Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0887/09
Data do Acordão:12/02/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
IVA
FALTA DE ENTREGA DE IMPOSTO
Sumário:O artigo 114.º n.º 1 do RGIT, que pune como contra-ordenação fiscal a "falta de entrega da prestação tributária", não abrange na sua previsão situações em que o imposto que deve ser entregue não está em poder do sujeito passivo, por não ter sido recebido ou retido.
Nº Convencional:JSTA00066151
Nº do Documento:SA2200912020887
Data de Entrada:09/22/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:DESP TAF COIMBRA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART79 B C ART114 N1 N3 ART11.
CIVA84 ART19 ART20 ART21 ART22 ART23 ART24 ART25 ART26 N1 ART35 ART36 N1 ART40 ART95.
CPC96 ART660 N2.
CCIV66 ART9 N3.
L 15/2001 DE 2001/06/05 ART2 C.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC578/08 DE 2009/02/11.; AC STA PROC279/08 DE 2008/05/28.
Referência a Doutrina:ALFREDO DE SOUSA INFRACÇÕES FISCAIS NÃO ADUANEIRAS 3ED PAG108-110.
PINTO FERNANDES E OUTRO REGIME JURÍDICO DAS INFRACÇÕES FISCAIS NÃO ADUANEIRAS ANOTADO E COMENTADO PAG174-175.
SÁ GOMES EVASÃO FISCAL INFRACÇÃO FISCAL E PROCESSO PENAL FISCAL 2000 PAG261-262.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, LDA, melhor identificada nos autos, não se conformando com o despacho do M.mo Juiz do Tribunal Administrativo Fiscal de Coimbra que julgou improcedente o recurso interposto da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital que aplicou uma coima por contra ordenação fiscal no montante de € 980,00, dela veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
1) Vem o presente recurso apresentado da douta decisão que julgando improcedente o recurso, manteve a decisão de aplicação da coima.
2) A finalidade da exigência de descrição sumária dos factos imputados ao arguido visa assegurar-lhe a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que pressupõe um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, sendo corolário da imposição constitucional de que nos processos contra-ordenacionais seja assegurado o direito de defesa ao arguido (art. 32.°, n.º 10, da CRP).
3) Quanto à indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, a lei exige a explicitação destes elementos para que o arguido possa exercer a sua defesa no âmbito da fixação concreta do montante da penalidade, através de um contraditório que vise a diminuição da coima aplicada e, no caso, a indicação, v.g., da condição económica é totalmente desprezada e não valorada, não se sabendo porque razão foi fixado o montante da coima em causa e não outro qualquer.
4) Com efeito, é necessário descrever na decisão os elementos e as circunstâncias concretas que se consideraram para a fixação do montante da coima, nomeadamente, se a contra ordenação foi cometida com dolo ou com negligência, se foi acidental ou é frequente este tipo de ocorrência, bem como quaisquer outras circunstâncias que tenham sido apuradas e possam influir no grau de culpa do arguido ou na graduação da coima, designadamente, a situação económica do agente.
5) No mesmo sentido, “a coima aplicada há-de sê-lo em função da gravidade objectiva e subjectiva da contra ordenação, atendendo-se, designadamente, ao valor do imposto cujo recebimento tenha sido afectado pela infracção, ao prejuízo efectivo, a qualquer especial dever do arguido que tenha sido infringido, ao carácter acidental ou frequente da ilicitude, à situação económica do arguido e a quaisquer outras circunstâncias das quais se possa inferir a culpa do agente” (Soares Martinez, in Direito Fiscal, Coimbra, 1993).
6) Por outro lado, a decisão da coima, sempre será nula, porquanto da decisão de aplicação de coima nem sequer consta que a recorrente tenha embolsado o IVA em causa.
7) O art. 114.°, n.º 1, do RGIT, que pune como contra-ordenação fiscal a «falta de entrega da prestação tributária», não abrange na sua previsão situações em que o imposto que deve ser entregue não está em poder do sujeito passivo, por não ter sido recebido ou retido.
