Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:079/14
Data do Acordão:09/10/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TAXA DE PUBLICIDADE
ESTRADAS DE PORTUGAL EPE
Sumário:I - Por força, primeiro do Decreto-Lei nº 637/76, de 29 de Junho, e, posteriormente, da Lei nº 97/88, de 17 de Agosto (art. 2º, nº 2) o inciso “aprovação ou licença” da Junta Autónoma das Estradas, constante do no art. 10º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, foi derrogado e desgraduado na emissão de parecer.
II - Por força dos mencionados diplomas, o licenciamento da afixação e inscrição de mensagens de publicidade passou a ser atribuído de forma universal às câmaras municipais, na área do respectivo concelho, sem prejuízo da intervenção obrigatória, através da emissão do respectivo parecer, por parte de entidades com jurisdição exclusiva para defesa de interesse públicos específicos que têm de ser tidos em conta na emissão de licença final pelo respectivo município.
III - Assim sendo, depois da entrada em vigor daqueles diplomas a EP - Estradas de Portugal, S.A., deixou de ter competência para licenciar a afixação de mensagens publicitárias, carecendo, por isso, de competência para tributar esse licenciamento.
Nº Convencional:JSTA000P17860
Nº do Documento:SA220140910079
Data de Entrada:01/24/2014
Recorrente:A....
Recorrido 1:ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A………, Lda, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 10 de Outubro de 2013, que julgou totalmente improcedente a impugnação por si deduzida contra acto de liquidação de taxa de publicidade a que procedeu em 15.07.2010 a Directora da delegação regional de Viana do Castelo da EP – Estradas de Portugal S.A., no valor de €2.271,60, apresentando para tal as seguintes conclusões:

I. No que respeita á matéria de facto estabilizada no processo e devidamente elencada na douta sentença, e sem prejuízo daquilo que se dirá infra, na conclusão XXVI., nenhuma questão se coloca, pelo que é com base na mesma que há que analisar a principal questão de direito que se coloca nos autos.

II. A E.P. – Estradas de Portugal, S.A. e a sua Directora da Delegação Regional de Viana do Castelo eram absolutamente incompetentes para a prática do acto impugnado (acto de liquidação de taxa de publicidade a que procedeu em 15.07.2010, remetida à recorrente a coberto do ofício n.º 1076, saída 50566, da mesma data).

III. Como se lê na recente Recomendação da Provedoria de Justiça n.º 5/A/2012, a Lei 97/88, de 17 de Agosto, universalizou a licença municipal de afixação ou instalação de publicidade no espaço exterior e refere-se à intervenção de autoridades públicas com intervenção específica sobre determinadas parcelas do território concelhio, como sendo um parecer (artigo 2.º, n.º 2), parecer esse que é obrigatório e que precede a deliberação camarária.

IV. Sendo que no DL 13/71, de 23 de Janeiro, se cometia à ex-JAE o poder de deferir ou recusar licenças e autorizações para a «implantação de tabuletas ou objectos de publicidade, comercial ou não, numa faixa de 100 m para além da zona non aedificandi respectiva» (artigo 10.º, n.º 1, alínea b)), a citada Lei n.º 97/88 pretendeu inequivocamente condensar num só procedimento administrativo o licenciamento sobre a afixação ou instalação de suportes publicitários no espaço público.

V. Assim, a Lei 97/88, sem ter revogado o artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do DL 13/71 – até por ser aqui delimitada a zona de jurisdição da antiga JAE em 100 m para além da zona non aedificando – reduziu o seu âmbito, pois deixa de aplicar-se às situações reguladas na nova lei (toda a publicidade e propaganda no espaço público, excepto em imóveis do domínio público). Ocorreu, assim, apenas uma derrogação. Nem se oponha que a primeira constitui lei geral, em face do DL 13/71, e este, por seu turno, lei especial, qualificação que excluiria a revogação, ainda que parcial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil).

VI. A única leitura plausível que concilia na Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, o disposto no artigo 2.º, n.º 2, com o artigo 1.º, n.º 1, é a de considerar que a extinta JAE (e, depois, o INSTITUTO DAS ESTRADAS DE PORTUGAL e a EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, E.P.E) interviria com um parecer sobre a publicidade afixada ou inscrita nas áreas onde apenas dispusesse de jurisdição (zona de protecção à estrada); já, ao invés, nas áreas onde dispusesse de poderes dominiais (zona de estrada, entendida, segundo o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, como a faixa de rodagem, bermas, valetas, passeios, banquetas, taludes, pontes, viadutos e terrenos para alargamento, para estacionamento, miradouros ou áreas de serviço) faria sentido uma licença dominial, inteiramente diversa da licença municipal.

VII. A incompetência absoluta da E.P. resulta também da “sucessão de atribuições no sector das infra-estruturas rodoviárias, após a extinção da entidade pública empresarial”, como se lê na Recomendação da provedoria de Justiça n.º 5/A/2012, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

VIII. A EP-ESTRADAS DE PORTUGAL, EPE, foi transformada em sociedade anónima de capitais públicos (artigo 1.º do Decreto-lei n.º 374/2007, de 7 de Novembro), passando a adoptar um formato do direito privado, sendo que, a par da nova natureza societária, a EP, S.A., assumiu a qualidade de concessionária do Estado, isto é, a de um operador de mercado, cujo objecto se encontra delimitado pelos termos do contrato de concessão (artigo 4.º do mesmo diploma) e que, desta forma, satisfaz necessidades colectivas.

