Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0869/17
Data do Acordão:11/16/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:INSCRIÇÃO
FUMUS BONI JURIS
ORDEM
ORDEM DOS NUTRICIONISTAS
Sumário:I - A norma transitória do art.º 4.º, n.º 4, da Lei n.º 126/2015, de 3/9, veio permitir, dentro de um determinado prazo, a inscrição na Ordem dos Nutricionistas dos profissionais que, antes de 1/1/2011, estavam legalmente habilitados a exercerem a profissão de nutricionista ou dietista.
II - Se antes de 1/1/2011 a profissão de nutricionista era de exercício livre, a referência à habilitação legal para o exercício da profissão faz supor que no âmbito de aplicação do aludido preceito apenas cabem as situações em que há um regime jurídico que habilita esse exercício, ou seja, em que este está legalmente enquadrado.
III - Não se deve considerar demonstrada a verificação do requisito do “fumus boni iuris” se as requerentes da providência cautelar – licenciadas em Nutrição Humana, Social e Escolar, pela Escola Superior de Educação Jean Piaget que, antes de 1/1/2011, exerciam a profissão de nutricionistas – pretendem inscrever-se na Ordem dos Nutricionistas ao abrigo do referido art.º 4.º, n.º 4.
Nº Convencional:JSTA00070414
Nº do Documento:SA1201711160869
Data de Entrada:10/09/2017
Recorrente:ORDEM DOS NUTRICIONISTAS
Recorrido 1:A... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - SUSPEFIC.
Legislação Nacional:L 126/15 DE 11/03 ART4 N4.
L 51/2010 DE 12/14 ART6 ART62 N1.
L 2/2013 DE 01/10.
DL 564/99 DE 12/21 ART5 N1 E.
DL 414/91 DE 10/22 ART1 ART9 N1 ART20 ART21.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:


1. A………………, B……………., C………………, D………….., E…………… e F…………….., intentaram, contra a Ordem dos Nutricionistas, processo cautelar, onde formularam os seguintes pedidos:
“a) Sejam as Requerentes autorizadas a continuar a exercer a profissão de nutricionista na pendência da acção principal e até ao trânsito em julgado da mesma, sendo, para tal, a Requerida intimada a fim de as inscrever como membros efectivos e a entregar-lhes as respectivas cédulas profissionais, as quais devem ser do mesmo modelo e ter as mesmas menções que as cédulas entregues aos demais membros sem a colocação de qualquer numeração distinta ou elemento discriminativo relativamente a estes;
b) Seja a Requerida intimada a abster-se de intentar quaisquer acções criminais contra as Requerentes ou contraordenacionais contra os seus empregadores ou utentes dos seus serviços, pelo exercício da profissão de nutricionista”.
Por sentença do TAC, foram as requeridas providências cautelares indeferidas.
Desta sentença, as requerentes interpuseram recurso, ao qual veio a ser concedido provimento, por acórdão do TCA-Sul que decidiu “intimar a Ordem dos Nutricionistas a inscrever provisoriamente as requerentes A…………….., B………….., D……………… e E………….. nessa Ordem como membros efectivos, emitindo as respectivas cédulas profissionais”.
A Ordem dos Nutricionistas interpôs, para este STA, recurso de revista, do referido acórdão, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:

A).O artigo 150.°, n.° 1, do CPTA, admite a interposição de um recurso de revista quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

B). Como decorre da lei e tem sido salientado pela jurisprudência, o recurso de revista previsto no n.° 1 do artigo 150.° do CPTA pretende possibilitar a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo naquelas situações em que a questão a apreciar assume importância para tal devido à sua relevância jurídica ou social ou à necessidade de intervenção do Supremo Tribunal para uma melhor aplicação do direito.

C). No que se refere à importância social da questão, é evidente que o tema de cumprimento de requisitos de inscrição em associações públicas que regulam profissões é muito relevante; efetivamente trata-se de estabelecer quem pode e quem não pode aceder a determinada profissão.

