Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0312/11
Data do Acordão:06/01/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA
NOTIFICAÇÃO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
INÍCIO DO PRAZO
ADMISSIBILIDADE
DESPACHO DE NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário: I - Para além dos casos previstos no artigo 83.º do RGIT, é admissível em casos justificados o recurso em processo de contra-ordenação tributário com base em fundamentos previstos no artigo 73.º Lei-Quadro das Contra-Ordenações, aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, sendo um dos casos em que tal manifestamente se justifica - pois que em causa está a garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.º, n.º 1 e 268.º n.º 4 da Constituição da República) e a vertente judicial do direito de defesa do arguido no processo de contra-ordenação (artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República) - aquele em que a impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima foi rejeitada.
II - Assim, nos termos do artigo 63.º daquela lei, também subsidiariamente aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, do despacho do juiz que rejeite o recurso por extemporâneo há recurso, independentemente do valor da coima aplicada.
III - Se em face de uma notificação pouco clara se suscitam dúvidas quanto ao termo inicial do prazo indicado para a interposição do recurso, tem o mandatário judicial do arguido o ónus de as procurar esclarecer, tanto mais que para tal bastaria consultar o preceito legal expressamente indicado na notificação e do qual resulta de modo inequívoco tanto o prazo como o termo inicial da sua contagem, não lhe sendo lícito pretender, com fundamento na pretensa obscuridade da notificação, ter direito a mais prazo para recorrer do que aquele que a lei confere a todos.
IV - Não é nula a notificação efectuada, por erro na indicação do prazo de defesa, quando este dela consta expressamente, por referência ao artigo 80.º, n.º 1 do RGIT.
V - É de 20 dias contados da notificação o prazo de que o arguido dispõe para interpor recurso da decisão administrativa de aplicação da coima (artigo 80.º n.º 1 do RGIT), havendo que contar este prazo nos termos do artigo 60.º da Lei Quadro das Contra-ordenações (ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
Nº Convencional:JSTA00067009
Nº do Documento:SA2201106010312
Data de Entrada:03/31/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PENAFIEL PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:CIMI03 ART13 N1.
RGIT01 ART3 B ART79 N2 ART80 ART83 N1 N2.
LQC82 ART60 ART63 ART73 N1 D.
LOFTJ99 ART24 N1.
DL 307/2007 DE 2007/08/24.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA E OUTRO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO 3ED PAG577-578.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, SA, com sede no Porto, não se conformando com a decisão da Mma. Juíza do TAF de Penafiel que julgou intempestivo o recurso por si interposto da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Valongo 1 que lhe aplicou a coima de € 400,00, acrescida de custas processuais no valor de € 51,00, pela prática de infracção ao artigo 13.º, n.º 1, alínea i) do CIMI, punida pelos artigos 117.º, n.º 2, 24.º, n.º 2, e 26.º, n.º 4 do RGIT, e, em consequência, manteve a decisão de aplicação da coima e os termos subsequentes do processo, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
I. Na sequência da interposição de recurso judicial da decisão de aplicação de coima proferida no processo de contra-ordenação n.º 1899201006000274, no montante de € 400,00 (quatrocentos euros), acrescida de custas processuais no valor de € 51,00 (cinquenta e um euros), a sentença proferida pelo Tribunal a quo julgou o pedido de recurso intempestivo.
II. A ora recorrente foi notificada a 25 de Fevereiro de 2010 e interpôs recurso no dia 12 de Abril de 2010.
III. De acordo com o teor da notificação da decisão de aplicação de coima, assistia à recorrente o prazo de 20 dias, subsequentes ao decurso do prazo de 15 dias, para recorrer judicialmente da decisão de aplicação de coima.
IV. O prazo de 15 dias iniciou a sua contagem a 26 de Fevereiro de 2010 e terminou a 12 de Março de 2010, nos termos do disposto no art.º 279.º do Código Civil, ex vi art.º 20.º do CPPT, e o prazo de 20 dias iniciou a sua contagem a 13 de Março de 2010 e terminou a 12 de Abril de 2010, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados, nos termos do disposto no art.º 60.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, ex vi art.º 3.º, al. b) do RGIT.
V. A decisão sub judice fundamenta-se, por um lado, num alegado ónus da recorrente em esclarecer a “dúvida quanto ao termo inicial da contagem do prazo” para interposição de recurso judicial da decisão de aplicação de coima.
VI. Todavia, contrariamente ao vertido na douta sentença sub judice, a leitura da notificação efectuada quanto à decisão de aplicação de coima não dá origem a qualquer dúvida, sendo claramente referidos os meios de defesa da arguida, ora recorrente – vide doc. 1.
VII. Considerando que o teor da notificação é legível e de fácil apreensão, jamais poderá recair sobre o sujeito passivo, ora recorrente, o ónus de, perante uma comunicação de decisão perfeitamente inteligível, vir, a título infundado, solicitar quaisquer esclarecimentos à mesma – não sendo a situação sub judice subsumível ao disposto no n.º 1 do art.º 37.º do CPPT.
