Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:013/19.9BALSB
Data do Acordão:11/23/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
IDENTIDADE DE SITUAÇÃO DE FACTO
Sumário:I - O recurso de decisão arbitral para o Supremo Tribunal Administrativo pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e a decisão invocada como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do art. 25.º RJAT) e, inexistindo essa oposição, não deve tomar-se conhecimento do mérito do recurso.
II - A questão de direito só será a mesma se houver identidade ou equivalência das situações de facto contemplados nas duas decisões colocadas em confronto.
III - Não há oposição ou contradição entre dois acórdãos, relativamente à mesma questão fundamental de direito, quando são diversos, do ponto de vista dos efeitos jurídicos, os pressupostos de facto em que assentaram as respectivas decisões.
Nº Convencional:JSTA000P30227
Nº do Documento:SAP20221123013/19
Data de Entrada:02/22/2019
Recorrente:A.........., S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 54/2018-T
Recorrente: “A……, S.A.”
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida em 20 de Dezembro de 2018 pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) no processo n.º 54/2018-T ( Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=35&id=3740.), para uniformização de jurisprudência, relativamente a duas questões, por oposição com os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 27 de Junho de 2018 no processo com o n.º 1401/17 ( Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/ffed307943544ebb802582bf004bd81d.) e do Tribunal Central Administrativo Sul de 24 de Junho de 2003, proferido no processo com o n.º 6350/02 ( Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/6c5467fa3f1df23280256d52004e8602.). Alegou o recurso, com conclusões do seguinte teor:

«A. A decisão arbitral recorrida está em oposição com o acórdão do STA de 27 de Junho de 2018 no âmbito do processo n.º 01402/17 – ele próprio um acórdão uniformizador de jurisprudência –, e com o acórdão do TCAS de 24 de Junho de 2003, proferido no processo n.º 06350/02.

B. A manifesta oposição do acórdão recorrido a estes dois acórdãos fundamento refere-se a duas questões jurídicas essenciais: o âmbito e objectivo de aplicação do artigo 23.º do CIRC e o regime dos preços de transferência, por um lado, e sobre a possibilidade de um sujeito passivo arcar economicamente com encargos que são incorridos por uma contraparte quando tal permita realizar o seu interesse empresarial e se integre na sua actividade, por outro.

C. O contrato de retailing agreement celebrado entre a Recorrente e as Prime Retailers, dado como assente, estabelece que na eventualidade de a margem operacional de uma das Prime Retailers ser superior a 3%, a Recorrente emitirá notas de débito em correcção do preço de venda acordado, com vista à reposição da margem operacional pré-estipulada; em sentido inverso, sempre que a margem operacional de uma das Prime Retailers seja inferior a 3%, a Recorrente emitirá notas de crédito de correcção ao preço de venda das mercadorias vendidas naquele exercício que conduzirão à margem estabelecida, sendo a emissão de tais notas de crédito – no exercício de 2014 – o que se discute no processo arbitral cuja decisão se recorre.

D. Não obstante a própria AT sustentar que os encargos com o retailing agreement consubstanciavam uma “forma encapotada de financiamento das empresas relacionadas”, que “através destes acordos o grupo implementou para si uma espécie de regime especial de tributação”, o que implicou a “transferência de resultados de Portugal para outros países”, radicou a sua correcção no artigo 23.º do Código do IRC por alegadamente tais gastos não proporcionarem maiores rendimentos tributáveis para a Recorrente, na óptica da Recorrente, os efeitos económicos do contrato só poderiam ter originado um escrutínio inspectivo em matéria de preços de transferência, já que estamos no domínio das relações comerciais entre empresas relacionadas envolvendo sempre dois países (Portugal e os países das prime retailers) e, mais concretamente, no âmbito da fixação de condições contratuais que se aplicam às transacções comerciais entre elas.

E. Os nossos tribunais têm repetidamente sido chamados a julgar sobre encargos ou perdas emergentes de transacções ou relações comerciais entre entidades relacionadas, nos quais a fundamentação da AT se confina ao artigo 23.º do CIRC mas em que esses mesmos tribunais acabam por concluir apenas poder estar em causa uma violação das regras de preços de transferência (que, normalmente, a AT acaba por não lograr provar).

F. Ora, não há dúvida que nos autos estão em causa operações comerciais (a remuneração das vendas de produtos da Requerente), realizadas entre entidades em situação de relações especiais (cf. n.º 4 do artigo 63.º do CIRC), o que é aliás corroborado pela AT ao questionar os termos ou condições dessas mesmas operações comerciais entre entidades relacionadas, e se se coloca a questão fundamental de saber se estamos em presença de uma questão de preços de transferência ou de “artigo 23.º do CIRC”, não há qualquer dúvida que a situação dos autos se amolda na perfeição à factispecie do artigo 63.º do CIRC, de onde resulta evidente a oposição da decisão recorrida com o primeiro acórdão fundamento.

G. Este aresto fundamento, que é ele próprio um acórdão de uniformização de jurisprudência, aprecia operações que envolviam a transmissão e a aquisição de participações sociais entre sociedades directa ou indirectamente relacionadas, i.e., pertencentes ao mesmo Grupo económico, e administradores dessas mesmas sociedades, as quais originaram uma menos valia na esfera do sujeito.

H. Neste caso, a AT constatou que se tratava de operações entre entidades relacionadas e que “[c]om todas estas transacções dentro do grupo de empresas com a mesma administração, gera-se assim uma menos valia (...)”; o que provocou a diminuição da base tributável, gerada por via de “negócios com o intuito de gerar custos extraordinários e assim diminuírem os resultados. Deste modo, o contribuinte infringe o artigo 23.º do Código do IRC (...)”; em contraposição o sujeito passivo sustentou que o entendimento da AT desrespeitava o princípio da independência (ie. da plena concorrência) a que estão obrigadas as entidades especialmente relacionadas (e não na dispensabilidade do gasto), mas que o artigo 23.º nada tem que ver com essa fundamentação, sendo apenas o artigo 58.º do Código do IRC (actualmente, o artigo 63.º) a base legítima para corrigir fiscalmente esse valor.

I. A pronúncia do Pleno do STA foi peremptória: “II - Tendo sido determinada a existência de relações especiais entre a recorrente e os membros dos órgãos de administração de empresas do mesmo grupo económico, e tendo sido suscitadas dúvidas pela Administração Fiscal sobre a adequação do preço e modo de pagamento (…), impunha-se à luz o regime de preços de transferência plasmado no artigo 58.º do CIRC, que a Administração Fiscal apurasse se tal preço e se tais meios de pagamento diferiam das condições que normalmente seriam acordadas entre entidades independentes, fundamentando as eventuais correcções ao abrigo do referido regime legal e do art. 77.º da LGT. III - O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o art. 23.º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados”.

J. A identidade factual e jurídica entre este acórdão fundamento e o acórdão recorrido é evidente e inequívoca, já que quanto à (i) “identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto”, em ambas situações, a AT lançou mão do artigo 23.º do Código do IRC, com vista a realizar correcções às matérias tributáveis que se inserem materialmente no escopo do artigo 63.º do Código do IRC, furtando-se, assim, ao dever de fundamentação dos pressupostos que justificariam a correcção operada, bem como das condições de plena de concorrência, como vem sendo o modus faciendi da AT, com vista a obviar o trabalho de ter de provar a desconformidade das supostas “transferências de gastos” com o que é corrente no mercado (exemplo disso é a recente decisão arbitral de 16 de Novembro de 2018 do CAAD, proferida no processo n.º 70/2018-T).

K. Igualmente, os factos assentes na decisão recorrida e no Acórdão fundamento são essencialmente os mesmos “do ponto de vista do seu significado jurídico”, ao que acresce que não teve lugar qualquer (ii) “alteração substancial na regulamentação jurídica”, sendo que única alteração normativa é a alteração da numeração do artigo relevante (de 58.º para 63.º).

L. Por fim, que nos dois arestos foi formulada uma solução oposta sobre a mesma questão jurídica essencial, sendo essa oposição o produto de decisões expressas, pelo que é dever de boa administração da justiça tributária dos nossos tribunais evitar que sujeitos passivos sejam tratados desigualmente em situações iguais, assim se dando concretização prática ao princípio da igualdade fiscal previsto no artigo 103.º da CRP.

M. Sem prescindir do que antes se expôs, existe também oposição entre a decisão recorrida e o segundo acórdão fundamento quanto ao enquadramento jurídico-tributário da assunção de encargos de terceiros na prossecução da actividade empresarial.

N. Nesta decisão, uma empresa portuguesa havia suportado um encargo (um fee de patrocínio) que era responsabilidade de uma sua cliente pré-insolvente perante um terceiro (ambas espanholas), não recaindo sobre a primeira qualquer obrigação ou ónus de suportar tal despesa, e aquele Tribunal considerou imprescindível para que a empresa portuguesa pudesse continuar a vender à sua cliente.