IX. Sendo um facto que o regime jurídico do sector empresarial do Estado prevê que as empresas públicas podem exercer poderes e prerrogativas de autoridade de que goza o Estado (artigo 14.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro), tais poderes são, todavia, atribuídos diretamente às empresas públicas, como resulta do n.º 2 do preceito, que estabelece que os poderes especiais são atribuídos por diploma legal, em situações excepcionais e na medida do estritamente necessário à prossecução do interesse público, ou constarão de contrato de concessão.

X. Os poderes de autoridade da EP. S.A. são individualmente consagrados no artigo 10.º do Decreto-lei n.º 374/2007, obedecendo ao princípio geral de direito administrativo segundo o qual, a competência é de ordem pública e não se presume.

XI. A atribuição de zelar pelo domínio público rodoviário não confere outro poder para além dos poderes tipicamente dominiais: embargar e demolir as construções efectuadas em zonas non aedificandi e zonas de protecção estabelecidas por lei (artigo 10.º, n.º 2, alínea b)), executar coercivamente as demais decisões de autoridade (alínea d)), proteger as instalações e o seu pessoal (alínea f)), instaurar e aplicar sanções em processo contraordenacional (alínea i)), o mesmo valendo para os poderes de encerrar instalações que causem perigo à estrada (artigo 10.º, n.º 3, alínea a) e de remover objectos que indevidamente ocupem o domínio público (alínea d)).

XII. Mas nunca se individualizam em tais disposições poderes para licenciar ou dar parecer sobre a inscrição ou afixação de mensagens publicitárias.
XIII. O diploma que criou o INIR, I.P. foi alterado pelo Decreto-lei n.º 132/2008, de 21 de Julho, a par da atribuição da concessão à EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A., sendo que sobre o sentido das alterações introduzidas consagra-se no preâmbulo do diploma que “Com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 380/2007, de 13 de Novembro, foram introduzidas grandes mudanças na configuração e papel de alguns agentes do sector. Em particular, o papel desempenhado pela EP - ESTRADAS DE PORTUGAL, S. A., no contexto do sector rodoviário, foi profundamente modificado. No novo modelo do sector rodoviário, a EP - ESTRADAS DE PORTUGAL, S. A., assume a qualidade de concessionária do Estado, isto é, um operador de mercado, não detendo, atualmente, quaisquer competências próprias ou de representação do Estado nos contratos de concessão vigentes”.
XIV. O INIR, I.P. ficou com a incumbência de “exercer os poderes e as competências atribuídas ao concedente Estado, por lei ou por contrato” (artigo 3.º, n.º 4, alínea a), do Decreto-lei n.º 148/2007, de 27 de Abril, na redacção introduzida pelo DL n.º 132/2008, de 21 de Julho ).
XV. A Recomendação em causa contém, abreviadamente, as seguintes conclusões: 1ª. No actual contexto normativo, não dispõe a EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A. de poderes para, na zona de proteção à estrada, conceder autorizações ou licenças pela implantação de tabuletas e objetos de publicidade e para liquidar e fazer cobrar a taxa prevista no artigo 15.º, alínea j) do Decreto-lei n.º 13/71, de 23 janeiro; 2.ª A prática de um ato administrativo alheio às atribuições da pessoa coletiva é sancionada com a nulidade, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo; 3.ª Representa um equívoco a convicção de caducarem ao fim de um ano as licenças ou autorizações que a EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A., tem vindo a conceder e a fazer reconhecer como facto tributário para liquidação anual de uma taxa no valor de € 56,79.

XVI. Termina a mesma recomendação ao Exmo. Presidente do Conselho de administração da EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A., que o mesmo se abstenha de liquidar e cobrar taxas por licenças anuais para afixar ou instalar mensagens publicitárias nos 100 metros da zona non aedificandi de cada estrada nacional, compreendendo as situações ocorridas em anos anteriores.
XVII. No caso da recorrente, não existiu, nem existe, qualquer licenciamento de publicidade.
XVIII. Não havendo licenciamento, não pode haver lugar à cobrança de taxas de publicidade, já que o licenciamento de publicidade é o pressuposto da existência das taxas de publicidade e, consequentemente, da sua liquidação e posterior cobrança.
XIX. O que a entidade impugnada fez – apesar de expressamente alertada na pronúncia relativa à audiência prévia apresentada pela ora impugnante para a ilegalidade da situação – foi ficcionar a existência de um licenciamento de publicidade e proceder à liquidação da taxa devida no pressuposto da existência de tal licenciamento, sendo que, todavia, o direito à cobrança de taxas de publicidade e a correspondente obrigação do seu pagamento somente nasce com o licenciamento respectivo e não antes dele, pelo que não existindo os pressupostos nem o facto gerador da obrigação da liquidação da taxa, a sua liquidação e a exigência do seu pagamento é completamente ilegal.
XX. Mesmo que porventura se entendesse que a competência para o licenciamento continua a pertencer à EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, SA, sempre os vícios do acto seriam os mesmos, pois que também nessa entidade não foi requerido e, consequentemente, tramitado, qualquer processo de licenciamento de publicidade relativamente à impugnante.

XXI. Assim, é forçoso concluir-se que, por vícios de incompetência absoluta e por total inexistência de procedimento (de licenciamento, obviamente, no qual se justificaria a prática do respectivo acto de liquidação, cuja competência não pode deixar de ser da entidade licenciadora, ou seja, da Câmara Municipal), se está perante um acto que carece, em absoluto, de forma legal e, como tal, nulo, nos termos do art. 133.º/1 e 2/b) e f) do CPA.

