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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0237/11
Data do Acordão:06/29/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:I - Nos termos do artigo 279.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo judicial tributário ex vi da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
II - Se na causa prejudicial se discute a legalidade da rejeição do requerimento de segunda avaliação dos imóveis sobre os quais foi liquidado IMI e na dependente se impugnam as liquidações de IMI verifica-se entre as causas o nexo de prejudicialidade ou dependência justificativo da suspensão da instância.
Nº Convencional:JSTA000P13064
Nº do Documento:SA2201106290237
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-
1 – A…, S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal do despacho do Meritíssimo juiz “a quo” de fls. 140 dos autos, datado de 27 de Outubro de 2010, que, no processo de impugnação judicial por si interposto do indeferimento de reclamação graciosa deduzida contra liquidações de IMI relativas a 2006, indeferiu o requerimento da impugnante de suspensão da instância por alegada existência de causa prejudicial até à decisão final da acção administrativa especial n.º 375/08.3 BEPNF, pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que tem por objecto o indeferimento do pedido de segunda avaliação dos imóveis.
A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
I. Está em causa nos presentes autos a legalidade de liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).
II. A Recorrente solicitou a segunda avaliação desses imóveis, que lhe veio a ser indeferida pela Administração Fiscal (AF).
III. Para aferir a legalidade desse indeferimento, corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel uma acção administrativa especial, sob o n.º 375/08.3BEPNF.
IV. Entende a Recorrente que existe uma relação de prejudicialidade entre o acto avaliativo e a liquidação impugnada.
V. Porém, no despacho sob recurso, o Tribunal a quo entende que não existe a invocada prejudicialidade porque «Com a eventual procedência da acção administrativa especial, a administração tributária é obrigada a repor a legalidade.».
VI. No caso em apreço, as liquidações de IMI impugnadas foram emitidas pela AF sem que o VPT dos respectivos imóveis se tivesse consolidado - tendo em conta que a Recorrente solicitou segunda avaliação dos mesmos nos termos do artigo 76.º CIMI.
VII. Estabelece o artigo 118.º CIMI que, enquanto não se tornar definitivo o resultado da segunda avaliação, fica suspensa a liquidação de IMI - sendo este precisamente um dos fundamentos em que se baseou a impugnação das liquidações de IMI - para pugnar pela sua extemporaneidade.
VIII. Ora, o Tribunal “a quo” apenas estará em condições de aferir se a liquidação de IMI é ilegal - por extemporaneidade decorrente de não se ter consolidado em segunda avaliação o VPT que lhe é subjacente – se, e na medida em que, na acção administrativa especial se julgue, precisamente, a questão relativa a essa segunda avaliação.
IX. Ou seja, o Tribunal “a quo” não tem como aferir a legalidade das liquidações por não se ter respeitado o disposto no artigo 118.º CIMI – que estabelece a suspensão dessas liquidações enquanto o VPT não se tornar definitivo com a segunda avaliação – se ainda se encontra pendente de decisão a premissa essencial para essa decisão: se devia ter sido, ou não, encetada a segunda avaliação.
X. Em caso de resposta negativa, a liquidação de IMI não tinha de ficar suspensa e, portanto, é legal, mas em caso de resposta afirmativa, a liquidação de IMI deveria ter ficado suspensa e, portanto, é ilegal.
XI. A “ratio legis” subjacente à suspensão da instância por prejudicialidade se prende, precisamente, com a necessidade de evitar incompatibilidade de julgados.
XII. Para além das liquidações de IMI em causa nos autos, a AF procedeu a uma liquidação adicional de IMI, quanto aos mesmos imóveis e ano, cuja impugnação judicial corre termos, sob o n.º 376/08.1BEPNF, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel -onde, tendo sido formulado idêntico requerimento, foi proferido despacho no sentido da sua suspensão (cfr. doc. n.º 1)
XIII. Conclui-se, pois, que o julgamento da presente causa está dependente de outra já proposta, uma vez que a segunda interfere directamente na decisão da primeira.
XIV. Ao assim não ter decidido incorreu o Tribunal “a quo” em manifesto erro de julgamento - em clara violação do disposto nos artigos 279.º n.º 1 CPC - em clara violação do disposto nos artigos 279.º n.º 1 CPC - o que tudo impõe a revogação da decisão (Cfr. art. 659.º n.º 3 C.P.C., ex vi art. 2.º e) CPPT).
XV. O presente recurso há-de subir imediatamente tendo em conta que, como resulta do artigo 285.º n.º 2 CPPT, o recurso claramente não respeita ao objecto do processo.
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito, deve, com subida imediata, conceder-se provimento ao presente recurso, assim se revogando a decisão recorrida, o que se fará por obediência à Lei e por imperativo de JUSTIÇA!
Por despacho de fls. 186 dos autos (rectificado por despacho de fls. 197) foi o recurso admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo sob pena do efeito devolutivo afectar o efeito útil do recurso.