O. O argumento da Fazenda Pública para vedar a dedução fiscal era análogo ao da AT, no caso dos autos, tendo sido questionada a indispensabilidade deste custo na actividade empresarial desenvolvida, ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC, ie., que “se trata de encargos que incidem sobre terceiros para os quais não está a empresa legalmente autorizada a suportar”, cfr. acórdão citado, não sendo tampouco confirmado se efectivamente o encargo incorrido pela empresa lhe deu retorno, conformando-se, e bem com “considerar aqueles pagamentos como normais e imprescindíveis à manutenção da fonte produtora dada a manifesta e comprovada adequação e conveniência à actividade e tutela da recorrida”.

P. No caso, o sujeito passivo justificou a indispensabilidade do gasto porquanto num cenário de cessação da relação contratual entre as duas entidades espanholas a continuidade dos fornecimentos de material e equipamento desportivo estaria “em xeque” – continuidade essa tida por indispensável à manutenção da sua fonte produtora.

Q. Neste caso o TCAS foi categórico decidindo que: “… IV.- A relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial. (...) IX.- É que a ratio deste preceito é claramente a salvaguarda do princípio estabelecido no analisado art. 23.º do CIRC, i. é, da aceitação de encargos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos, pretendendo-se com a mencionada alínea que na determinação do lucro tributável da empresa se aceitem encargos que não lhe digam respeito. X.- Embora não existe uma cláusula contratual no convénio celebrado entre a impugnante e a C…….. por força da qual aquela assumiria ou comparticiparia nos contratos de publicidade celebrados pela segunda, considerando o montante da dívida da C…….. à impugnante e o valor da facturação desta no mercado espanhol, é forçoso entender a aceitação daquela dívida como indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos e para a manutenção da fonte produtora da impugnante e aqueles pagamentos como normais e imprescindíveis à manutenção da fonte produtora dada a manifesta e comprovadas adequação e conveniência à actividade e tutela da recorrida.”, pelo que “XI.- A essa luz, o questionado pagamento não pode considerar-se gasto acessório mas indispensável à manutenção da fonte produtora sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva à luz do qual, entre a aplicação de dois regimes potencial e abstractamente subsumíveis a uma situação, impõe-se fazer a opção pelo menos gravoso, ou seja, pelo que permite a revelação fiscal do empobrecimento económico do contribuinte em vista do disposto no art. 23.º do CIRC, e não os sustentando pela recorrente, não escorável na letra e no espírito da lei. XII.- Existindo o «non liquet» sobre certos “custos financeiros” directamente relacionados com a actividade normal da impugnante e não se provando que tais custos são totalmente estranhos à mesma, tem de aceitar-se, em tal situação, o nexo causal de “indispensabilidade” que deve existir entre os custos e a obtenção dos proveitos ou ganhos”.

R. A identidade factual e jurídica entre este acórdão fundamento e o acórdão recorrido é clara, já que quanto à (i) “identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto”, esta reconduz-se, sempre, à aceitação (ou não) fiscal de encargos que incidam sobre outras entidades que não o sujeito passivo, no contexto das suas actividades empresariais, com fundamento no artigo 23.º do Código do IRC, tratando-se em ambas as situações de encargos que, no plano económico e fiscalmente relevante, nada tinham de estraneidade com a actividade prosseguida e mais não eram do que investimentos que visavam um retorno futuro efectivo.

S. Tal não é requisito do artigo 23.º do CIRC mas, no caso da recorrente foi até dado como aceite pela própria decisão arbitral, pelo que teremos de concluir que (i) os factos assentes na decisão recorrida e no Acórdão fundamento são essencialmente os mesmos “do ponto de vista do seu significado jurídico”, (ii) não há “alteração substancial na regulamentação jurídica”.

T. Assim, embora não possam ser base de oposição de acórdãos, são vários os exemplos de decisões que vão no sentido propugnado pelo segundo acórdão fundamento (refira-se, sem pretender a Recorrente ser exaustiva, as decisões proferidas sob a égide do CAAD no processo n.º 181/2014-T, de 3 de Setembro de 2014, ou no processo n.º 297/2013-T, de 20 de Junho de 2014).

U. Em suma, considerando o que ficou exposto, existe uma manifesta oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento do STA de 27 de Junho de 2018 no âmbito do processo n.º 01402/17, e caso, por mera hipótese académica assim não se entenda, verifica-se igualmente oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento do TCAS de 24 de Junho de 2003, proferido no processo n.º 06350/02.

VI. Do pedido

Nestes termos, requer-se a V. Exas., ao abrigo do n.º 2 do artigo 25.º do RJAT, e observado o regime do recurso regulado no artigo 152.º do CPTA aplicável ex vi n.º 3 do artigo 25.º do RJAT, a uniformização de jurisprudência:

Que se anule a decisão recorrida, declarando-se procedente o presente recurso em conformidade com o acórdão de uniformização de jurisprudência do STA de 27 de Junho de 2018, proferido no processo n.º 01402/17, devendo a oposição invocada considerar-se verificada e o presente recurso julgado procedente, com todas as consequências legais ou,

Se por mera hipótese de raciocínio assim não se entender,

Que se anule a decisão recorrida, declarando-se procedente o presente recurso em conformidade com o acórdão do TCAS de 24 de Junho de 2003, proferido no processo n.º 06350/02, devendo a oposição invocada considerar-se verificada e o presente recurso julgado procedente, com todas as consequências legais.

Mais se requer a V. Exas. que se dignem a determinar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais».

1.2 A AT contra-alegou, resumindo a sua posição em conclusões do seguinte teor:

«1) No presente recurso não se verificam os pressupostos, contemplados nos arts. 25.º n.º 2 do RJAT, 152.º n.º 2 do CPTA e 27.º n.º 1, al. b) do ETAF, que permitam a apreciação de recurso para uniformização de jurisprudência interposto por A…….., SA.

2) Na verdade, não há, desde logo, identidade de situações de facto, ou seja, não há identidade substancial das situações fácticas, pressuposto necessário para que haja soluções diferentes quanto à interpretação da mesma questão de direito.

3) Efectivamente, no Ac. fundamento, eleito pela recorrente como sendo o Ac. do STA de 27/06/18, Proc. n.º 01402/17, a factualidade que foi por este considerada tem a ver com uma reorganização societária com transacções de acções dentro do mesmo grupo económico e entre as empresas e os próprios administradores, por outro lado, as transacções com acções não têm como suporte a movimentação de dinheiro, estas são feitas por cedências de créditos, de modo que quem vende directa ou indirectamente cede o crédito a quem compra sendo que as participações sociais são alteradas, sem que alguém pague algo.
Todas as transacções são realizadas entre empresas do mesmo grupo económico com administradores comuns, tendo em comum a mesma técnica de contas.
Por outro lado, estava em causa uma desvalorização das referidas acções e a consideração de menos-valias fiscais.

4) Já no Ac. arbitral recorrido, estava em causa a análise não de vendas de acções entre empresas relacionadas e de geração de menos-valias fiscais na empresa objecto das correcções, mas sim, a análise de um contrato entre a requerente e empresas subsidiárias distribuidoras/revendedoras da marca …, mediante o qual foi atribuída uma remuneração a estas tendo em conta a comercialização dos produtos da mesma marca. Ou seja, estava em causa a análise de operações comerciais tendo em conta a remuneração que a requerente garantia a empresas subsidiárias pela venda dos seus produtos.

5) Assim, quanto às situações de facto subjacentes a tais inspecções elas são totalmente distintas tendo, por consequência, o art. 23.º sido aplicado a situações completamente diferentes.

6) Não estamos, pois, perante o mesmo tipo de entidades, não é o mesmo o tipo de negócio/contrato analisado e nem é o mesmo o tipo de rendimentos e despesas que estão subjacentes às decisões prolatadas pelo Ac. recorrido e pelo Ac. fundamento.

7) Donde, não havendo identidade de situações de facto, constata-se que os Acórdãos, recorrido e fundamento, não perfilharam solução jurídica diferente quanto à mesma questão fundamental de direito.

8) O acórdão fundamento que é um acórdão uniformizador de jurisprudência, na análise da questão jurídica baseou-se na fundamentação do acto impugnado que constava do Ac. recorrido e que é diferente da do presente Ac. arbitral ora recorrido. Ou seja, teve em conta actos da AT sustentados em diferentes fundamentações, de facto.

9) Subjacente à consideração de que estamos perante a mesma questão fundamental de direito está, assim, um juízo prévio de saber se a fundamentação das correcções se insere no escopo do art. 23.º do CIRC ou, de “forma encapotada”, se refere ao invés a uma fundamentação adequada ao art. 63.º do CIRC e para chegar a tal conclusão, como é claro, tem de haver identidade da matéria de facto, o que no caso em concreto não há.