XXII. Sobre a matéria da inexistência de qualquer licenciamento e, por isso, do facto gerador das taxas (indevidamente) liquidadas, a douta sentença é completamente omissa, verificando-se, nessa medida, a sua nulidade por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 660.º/2 e 668.º/1/d) do CPC (actualmente, artigos 608.º/2 e 615.º/1/d) do CPC).

XXIII. É totalmente distinta a situação de a) existência de licenciamento de publicidade sem a correspondente taxa (que dá lugar à competente liquidação da taxa e respectiva cobrança) e b) existência de publicidade sem qualquer licenciamento que, no limite, dará lugar à instauração de processo de contra-ordenação.
XXIV. Também sobre a matéria se pronunciou o Exmo. Senhor Provedor de Justiça na Recomendação citada, manifestando claramente o entendimento de que “… se um particular se absteve de requerer a licença num determinado ano para manter publicidade afixada nas imediações de uma estrada nacional, dir-se-á que cometeu uma infração e que esta deveria dar lugar à aplicação de uma coima e, por outro lado, justificar a remoção do objeto publicitário ilicitamente afixado ou instalado… mas não faz qualquer sentido impor-lhe que venha requerer uma licença para um ou vários anos anteriores. (…) Compreende-se que a concessionária pretenda obter receitas, mas não pode admitir-se que desvirtue o sentido e natureza destas taxas. (…) Qualquer uma das normas aplicáveis deixa bem claro que o facto tributário é a emissão da licença, a remoção do obstáculo jurídico a uma atividade que é relativamente proibida. (…) É a licença que determina a liquidação da taxa e não a taxa a justificar a licença. (…) Sem licença, não pode ser liquidada a taxa”.

XXV. Subsidiariamente, e caso porventura se não entendesse estarmos perante um caso de nulidade, sempre seria de entender, no mínimo, que se verifica uma situação de ostensiva ilegalidade da liquidação a que a entidade impugnada procedeu por manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito de tal acto, com a consequente anulabilidade do acto praticado, nos termos do artigo 133º, a contrario, e 135º, ambos do CPA.

XXVI. No que se refere à violação do princípio da boa fé, que o Mº a quo entendeu não se verificar, entende o recorrente que deveria, antes de mais, ter sido ordenada a produção de prova testemunhal e a efectivação das diligências de prova requeridas em III. E IV. Da parte final da petição inicial, se é que se entendia que os factos alegados ainda não se encontravam provados.

XXVII. Não vale o argumento de que o que no limite se verificaria seria um mero desinteresse da EP e das suas antecessoras pela cobrança das taxas, sendo o facto inócuo para a relevância, no caso, da convicção que tal procedimento teria cristalizado na recorrente.

XXVIII. Desde há várias décadas que a Junta Autónoma de Estradas, primeiro, o IEP – Instituto de Estradas de Portugal, e as entidades que lhe sucederam, jamais cobraram qualquer taxa de publicidade na freguesia de Areosa, como, de resto, nas mais variadas freguesias do concelho de Viana do Castelo, sendo que, quem sempre o fez, nos casos em que foi solicitado e obtido o respectivo licenciamento de publicidade, foi a própria Câmara Municipal de Viana do Castelo.

XXIX. Entre Viana do Castelo e Afife, para se falar apenas em três freguesias do concelho, ou seja, Areosa, Carreço e Afife, são completamente visíveis várias centenas de mensagens publicitárias em painéis, reclamos luminosos, placas, pinturas de mensagens nos próprios edifícios, etc., etc., facto que é público e notório, sendo que a EP – Estradas de Portugal, S.A. e, antes dela, as entidades a quem a mesma sucessivamente sucedeu, jamais quiseram saber de qualquer licenciamento de tal publicidade e jamais quiseram saber da cobrança de qualquer taxa a esse título.

XXX. Esse repetido e constante comportamento de tais entidades, durante várias décadas (pelo menos, três décadas), sucessivamente, e sem interrupção, com o conhecimento dos operadores económicos instalados em toda essa vasta zona do concelho, fez cristalizar nos mesmos – e, particularmente, e no que agora interesse, na impugnante e nos seus gerentes e legais representantes -, a convicção de que agiam em conformidade com a lei e que a respeitavam integralmente.

XXXI. Ao proceder como procedeu, a EP – Estradas de Portugal, S.A., violou o princípio da boa fé consagrado no artigo 266º/2 da CRP, 6.º-A do CPA e 59.º da LGT.

XXXII. Na vertente da tutela da confiança acolhida como sub-princípio na norma do art. 6.º-A do CPA, que densificou o princípio consagrado na Constituição da República Portuguesa, tutela o mesmo a confiança suscitada na vontraparte pela actuação empreendida.

XXXIII. E se é hoje um dado adquirido que o princípio tanto vincula a Administração nas suas relações com os particulares, como vincula estes mesmos nas suas relações com a administração (cfr., nomeadamente, o art. 59.º da LGT), a verdade é que não pode deixar de considerar-se que recai sobre a Administração a obrigação de dar, antes de mais e em primeiro lugar, o exemplo de probidade, de credibilidade, de correcção, de previsibilidade, de lealdade, de confiança em relação aos administrados, numa palavra, de bona fides, de forma a assumir-se verdadeiramente como uma pessoa de bem.