8) Da decisão de aplicação de coima nem sequer consta que a recorrente tenha embolsado o IVA em causa.
9) Ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida errou no julgamento da questão.
2 – A recorrida Fazenda Publica, não contra-alegou.
3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
“Objecto: Decisão que não considerou ferida de nulidade a decisão da Administração Tributária, por alegada omissão de elementos fácticos e de explicitação dos elementos e circunstâncias que levaram à determinação concreta da coima aplicada.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões objecto do presente recurso têm sido frequentemente apreciadas por este Supremo Tribunal, não existindo ainda, porém, jurisprudência consolidada sobre as mesmas.
No caso sub juditio a recorrente foi punida pela prática negligente de contra-ordenação prevista e punível nos termos do artigo 114.°, n.º 1 e 2 do RGIT, ou seja a contra- ordenação imputada à recorrente foi a de “falta de entrega da prestação tributária” a título de negligência.
Os factos a descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima têm de ser subsumíveis aquele tipo legal. A infracção imputada à recorrente contém na sua descrição típica um elemento que é pressuposto da punição - que a prestação não entregue se trate de uma prestação tributária deduzida nos termos da lei.
Como se explicita no acórdão do STA de 29 de Abril de 2009, processo n° 241/09, “a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa e consequentemente para que se cumpra a “descrição sumária dos factos” que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima, terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida.
Entendemos que a decisão recorrida faz referência àquele elemento típico, ainda que de forma indirecta, quando afirma que o contribuinte “estava obrigado ao envio de declaração periódica ao serviço de administração do IVA, acompanhada do respectivo meio de pagamento de imposto apurado nos termos do disposto nos artigos 19º a 25º e art. 71.° do CIVA...”. De facto, as disposições invocadas referem-se ao direito à dedução na liquidação e pagamento do imposto.
O que não resulta da decisão administrativa recorrida é que a recorrente tenha embolsado o IVA em causa, sendo essa referência imprescindível para o preenchimento do tipo legal previsto nos n.º 1 e 2 do artigo 114.° do RGIT. De facto, encontra-se sedimentada jurisprudência no STA que entende que o artigo 114°, n.º 1 do RGIT, que pune como contra-ordenação fiscal a falta de entrega da prestação tributária, não abrange na sua previsão situações em que o imposto que deve ser entregue não está em poder do sujeito passivo, por este não o ter recebido ou retido (acórdãos do STA de 28/05/2008, processo n.º 279/08; de 18/09/2008, processo n.º 483/08; de 15/10/2008, processo n.º 481/08 e de 11/02/2009, processo n.º 578/08).
Não pode, deste modo, ter-se como correcto o despacho de aplicação da coima por falta do requisito a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.° do RGIT, ficando prejudicado o conhecimento da questão de saber se foi dado cabal cumprimento ao comando da alínea c) do n.º 1 do citado preceito.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4- A decisão administrativa de aplicação da coima é do seguinte teor:
A…, LDA, contribuinte n° 502 099 046, com sede em Rua … 3400 Oliveira do Hospital, vem indiciado no auto de notícia de fls. 2 da pratica do seguinte facto ilícito:
Sendo contribuinte de Imposto s/ Valor Acrescentado, pelo exercício da actividade de “Actividades de contabilidade, auditoria e consultoria fiscal”, enquadrado no regime de tributação normal trimestral, estava obrigado ao envio de declaração periódica ao Serviço de administração do IVA, acompanhada do respectivo meio de pagamento de Imposto apurado nos termos do disposto nos art°s 19.º a 25.º e art°. 71.º do CIVA, até ao dia 15 do 2° mês seguinte ao trimestre a que respeita, conforme determinado nos art°(s). 28° n° 1 alínea c), 26° n° 1 e 40° n° 1 alínea b) do citado diploma legal. Contudo, relativamente ao período de 0212T, a arguida não efectuou o pagamento do imposto devido no valor de € 4.853,46.