VIII. Por outro lado, muito embora seja inquestionável que o prazo legal de interposição de recurso, previsto no art.º 80.º, n.º 1 do RGIT, é de 20 dias, a notificação efectuada pelo Serviço de Finanças de Valongo 1 refere, inequívoca e expressamente, que tal prazo de recurso de 20 dias inicia a sua contagem apenas após o termo do prazo de 15 dias, previsto no n.º 2 do art.º 78.º do RGIT.
IX. A correlação entre estes dois prazos – de 15 dias para pagamento voluntário com redução (78.º/2 RGIT) e de 20 dias para interposição de recurso da decisão (80.º/1 RGIT) – é estabelecida no teor da notificação efectuada pelo Serviço de Finanças de Valongo 1 (doc. 1), à semelhança da correlação estabelecida entre os prazos previstos nos art.ºs 78.º, n.º 2 e 79.º, n.º 2, ambos do RGIT, a qual jamais foi questionada pela douta sentença proferida.
X. Deste modo, é evidente não existirem quaisquer indícios que permitissem questionar a perfeição da notificação efectuada à arguida, ora recorrente, quanto à decisão de aplicação de coimas.
XI. De acordo com o disposto no art.º 36.º, n.º 1, do CPPT, ex vi art.º 70.º, n.º 2 do RGIT, quaisquer actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes, quando lhes sejam validamente notificados.
XII. Considerando que a notificação da decisão de aplicação de coima proferida nos presentes autos preenche os requisitos legais do art.º 36.º, n.º 2 do CPPT, os direitos da ora recorrente são definitivos, ao abrigo do Princípio da Definitividade dos Actos Tributários, previsto no art.º 60.º do CPPT.
XIII. Deste modo, ainda que, por mero raciocínio académico, se pudesse considerar que o termo inicial para contagem do prazo de interposição de 20 dias não corresponde ao expresso na notificação efectuada pelo Serviço de Finanças de Valongo 1, tal acto tributário de notificação seria definitivo no que respeita ao prazo para o exercício dos meios de defesa do contribuinte, aqui recorrente, pelo que o recurso interposto pela recorrente, nos termos do art.º 80.º do RGIT, deve ser sempre considerado tempestivo.
XIV. Supletivamente, caso os Mmos. Juízes Conselheiros venham a considerar que o termo inicial do prazo de recurso da aqui recorrente à a data da notificação da decisão de aplicação de coima, a notificação efectuada deve ser considerada nula, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 63.º do RGIT, por erro na indicação do prazo de defesa e consequente falta dos requisitos legais, com a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Na decisão recorrida, mostra-se assente a seguinte factualidade:
a) O processo de contra-ordenação foi instaurado tendo por base o auto de notícia levantado em 14.01.2010, por infracção ao artigo 13.º, n.º 1, al. i) do CIMI – cfr. fls. 2 dos autos.
b) A arguida foi notificada da decisão de aplicação da coima no dia 25 de Fevereiro de 2010 – cfr. fls. 25 dos autos.
c) Apresentou o recurso de contra-ordenação no Serviço de Finanças de Valongo 1 no dia 12 de Abril de 2010 via fax – cfr. doc. de fls. 26 dos autos.
d) Em 13.04.2010 deu entrada no referido Serviço de Finanças, via CTT, o original da petição enviada por fax no dia anterior – cfr. doc. de fls. 67 dos autos.
III – Vem o presente recurso interposto da decisão da Mma. Juíza do TAF de Penafiel que julgou intempestivo o recurso interposto pela ora recorrente do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Valongo 1 que lhe aplicou a coima de € 400,00 pela prática de infracção ao artigo 13.º, n.º 1, alínea i) do CIMI.
Sustenta a recorrente a tempestividade do recurso apresentado.
1. Atento o valor da coima aplicada, suscita-se, desde logo, a questão da recorribilidade da decisão recorrida.
Estabelecem os números 1 e 2 do artigo 83.º do RGIT que o arguido e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, ou para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo se o fundamento exclusivo do recurso for matéria de Direito, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória.
No caso dos autos não foi aplicada sanção acessória e a coima aplicada é no valor de € 400,00 inferior, pois, à alçada dos tribunais tributários (correspondente a um quarto da alçada estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância – ou seja, 1.250,00 euros – cfr. o artigo 24.º n.º 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto).
Admite-se, contudo, que em casos justificados se receba o recurso com base em fundamentos previstos no artigo 73.º da Lei-Quadro das Contra-Ordenações (LQC), aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, sendo um dos casos em que tal manifestamente se justifica – pois que em causa está a garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.º, n.º 1 e 268.º n.º 4 da Constituição da República) e a vertente judicial do direito de defesa do arguido no processo de contra-ordenação (artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República) – v., neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA/MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3.ª ed., Lisboa, pp. 577/578 (nota 7 ao art. 83.º do RGIT). - aquele em que a impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima foi rejeitada, situação prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 73.º da LQC e que se configura nos autos, pois que o despacho recorrido rejeitou a impugnação da decisão administrativa de aplicação da coima, com fundamento na sua intempestividade (cfr. sentença a fls. 109 a 113 dos autos).
