Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01211/09
Data do Acordão:03/17/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ÓNUS DE PROVA
AVALIAÇÃO
MÉTODOS INDIRECTOS
FIXAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
MÉTODOS INDICIÁRIOS
Sumário:I - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
II - Persistindo a situação de "non liquet" quanto ao excesso na quantificação a que chegou a Administração tributária, a dúvida terá de ser decidida em desfavor da recorrente, que não logrou provar a existência de tal excesso, nem se afigura evidente para este Tribunal que o alegado excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou que seja manifesto, notório ou ostensivo.
Nº Convencional:JSTA00066352
Nº do Documento:SA22010031701211
Data de Entrada:12/10/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAL LOULÉ DE 2009/09/15.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC - MATÉRIA COLECTÁVEL.
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART74 N3 ART87 N1 B ART88 A B ART81 N1 ART85 N1 ART90 N1.
CIVA84 ART50.
CIRS01 ART116.
Referência a Doutrina:ANA PAULA DOURADO MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA IN REVISTA DE FINANÇAS PÚBLICAS E DE DIREITO FISCAL ANOII N4 PAG278.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 15 de Setembro de 2009, que, julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra a demonstração de compensação n.º 2004 000 131 01 983, com a identificação do documento n.º 200400001123182, de IRS referente ao ano de 2000, para o que apresentou as conclusões seguintes:
1. O Meritíssimo Juiz “a quo” na douta sentença proferida considerou e concluiu que ao caso em apreço, foram verificados os pressupostos para aplicação de métodos indirectos e que o critério utilizado pela AT não é ostensivamente inadmissível e/ou desacertado;
2. Perante a falta de elementos contabilísticos (livros de recibos) a AT criou a ficção que a recorrente teria utilizado todos os recibos dos livros em falta, apurando um valor calculado com base na média dos recibos anteriores para aplicar “à cabeça”de cada recibo um valor, que multiplicado pelos recibos em falta corresponderia ao rendimento da recorrente.
3. Ou seja, a AT socorreu-se da falta de elementos contabilísticos para calcular um rendimento colectável, o que de todo é inverosímil.
4. A AT ignorou deliberadamente o recurso a rácios de actividade para calcular o rendimento (critérios objectivos que considerariam o sector de actividade, os anos de exercício da profissão e condições similares aplicáveis às detidas pela recorrente),
5. A AT conseguiu apurar um rendimento colectável o que de todo é inverosímil.
6. A AT optou não pela descoberta da verdade tributária aproximada mas pelo expoenciar de um rendimento que nunca poderia existir.
7. Está amplamente documentado no processo que a recorrente como advogada, teve um défice notório de rendimentos, que a obrigou a procurar rendimentos de trabalho através do exercício de outras actividades e sob tais pressupostos o Tribunal devia ter sindicado pela bondade do procedimento e ajuizar em contraponto com a irracionalidade do calculado abstracto do rendimento feito pela AT.
8. À AT, por lhe competir processualmente e lhe ser possível materialmente pelo acesso aos dados informáticos poderia juntar aos autos pelo menos um dos supostos (100) recibos perdidos/faltosos, para ser aferida a bondade e adequação do critério utilizado, que não fez nem se preocupou em fazer.
9. Elementos que competia à AT levar ao processo, e que não fez não o podendo.
10. E nesta parte censura-se a Douta Sentença quando considerou que o critério utilizado pela AT não é ostensivamente inadmissível e/ou desacertado.
11. Censura-se a Douta Sentença na parte conclui que a recorrente não demonstrou que o critério utilizado é ostensivamente inadmissível e/ou desacertado, que houve excesso manifesto na matéria quantificada,
12. Por caber à recorrente fazer a prova negativa que não auferiu tais rendimentos apurados e os pressupostos para a aplicação dos métodos indirectos resultaram da ausência de elementos contabilísticos, a recorrente nunca poderia se socorrer de elementos contabilísticos para cumprimento do ónus que lhe competia,
13. Cabia sim à AT lançar dos meios informáticos que possui para verificar a existência dos recibos com os números constantes dos autos.
14. Da repartição do ónus da prova caberia à AT a prova da existência destes recibos e não o ficcionar a sua existência.
15. À recorrente, sob pena de ser um ónus ilegal por impossível de cumprir, não se poderia exigir que provasse a não existência destes recibos.