Tal facto constitui infracção ao disposto nos artigos mencionados, punível pelos art.s 114° n° 2 e 26° n° 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5 de Junho (RGIT).
Assim no âmbito da competência que me é conferida pela 1.ª parte da alínea b) do art. 52° do RGIT e nos termos do art. 79° do RGIT, considerando os factos descritos e o seu enquadramento legal, baseando-me nos elementos constantes do auto de notícia e na informação prestada nos termos do art. 27° do RGIT, considerando ainda que tal infracção é imputável à arguida a título de negligência e que o imposto se encontra pago, fixo a coima pela infracção descrita em € 980 (novecentos e oitenta euros).
A arguida deverá ficar ciente da possibilidade de contestação da presente decisão, através do uso do recurso judicial para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra e de que, neste caso, a coima agora aplicada não é susceptível de ser agravada, salvo se a situação económica e financeira do arguido melhorar de forma sensível.
Custas legais.
Notifique-se.
Serviço de finanças de Oliveira do Hospital, 2005/01/31.
O Chefe do Serviço,
(B…)
5- O despacho recorrido, considerando verificados os requisitos legais previstos nas alíneas b) e c) do artigo 79.º do RGIT (descrição sumária dos factos e indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima) julgou improcedente o recurso interposto do despacho administrativo que aplicou à ora recorrente a coima no montante de € 980.
Inconformada com essa decisão, a questão decisiva que a recorrente vem suscitar na sua alegação de recurso prende-se com o entendimento segundo o qual o “artigo 114.º n.º 1 do RGIT, que pune como contra-ordenação a falta de entrega da prestação tributária não abrange na sua previsão situações em que o imposto que deve ser entregue não está em poder do sujeito passivo, por não ter sido entregue ou retido” (7) das conclusões), sendo certo que da decisão de aplicação da coima não consta que “tenha embolsado o IVA em causa”.
Vejamos.
É incontroverso que da descrição sumária dos factos não consta que a recorrente tenha efectivamente recebido o valor do IVA em causa facturado.
A questão que se coloca é, assim, de se saber se para o preenchimento típico da infracção normativa constante do n.º 1 do artigo 114 do RGIT se torna essencial o apuramento do efectivo recebimento do montante desse IVA.
Ora, a respeito dessa questão este Supremo Tribunal tem vindo a pronunciar-se de uma forma pacífica e reiterada em termos que nos merecem a nossa total concordância-cfr. acórdãos de 28/05/08, 18/09/08, 15/10/08, 29/10/08, 29/10/08, 12/11/08, 26/11/08, e 11/02/09, nos recursos n.ºs 279/08, 483/08, 481/08, 479/08, 477/08, 577/08, 513/08 e 578/08.
Dada a proficiente fundamentação que nele vem aduzida e tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC), limitar-nos-emos a acompanhar o que foi dito no acima citado acórdão proferido no processo n.º 279/08.
Escreveu-se nesse aresto:
“No âmbito do IVA fala-se de dedução de imposto relativamente ao imposto que o sujeito passivo tem a receber, nos termos dos arts. 19.° a 25.° do CIVA, não se referindo qualquer situação em que o sujeito passivo tenha de entregar imposto que tenha deduzido.
De facto, no âmbito do referido direito à dedução, os sujeitos passivos não têm de entregar à administração tributária a prestação tributária que deduziram [o imposto que deduziram, à face da definição dada na alínea a) do art. 11.º do RGIT], mas, antes pelo contrário, apenas têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o IVA a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram.
O significado natural da expressão «deduzir» é o de «subtrair de um total». (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, 1 Volume, página 1081.)
Como ensina BAPTISTA MACHADO, «nos termos do art. 9.º, 3 (do Código Civil) o intérprete presumirá que o legislador «soube exprimir o seu pensamento em termos adequados». Só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve será colhido, deve o intérprete preteri-lo.” (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 189.)