XXXIV. De forma absolutamente incompreensível e chocante, a E.P., através do acto praticado, alterou abruptamente toda a sua linha de conduta e todo o seu padrão de comportamento adoptados relativamente á matéria de licenciamento de mensagens de publicidade e cobrança das respectivas taxas, alterou toda a posição que sempre manteve e que uniformemente patenteou, quer em relação à impugnante, quer em relação aos restantes operadores económicos da zona, traindo, por completo, a confiança criada na impugnante quanto à desnecessidade de qualquer licenciamento da publicidade e de pagamento das correspondentes taxas à E.P.

XXXV. Era-lhe exigível que retirasse do seu comportamento todas as consequências, que actuasse em relação à impugnante sem reservas, com lealdade e correcção, de modo a que o seu comportamento não se mostrasse ético-juridicamente inaceitável e que não se traduzisse num manifesto e absolutamente condenável “venire contra factum proprium”.

XXXVI. Salvo o devido respeito, foram violadas, entre outras, as normas dos artigos 660.º/2 e 668.º/1/d) do CPC (actualmente, artigos 608º/2 e 615º/1/d) do CPC), 20.º/1 e 266º da CRP, 113º/1, 114º e 115º do CPPT, 6.º-A, 133º/1 e 2, als. b) e f) e 135º do CPA, 59º da LGT, 1.º e 2.º da Lei 97/88, de 17 de Agosto, 15º/1/j) do DL 13/71, de 23 de Janeiro, com a actualização introduzida pelo DL 25/2004, de 24 de Janeiro, 2º, 4º e 10º do DL 374/2007, de 7.11, e 14º/1 e 2 do DL 558/99, de 17.12.

PEDIDO:
TERMOS EM QUE, E NOS DO DOUTO SUPRIMENTO DE V: EXªS, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA:

A. REVOGAR-SE A SENTENÇA RECORRIDA; SUBSTITUINDO-SE POR NOVA DECISÃO QUE JULGUE A IMPUGNAÇÃO DEDUZIDA TOTALMENTE PROVADA E PROCEDENTE, DECLARANDO NULO OU ANULANDO O ACTO IMPUGNADO – ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE TAXA DE PUBLICIDADE A QUE PROCEDEU EM 15.07.2010 A EXMª. SENHORA DIRECTORA DA DELEGAÇÃO REGIONAL DE VIANA DO CASTELO DA EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A., NO VALOR DE €2.271,60, CONFORME CONSTA DA NOTIFICAÇÃO de 15.07.2010, REMETIDA À RECORRENTE A COBERTO DO OFÍCIO N.º 1076, SAÍDA N.º 50566, DA MESMA DATA;

B. SUBSIDIARIAMENTE, DECLARAR-SE A NULIDADE DA DOUTA SENTENÇA, ORDENANDO-SE A ABERTURA DE UMA FASE DE INSTRUÇÃO DO PROCESSO, COM A INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS ARROLADAS E A PRODUÇÃO DAS DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS REQUERIDAS EM III. E IV. PARTE FINAL DA PETIÇÃO INICIAL, SEGUINDO-SE O CONHECIMENTO CONCRETO DA MATÉRIA RELATIVA À VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA FÉ;
TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 254/256 dos autos, concluindo no sentido da procedência do recurso por nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, o que prejudicaria o conhecimento das demais questões suscitadas.

4 – Questões a decidir
São as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente a impugnação deduzida contra liquidação de taxa de publicidade efectuada pela Estradas de Portugal e, subsidiariamente (porque a recorrente assim o alega – cfr. o pedido, no final das conclusões da sua alegação, supra transcritas), se incorre em nulidade por omissão de pronúncia ao não se ter pronunciado sobre o invocado erro sobre os pressupostos de facto da liquidação, decorrente da inexistência de procedimento de licenciamento.

5 – Na sentença objecto do presente recurso foram fixados os seguintes factos:

