, como bem alega a recorrente Fazenda Pública, contando-se o prazo de prescrição (5 anos) da coima (art. 34° do RGIT) desde a data em que a decisão de aplicação da coima transitou em julgado (9/10/2008 – cfr. fls. 14 a 18) e correspondendo a quantia exequenda ao valor da própria coima, verifica-se que a prescrição da mesma ainda não ocorreu (ocorrerá, eventualmente, em 9/10/2013).
Impõe-se, pois, pelo exposto, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a reclamação (apresentada nos termos do art. 276º do CPPT), assim se dando provimento ao recurso.


DECISÃO
Nestes termos acorda-se em:
a) Julgar procedente a reclamação para a conferência (apresentada nos termos do nº 3 do art. 700º do CPC), revogar o despacho do relator proferido em 13/7/2012 (fls. 92) e admitir o presente recurso, como recurso por oposição de julgados, nos termos do disposto nos nºs. 4 e 5 do art. 280º do CPPT.
b) Conhecendo do mérito do recurso, julgá-lo procedente e, consequentemente, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a reclamação (apresentada, pelo ora recorrido, nos termos do art. 276º do CPPT), confirmando-se o despacho reclamado (proferido em 15/12/2011 pelo chefe do Serviço de Finanças de Cascais 1).

Custas pelo recorrido, apenas em 1ª instância, dado que não contra-alegou o recurso.

Lisboa, 12 de Setembro de 2012. - Casimiro Gonçalves (relator) - Francisco Rothes - Fernanda Maçãs.