Assim, é de partir do pressuposto de que, com a utilização da expressão «prestação tributária deduzida» se pretendeu aludir a todas as situações em que é apurada uma prestação tributária (isto é, no caso, uma quantia de imposto, nos termos do citado art. 11.º do RGIT) pelo sujeito passivo através de uma subtracção de um quantia global e essa quantia deduzida tem de ser entregue à administração tributária.
E o que sucede, por exemplo, nas situações de retenção na fonte previstas no art. 71.º do CIRS, de rendimentos sujeitos a taxas liberatórias, em que a retenção do imposto na fonte é efectuada pelo sujeito passivo a título definitivo, que são enquadráveis no n.° 1 do art. 114.°.
Há ainda dedução por conta de prestação tributária (por conta do imposto), enquadrável na primeira parte do n.° 3 do art. 114.°, nos casos em que a retenção na fonte não é feita a título definitivo, mas sim por conta do imposto devido a final, como sucede, por exemplo, nas situações previstas no art. 98.° do CIRS. (Estabelece-se neste artigo o seguinte:
Nos casos previstos nos artigos 99.° a 101.º e noutros estabelecidos na lei, a entidade devedora dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte, as entidades registadoras ou depositárias, consoante o caso, são obrigadas, no acto do pagamento, do vencimento, ainda que presumido, da sua colocação à disposição, da sua liquidação ou do apuramento do respectivo quantitativo, consoante os casos, a deduzir-lhes as importâncias correspondentes à aplicação das taxas neles previstas por conta do imposto respeitante ao ano em que esses actos ocorrem.)
No caso do IVA, há obrigação de os sujeitos passivos procederem à sua liquidação e adicionarem o valor do imposto liquidado ao valor das mercadorias ou prestação de serviços, incluindo-o na factura ou documento equivalente, para efeitos da sua exigência aos adquirentes das mercadorias ou aos utilizadores dos serviços (arts. 35.º e 36.°, n.° 1, do CIVA).
Nas situações em que não se está perante um acto isolado (como sucede no caso em apreço) o art. 26.°, n.° 1, do CIVA impõe a de entrega do montante do imposto apurado (o “imposto exigível”) no momento da apresentação das declarações a que se refere o art. 40.° do mesmo Código ( —---------- ), independentemente de ter sido efectuado pelos adquirentes de bens ou utilizadores de serviços o pagamento da quantia facturada.
O regime do art. 71.º, n.°s 8 e 9, relativamente à possibilidade de dedução de imposto respeitante a créditos incobráveis ou de pagamento retardado confirma que a obrigação de pagamento do imposto pelo sujeito passivo não depende de ter sido paga a quantia liquidada pelo adquirente de bens ou utilizador de serviços.
Nestas situações, o imposto que deve ser entregue não é o imposto que foi liquidado, mas sim o eventual saldo positivo a favor da administração tributária que se registe após confrontação do volume global do imposto liquidado (recebido ou não) e do imposto que foi pago pelo sujeito passivo aos seus fornecedores ou prestadores de serviços (arts. 19.° a 25.° do CIVA).
Poderão, no entanto, ver-se no âmbito do IVA situações de dedução do imposto pelo sujeito passivo, no sentido literal atrás referido, nos casos em que o imposto liquidado nas facturas é recebido pelo sujeito passivo daqueles a quem vende mercadorias ou presta serviços: neste caso, ao total recebido, o sujeito passivo tem de abater a imposto pago e entrega-lo administração tributária, nos casos em que o saldo é favorável a esta, no período em causa.
Mas, esta situação só pode ocorrer nos casos em que o sujeito passivo tenha recebido efectivamente o imposto daqueles a quem vendeu mercadorias ou prestou serviços, o que não sucedeu no caso em apreço.