D). No caso concreto das Ciências da Nutrição, aqueles que praticam atos de saúde no domínio da alimentação têm sempre um impacto relevante na vida dos seus clientes, nomeadamente na área clínica.

E).Ou seja, a definição de quem pode ou não aceder a esta profissão é uma questão muito relevante e com grande importância social.

F). Por outro lado, não tem sido uniforme o tratamento da questão por parte dos tribunais, no que à Ordem dos Nutricionistas diz respeito, quanto a questões ligadas à inscrição de pessoas que têm a licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar.

G). Veja-se a situação dos seguintes arestos: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de agosto de 2014, Proc. n.° 11293/14 (tal como os demais, consultável em www.dgsi.pt. que em sede cautelar, determinou que a Licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar permitia a inscrição na Recorrente; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 18 de dezembro de 2015, Proc. n.° 00400/15.1BEVIS-A, que em sede cautelar, entendeu que a Licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar não permitia a inscrição na Recorrente.

H). Em conclusão, além da evidente importância social do tema, verifica-se também que, as decisões judiciais — e falamos apenas da Ordem dos Nutricionistas - não são constantes e unânimes.

I). Acresce que o recurso também pode ser interposto para a aplicação do direito foi manifestamente desadequada; efetivamente, não podem existir dúvidas de que estamos perante uma situação manifestamente injusta, mostrando-se a admissão do presente recurso claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

J) Impondo-se assim a admissão da presente revista por preenchimento dos pressupostos fixados no artigo 150° do CPTA.

K) Neste processo está em causa, tão-somente, a interpretação do n.° 4 do artigo 4.° da Lei n.° 126/2015, de 3 de setembro.

L) Para a verificação do fumus boni iuris, alegaram inicialmente os ora Recorridos que existe violação do disposto no n.° 4 do artigo 4.° da Lei n.° 126/2015, de setembro; dado que antes da existência da Ordem dos Nutricionistas era livre o exercício da profissão de Nutricionista ou Dietista, desde que o profissional fosse possuidor de licenciatura legal na área, o que inclui a Nutrição Humana, Social e Escolar. Mais referem que estavam habilitados ao exercício da profissão de nutricionista que efetivamente exerceram durante um determinado lapso de tempo antes da entrada em vigor do Estatuto da Ordem dos Nutricionistas (1 de janeiro de 2011).

M) A questão fundamental a analisar e cuja resposta determinou o sucesso do presente processo em segunda instância é apenas uma mas foi indevidamente analisada pela sentença em crise: quando o legislador dispôs no n.° 4 do artigo 4.° da Lei n.° 126/2015, de 3 de Setembro, que "Sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 62.º do Estatuto aprovado em anexo à presente lei, podem inscrever -se na Ordem dos Nutricionistas, no prazo de 120 dias, a contar da entrada em vigor da presente lei, os profissionais que, em data anterior a 1 de janeiro de 2011, estavam legalmente habilitados a exercer, consoante o caso, a profissão de nutricionista ou de dietista.

N) Referia-se apenas aos profissionais que exerciam a profissão de nutricionista até 1 de janeiro de 2011 a quem o Estado tinha conferido habilitação legal expressa para esse exercício.

O) Como se verifica, o artigo 62.° do Estatuto estabelece, de forma taxativa, quais são as licenciaturas que permitem a inscrição na Ordem dos Nutricionistas - sendo manifesto que a licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar não tem enquadramento nesta disposição.

P) Coordenando o n.° 4 do artigo 4.° da Lei n.° 126/2015, de 3 de setembro, com o referido artigo 62.°, verifica-se que o legislador entendeu que, além dos titulares das licenciaturas previstas neste último, também têm direito a inscrever-se aqueles que já exerciam a profissão de forma legal no dia 1 de janeiro de 2011.