A) Através de ofício n.º 476, saída n.º 23984, de 16.04.2010, assinado pela Diretora da Delegação Regional de Viana do Castelo da EP – Estradas de Portugal, SA, e recebido pela ora Impugnante em 20.04.2010, foi esta notificada do seguinte – cfr. fls. 2 a 4 do Processo administrativo e fls. 10 a 13 dos autos em suporte físico:
“No âmbito dos serviços de fiscalização desta empresa, verificamos a existência de publicidade implantado no local supra referido, e pertença de V. Exª., suscetível de autorização por parte da EP – Estradas de Portugal, SA, conforme foto anexa.
Efetivamente, nos termos do disposto na alínea j), do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71 de 23 de janeiro, com a atualização introduzida pelo Decreto-Lei n.º 25/2004 de 24 de janeiro, está atribuída à EP a faculdade de autorizar a colocação de painéis publicitários cobrando a respetiva taxa.
Assim, fica V. Ex.ª notificado para efetuar o pagamento da taxa no valor de 2 271,60 €, correspondente a 40,0 m2 x 56,79€ nesta Delegação Regional, ou remeter-nos em vale de correio ou cheque visado, no prazo de 10 dias úteis, contados da data de receção desta notificação, sob pena de ser elaborada certidão de dívida e remetida à competente repartição de finanças com vista à instrução de processo de execução fiscal.
As autorizações dos reclamos serão sempre concedidas pelo prazo máximo de um ano, renovável, a título precário, devendo o requerente, caso seja a sua pretensão, solicitar a respetiva renovação antes de terminar aquele período.
Concede-se, nos termos do artigo 101º, n.º e n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo, o prazo de 10 dias úteis, contados da data de notificação, para V. Ex.ª alegar por escrito o que tiver por conveniente quanto à intimação e, no caso de realização de audiência, fica suspensa a contagem do prazo de 10 dias acima indicado.
Mais se informa, que decorrido aquele prazo de 10 dias sem a apresentação de defesa a decisão torna-se definitiva, a qual pode ser objeto de Recurso Hierárquico para o Conselho de Administração da EP ou impugnada judicialmente nos termos gerais, podendo o processo ser consultado na sede da Delegação Regional de Viana do Castelo com a morada indicada no cabeçalho desta notificação.
Com os melhores cumprimentos,
A Diretora da delegação Regional”.
B) A impugnante pronunciou-se no uso do seu direito de audiência prévia – cfr. fls. 5 a 10 do Processo administrativo e fls. 14 a 19 dos autos em suporte físico;
C) Na sequência de tal pronúncia, através do ofício n.º 1076, saída n.º 50566, de 15.07.2010, assinado pela Diretora da Delegação Regional de Viana do Castelo da EP – Estradas de Portugal, SA, e recebido pela ora Impugnante em 16.07.2010, foi esta notificada do seguinte – cfr. fls. 11 e 12 do Processo administrativo e fls. 20 a 22 dos autos em suporte físico:
"Na sequência da n/notificação com a referência 476, veio V. Ex.ª alegar, basicamente, o seguinte:
A competência para o licenciamento em matéria de publicidade é da Câmara Municipal;
A JAE e as entidades que lhe sucederam nunca cobraram qualquer taxa referente a publicidade no concelho de Viana do Castelo;
Entretanto, já removeu a publicidade;
Ora, e quanto à primeira questão, informa-se que estamos perante a autorização de um licenciamento que cabe exclusivamente à Autarquia, mas sobre a qual (autorização) é devida o pagamento de taxa nos termos da alínea j), do n.º 1, do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, com a atualização introduzida pelo Decreto-Lei n.º 25/2004 de 24 de janeiro.
Efetivamente, estatui a legislação publicitária, no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 97/88 de 17 de agosto, que a deliberação de licenciamento da Câmara Municipal deve ser precedida de “parecer das entidades com jurisdição sobre os locais onde a publicidade for afixada”. De facto, às Câmaras Municipais compete a definição dos critérios de licenciamento para salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental, nos termos do n.º 2, do artigo 1º da Lei n.º 97/88. Por sua vez, à EP cabe exclusivamente avaliar o impacte que a publicidade terá na circulação rodoviária, garantindo que a observância das condições de segurança de pessoas e bens sejam acauteladas.
Deste modo, os serviços prestados pela Câmaras e pela EP, SA não são os mesmos e não se podem confundir, cabendo a este Empresa o poder de autorizar a publicidade licenciada ou suscetível de licenciamento por parte das Autarquias.
Relativamente à afirmação que a JAE e as Entidades que lhe sucederam nunca terem cobrado qualquer taxa de publicidade no Concelho de Viana do Castelo, tal não é verdade, já que existem, inclusive na Freguesia de Areosa, vários elementos publicitários implantados, cujos processos de autorização foram registados nesta Empresa, conforme estipulado na lei vigente.
Apesar disso, verifica-se a existência de inúmeras situações que carecem da necessária autorização da EP – Estradas de Portugal, SA, como é o caso em apreço.
Por último, e quanto ao facto da publicidade constante da n/notificação ter sido removida, comunica-se que o processo agora instruído diz respeito à existência à data da notificação, pelo que deverá ser liquidada a taxa comunicada correspondente à respetiva área, pois mesmo depois de ter procedido à remoção da publicidade, usufruiu com a sua exibição.
Acrescenta-se que caso pretenda reduzir ou eliminar a respetiva área, a mesma será considerada no cálculo da taxa a cobrar pela eventual renovação, a ocorrer 12 meses após a emissão do recibo comprovativo do pagamento.
Assim, com os fundamentos já constantes da nossa comunicação anterior, a que acresce os vindos de referir, fica V. Ex.ª notificado para efetuar o pagamento no valor de 2 271,60 €, correspondente a 40 m2 x 56,79€ nesta Delegação Regional, ou remeter essa importância em vale de correio ou cheque visado, até ao próximo dia 30 de julho, sob pena de ser elaborada certidão de dívida e remetida à competente repartição de finanças com vista à instrução de processo de execução fiscal.
A presente decisão tem a data constante nesta comunicação, a qual pode ser objeto de Reclamação para o seu autor, a subscritora abaixo-assinado, de Recurso Hierárquico para o Conselho de administração da EP pu impugnada judicialmente nos termos gerais, estando o processo disponível para consulta na sede da Delegação Regional de Viana do Castelo com a morada indicada no cabeçalho desta notificação, no horário normal de expediente.
Com os melhores cumprimentos,
A Diretora da delegação Regional”.
D) Por requerimento dirigido à entidade impugnada em 09.08.2010, através de registo postal com aviso de receção, a Impugnante requereu, para além do mais, que lhe fosse indicado, nos termos da lei, quais os prazos para o recurso aos meios de impugnação referidos na notificação constante do ponto antecedente, com referência aos respetivos artigos dos diplomas que se referissem à matéria – cfr. fls. 23 e 24 dos autos em suporte físico;
E) A Diretora da Delegação Regional de Viana do Castelo da EP – Estradas de Portugal, SA, mediante ofício n.º 2161, saída n.º 61407, de 25.08.2010, recebido pela impugnante em 02.09.2010, notificou-a do seguinte – cfr. fls. 25 e 26 dos autos em suporte físico:
“Na sequência da notificação da decisão final da liquidação e data para pagamento da taxa, veio V. Ex.ª requerer a notificação dos meios impugnatórios a utilizar, por entender que os elementos constantes da nossa comunicação seriam insuficientes.