10) Donde, não se pode concluir que os Acs. Recorrido e fundamento perfilharam diferente solução jurídica, quanto à mesma questão fundamental de direito.

Por outro lado:

11) No Ac. fundamento, eleito pela recorrente como sendo o Ac. do TCA Sul de 24/06/03, Proc. n.º 06350/02 , a impugnante é uma estranha ao negócio celebrado entre a C……. Spain e a D……… S.A./E….. o contrato de exclusividade celebrado entre elas mediante o qual está prevista uma retribuição da C……. à D……. não sustenta a correcção efectuada à então impugnante, mas sim, a circunstância posterior de a mesma impugnante ter acordado com a C…… como fornecedora desta e face à situação de dívida da C……. para com a D…… participar nas prestações de “sponsorização”.

12) Mais, no Ac. fundamento foi dado como provado que o facto de estar em causa a possibilidade de não pagamento das despesas de sponsorização, implicaria o cancelamento do contrato de fornecimento de equipamentos ao Real Madrid.

13) Donde, no Ac. fundamento deu-se como provado que o convénio celebrado por terceiros funcionava como um suporte indirecto da relação comercial mantida entre a Impugnante e a C…….. Spain, S.A., apresentando-se as transacções comerciais efectuadas entre estas duas como elemento realizador dos proveitos, se não totais, pelo menos, em medida significativa, da X….., para além de serem indispensáveis à manutenção da fonte produtora, sendo certo que a X… preparou todas as suas estruturas para poder manter um fornecimento mais ou menos constante à C…… Spain, S.A.

14) Ou seja, aqui, no Ac. fundamento, contrariamente ao que sucede no Ac. recorrido dá-se como provado que se a impugnante não suportasse aqueles custos poria em causa a continuação da sua actividade económica que foi estruturada tendo em vista o fornecimento de bens à C……. E que a possibilidade de cancelamento do contrato de fornecimento de equipamentos ao Real Madrid “obrigou” a impugnante cuja actividade económica estava dependente desse contrato, a renegociar a dívida e a participar na “sponsorização” da marca.

15) Estamos, pois, perante uma situação excepcional e pontual e não, como se passa na situação subjacente ao Ac. recorrido, perante um contrato que assegura sistematicamente, independentemente das reais circunstâncias do negócio e da situação económica das empresas envolvidas, uma determinada rentabilidade operacional às subsidiárias, estando, por esta via, a recorrente a suportar parte dos gastos daquelas.

16) Assim não estamos perante o mesmo tipo de entidades, não é o mesmo o tipo de negócio/contrato analisado, e nem é o mesmo o tipo de rendimentos e despesas que estão subjacentes às decisões prolatadas pelo Ac. recorrido e pelo Ac. fundamento.

17) Donde, não havendo identidade de situações de facto, constata-se que os Acórdãos, recorrido e fundamento, não perfilharam solução jurídica diferente quanto à mesma questão fundamental de direito.

18) Até porque, quanto à identidade de questão de direito, também é certo que a redacção da norma considerada, art. 23.º, não é a mesma que foi considerada no Ac. recorrido, bem como, no Ac. fundamento também foi analisado um outro normativo a al. c) do art. 41.º do CIRC, à data dos factos, que considerava como não dedutíveis os encargos que incidam sobre terceiros que a empresa não esteja legalmente autorizada a suportar.

D) Do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça:
Atendendo ao facto de o valor do recurso ser superior a € 275.000,00 requer-se que esse Venerando Tribunal se pronuncie e decida, a final, pela dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atendendo a que estamos em sede de recurso para uniformização de jurisprudência, que não há lugar à produção de prova testemunhal e que ao Tribunal se pede que analise e decida sobre questão que não se afigura revestir grande complexidade, cfr. art. 6.º n.º 7 do RCP.

Nestes termos, e nos mais de Direito, deve o presente recurso para uniformização de jurisprudência ser julgado findo, não se tomando conhecimento do mesmo, por não se encontrarem reunidos os requisitos que permitem a admissão do recurso para efeitos de uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 152.º do CPTA.

Caso assim não se entenda, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, com todas as legais consequências».

1.3 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de que não se verificam os pressupostos da admissão do recurso previstos no n.º 1 do art. 152.º do CPTA, motivo por que não deverá tomar-se conhecimento do recurso. Isto, após enunciar os requisitos da admissibilidade do recurso, porque considerou que não se verifica a identidade de situações de facto requerida para que se considere haver contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.

1.4 Ulteriormente, veio a Recorrente, mediante a invocação do disposto no art. 423.º e segs. do Código de Processo Civil (CPC), requerer a junção aos autos de diversos documentos, que considera supervenientes – por terem data de produção ulterior àquela em que foi apresentado o presente recurso – e cuja consideração considera ser «relevante no presente recurso na medida em que confirma o entendimento de que a questão sub judice é uma questão de preços de transferência, provando, se ainda mais se considerasse necessário, a oposição patente entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento proferido por esse Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) em 27 de Junho de 2018, no processo n.º 01402/17»,

1.5 A Recorrida opôs-se à junção dos documentos, atenta a natureza do recurso: visando este a uniformização de jurisprudência, pressupondo uma identidade de situações fácticas e estando os poderes do Supremo Tribunal Administrativo restritos à matéria de direito, é irrelevante a junção aos autos de documentos, os quais, enquanto meios de prova, não podem ser requeridos e admitidos nesta sede.

1.6 Também a Procuradora-Geral-Adjunta junto deste Supremo Tribunal se pronunciou pela inadmissibilidade da junção dos documentos, aderindo aos fundamentos da Recorrida.

1.7 Mediante solicitação do Conselheiro relator, foi confirmado estar já decidida a impugnação judicial deduzida contra o acórdão recorrido junto do Tribunal Central Administrativo Sul, que foi julgada improcedente.

1.8 Cumpre apreciar e decidir em conferência no Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.


* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 A decisão arbitral recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A. A Requerente foi objecto de um procedimento inspectivo, credenciado pela Ordem de serviço n.º OI 201601847, destinado a analisar as relações com outras entidades sediadas em Estados Membros da União Europeia;

B. A Requerente é uma sociedade anónima que tem como principal actividade o comércio por grosso de vestuário e acessórios da marca …., operando no mercado nacional e internacional através da exploração de uma rede e lojas próprias e em regime de contratos franchising efectuados com outros operadores;

C. A Requerente integra o Grupo …., encabeçado pela sociedade F……, S.A. que é detida pela sociedade G……, S.A., sediada e residente para efeitos fiscais no Luxemburgo, e que, em 31 de Dezembro de 2014, dispunha um número total 528 lojas no mercado interno e internacional;

D. Visando uma estratégia de expansão comercial, o Grupo optou por posicionar-se no mercado internacional através de subsidiárias da sociedade mãe em vista à abertura de lojas próprias em locais mais concorrenciais.

E. O que veio a suceder através da H…….. SL, em Espanha, da I…….. SARL, em França, da J………, na Polónia, da …… Germany GmbH, na Alemanha, e da ….. Italia SRL, na Itália;

F. A implementação de lojas em mercados internacionais particularmente concorrenciais, como aquelas que são mencionadas na alínea anterior, implicam elevados custos de investimento e de exploração, especialmente com despesas de instalação, contratos de arrendamento e de trabalho subordinado;

G. As empresas subsidiárias actuam como distribuidoras/revendedoras dos produtos B... sob o controlo e gestão estratégica da Requerente, designadamente no que se refere à localização das lojas, às campanhas de promoção e actividades de marketing;

H. A Requerente estabeleceu com as subsidiárias que se instalaram nos países de proximidade um modelo de relacionamento comercial mediante o contrato Supply and Prime Retailing Agreement.

I. A remuneração da comercialização dos produtos … foi fixada na cláusula 5.ª do Supply and Prime Retailing Agreement nos termos seguintes:
1. A remuneração da subsidiária pelas funções executadas ao abrigo do presente acordo, como Prime Retailer, corresponderá à diferença entre os preços de venda acordados aos seus clientes e os preços de aquisição acordados com a A……., S.A.
2. O preço de aquisição será calculado de maneira a que cada grupo de produtos possa produzir margens idênticas e consistentes.
3. Uma lista de preços de aquisição assim calculados deverá ser fornecida periodicamente pela A……, S.A.
4. A margem em cada produto será revista periodicamente de acordo com a evolução do preço de revenda e a estrutura geral de custos da subsidiária para compensar adequadamente a subsidiária pelas funções desempenhadas, os bens próprios ou arrendados utilizados e os riscos suportados no âmbito deste contrato.
5. Considerando os factores apontado no ponto 4., ambas as partes estimam que uma adequada remuneração será o equivalente a uma margem operacional de 3% do seu volume de vendas.
6. Esta percentagem será revista de acordo com os factores enunciados no ponto 4.