Acresce que, nos termos do artigo 63.º da LQC, também subsidiariamente aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, do despacho do juiz que rejeite o recurso feito fora do prazo há recurso, recurso este que não depende do valor da coima aplicada.
Assim, não obstante o valor da coima aplicada se situar abaixo do valor da alçada dos tribunais tributários, decide-se admitir o presente recurso com fundamento na alínea d) do n.º 1 do artigo 73.º e no n.º 2 do artigo 63.º da LQC, aplicáveis ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT.
2. Quanto ao mérito do recurso, vejamos, então.
O fundamento para a rejeição pelo tribunal “a quo” do recurso interposto da decisão administrativa de aplicação da coima foi a sua intempestividade, uma vez que, sendo o prazo para a interposição do recurso de 20 dias após a sua notificação (artigo 80.º, n.º 1 do RGIT), prazo esse que não é um prazo judicial (pelo que não se lhe aplica o n.º 5 do artigo 145.º do Código de Processo Civil), e tendo a arguida sido notificada da decisão em 25/2/2010, é manifesto que a impugnação da decisão que deu entrada no Serviço de Finanças de Valongo 1 em 12/04/2010 foi já depois de expirado o prazo para a impugnar.
Contra este entendimento reage a recorrente, que, não pondo em causa que recebeu a notificação em 25/02/2010, vem alegar, em síntese, que o prazo de 20 dias que nesta lhe era indicado para interpor recurso judicial se contaria após os 15 dias de que dispunha para efectuar o pagamento voluntário da coima, pelo que teria, assim, apresentado em tempo a sua defesa.
Como já se disse, a propósito de caso semelhante, no acórdão desta Secção de 3/6/2009, no recurso n.º 349/09, embora a notificação da decisão administrativa da coima, efectivamente, não seja um modelo de clareza nem no que respeita ao prazo para interposição do recurso nem quanto a outros aspectos, o certo é que, de forma alguma, do seu texto resulta, como pretende fazer crer a recorrente, a indicação inequívoca de que o prazo de 20 dias para recorrer se inicia após o decurso do prazo de 15 dias para pagamento voluntário da coima, com redução de 25% (artigo 79.º, n.º 2 do RGIT).
Com efeito, a remissão do n.º 3 para o n.º 1 do texto da notificação respeita apenas ao prazo e não ao modo de contagem do prazo para interposição do recurso judicial (cfr. fls. 23 dos autos).
Como refere o Exmo. PGA no seu parecer, a simples leitura do artigo 80.º, n.º 1 do RGIT (expressamente indicado no n.º 3 do texto da notificação como fundamento normativo do recurso) pela advogada que representa a arguida no processo, funcionalmente obrigado ao conhecimento da lei, permitiria a dissipação de qualquer dúvida, a qual parece nem se justificar, se atentarmos que a própria recorrente reconhece como inquestionável que o prazo legal de interposição do recurso, previsto no artigo 80.º, n.º 1 do RGIT, é de 20 dias (conclusão VIII das suas alegações de recurso).
Consideramos, assim, seguindo o entendimento já manifestado no aresto supra citado, que a ser legítima a dúvida quanto ao termo inicial da contagem do prazo, face à eventual pouca clareza do texto da notificação, sempre incumbiria à arguida, para mais representada por advogada, também o ónus de a ver esclarecida, esclarecimento este de muito fácil obtenção pois que a notificação indica de forma expressa o preceito legal aplicável (o artigo 80.º do RGIT) e deste resulta de modo inequívoco tanto o prazo como o termo inicial da sua contagem.
Assim sendo, não lhe é, pois, lícito pretender, com fundamento na pretensa obscuridade da notificação, ter direito a mais prazo para recorrer do que aquele que a lei confere a todos.
É, pois, de 20 dias após a notificação o prazo de que a arguida dispunha para interpor recurso da decisão administrativa de aplicação da coima (artigo 80.º n.º 1 do RGIT), havendo que contar este prazo nos termos do artigo 60.º da LQC (ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
Feitas as contas, conclui-se, pois, que o prazo para interposição do recurso terminou efectivamente no dia 25 de Março de 2010.
A decisão judicial que assim o considerou e em conformidade rejeitou por extemporâneo o recurso apresentado só em 12/04/2010 não merece, pois, qualquer censura, devendo ser confirmada.
Por último, improcede também a alegada nulidade da notificação, por pretenso erro na indicação do prazo de defesa e consequente falta de requisitos legais, pois, como supra já referido, do n.º 3 do seu texto consta expressamente, por referência ao artigo 80.º, n.º 1 do RGIT, o prazo de que a arguida dispunha efectivamente para interpor recurso da decisão que lhe aplicou a coima aqui em causa, pelo que, face às considerações já tecidas a respeito da interpretação do texto da notificação, se conclui não haver qualquer nulidade daquele acto processual por falta de requisitos legais.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso, confirmando, assim, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 1 de Junho de 2011. – António Calhau(relator) – Joaquim Casimiro Gonçalves – Brandão de Pinho.