Ora, a carta de 15.07.2010, contém o texto integral do ato administrativo, a indicação do seu autor, a data daquele, bem como os meios de defesa, tendo em conta que o ato é suscetível de recurso contencioso.
Assim sendo, o ato administrativo em referência não enferma de qualquer vício ou irregularidade, pelo que se concede novo prazo, até ao próximo dia 10 de setembro, para efetuar o pagamento no valor de 2 271,60 €, correspondente a 40 m2 x 56,79€ nesta Delegação Regional, ou remeter essa importância em vale de correio ou cheque visado, sob pena de ser elaborada certidão de dívida e remetida à competente repartição de finanças com vista à instrução de processo de execução fiscal, podendo nesse processo, caso assim o entenda e após citação, invocar a referida irregularidade.
Com os melhores cumprimentos,
A Diretora da Delegação Regional”.
F) A Petição inicial que motiva os presentes autos foi entregue neste Tribunal, em 13.10.2010 – cfr. fls. 1 dos autos em suporte físico.
6 – Apreciando
6.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida
A sentença recorrida, a fls. 195 a 200 dos autos, julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra ato de liquidação de taxa de publicidade a que procedeu em 15.07.2010 a Diretora da Delegação Regional de Viana do Castelo da EP – Estradas de Portugal, S.A., no entendimento de que não se verificavam os vícios de incompetência absoluta da entidade impugnada, violação dos princípios da boa-fé e da confiança e da remoção da publicidade e que no que respeita às demais alegações apresentadas pela Impugnante, as mesmas não se mostram procedentes, seja porque se encontram prejudicadas pelo antes escrito, seja porque a sua invocação e a sua demonstração não se oferecem de modo suficientemente substantivado (cfr. sentença recorrida, a fls. 199 dos autos).
Discorda do decidido a recorrente, imputando à sentença recorrida, a título principal, erro de julgamento, ao decidir ter a Estradas de Portugal competência para a liquidação da taxa impugnada, em razão da necessidade de emissão de parecer no procedimento de licenciamento.
O decidido contraria, no entanto, jurisprudência hoje consolidada das duas Secções deste STA, não podendo manter-se (cfr. o recente Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso tributário deste STA de 9 de Julho último, recurso n.º 232/13
Como se consignou no Acórdão deste STA do passado dia 18 de Junho, recurso n.º 1435/13, que com a devida vénia transcrevemos, a questão de saber quem é a entidade competente para licenciar e, consequentemente, tributar a afixação de tabuletas de publicidade na zona de protecção das estradas nacionais é questão que actualmente tem obtido resposta idêntica tanto na Secção de Contencioso Tributário (na vertente da tributação do licenciamento) como na Secção de Contencioso Administrativo (na vertente do licenciamento em si), como se pode ver pelos acórdãos proferidos por esta Secção de 26/06/2013, no rec. nº 0232/13, e de 4/06/2014, no rec. nº 01730/13, e pela Secção de Contencioso Administrativo de 20/02/2014, nos recs. nºs 01854/13; 01597/13; 01786/13; 01814/13; 01340/13; 01415/13; 01813/13; 01500/13; 0604/13; 01417/13; 0983/13; de 20/03/2014, no rec. nº 01500/13; de 20/03/2014, no rec. nº 01814/13; de 3/04/2014, nos recs. nº 01815/13; 01896/13; 01600/13; 01741/13; 01792/13; 01499/13; 01556/13; 024/14; de 15/05/2014, nos recs. nº 0133/14; 0135/14; 0140/14; 01516/13; de 29/04/2014, no rec. nº 073/14, e de 26/06/2014, no rec. nº 0232/13, traduzindo uma jurisprudência que actualmente se pode considerar consolidada. // Esta resposta foi inicialmente dada pelo referido acórdão desta Secção no recurso nº 0232/13, cuja fundamentação sufragamos na íntegra, e que posteriormente foi acolhida pela Secção de Contencioso Administrativo. // Nesse acórdão deixou-se explicitado o seguinte:
«3.1. O art. 1º do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, que veio regulamentar a jurisdição da Junta Autónoma das Estradas em relação às estradas nacionais, estabeleceu que tal área de jurisdição abrangia, para além da “zona da estrada” (englobando a faixa de rodagem, as bermas, as valetas, os passeios, as banquetas ou taludes, pontes e viadutos), a denominada “zona de protecção à estrada” (constituída pelas faixas com servidão non aedificandi e pelas faixas de respeito) - arts. 1º a 3º.
Diz expressamente o art. 3º do Decreto-Lei nº 13/71 que a zona de protecção à estrada nacional é constituída pelos terrenos limítrofes em relação aos quais se verificam:
a) Proibições (faixa designadamente com servidão non aedificandi;
b) Ou permissões condicionadas à aprovação, autorização ou licença da Junta Autónoma de Estradas (faixas de respeito)”.
O art. 8º, sob a epígrafe, “Proibições em terrenos limítrofes da estrada”, dispõe que é proibida a construção, estabelecimento, implantação ou produção de “Tabuletas, anúncios ou quaisquer objectos de publicidade, com ou sem carácter comercial, a menos de 50 m do limite da plataforma da estrada ou dentro da zona de visibilidade, salvo no que se refere a objectos de publicidade colocados em construções existentes no interior de aglomerados populacionais e, bem assim, quando os mesmos se destinem a identificar instalações públicas ou particulares.”
Por sua vez, segundo o disposto no art. 10º, nº 1, alínea b), depende da aprovação ou licença da Junta Autónoma da Estrada, a “Implantação de tabuletas ou objectos de publicidade, comercial ou não, numa faixa de 100 m para além da zona non aedificandi respectiva”.
Em face do quadro legal exposto, a questão essencial a decidir é a de saber se a recorrente mantém competência para liquidar taxas de publicidade, em especial nas situações referenciadas no art. 10º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, sobretudo depois da entrada em vigor da Lei nº 97/88, de 17 de Agosto.
Este diploma, que sucedeu ao Decreto-Lei nº 637/76, de 29 de Junho, veio definir o enquadramento geral da publicidade exterior, sujeitando-a a licenciamento municipal prévio e remetendo para as câmaras municipais a tarefa de definir, à luz de certos objectivos fixados na lei, os critérios que devem nortear os licenciamentos a conceder na área respectiva.
Embora o diploma não revogue expressamente o Decreto-Lei nº 13/71 nem sequer algumas das suas normas, a verdade é que aquela lei veio universalizar a licença municipal de afixação ou instalação de publicidade no espaço exterior, dizendo expressamente que esta depende do licenciamento prévio das autoridades competentes (nº 1 do art. 1º da Lei nº 97/88).
Por seu turno, diz o nº 2 que “Sem prejuízo de intervenção necessária de outras entidades, compete às câmaras municipais, para salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental, a definição dos critérios de licenciamento aplicáveis na área do respectivo concelho”.
No preceito seguinte (art. 2º), sob a epígrafe “Regime de licenciamento”, refere no seu nº 1 que o pedido de licenciamento é dirigido ao presidente da Câmara Municipal da respectiva área, devendo, nos termos do estatuído no nº 2, “A deliberação da câmara municipal deve ser precedida de parecer das entidades com jurisdição sobre os locais onde a publicidade for afixada, nomeadamente do Instituto Português do Património Cultural, da Junta Autónoma das Estradas, da Direcção-Geral de Transportes Terrestres, da Direcção de Turismo e do Serviço Nacional de parques, Reservas e Conservação da Natureza.”