Q) Pelo que a questão central é saber o que pretendeu o legislador referir com a expressão "legalmente habilitados a exercer": como é evidente, esta norma refere-se àqueles cujo exercício estava legalmente previsto e enquadrado, como é o caso dos dietistas, que tinham de ter carteira profissional, ou dos técnicos superiores de saúde (nutricionistas) e técnicos de diagnóstico e terapêutica (dietistas) cujas carreiras estavam legisladas.

R) Neste sentido, "exercício legalmente habilitado" é apenas o exercício da profissão que estava legalmente concretizado, com requisitos específicos de admissão e exercício, que não contempla aqueles que exerciam qualquer uma das duas profissões sem qualquer enquadramento legislativo, pois ainda que o seu exercício pudesse ser tolerado, não estavam legalmente habilitados a exercer a profissão.

S) Com efeito, o termo "habilitado" remete necessariamente para a existência de um regime jurídico que "habilitasse" esses profissionais a exercer a profissão.

T) Não é, manifestamente, o caso dos Recorridos, que (alegadamente) exerceram a profissão num quadro de vazio legal e não num quadro de "habilitação legal".

U) Já o artigo 61.°, n.° 2, do Estatuto, na sua versão original, referia que "Todos os que possuam os requisitos para o exercício da profissão na área das ciências da nutrição e ou dietética nos termos do número anterior e não estejam impedidos de a exercer, bem como aqueles que legalmente já exerçam essa profissão à data da criação da Ordem, têm direito à inscrição na Ordem".

V) Quando o legislador criou a Ordem dos Nutricionistas e passou a exigir determinadas licenciaturas para a inscrição nesta associação pública profissional, teve em consideração que, ao longo dos anos, diversos profissionais vinham exercendo a profissão de forma legalmente enquadrada, ainda que não tivessem as licenciaturas que o artigo 61.° da versão original do Estatuto veio impor.

W) O legislador tinha noção que havia dietistas detentores de carteira profissional ou que exerciam no quadro da função pública (como TDT) que não tinham a licenciatura que passou a exigir-se, mas somente bacharel; nesses casos concretos, o Estado passou-lhes a carteira profissional ou admiti-os ao seu serviço, não podia deixar de os proteger no momento em que institui um regime obrigatório, com exigências de formação superiores às que até aí vinha pedindo.

X) Nestes termos, é manifesto que os atos cuja eficácia foi suspensa pelo Acórdão recorrido respeitaram integralmente o disposto no artigo 4.°, n.° 4, da Lei n.° 126/2015, de 3 de setembro.

Y) O tribunal a quo entendeu que a licenciatura era o único requisito necessário, mas falhou em indicar o direito positivo que o levou a essa conclusão - o que se compreende dado que tal norma não existe.

Z) Como primeiro vício, importa destacar que o tribunal a quo imputa à decisão de primeira instância a ausência de referências às normas legais que lhe permitissem afirmar que, relativamente aos dietistas em geral, e aos nutricionistas e dietistas do serviço nacional de saúde, a profissão era, antes da entrada em vigor do EON devidamente regulada.

AA) Na sua oposição, a ora Recorrente referiu expressamente, por exemplo, que "a licenciatura em '"Ciências da Nutrição" é o requisito para o ingresso na Carreira dos Técnicos Superiores de Saúde ("TSS"), do Ramo de Nutrição, de acordo com o Decreto-Lei n.° 414/91, de 22 de outubro (regime legal da carreira dos TSS dos serviços e estabelecimentos do Ministério da Saúde e da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa)", pelo que a afirmação contida na decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa teve, natural e obrigatoriamente, essas normas em questão, não se limitando, ao contrário do afirmado, a sustentar uma tese sem o devido suporte legal.