J. No fim do exercício económico, a Requerente emite notas de débito em correcção do preço anteriormente acordado se o resultado operacional for superior a 3% ou notas de crédito em correcção do preço anteriormente acordado se o resultado operacional for inferior a essa percentagem, com vista à reposição da margem operacional previamente estipulada;

K. O pagamento dessa margem operacional originou no período de 2014 um prejuízo fiscal nos resultados da Requerente de € 4.742.715,00;

L. A Administração Tributária considerou que os encargos suportados pela Requerentes nesses termos não dão dedutíveis para efeitos fiscais, segundo o disposto o artigo 23.º do Código de IRC, na medida em que não se trata de gastos incorridos para obter ou garantir rendimentos sujeitos a imposto;

M. Em 31 de Dezembro de 2013 o número total de lojas …… era de 471;

N. Entre 2013 e 2015 abriram 146 novas lojas em todo o mundo, verificando-se um crescimento global em número de lojas;

O. Ocorreu também um aumento do volume de negócios que era de € 40.000.000 em 2010 e passou para € 120.000.000 em 2015;

P. A Requerente foi notificada da nota de liquidação adicional de IRC n.º 2017..., relativa ao período de tributação de 2014, que originou a demonstração de acerto de contas n.º 2017..., no valor de € 1.405.215,82.».

2.1.2 No primeiro dos acórdãos invocado como fundamento (processo n.º 1402/17 do Supremo Tribunal Administrativo), considerou-se a seguinte factualidade:

«A) Em 02.08.2000, a sociedade K……… HOTELARIA E TURISMO SA. celebrou escritura pública de redução do capital, cisão e alteração do pacto, da qual consta, além do mais, o seguinte:
A) (...) reduz o capital social da sua representada de mil quatrocentos e sessenta e seis milhões cento e trinta e seis mil escudos para mil quatrocentos e trinta e oito milhões quinhentos e noventa e um mil escudos, para cobertura de prejuízos (...).
B) (..) leva a efeito a cisão, (...), mediante destaque do património no valor líquido de mil quatrocentos e quatro milhões quatrocentos e sessenta e dois mil escudos detido pela sua representada, (...) para com ele constituir uma nova sociedade a seguir identificada. (...)
C) Que, ainda em consequência do destaque, constitui uma sociedade anónima sob a firma “L……. II. SGPS, SA.” (...) com o capital social integralmente realizado de mil quatrocentos e quatro milhões e sessenta e dois mil escudos, (...) - cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e que consta de fls. 221 a 226 dos autos;

B) O património destacado corresponde à participação da sociedade K……… HOTELARIA E TURISMO SA., no capital social da sociedade M……, SGPS, SA. (pessoa colectiva n.º ……), correspondente a 400.000 participações (20% do capital social), com o custo histórico de 1.404.462.000$00; - cfr. fls. 227 a 229 dos autos;

C) Em 03.08.2000, é celebrado um “contrato de compra e venda de acções” entre a sociedade L……. - SGPS, SA e N…….. SA., do qual consta, além do mais, o seguinte:
(...) A) A PRIMEIRA OUTORGANTE é dona e legitima possuidora de 1.404.462 (...) acções, correspondentes à qualidade do capital social da sociedade L……..- SGPS, SA (...).

Pelo presente contrato, a PRIMEIRA OUTORGANTE vende à SEGUNDA, livre de quaisquer ónus ou encargos, 140.446 acções, com o valor nominal de mil escudos cada, da sociedade referida no considerando A). (...) O preço devido pelas acções é de 161.720.442$ (...)” - cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e que consta fls. 230 e 231 dos autos;

D) Em 04.12.2000, foi elaborado relatório “com o objectivo de determinar o valor da sociedade L……. II- SGPS, SA, tendo em vista uma possível transacção da totalidade do capital social desta sociedade”, o qual se encontra subscrito pelo Revisor Oficial de Contas n.º 582 e cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido. - cfr. fls. 234 a 239 dos autos;

E) Em 31.12.2000, é celebrado um “contrato-promessa de compra e venda de acções” entre a sociedade O…….., SA e P………, SA, do qual consta, além do mais, o seguinte:
(...) Pelo presente contrato, a Primeira Outorgante promete vender e entregar à Segunda, livre de quaisquer ónus ou encargos, 905.878 acções, com o valor nominal de 1.000$00 cada, correspondente a 64,5% do capital social de 1.404.462.000$00 da sociedade L……. II - SGPS, SA. (...).
O preço devido pelas acções será de 1.043.096.851$00 ou o que corresponder a 64,5% da situação líquida da L……. II - SGPS, SA. que se verificar em 31 de Dezembro de 2001, se superior.(...)” - cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e que consta de fls. 232 e 233 dos autos;

F) Em 02.01.2001, é celebrado um “contrato de compra e venda e contrato- promessa de compra e venda de acções” entre a sociedade O………, SA. e N………, SA., do qual consta, além do mais, o seguinte:
(...) Pelo presente contrato, a Primeira Outorgante vende e entrega à Segunda, livres de quaisquer ónus ou encargos 1.264.016 acções, com o valor nominal de mil escudos cada, correspondente a 90% do capital social de 1.404.462.000$00 da sociedade L…….. II - SGPS, SA. (...).
O preço devido pelas acções é de 1.455.483979$00 e deverá ser pago de imediato. (...)
Por outro lado, a segunda outorgante: A) Aceita a posição contratual da primeira no contrato promessa de compra e venda de acções que ela celebrou com a P………, SA. (...).”; - cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e que consta de fls. 244 e 245 dos autos;

G) Em 31.12.2001, é celebrado um “contrato de compra e venda de acções” entre a sociedade N………. SA. e a P……… - SA., do qual consta, além do mais, o seguinte:
(...) Pelo presente contrato, a Primeira Outorgante vende e entrega à Segunda, livres de quaisquer Ónus ou encargos 905.878 acções, com o valor nominal de mil escudos cada, correspondentes a 64,5% do capital social da citada sociedade L…….. II que ascende a 1.404.462.000$00 pelo preço de 1.043.096.851$00 (...) e cede-lhe, ainda, os suprimentos supra referidos pelo seu valor nominal. (...) O preço será pago de imediato, (...)” - cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e que consta fls. 246 e 247 dos autos;

H) Em 29.11.2002, foi elaborado relatório “com o objectivo de determinar o valor da sociedade L……. II SGPS, SA, tendo em vista uma possível transacção da totalidade do capital social desta sociedade”, o qual se encontra subscrito pelo Revisor Oficial de Contas n.º 582, e do qual consta, além do mais, o seguinte:
(...) 4. De igual modo, a actividade da sociedade M……….., SGPS, SA., tem-se limitado à detenção de uma participação financeira de cerca de 49,99% do capital social da sociedade K…….., SGPS, SA. (...)
6. Dadas as indicadas características da M……….., SGPS, SA., na avaliação efectuada no presente estudo foi adoptado o método patrimonial, por ser o único relevante. De facto, a sociedade não tem qualquer actividade específica, sendo, na prática, o seu valor constituído pelo valor de realização das acções da K…….. SGPS, SA..
7. Uma vez que a participação que a sociedade detém na K……… SGPS, SA. é composta por acções que estão cotadas em bolsa efectuei um estudo da evolução da sua cotação durante o corrente ano de 2002. (...) A cotação à data de 2 de Dezembro de 2002 é de 2,97 euros. Em função destas cotações parece-nos que a sociedade K……… SGPS, SA. deverá ser valorizada a um valor de aproximadamente 3 euros por acção. (...)
8. Uma vez que a participação financeira que a M……….., SGPS, SA., possui da K…….. SGPS, SA, é representada por 9.999.800 acções, o valor dessa participada será de 30 milhões de euros.
9. Então o valor da M…………, SGPS, SA. será o seguinte:(...) 20.940.081€.
10. Dado que a participação que a L…….. II - SGPS, SA., detém nesta sociedade M………., SGPS, SA., é de 20%, e uma vez que, como já se disse, o valor da primeira corresponde apenas ao valor da sua participação na segunda, parece-nos que o valor da L…….. - SGPS, SA, será de aproximadamente 4 milhões de euros.” - cfr. fls. 250 a 254 dos autos;

I) Em 29.12.2002, é celebrado um “contrato de compra e venda de acções” entre a sociedade L……. II - SGPS, SA. e a Q……. - SGPS, SA., do qual consta, além do mais o seguinte:
(...) A PRIMEIRA OUTORGANTE é detentora de 400.000 acções da empresa M………. SGPS, SA. (...). Pelo presente contrato, a PRIMEIRA OUTORGANTE vende à SEGUNDA livre de quaisquer ónus ou encargos as acções referidas no Considerando supra. (...) O preço total devido pelas acções é de 4.402.362,26 Euros (...) a regularizar por cessão de créditos conforme contrato efectuado nesta data.”- cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e que consta fls. 246 e 247 dos autos;