Confrontando o teor deste preceito com o expressamente consagrado no art. 10º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 13/71, facilmente se conclui que os preceitos estão em contradição na parte em que este último comete à recorrente, na área de jurisdição correspondente a 100 metros para além da zona non aedificadi, a competência para a aprovação ou licença, enquanto que o nº 2 do art. 2º da Lei nº 97/88 degrada essa intervenção na mesma matéria à mera emissão de parecer obrigatório.
Poderá dizer-se que constituindo a Lei nº 97/88 lei geral, em face do Decreto-Lei nº 13/71 que, pelo seu turno, consubstancia um regime especial, estaria afastada a possibilidade de este ser revogado por aquela lei.
Acontece que no caso de contradição entre normas da mesma hierarquia, a regra vai no sentido de que lex specialis derrogat legi generali ainda que esta seja posterior, excepto, neste caso, “se outra for a intenção inequívoca do legislador” (Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 7ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 1994, p. 170.) .
Ora, afigura-se que a Lei nº 97/88 pretende de forma inequívoca regular a afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda atribuindo o licenciamento de forma universal às câmaras municipais, na área do respectivo concelho, sem prejuízo da intervenção obrigatória, através da emissão do respectivo parecer, por parte de entidades com jurisdição exclusiva para defesa de interesse públicos específicos que têm de ser tidos em conta na emissão de licença final pelo respectivo município.
Realce-se que esta é, aliás, a tese da recorrente.
Com efeito, nas suas conclusões a recorrente não refere em parte alguma qual a norma que lhe confere competência para a emissão do licenciamento em causa.
Pelo contrário, em vários pontos das Conclusões, designadamente, nos pontos 12, 15, 22, 23, 26 e 27, a recorrente fala sim na sua competência para a emissão de parecer.
No entanto, a recorrente acaba por concluir, invocando jurisprudência deste Supremo Tribunal que “o licenciamento da publicidade é emitido pela Câmara Municipal que tem de ser precedido de um parecer da EP, E.P.E., quando a publicidade se situa na proximidade de uma estrada nacional, o que significa que aquela entidade não vem licenciar a publicidade, mas sim autorizar a sua afixação junto das estradas nacionais, que são campos de aplicação completamente diferentes.”
Concluindo-se que “(…) a aprovação ou licença concedida pela EP, E.P.E., para afixação de publicidade constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 10º do DL 13/71, de 23/01, corresponde ao parecer mencionado no nº 2 do art.º 2º do DL 97/88, de 17/08, sendo de carácter vinculativo e obrigatório” (Acórdão proferido no processo 0243/09, de 25/6/2009)”.
Afigura-se, porém, que esta tese, além de não ter apoio legal, conduziria a resultados absurdos.
Vejamos.
3.2. Em primeiro lugar, o parecer a que se refere o nº 2 do art. 2º da Lei nº 97/88 não é vinculativo, mas tão só obrigatório. Nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE (Lições de Direito Administrativo, 2ª ed., Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2011, p. 146.), os pareceres “enquanto avaliações jurídicas ou técnicas”, são obrigatórios ou facultativos, conforme tenham ou não de ser solicitados pelo órgão instrutor, e são vinculantes ou não vinculantes, conforme tenham, ou não, de ser seguidos pelo órgão decisor. E o autor termina dizendo que “os pareceres previstos em normas jurídicas são, salvo disposição expressa em contrário, obrigatórios e não vinculantes”.
Aplicando a doutrina mencionada ao caso dos autos, temos de concluir que os pareceres a que se refere o nº 2 do art. 2º da Lei nº 97/88 são obrigatórios mas não vinculativos.
Em segundo lugar, tratando-se de um parecer, ainda que obrigatório, o mesmo não se confunde com a figura da autorização nem da licença. Ao contrário dos pareceres que integram a categoria dos actos jurídicos instrumentais, mais propriamente instrutórios, na medida em que visam a assegurar a constituição de actos administrativos, as autorizações são, tal como as licenças, verdadeiros actos administrativos em sentido estrito (Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 142 e p.145.), embora com conteúdos diferentes.
As autorizações em sentido amplo são, segundo VIEIRA DE ANDRADE (Cfr. ob. cit., p. 145.), actos administrativos favoráveis porque conferem ou ampliam direitos ou poderes “administrativos” ou extinguem obrigações, distinguindo-se as autorizações propriamente ditas das licenças. As primeiras, também conhecidas por autorizações permissivas, caracterizam-se por permitirem “o exercício pelos particulares da actividade correspondente a um direito subjectivo pré-existente, apenas condicionado pela lei a uma intervenção administrativa”, destinada a remover um obstáculo por ela imposto. As segundas, também denominadas autorizações constitutivas, destinam-se a constituir “direitos subjectivos em favor dos particulares em áreas de actuação sujeitas a proibição relativa (preventiva) pela lei, uma vez acautelada no caso concreto a não lesão do interesse que justificou a proibição legal”.
Em face do exposto, a tese da recorrente conduziria ao absurdo de sobre a mesma situação recair simultaneamente uma autorização e uma licença que, embora da autoria de entidades diferentes, visaria o mesmo resultado: permitir (ou conferir o direito) à afixação ou inscrição de mensagens de publicidade comercial. O que conduziria a que duas entidades públicas tivessem competência para liquidar taxas sobre a mesma realidade fáctica, situação muito próxima da duplicação de colecta, proibida no art. 205º do CPPT.
Ora, o que a Lei nº 97/88 veio dizer, e é aceite pela recorrente, é que a afixação ou inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial depende do licenciamento prévio dos municípios, precedido de parecer das entidades com jurisdição sobre os locais onde a publicidade for afixada. O que significa que o legislador quis sujeitar a afixação de publicidade a um acto de licenciamento dos municípios e não a mera autorização, acto que tem de ser instruído com o parecer das autoridades com jurisdição nos locais de afixação da publicidade. Por esta via, o legislador consegue harmonizar os interesses visados pelos municípios, consistentes na salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental e, ao mesmo tempo, a segurança do trânsito das estradas nacionais. Todavia, segundo este modo de ver as coisas, existe apenas uma única entidade competente para o licenciamento e não duas como pretende a recorrente.
Em suma, em face de tudo o quanto vai exposto, é patente que a resposta à questão que vem posta não exige que se tome posição sobre o problema de saber até que ponto o Decreto-Lei nº 13/71 se encontra ou não revogado, nem tão pouco sobre se as áreas de jurisdição da recorrente consagradas no mencionado diploma ainda se mantêm ou não.
No caso em apreço, a questão sub judice traduz-se apenas em aferir da legalidade da liquidação de taxas de publicidade aplicadas às recorridas, nos termos da alínea j) do nº 1 do art. 15º do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, e actualizadas pelo Decreto-Lei nº 25/2004, de 24 de Janeiro. E o que se conclui é que, depois da entrada em vigor da Lei nº 97/88, a recorrente deixou de ter competência para liquidar taxas pelo licenciamento de afixação de mensagens publicitária, uma vez que a sua intervenção se limita à emissão de parecer, no âmbito do procedimento de licenciamento, da autoria das câmaras municipais, nos termos dos disposto no art. 2º, nº 2, da Lei nº 97/88.».