BB) Esta posição do douto acórdão recorrido, entrou em contradição com a sua própria fundamentação, incorrendo os Venerandos Desembargadores num segundo vício. Vejamos: "importa ter presente c/ue a regulação da profissão de nutricionista e a criação da Ordem dos Nutricionistas apenas teve lugar com a Lei n.º 51/2010, de 14/12, que entrou em vigor no dia 1/01/2011 (cfr. artigo 6.º). Assim, anteriormente a essa data o exercício da profissão de nutricionista dependia unicamente da obtenção da respectiva habilitação académica, não sendo legalmente estabelecidos outros requisitos de acesso à profissão”.

CC) O Tribunal Central Administrativo Sul vem afirmar que antes da entrada em vigor do EON o exercício da profissão de nutricionista dependia unicamente da obtenção da habilitação académica mas não diz em que norma legal assenta esta conclusão.

DD) Efetivamente não existe norma legal que refira que a habilitação daquela licenciatura (e ou de outras) habilitava ao exercício da profissão de nutricionista. E dessa inexistência decorre um terceiro vício .

EE) Não havendo qualquer norma que regulasse quem podia exercer — fora do contexto do serviço nacional de saúde ou do sistema de atribuição de carteiras aos dietistas — a profissão de nutricionista/dietista, a detenção da licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar era tão habilitante como qualquer outra, fosse Direito, Medicina, Arquitetura ou Psicologia.

FF) Termos em que o Tribunal Central Administrativo interpretou indevidamente o disposto no artigo 4.°, n.° 4, da Lei n.° 126/2015, de 3 de setembro, retirando conclusão contrária à que resulta da norma.

GG) Se acaso tivesse interpretado corretamente, concluiria que não está demonstrado o fumus boni iuris referido na alínea a) do n.° 1 do artigo 120° do CPTA, e, por conseguinte, não teria concedido a providência.

As requerentes contra-alegaram, concluindo pela improcedência do recurso.
Pela formação a que alude o art.º 150.º, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista.
A Exma. Srª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, onde concluiu que a revista merecia provimento, devendo, em consequência, revogar-se o acórdão recorrido e indeferir-se a providência cautelar requerida.
Sem vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Nos termos do n.º 6 do art.º 663.º do CPC, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto considerada provada pelo acórdão recorrido.