J) Em 30.12.2002, é celebrado um “contrato de compra e venda de acções” entre a sociedade P…………, SA., como primeira outorgante, e R………. e S………, como segundo e terceiro outorgantes, respectivamente, do qual consta, além do mais o seguinte:
(...) A PRIMEIRA OUTORGANTE é dona e legítima possuidora de 905.878 (...) acções representativas de 64,5% do capital social da sociedade L…….. II - SGPS, SA(...).
Pelo presente contrato, a PRIMEIRA OUTORGANTE vende aos Segundos e Terceiros Outorgantes, livre de quaisquer ónus ou encargos e em partes iguais, as acções referidas no Considerando supra. (...) O preço total devido pelas acções é de 2.839.536,56 Euros (...) a pagar em partes iguais pelo Segundo e Terceiro Outorgantes. Como forma de pagamento à P……., o Segundo e Terceiro Outorgantes cedem à L……. - SGPS, SA o valor da dívida acima referida.”- cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e que consta fls. 255 e 256 dos autos;

L) À data dos factos supra descritos as sociedades intervenientes (Q……. SGPS, SA., L….. - SGPS, SA., L…… II - SGPS, SA., M…….., SGPS, SA., K……. HOTELARIA E TURISMO SA, K…… SGPS, SA., N………, SA. e P………., SA.) estavam, directa ou indirectamente, interligadas - cfr. depoimentos das testemunhas ……… e …….;

M) A Impugnante foi alvo de uma acção de inspecção tributária que decorreu no período de 04.04.2005 até 27.07.2005, incidindo sobre os exercícios de 2001 e 2002, e da qual resultou uma correcção à matéria tributável em sede de IRC, no exercício de 2002, no valor de 2.363.408,60 €; - cfr. fls. 103 a 105 do processo administrativo;

N) Do referido Relatório de Inspecção Tributária consta, além do mais, o seguinte:
(…)
“E) CUSTOS E PERDAS EXTRAORDINÁRIOS
- ALIENAÇÃO DE INVESTIMENTO FINANCEIRO
EXERCÍCIO DE 2002
Neste exercício de 2002, a P……… também declara custos e perdas extraordinários no montante de € 2.373.862,97; Custos relacionados com a compra e venda de acções representativas do capital de empresas do mesmo grupo económico.
(...) E. 1.2 ANÁLISE DOS MOVIMENTOS CONTABILÍSTICOS
Pelos lançamentos acima descritos, verifica-se que:
Os administradores ……. (...) e ……. (...) em 2001/01/08, cedem os créditos à L….. (...) que detinham na P……;
Os créditos cedidos pelos administradores à L…….., tem origem nas vendas à P…….. de acções; vendas efectuadas em Dezembro de 2000 e Janeiro de 2001, no valor total de € 3.816.601,99 (por cada um dos administradores) (...).
A empresa L…… (...) que detinha o crédito de € 2.405.885,07 a 2000/12/30, com origem na venda simulada à P…… das acções da T……… (...); mais o crédito que recebeu a 2001/01/08 de € 7.633.203,98 (...) dos dois administradores; cede o crédito que detém a 2001/12/31 no valor total de € 10.039.089,05 para a Q……. II (...).
A empresa N………, SA. (...) que vendeu a 31/12/2001 acções da empresa L……. II à P…… por € 5.202.945,16; A 31/12/2001 cedeu o crédito para a Q…… II (...) no montante de € 5.180.360,09 (...).
A empresa Q…… II (...) que recebeu a 31/12/2001 o crédito da N…….. (...) de € 5.180.360,09; Mais o crédito que recebeu a 31/12/2001 da empresa L…….. (...) no valor de € 10.039.089,05; cede o crédito à empresa … .(...) no valor de € 10.581.594,14; valor que detinha a 31/12/2002 (...).
A empresa L…….. II (...) que recebeu a 31/12/2002 a cedência do crédito da empresa Q……. II (...) no valor de € 10.581.594,14.(...) Com este valor cedido de € 10.581.594,14 a empresa L…….. salda a dívida da compra de acções das empresa O……… e da empresa U……. acções que adquiriu à P….....… a 31/12/2002 e ao preço de custo de € 4.539.060,86; salda a dívida da venda das acções próprias, vendidas a 31/12/2002 pela P…… aos administradores ……. (...) e ……. (...) pelo valor de € 2.839.536,56 (...);
Acções que a P……. havia adquirido em 31/12/2001 à N….. (N…..) (...) por € 5.202.945,16 (...)
Com todas estas transacções dentro do grupo de empresas com a mesma administração, gera-se assim uma menos valia na P……. de € 2.363.408,60 (...), considerado pela P…… como custo fiscal do exercício de 2002 e relevado na contabilidade (...).
Histórico – P…….. vende a R……….. e S…………., 905.878 acções da A… por €2 839 536,56.
R…………….. e S……………. pagam as acções adquiridas à P……., cedendo o débito à L…… II
Esta transacção da compra e venda das acções representativas de 64,5% do capital social da L…… II SGPS, SA é uma operação em que os intervenientes apresentam uma administração comuns.
As acções são adquiridas pela P……. a 31/12/2001 à N………, SA (...) empresa que tem a mesma administração e a mesma sede social que a P…….. (...).
As acções são vendidas pela P………. a 31/12/2002, a …… e ……, administradores da empresa L…… ou actual empresa V…….. e da empresa L……., empresas detentoras de acções da P……; acções vendidas por cerca de metade do preço de custo, não tendo até à data nas contas daqueles qualquer reflexo em termos de mais e menos valias.
Em termos financeiros como ficou demonstrado pelas cedências de créditos entre as empresas do grupo e registado na contabilidade da P………, quer a compra quer a venda das acções da L……, foi efectuada pelas sucessivas transferências de crédito entre as diversas contas da contabilidade da P…….., de modo que as contas do POC 26 - Outros devedores e Credores, saldassem entre si.
Os administradores que compraram as acções da L……. II, pagaram por débito da conta (...) L….. II (...).
Pelo exposto confirma-se que não há movimentos monetários que sustentem esta transacção o que mais reforça a falta do princípio da independência entre as partes.
(...)
E. 1.4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
No exercício de 2002, verifica-se uma desvalorização em cadeia de acções representativas de capital social, com início na desvalorização das acções cotadas na bolsa da empresa K……, cujo valor bolsista é especulativo e não se traduz na desvalorização da empresa.
As transacções com acções dentro da empresa do mesmo grupo económico e entre estas empresas e os próprios administradores, têm um único fim, que é o de provocar custos extraordinários na P……., única empresa que declara proveitos de exploração, que seriam tributados em IRC, se não fosse o suporte desses custos.
As transacções com acções não têm como suporte a movimentação de dinheiro, estas são feitas por cedências de créditos, de modo que quem vende directa ou indirectamente cede o crédito a quem compra, de modo que as participações sociais são alteradas, sem que alguém pague algo.
Todas as transacções são realizadas entre empresas do mesmo grupo económico com administradores comuns na pessoa do Dr. ….. e Dr. ……. tendo em comum a mesma técnica de contas Dra. …….
Por último quero referir que a P……, empresa em análise não é sociedade gestora de participações sociais, não estando vocacionada para a gestão de participações sociais.
E. 1.5 - Correcções em sede de IRC - 2002
(...) Não se considera custo fiscal de 2002, o valor da menos valia de € 2.363.408,60 pelos argumentos antes expostos, e que comprovam negócios com o intuito de gerar custos extraordinários e assim diminuírem os resultados.
Deste modo, o contribuinte infringe o artigo 23.º do Código do IRC. (...)” - cfr. Relatório da Inspecção Tributária, que ora se dá por integralmente reproduzido e que consta de fls. 103 a 146 do processo administrativo;

O) Em 14.03.2006, foi apresentada em juízo a presente impugnação. - cfr. fls. 2 dos autos».

2.1.3 No segundo acórdão invocado como fundamento (processo n.º 6350/02 do Tribunal Central Administrativo Sul), considerou-se a seguinte factualidade:

«1.- Com referência ao exercício de 1993, a X… apresentou a competente declaração mod. 22 de IRC, na qual apurou e declarou um lucro tributável de 20.847.053$00.

2.- Os serviços de Fiscalização Tributária do Distrito de Lisboa, após exame interno da referida declaração, efectuaram correcções no total de 24.048.905$00, tendo sido alterado o lucro tributável para o montante de 44.895.958$00.

3.- As correcções aludidas em 2. consistiram em, por um lado, não haver sido aceite, pelos motivos constantes de fls.13, que aqui se dão por reproduzidos, para efeitos fiscais, a verba de 39.000.000$00, que a X… havia contabilizado e declarado a título de custos de publicidade e, por outro, no facto de haver contabilizado, em 1994, a título de “rappel”, por débito da conta 7182100, o montante de 27.597.489$00, sendo que o “rappel” correspondente às vendas efectuadas em 1993 era de 14.951.095$00.