Por conseguinte, de acordo com o enquadramento legal explicitado, mesmo admitindo que o Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, se mantém em vigor, a verdade é que não oferece dúvidas que, por força, primeiro do Decreto-Lei nº 637/76 e, posteriormente, da Lei nº 97/88, o inciso “aprovação ou licença” constante do art. 10º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 13/71, foi derrogado e desgraduado na emissão de “parecer” das entidades com jurisdição sobre os locais onde a publicidade for afixada. Deve, assim, o procedimento ser iniciado junto das câmaras municipais que procederão à consulta das entidades competentes para a emissão do respectivo parecer. // E limitando-se a competência da recorrente (EP) à emissão de parecer, no âmbito do procedimento de licenciamento, da autoria das câmaras municipais, nos termos do disposto no art. 2º, nº 2, da Lei nº 97/88, não lhe pode competir a iniciativa de liquidar as taxas por tal licenciamento. (fim de citação).

É este julgamento que também aqui se reitera, razão pela qual haverá que no provimento do recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação deduzida pela ora recorrente, anulando a liquidação sindicada.

Prejudicada fica o conhecimento das demais questões suscitadas, incluindo a alegada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, porquanto a recorrente a alegou a título meramente subsidiário.


- Decisão -

7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação deduzida.

Custas pela recorrida, apenas em 1.ª instância, pois não contra-alegou no presente recurso.

Lisboa, 10 de Setembro de 2014. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pedro Delgado - Ascensão Lopes.