3. Resulta da matéria fáctica provada que as requerentes, detentoras de Licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar, pela Escola Superior de Educação Jean Piaget, requereram, à entidade requerida, a sua inscrição como nutricionistas que lhes foi indeferida pela deliberação, de 31/1/2015, da Direcção da Ordem dos Nutricionistas que elas vieram a impugnar em acção administrativa especial que, após sentença de improcedência do TAF de Viseu, se encontra pendente de recurso no TCA-Norte.
Tendo, entretanto, entrado em vigor a Lei n.º 126/2015, de 3/9, que alterou o estatuto dos nutricionistas aprovado pela Lei n.º 51/2010, de 14/12, as requerentes tornaram a solicitar a inscrição na referida Ordem, agora ao abrigo da norma transitória do art.º 4.º, n.º 4, daquela Lei n.º 126/2015, que, pela deliberação da Direcção de 29/4/2016, lhes foi novamente indeferida.
Foi na dependência de acção impugnatória desta deliberação de 29/4/2016, que as requerentes intentaram o processo cautelar aqui em causa, onde, para demonstração do requisito do “fumus boni iuris”, alegaram que tal deliberação violava o citado art.º 4.º, n.º 4, dado que, até 31/12/2010, não existia qualquer regulamentação para o exercício da profissão de nutricionista que era, assim, “inteiramente livre”.
O acórdão objecto da presente revista, para julgar verificado o requisito do “fumus boni iuris”, considerou o seguinte:
“Porém, nem a entidade requerida, nem o TAC, enquadraram legalmente esse entendimento, já que não indicaram o diploma legal que regulamentava as carreiras dos referidos profissionais, por forma a aferir da bondade da sua posição.
Além disso, o teor do art.º 4.º, n.º 4 da Lei n.º 126/2015, de 3/9 não aponta de forma decisiva e inequívoca no sentido defendido pela entidade requerida e acolhido pelo Tribunal “a quo”, pois não concretiza, nem identifica quem são os profissionais que, antes de 1/1/2011, estavam legalmente habilitados a exercer a profissão de nutricionista ou dietista.
Por outro lado, importa ter presente que a regulação da profissão de nutricionista e a criação da Ordem dos Nutricionistas apenas teve lugar com a Lei n.º 51/2010, de 14/12, que entrou em vigor em 1/1/2011 (cfr. art.º 6.º). Assim, anteriormente a essa data o exercício da profissão de nutricionista dependia unicamente da obtenção da respectiva habilitação académica, não sendo legalmente estabelecidos outros requisitos de acesso à profissão.
Afigura-se-nos, assim, numa análise meramente perfunctória exigível em sede cautelar – como refere Alberto dos Reis o “tribunal, antes de emitir a providência, não se certifica, com segurança, da existência do direito que o requerente se arroga: limita-se … a formar um juízo de verosimilhança, a verificar a aparência do direito …” (in “A Figura do Processo Cautelar”, BMJ n.º 03, pág. 72), que as requerentes, sendo licenciadas em Nutrição Humana, Social e Escolar (cfr. alíneas a) a f) do probatório), estavam habilitadas a exercer a profissão de nutricionista antes de 1/1/2011 (o que, aliás, fizeram – cfr. alíneas g) e l) do probatório), assistindo-lhes, assim, o direito a inscrever-se na Ordem dos Nutricionistas, nos termos do disposto no art.º 4.º, n.º 4 da Lei n.º 126/2015, posto que o façam no prazo aí estipulado, isto é, até ao dia 23/3/2016.
Sucede que, as requerentes C……………….. e F…………………. requereram a sua inscrição na Ordem dos Nutricionistas ao abrigo daquele preceito por requerimentos datados de, respectivamente, 2/4/2016 e 8/4/2016 (cfr. alínea t) do probatório e docs. de fls. 65 e 68 dos autos), não observando, pois, os prazos aí previstos.
Assim sendo, não se afigura ser provável que a pretensão a formular no processo principal por estas requerentes venha a ser julgada procedente, dado que, não tendo observado o prazo para requererem a sua inscrição na Ordem dos Nutricionistas ao abrigo do aludido preceito, não lhes assiste o direito que se arrogam.
O mesmo não sucede com as demais requerentes, já que todas elas requereram a sua inscrição no prazo de 120 dias a contar da entrada em vigor da Lei n.º 126/2015. É, pois, provável que venha a ser julgado procedente o pedido por elas formulado no processo principal”.
Na presente revista, a recorrente apenas contesta a verificação do referido requisito, alegando que só estavam abrangidos pelo disposto no art.º 4.º, n.º 4, da Lei n.º 126/2015 os profissionais que exerciam a profissão de nutricionista até 1/1/2011 e a quem o Estado tinha conferido habilitação legal expressa para o efeito, o que não era o caso das recorridas que teriam exercido a profissão num quadro de vazio legal e não num quadro de habilitação legal.
Vejamos se lhe assiste razão.
Em sede cautelar, o tribunal não procede a juízos definitivos, que apenas cumpre realizar no processo principal, limitando-se a efectuar um juízo sumário assente numa apreciação perfunctória.