4.- No seguimento da decisão referida em 2. e considerando o apontado lucro tributável (corrigido), os serviços competentes da AF procederam, em 30.9.1997, à liquidação adicional n.º 8310020079, para o exercício de 1993, de imposto (IRC) no montante de 13.558.983$00, acrescido de juros compensatórios no valor de 7.297.643$00, o que considerando o montante de liquidações anteriores implicou o pagamento do total de 14.921.417$00, com data limite fixada em 2.12.1997.

5.- Visando tal liquidação adicional, a X…. apresentou em 27.2.1998 reclamação graciosa, a qual até 26.6.1998, data da apresentação da p.i. desta impugnação judicial, não mereceu qualquer tipo de decisão.

6.- Em 22.6 1993, mediante contrato escrito, a D……… S.A./E……., S.A. concedeu à C…….. Spain, S.A. a exclusividade do fornecimento e comercialização de equipamento desportivo, da marca "C……..", à equipa de futebol do Real Madrid.

7.- O contrato de exclusividade, aludido em 6., obrigava a C…….. Spain, S.A. a pagar à D……… S.A./E….., S.A. uma quantia periódica, a título de “sponsorização”.

8.- O material e equipamento de desporto fornecido pela C……. Spain, S.A. à equipa de futebol do Real Madrid era fabricado pela X…, pelo que, a manutenção do contrato identificado em 6. (entre a D……… S.A./E……., S.A. e a C…….. Spain, S.A.) permitia um incremento das vendas da X…., dado o consumo significativo de equipamentos por parte do Real Madrid e a publicidade efectuada à designação “C……l” na medida em que os jogadores do Real Madrid envergavam equipamentos dessa marca nos encontros de futebol, destacadamente, os transmitidos pela televisão.

9.- Em finais de Novembro de 1993, a dívida da C…….. Spain, S.A. para com a X…. era de cerca de 150.000.000$00, sendo a situação económica e financeira daquela difícil, ao ponto de pôr em causa o pagamento das prestações da “sponsorização”, aludida em 1., o que implicaria o cancelamento do contrato de fornecimento de equipamentos ao Real Madrid.

10.- A X…. já havia preparado todas as suas estruturas para poder manter um fornecimento mais ou menos constante à C……… Spain, S.A., sendo que facturou, para o mercado espanhol, entre Agosto de 1993 e Abril de 1994 cerca de 340 mil contos.

11.- Perante o enquadramento vindo de descrever, a X…. viu-se obrigada a renegociar a dívida da C……. Spain, S.A., tendo aceitado participar na “sponsorização”, aludida em 7., em consequência do que esta emitiu uma factura no valor total de 65.000.000$00.

12.- Deste montante facturado pela C…….. Spain, S.A. a X….. contabilizou, a título de gastos com publicidade, no exercício de 1993, o montante de 39.000.000$00.».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A sociedade acima identificada veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão arbitral acima identificado; invoca que essa decisão está em oposição, quanto a duas questões fundamentais de direito, com os acórdãos fundamentos que identificou, o primeiro do Supremo Tribunal Administrativo e o segundo do Tribunal Central Administrativo Sul.
Ou seja, a Recorrente entende que existem duas questões que foram decididas em sentido divergente pelo acórdão arbitral recorrido e por cada um dos acórdãos fundamento; enunciou essas questões como sendo as da averiguação sobre a aplicação das regras dos preços de transferência («o âmbito e objectivo de aplicação do artigo 23.º do CIRC e o regime dos preços de transferência»), a primeira, e a da dedutibilidade fiscal dos gastos que a AT considerou como encargos de terceiros («a possibilidade de um sujeito passivo arcar economicamente com encargos que são incorridos por uma contraparte quando tal permita realizar o seu interesse empresarial e se integre na sua actividade»), a segunda.
Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, na redacção inicial, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».
Assim, o regime de interposição do recurso da decisão arbitral para o Supremo Tribunal Administrativo difere do regime do recurso previsto no art. 152.º do CPTA, na medida em que aquele tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral, enquanto neste o prazo se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre da alínea a) do n.º 2 do referido art. 152.º (() Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág. 230.).
Já quanto aos acórdãos fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, condição verificada no caso sub judice.
Assim, e não havendo dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da Recorrente e tempestividade do recurso), há que averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.
Antes, cumpre ainda decidir se os documentos apresentados pela Recorrente na pendência do recurso podem, ou não, ser juntos aos autos.

2.2.2 DA JUNÇÃO AOS AUTOS DOS DOCUMENTOS APRESENTADOS PELA RECORRENTE

Como acima deixámos dito, a Recorrente, invocando o disposto nos arts. 423.º e seguintes do CPC, veio apresentar nos autos oito documentos. Para justificar a requerida junção dos mesmos aos autos, invocou a superveniência objectiva deles e a sua relevância para a decisão a proferir.
Se bem interpretamos a alegação aduzida pela Recorrente, tais documentos visam comprovar a abertura, pelas autoridades tributárias espanholas, do procedimento amigável previsto no art. 25.º, n.º 1, da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Espanha e Portugal, em ordem a indagar de uma alegada violação do disposto no art. 9.º dessa Convenção e, assim, visam demonstrar que a questão subjacente aos autos é de transferência de preços.
Como bem salientaram a Recorrida e a Procuradora-Geral-Adjunta junto deste Supremo Tribunal, o recurso por uniformização de jurisprudência tem como requisito de admissibilidade que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto, não podendo ser admitido o recurso quando, relativamente a um dos acórdãos em oposição, haja uma divergência sobre a factualidade apurada que possa determinar a aplicação de um diferente regime jurídico. Significa isto, para além do mais, que no âmbito deste recurso a factualidade dada como assente nos acórdãos em confronto deve estar definitivamente fixada, nele não havendo lugar à reapreciação da matéria de facto, circunscrevendo-se a competência do Supremo Tribunal Administrativo à interpretação e harmonização na aplicação do direito.
Assim, concluímos, no âmbito do recurso por oposição de acórdãos não pode ser admitida a produção de novos meios de prova, uma vez que está subtraída à competência do Supremo Tribunal Administrativo a reapreciação do julgamento de facto.
Poderá, eventualmente, argumentar-se que os documentos não foram apresentados como meios de prova, mas antes em ordem a confirmar o entendimento da Recorrente, «de que a questão sub judice é uma questão de preços de transferência, provando, se ainda mais se considerasse necessário, a oposição patente entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento proferido por esse Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) em 27 de Junho de 2018, no processo n.º 01402/17» e, assim, «a fazer prova dos fundamentos do presente recurso», como também é alegado no requerimento para a sua junção aos autos.
Mas, a ser assim, o requerimento para junção dos documentos aos autos não deveria ser apresentado, como foi, ao abrigo do disposto nos arts. 423.º e seguintes do CPC, onde está regulada a prova documental, mas antes como alegações complementares. No entanto, estas não têm previsão legal.
Seja como for, i.e., quer como meios de prova quer como suporte de alegações complementares, os documentos não podem ser admitidos, como decidiremos a final.

2.2.3 DOS REQUISITOS SUBSTANCIAIS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

2.2.3.1 Nos termos do referido art. 25.º, n.ºs 2 e 3, do RJAT, que remete, com as devidas adaptações, para o art. 152.º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral que tenha conhecido do mérito da pretensão deduzida para uniformização de jurisprudência são os seguintes: i) que exista contradição entre essa decisão e um acórdão proferido por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à mesma questão fundamental de direito, e ii) que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:

i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

2.2.3.2 Começaremos por indagar o que decidiram os acórdãos em confronto – o arbitral, ora sob recurso, e os invocados como fundamento – para apreciarmos se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.