No entanto, as situações deste tipo, em que o sujeito passivo receber de terceiros IVA que liquidou e não o entregar à administração tributária, havendo obrigação de entrega por se comprovar que há um saldo positivo a favor desta no confronto da globalidade do imposto liquidado e pago pelo sujeito passivo em determinado período, são especialmente previstas não nos n.°s 1 e 2, mas sim na parte final do n.° 3 do art. 114.° do RGIT, que, refere a prestação tributária «que tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja». (Neste sentido, relativamente ao art. 29.° do RJIFNA, cujos três primeiros números têm teor idêntico aos correspondentes números do art. 114.° do RGIT, pode ver-se F. PINTO FERNANDES e J. CARDOSO DOS SANTOS, Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras Anotado e Comentado, páginas 174-175. Interpretando também com este sentido as expressões idênticas que constavam do art. 24.°, n.°s 1 e 2, do RJIFNA, respeitante ao crime de abuso de confiança fiscal, podem ver-se ALFREDO JOSÉ DE SOUSA Infracções Fiscais (Não Aduaneiras), 3 edição, páginas 108-109, e NUNO de SÁ GOMES, Evasão Fiscal, Infracção Fiscal e Processo Penal Fiscal, 2000, páginas 261-262.
No mesmo sentido, a propósito das expressões idênticas utilizadas no art. 105.º do RGIT, pode ver-se SUSANA AIRES DE SOUSA, Os Crimes Fiscais, página 124.)
Porém, também aqui, como resulta do texto deste n.° 3 do art. 114.° do RGIT, apenas é sancionado como contra-ordenação o comportamento de quem tem obrigação de liquidar na sequência de recebimento da quantia do imposto. (Excluindo as situações de autoliquidação em que não há recebimento do imposto do âmbito da expressão idêntica que constava do art. 24.°, n.° 2, do RJIFNA, pode ver-se ALFREDO JOSÉ DE SOUSA Infracções Fiscais (Não Aduaneiras), 3.ª edição, páginas 109-110.)
A conduta de quem não entrega IVA liquidado nas facturas mas não recebido dos adquirentes das mercadorias ou utilizadores de serviços estava expressamente punida no art. 950 do CIVA, em que se previa como transgressão «a falta de entrega ou a entrega fora dos prazos estabelecidos de todo ou parte do imposto devido».
Porém, este art. 95.º, inserido no Capítulo VIII do CIVA, está expressamente revogado pela alínea c) do art. 2.° da Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho.
Por outro lado, as referências à «prestação tributária que nos termos da lei deduziu» e à «prestação tributária deduzida nos termos da lei», que se utilizam no art. 114.° do RGIT, têm um evidente alcance restritivo em relação à expressão «imposto devido», que era utilizada no referido art. 950 do CIVA, pois as primeiras apenas abrangem situações em que o sujeito passivo procede à dedução do imposto, subtraindo-a de uma quantia global”.
Assim, no caso em apreço, não constando da descrição sumária dos factos da decisão que aplicou a coima o recebimento do imposto anterior à entrega à administração tributária da declaração periódica que aí vem referida, está afastada a possibilidade de preenchimento da hipótese do art. 114.°, n.° 2, do RGIT (que se reporta à conduta prevista no n.° 1 do mesmo artigo).
Sendo assim, prejudicado fica o conhecimento da questão de saber se estaria cumprido o requisito definido na parte final da alínea c) do artigo 79.º do RGIT (artigo 660.º, n.º 2 do CPC).
Termos em que se acorda:
a) Conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido;
b) Conceder provimento ao recurso judicial e anular a decisão administrativa de aplicação da coima;
c) Ordenar a remessa do processo ao Tribunal recorrido, a fim de ser enviado ao Serviço de Finanças, para dar seguimento ao processo de contra-ordenacional em conformidade com preceituado no artigo 63.º n.º 3 do RGIT.
Sem custas.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2009. – Miranda de Pacheco (relator) – Dulce NetoJorge Lino.