2 - Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste Tribunal não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
- Fundamentação –
4 - Questão a decidir
É a de saber se, como requerido e ao contrário do decidido, deve a instância de impugnação ser suspensa, ao abrigo do disposto no artigo 279.º do Código de Processo Civil (CPC), até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na acção administrativa especial em que se sindica a legalidade o despacho de rejeição do pedido de 2.º avaliação dos imóveis, atenta a alegada relação de prejudicialidade entre os presentes autos e aquele processo judicial.
Não há que cuidar do regime de subida do recurso, pois que não é controvertido que o presente recurso de despacho interlocutório devia ter subido imediatamente - como subiu - sob pena de perda do seu efeito útil (cfr. o n.º 2 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - CPPT), como desde logo reconheceu o Meritíssimo juiz “a quo”.
5 - Apreciando.
Na petição inicial de impugnação oportunamente apresentada pela recorrida (a fls. 2 a 7 dos autos) a então impugnante (ora recorrente), invocando e procurando demonstrar a existência de uma relação de prejudicialidade entre a legalidade das liquidações ora impugnadas, discutida nos autos e as avaliações dos artigos em causa, objecto de apreciação em acção administrativa especial pendente, desde logo requereu a suspensão da impugnação, ao abrigo do artigo 279º nº 1 do CPC (cfr. artigos 38. a 51. da p.i.).
Sobre este requerimento de suspensão da instância constante da petição inicial de impugnação, recaiu o despacho de indeferimento objecto do presente recurso que se encontra fundamentado nos termos seguintes (cfr. despacho recorrido, a fls. 140 dos autos):
«A impugnante requer a suspensão da instância por alegada prejudicialidade da questão aqui em apreço relativamente à acção administrativa especial n.º 375/08.3BEPNF.-
A Fazenda Pública notificada para contestar, nada disse.-
A improcedência da referida acção administrativa especial, em nada afectará a decisão destes autos.-
Com a eventual procedência da acção administrativa especial, a administração tributária é obrigada a repor a legalidade.-
Por isso, entendemos que o julgamento daquela acção não constitui fundamento legal para a suspensão dos presentes autos (art. 279.º, a contrario, do CPC).-
Pelo exposto, indefere-se a requerida suspensão da instância.-
#)Notifique.--»
Vejamos.
Dispõe o artigo 279.º do CPC, aplicável ao processo judicial tributário ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT:
Artigo 279.º - Suspensão por determinação do juiz
1. O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2. Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
3. Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixar-se-á no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância.
4. As partes podem acordar na suspensão da instância por prazo não superior a seis meses.
Perante norma correspondente, ensinava ALBERTO DOS REIS que o nexo de prejudicialidade ou dependência justificativo da suspensão da instância define-se assim: estão pendentes duas acções e dá-se o caso de a decisão duma poder afectar o julgamento a proferir na outra (cfr. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª ed (1949), reimpr., p. 384 - anotação ao artigo 284.º). Ora, no caso dos autos, e atenta a evidente relação de prejudicialidade entre os actos avaliativos (sindicados na acção administrativa especial) e a impugnação deduzida, bem como a demonstração efectuada pela recorrente (cfr. as conclusões VI a X das suas alegações de recurso) de que o Tribunal “a quo” apenas estará em condições de decidir de um dos fundamentos da impugnação das liquidações de IMI precedendo decisão sobre a legalidade da rejeição do requerimento de segunda avaliação, sendo as liquidações legais ou ilegais consoante ali se decida ter ou não sido deferido o requerimento de segunda avaliação, justifica-se a requerida suspensão da instância ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 279.º do CPC, não havendo motivos legais (artigo 279.º n.º 2 do CPC) para a não ordenar, nem tendo qualquer destes motivos sido invocados no despacho recorrido.
Ao contrário do decidido, não pode dizer-se que a improcedência da acção administrativa especial em nada afectará a decisão destes autos, pois que a aqui invocada violação do disposto no artigo 118.º do Código do IMI se deverá ter, nestes autos, por inverificada, em caso de improcedência da acção administrativa especial. E o facto de com a eventual procedência da acção administrativa especial, a administração tributária ser obrigada a repor a legalidade não demonstra a inexistência de relação de dependência ou prejudicialidade entre as duas causas, pois que tal dever da administração existirá em caso de procedência de quaisquer das pretensões anulatórias dos contribuintes e em nada prejudica que entre causas se possam verificar relações de dependência ou prejudicialidade justificativas da suspensão da instância.
Pelo exposto, conceder-se-á provimento ao recurso, anulando o despacho recorrido e decidindo suspender a instância até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir na causa prejudicial (acção administrativa especial tendo por objecto o indeferimento, por extemporaneidade, do requerimento de segunda avaliação dos prédios cujo valor patrimonial tributário serviu de base às liquidações sindicadas).
– Decisão –
6 - Termos em que, face ao exposto, decidem os juízes deste Supremo Tribunal conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e suspendendo a instância de impugnação até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir na acção administrativa especial deduzida pela ora recorrente tendo por objecto o despacho de indeferimento do requerimento de segunda avaliação dos prédios, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 276.º e do n.º 1 do artigo 279.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Sem custas.
Lisboa, 29 de Junho de 2011. - Isabel Marques da Silva – (relatora) - Brandão de Pinho - Dulce Neto.