2.2.3.3 No acórdão arbitral discutia-se a legalidade de uma correcção decorrente da não-aceitação como custo fiscal da remuneração atribuída pela Recorrente às sociedades irmãs sediadas em países estrangeiros, correspondente a 3% do volume de vendas dos produtos que lhes são fornecidos pela Recorrente. A questão aí apreciada foi a de saber se essa despesa é dedutível para efeitos fiscais, nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 1, do Código de IRC (CIRC), em função da sua conexão com a realização dos ganhos sujeitos a imposto, uma vez que a AT sustentou que não, «na medida em que não se trata de gastos incorridos para obter ou garantir rendimentos sujeitos a imposto» – motivo por que procedeu à referida correcção e consequente liquidação adicional – e a ora Recorrente defendeu que sim, que, à luz dos critérios do referido preceito legal, nada obsta a que os encargos em causa sejam tidos como custos fiscais e que a AT, se pretendia desconsiderá-los, deveria ter lançado mão do regime do preços de transferência.
Como ficou dito no acórdão arbitral, a questão prende-se com a caracterização da parceria instituída entre a ora Recorrente e as subsidiárias e que, em traços gerais, aí ficou descrita nos seguintes termos:
«A Requerente [leia-se a ora Recorrente] integra o Grupo ….., que, por estratégia de expansão comercial, decidiu posicionar-se no mercado internacional através de empresas subsidiárias da sociedade mãe mediante a abertura de lojas próprias em locais de países de proximidade que pudessem conferir maior visibilidade à marca. A Requerente estabeleceu um modelo de relacionamento comercial com essas entidades (Supply and Prime Retailing Agreement), pelo qual estas actuam em exclusividade como distribuidoras/revendedoras dos produtos ……, sob o controlo e gestão estratégica da Requerente, e mediante uma remuneração de comercialização que corresponde à diferença entre os preços de venda cobrados aos clientes e os preços de aquisição acordados com a Requerente, acrescidos de uma margem operacional de 3% sobre o volume de vendas.
Sendo que, dessa forma, a Requerente assume os ganhos e perdas decorrentes do negócio, descontada a margem operacional das subsidiárias, efectuando no termo do ano económico um acerto de contas que implica a emissão de notas de débito ou de crédito consoante o resultado operacional seja superior ou inferior a 3%, de modo a manter margem de rentabilidade fixada no acordo».
Após essa caracterização, o acórdão arbitral teceu diversos considerandos em torno do conceito de gasto fiscal para efeitos do art. 23.º do CIRC e sobre a natureza da remuneração contratualizada entre a ora Recorrente e as subsidiárias em causa, dos quais nos permitimos salientar os seguintes: que estas remunerações «traduzem-se numa transferência de encargos entre entidades distintas, permitindo que os gastos incorridos pelas subsidiárias para a realização dos proveitos próprios sejam suportados pela Requerente até ao limite da margem de rentabilidade que o contrato assegura», que «[n]ada impede, por conseguinte, que a remuneração contratualizada pela Requerente se destine ao pagamento dos encargos operacionais gerais das subsidiárias, como sejam os gastos locais de administração, despesas de funcionamento, remunerações de trabalhadores ou de administradores, encargos com advogados, juros e outros encargos financeiros», ou seja, «despesas externas à Requerente que dificilmente são enquadráveis num interesse empresarial próprio da sociedade», pois «a Requerente suporta gastos que entidades terceiras incorrem no âmbito do seu próprio processo produtivo empresarial»; que, mesmo a admitir-se a existência de um nexo causal entre os encargos suportados com as subsidiárias e o interesse empresarial da Requerente, «[n]ão há, no entanto, nenhuma evidência de que o aumento dos resultados operacionais das subsidiárias que se encontrem associados ao aumento global das vendas ou do número de lojas próprias, por efeito da assunção de encargos pela Requerente, possa gerar proveitos que impliquem, em anos futuros, um incremento do lucro tributável sujeito a IRC no território nacional»; isto porque «os resultados positivos das subsidiárias apenas determinam, por compensação, uma redução da margem operacional contratualmente estabelecida que, no limite, apenas pode ser neutralizada quando o acréscimo de rendimento auferido atinja a margem de rentabilidade que se pretende garantir» e, em qualquer caso, «esse ajustamento não representa uma componente positiva do lucro tributável, mas uma limitação dos gastos em que a Requerente incorre para com as sociedades irmãs», pois, se «numa expectativa económica geral, esses resultados positivos podem originar um incremento do volume de negócios da Requerente que possa gerar, num determinado exercício económico, um acréscimo patrimonial sujeito a imposto», a verdade é que «a dedutibilidade dos custos assenta numa relação de causalidade económica, no sentido de que o custo deva ser realizado no interesse da empresa, com exclusão daqueles outros gastos que sejam efectuados em benefício de outros parceiros comerciais ou mesmo de outras sociedades do mesmo grupo», ou seja «o conceito de custo para efeitos fiscais não se compadece com a possibilidade de as sociedades irmãs, enquanto titulares de interesses empresariais próprios, fazerem repercutir sobre a fornecedora os encargos em que incorrem para a prossecução da sua finalidade societária» e, «inversamente, o interesse empresarial da Requerente não se compatibiliza, em termos fiscais, com o pagamento de despesas das próprias clientes ainda que a assunção desses encargos possa assegurar no futuro um maior nível de rentabilidade da sua actividade social»; assim, «nas circunstâncias do caso, a assunção pela Requerente de encargos de terceiros tem a natureza de um instrumento equivalente à entrada de capitais próprios – que incumbiria à sociedade mãe realizar – e através da qual a Requerente pretende influenciar o resultado líquido do exercício mediante a contabilização como gasto» e porque «[p]ara a determinação do lucro tributável relevam também as variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas no resultado líquido (artigo 17.º, n.º 1), com excepção das entradas de capital ou das saídas, em dinheiro ou espécie, a favor dos titulares de capital (artigos 21.º, n.º 1, alínea a), e 24.º, alínea c))» e porque «nos termos da referida disposição do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), a lei exclua da formação do lucro tributável as entradas de capital (cfr. António Rocha Mendes, IRC e as reorganizações empresariais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2016, pág. 63)», pelo que «[o] que sucede, no caso vertente, é que a Requerente, contornando o princípio da irrelevância fiscal dos instrumentos de capital próprio, pretende fazer valer as entradas de dinheiro para pagamento das despesas das sociedades irmãs como gastos da sua própria actividade empresarial para assim obter uma redução do seu resultado líquido, sem que esse gasto se configure como custo dedutível para efeitos fiscais», não podendo também ignorar-se que «o esquema contratual baseado na transferência de encargos permite a importação de prejuízos fiscais para o ordenamento nacional, com a consequente erosão de lucro tributável verificável em Portugal, sem implicar consequências fiscais relevantes na jurisdição das empresas subsidiárias sediadas no estrangeiro», uma vez que «no caso de as subsidiárias apresentarem resultados negativos, a transferência de encargos permite transpor para o ordenamento interno os prejuízos fiscais que, doutro modo, seriam absorvidos pelas jurisdições fiscais onde essas sociedades exercem a sua actividade, ao passo que o ganho alcançado com a transferência de encargos tem aí um diminuto impacto fiscal por poder ser neutralizado pelos resultados negativos incorridos pelas subsidiárias».
Por tudo isto, o acórdão arbitral considerou que a AT se tinha movido dentro do quadro da legalidade ao desconsiderar esses encargos e ao proceder à respectiva correcção do lucro tributável declarado, por entender que os mesmos não são dedutíveis ao abrigo do disposto no art. 23.º do CIRC e, mais, que sendo esse o único fundamento do acto impugnado, é à luz desse enquadramento jurídico que há que analisar a legalidade dessa correcção, não se impondo a averiguação da legalidade à luz do regime dos preços de transferência, como pretendia a aí Requerente (ora Recorrente).

2.2.3.4 Por sua vez, no primeiro acórdão fundamento invocado pela Recorrente, proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em sede de recurso por oposição de acórdãos, deduzido ao abrigo do art. 284.º do CPPT, na sua versão original, apesar de se ter considerado que a Recorrente «não identifica de forma clara e com precisão qual a questão jurídica sobre a qual invoca a existência de oposição de julgados», considerou-se que era «possível concluir que, perante quadro factual semelhante, os acórdãos em confronto decidiram de modo divergente a questão do enquadramento jurídico das operações financeiras realizadas entre o sujeito passivo e as entidades com as quais estava em situação de relações especiais, operações essas efectuadas no âmbito da “reorganização societária” do grupo económico».
Na verdade, quer no acórdão aí recorrido, quer no acórdão aí fundamento, estava em causa uma realidade factual (substancialmente idêntica) relativa a operações financeiras realizadas entre o sujeito passivo e as entidades com as quais estava em situação de relações especiais, no âmbito de um grupo económico; mais concretamente, as relações especiais entre o sujeito passivo e os membros dos órgãos de administração de empresas do mesmo grupo económico. A AT, em face do preço praticado e do modo de pagamento (que não implicou movimentação de dinheiro), da venda efectuada pela aí recorrente, de acções representativas de 64,5% do capital social de uma SGPS, pertencente àquele grupo económico, a membros de órgãos da administração daquela SGPS, entendeu desconsiderar a menos-valia decorrente dessa alienação, mediante a invocação do disposto no art. 23.º do CIRC, por entender que não se verificava a indispensabilidade desses custos para a realização dos proveitos e a manutenção da fonte produtora.
O Pleno da Secção de Contencioso Tributário, considerou, em síntese, que tendo a AT admitido a existência de relações especiais – uma vez que no relatório de inspecção em que suportou a correcção considerou que todas as sociedades com intervenção nas transmissões de participações realizadas pertencem ao mesmo grupo económico –, impunha-se-lhe, à luz do regime de preços de transferência plasmado (à data) no art. 58.º do CIRC, que apurasse se tal preço e se tais meios de pagamento diferiam das condições que normalmente seriam acordadas entre entidades independentes, fundamentando as eventuais correcções ao abrigo do referido regime legal e do art. 77.º da Lei Geral Tributária (LGT). Porque a AT não o fez, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu que a consequente liquidação enfermava de vício (erro nos pressupostos de direito) que determinava a sua a anulação, motivo por que revogou o acórdão recorrido, que decidira em sentido diverso.