Nos termos do art.º 120.º, n.º 1, do CPTA, na redacção resultante do DL n.º 214-G/2015, de 2/10, a concessão da providência cautelar depende, além do mais, da formulação de um juízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal (“fumus boni iuris” ou aparência do bom direito).
A Lei n.º 51/2010, de 14/12, que operou efeitos a partir de 1/1/2011 (cf. art.º 6.º), criou a Ordem dos Nutricionistas e aprovou o seu Estatuto.
A Lei n.º 126/2015, de 3/9, procedeu à primeira alteração ao Estatuto da Ordem dos Nutricionistas, conformando-o com a Lei n.º 2/2013, de 10/1, que estabelecera o regime jurídico da criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais. Como disposição transitória, essa Lei contém o n.º 4 do art.º 4.º que preceitua:
“Sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 62.º do Estatuto aprovado em anexo à presente lei, podem inscrever-se na Ordem dos Nutricionistas, no prazo de 120 dias, a contar da entrada em vigor da presente lei, os profissionais que, em data anterior a 1 de janeiro de 2011, estavam legalmente habilitados a exercer, consoante o caso, a profissão de nutricionista ou de dietista”.
Por sua vez, o art.º 62.º, n.º 1, als. a) e b), do mencionado Estatuto, estabelece:
“1- Podem inscrever-se na Ordem, para acesso à profissão de nutricionista:
a)Os titulares do grau de licenciado em ciências de nutrição, em dietética ou em dietética e nutrição, conferidos na sequência de um curso com duração não inferior a quatro anos curriculares, por instituição de ensino superior portuguesa;
b) Os titulares de grau académico superior estrangeiro em ciências da nutrição, em dietética ou em dietética e nutrição, a quem seja conferida equivalência a um dos graus a que se refere a alínea anterior”.
Dado que antes de 1/1/2011 não se encontravam definidos os requisitos legais para o exercício da profissão de nutricionista, nem as respectivas regras de deontologia profissional, a questão que se coloca é a de saber se, de acordo com uma apreciação sumária e perfunctória, se pode concluir que é provável que o transcrito art.º 4.º, n.º 4, abranja as situações em que alguém exerce, nesse período, a profissão de nutricionista ancorado numa licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar.
Cremos que a resposta a essa questão deve ser negativa.
Efectivamente, a referência à habilitação legal para o exercício da profissão faz supor que no âmbito de aplicação do normativo em análise apenas cabem as situações em que há um regime jurídico que habilita esse exercício.
Ora, se antes de 1/1/2011 a profissão de nutricionista era de exercício livre não estava dependente de quaisquer requisitos legais condicionantes.
Assim, a perfilhar o entendimento defendido pelas recorridas, a exigência de habilitação legal constante do preceito seria desnecessária, pois bastaria que se exercesse a profissão para se estar legalmente habilitado.
É certo que não foi esta a posição defendida pelo acórdão recorrido, visto ter considerado que era necessário que o profissional fosse detentor de uma licenciatura legal na área de nutrição, como aquela de que eram titulares as recorridas, a qual até estava homologada pelo Ministério da Educação.
Porém, não é indicada – nem se vê que exista – a disposição legal que autoriza essa conclusão. Por isso, se é verdade que antes da referida data as recorridas podiam exercer – como exerceram – a profissão de nutricionistas, não se pode dizer que, para efeitos do disposto no citado art.º 4.º, n.º 4, estavam legalmente habilitadas para tal, dado o exercício dessa profissão não estar legalmente enquadrado.
Nestes termos, porque antes de 1/1/2011 não havia condicionamento legal ao exercício da profissão de nutricionista, parece que tem de se entender que as situações abrangidas pelo referido art.º 4.º, n.º 4, são apenas aquelas em que existia um regime jurídico que então habilitava ao exercício da profissão, como sucedia com os dietistas, que já então tinham de ser detentores de carteira profissional e com os técnicos de diagnóstico e terapêutica dietistas e os técnicos superiores de saúde do ramo de nutrição, cujas carreiras estavam reguladas (cf., respectivamente, artºs. 5.º, n.º 1, al. e), do DL n.º 564/99, de 21/12 e artºs. 1.º, 9.º, n.º 1, 20.º e 21.º, todos do DL n.º 414/91, de 22/10).
Portanto, considerando-se não ter sido demonstrada a verificação do requisito do “fumus boni iuris”, deve proceder a presente revista.

4. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e mantendo a sentença do TAC.

Custas nas instâncias e neste STA pelas recorridas.

Lisboa, 16 de Novembro de 2017. – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – António Bento São Pedro.