2.2.3.5 Do confronto entre o acórdão arbitral recorrido e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo invocado como fundamento relativamente à primeira questão que a Recorrente pretende ver dirimida (e que referiu, de modo algo difuso, como sendo a do «âmbito e objectivo de aplicação do artigo 23.º do CIRC e o regime dos preços de transferência») logo resulta que, apesar de em ambos se ter encarado a aplicação do art. 23.º do CIRC, inexiste entre os casos neles abordados a identidade fáctica requerida para que seja admitido o recurso para uniformização de jurisprudência. A diversidade fáctica entre esses casos encontrou, aliás, expressão na fundamentação dos actos impugnados em cada um dos acórdãos em confronto. Senão vejamos:
Na situação do acórdão recorrido a fundamentação da correcção assentou exclusivamente na não verificação do requisito de indispensabilidade constante do art. 23.º do CIRC. Assim, como salientou o acórdão arbitral, «certo é que, como resulta inequivocamente das conclusões do Relatório de Inspecção Tributária (ponto 111.1.3) a não aceitação para efeitos fiscais dos encargos assumidos através do Retailling Agreement ficou a dever-se exclusivamente à sua não dedutibilidade nos termos do art. 23.º do Código do IRC, pelo que, sendo esse o único fundamento do acto impugnado, é à luz desse enquadramento jurídico que há que analisar a legalidade da actuação da Administração Tributária».
Já na situação do acórdão fundamento, embora a AT também tenha assentado a fundamentação de direito da correcção exclusivamente no art. 23.º do CIRC, certo é que, como naquele ficou dito, «a Administração Tributária invocou, no Relatório de Inspecção, que todas as sociedades com intervenção nas transmissões de participações realizadas pertencem ao mesmo grupo económico, pelo que, se encontram numa situação de “relações especiais”». E foi por isso que o acórdão fundamento entendeu que a correcção não podia validamente fundar-se no art. 23.º do CIRC e conclui que «tendo a Administração Tributaria referido que as transacções com acções seriam credíveis se de facto estas fossem efectuadas com respeito pelo princípio da independência, ou seja, se as transacções de compra e venda de acções fossem efectuadas entre pessoas juridicamente independentes e que se com provasse a efectiva movimentação dos meios monetários que conferissem alguma credibilidade, às mesmas, e sendo este o fundamento, as “relações especiais” existentes entre as partes no contrato, a conclusão lógica de tais premissas é que o que estava em causa não era a apreciação da indispensabilidade dos custos mas sim a adequação e admissibilidade de tais custos, face ao regime legal dos preços de transferência, consagrado no artigo 58.º do CIRC (Redacção então em vigor, da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro)».
Como facilmente se constata, foi a diferente factualidade sob análise em cada uma das situações, traduzida nos respectivos relatórios de inspecção, que determinou que no caso do acórdão recorrido se tenha considerado que a correcção estava legitimada ao abrigo do disposto no art. 23.º do CIRC, enquanto no caso do acórdão fundamento a correcção só poderia encontrar fundamento válido ao abrigo do disposto no regime legal dos preços de transferência, consagrado, à data dos factos, no art. 58.º do CIRC, cumprindo à AT a demonstração dos respectivos requisitos, o que esta não ensaiou.
Em resumo, as situações de facto subjacentes às inspecções realizadas num e noutro caso são bem diferentes e, consequentemente, a aplicação do art. 23.º do CIRC em cada um deles não tem por base identidade fáctica. Donde, não havendo identidade de situações de facto, concluímos, com a Recorrida e com o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, que os acórdãos recorrido e fundamento não perfilharam solução jurídica diferente quanto à mesma questão fundamental de direito.

2.2.3.6 No segundo acórdão invocado como fundamento (o acórdão do Tribunal Central Administrativo proferido em 24 de Junho de 2003 no processo n.º 6350/02) discutia-se a renegociação de uma dívida à aí recorrente de uma sua cliente (a “C……. Spain”) e a assunção por parte da recorrente de parte do pagamento das despesas de “sponsorização” devidas por essa sua cliente a uma terceira sociedade, com a qual tinha contrato de exclusividade, uma vez que o não pagamento dessas despesas implicaria o cancelamento de um contrato por parte dessa terceira sociedade, o que poria em causa a sobrevivência da recorrente, cuja actividade económica estava dependente desse contrato.
Ou seja, nesse acórdão deu-se como assente que, caso a aí recorrente não suportasse aqueles encargos da sua cliente, que estava em situação económica e financeira difícil, poria em causa a continuação da sua actividade económica, motivo por que os correspondentes gastos mesmos foram considerados como indispensáveis à manutenção da fonte produtora e, por isso, fiscalmente relevantes ao abrigo do disposto no art. 23.º do CIRC. Dito de outro modo, no acórdão fundamento deu-se como provado que o convénio celebrado entre a aí recorrente e terceiros funcionava como um suporte indirecto da relação comercial mantida entre a aí recorrente e a sua cliente, apresentando-se os respectivos gastos como indispensáveis à manutenção da fonte produtora, que dependia dessa cliente.
Em resumo, no acórdão fundamento deu-se como provado que se a aí recorrente não suportasse aqueles custos poria em causa a continuação da sua actividade económica.

2.2.3.7 Procedendo agora ao confronto entre esse acórdão fundamento do Tribunal Central Administrativo e o acórdão arbitral recorrido, concluímos desde já que não existe oposição entre ambos quanto à segunda questão que a Recorrente pretende ver dirimida por este Supremo Tribunal e que enunciou como a da «possibilidade de um sujeito passivo arcar economicamente com encargos que são incorridos por uma contraparte quando tal permita realizar o seu interesse empresarial e se integre na sua actividade», pois não existe a requerida identidade factual entre as situações abordadas num e noutro acórdão.
Como judiciosamente observou o acórdão arbitral recorrido, pronunciando-se sobre o acórdão ora invocado como fundamento e que a ora Recorrente já invocara perante o Centro de Arbitragem Administrativa, «[tratava-se aí da renegociação pontual da dívida de uma empresa em situação eminente de insolvência, quando o gasto incorrido nessa circunstância funcionava como um suporte indirecto da relação comercial mantida com essa entidade e que era indispensável para garantir a manutenção da fonte produtora dos rendimentos, e que o tribunal, por isso mesmo, considerou dedutível para efeitos fiscais ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC».
Ora, no acórdão recorrido não estamos, nem remotamente, perante uma situação factual paralela. No acórdão recorrido estamos, isso sim, perante um contrato que assegura sistematicamente, independentemente das reais circunstâncias do negócio e da situação económica das empresas envolvidas, uma determinada rentabilidade operacional às subsidiárias, estando, por esta via, a Recorrente a suportar parte dos gastos daquelas.
Não há, pois, uma qualquer similitude entre as situações em confronto.
Assim, como bem salientaram a Recorrida e o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, a diversidade das situações fácticas subjacentes às decisões em confronto, por si só, explicam porque nelas não havia que cuidar e não se decidiu a mesma questão fundamental de direito.
Não se verificam, pois, os requisitos substanciais de admissibilidade do recurso, pelo que o mérito deste não deve ser conhecido.

2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I- O recurso de decisão arbitral para o Supremo Tribunal Administrativo pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e a decisão invocada como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do art. 25.º RJAT) e, inexistindo essa oposição, não deve tomar-se conhecimento do mérito do recurso.

II- A questão de direito só será a mesma se houver identidade ou equivalência das situações de facto contemplados nas duas decisões colocadas em confronto.

III- Não há oposição ou contradição entre dois acórdãos, relativamente à mesma questão fundamental de direito, quando são diversos, do ponto de vista dos efeitos jurídicos, os pressupostos de facto em que assentaram as respectivas decisões.


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3. DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não admitir a junção aos autos dos documentos apresentados com o requerimento de fls. 183 e, considerando não verificada a oposição de acórdãos, não tomar conhecimento do mérito do recurso.

As custas do incidente suscitado com a apresentação dos documentos ficam a cargo da apresentante, a ora Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em uma UC (cfr. art. 7.º, n.ºs 4 e 8 e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais).

Custas do recurso pela Recorrente (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT), com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, uma vez que o recurso não passou a fase da verificação dos pressupostos substanciais, o que integra a menor complexidade da causa para os efeitos previstos no n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais, e a tal não obsta o comportamento processual das partes.

Comunique-se ao CAAD.

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Lisboa, 23 de Novembro de 2022. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.