16. Não andou assim bem o Meritíssimo juiz “a quo” ao concluir que a recorrente não quantificou, quer os proveitos, quer os custos de modo a que o Tribunal pudesse concluir pelo excesso de quantificação.
17. Bem sabia o tribunal que tal prova pode ser superada pela evidência da factualidade e razões de bom senso que aquelas são opostas.
18. Às máximas de experiência notórias ou são do conhecimento do juiz ou então serão obtidas através de meios fáceis e acessíveis ao conhecimento,
19. O historial profissional da recorrente, amplamente documentado nos autos, manifesta uma notória falta de rendimentos, nada condicentes com os valores de proveitos apontados pela AT.
20. Inverosímil, tal como foi referido pelo perito e testemunha B…, é a recorrente ter tempo suficiente, fora de um horário de trabalho normal que era obrigada a respeitar, conseguir uma dinâmica profissional com proveitos superiores ao da actividade dependente e tal ponderação lógica e evidente não fez o Tribunal.
21. O Meritíssimo Juiz “a quo” ao proferir a douta sentença violou dos artigos 81º nº 1 (última Parte), 82º nº 2 e 3, 84º nº 1 e 3 85º nº 1 e 2 e 90º da LGT e art. 659º nº 3 do CPC.
Assim, e nos demais termos que Vexas muito doutamente suprirão se requer que a douta sentença recorrida seja revogada e substituída por outra de acordo com a pretensão do aqui recorrente E ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto: Saber se estão reunidos os pressupostos legais para utilização de métodos indirectos para determinar o IRS liquidado e, em caso afirmativo, se os valores determinados são erróneos ou excessivos.
FUNDAMENTAÇÃO
Entendemos que a sentença recorrida fez correcta interpretação e aplicação da lei.
No que tange à questão de saber se estavam reunidos os pressupostos legais para a Administração Fiscal lançar mão dos métodos indirectos para determinar o IRS liquidado, deve atender-se que no relatório de inspecção são identificadas diversas situações donde se infere a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, designadamente, a falta de livros de registo contabilísticos, a apresentação de um único livro de recibos dos cinco utilizados no período da inspecção e a ocorrência de pagamentos, sem que tivessem sido emitidos os respectivos recibos.
Estas irregularidades, associadas à inexistência de duplicados dos livros de recibos, tornam impossível a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, justificando o procedimento da administração Fiscal em lançar mão dos métodos indirectos para determinar o IRS liquidado.
No que concerne aos critérios utilizados para determinar a matéria colectável por métodos indirectos, entendemos, igualmente, que a Administração Fiscal deu cumprimento cabal ao disposto no artigo 90.º, n.º 1 da LGT, tendo utilizado um método adequado a uma aproximação possível à realidade.
A Recorrente, por sua vez, não conseguiu provar a inexistência dos pressupostos legais para a tributação por métodos indiciários nem a existência de um quadro real que se afaste do resultado obtido pela Administração Fiscal, por verificação de erro ou de manifesto excesso na matéria tributável quantificada.
Ao fim e ao cabo, a Recorrente não logrou provar que o critério utilizado pela Administração Fiscal para determinar a matéria tributável seja ostensivamente inadmissível ou desacertado, gerador de um excesso manifesto da matéria tributável encontrada.
CONCLUSÃO
Nestes termos é nosso parecer não merecer censura a decisão recorrida, não devendo, em consequência, ser dado provimento ao recurso.
4 – Notificadas as partes do parecer do Ministério público (fls. 152 a 154 dos autos), nada vieram dizer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação –
4 – Questão a decidir
É a de saber se, reunidos os pressupostos para que a Administração tributária pudesse fixar a matéria tributável da contribuinte por avaliação indirecta, a fixação a que procedeu, em razão do critério utilizado, é conforme à lei.
5 – Matéria de facto
Na sentença do objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
A) – A coberto da Ordem de Serviço n.º 17 372, de 04 de Fevereiro de 2004, entre 08/03/2004 e 30/07/2004, a Administração Fiscal procedeu a inspecção à actividade da Impugnante, cfr. fls. 14 do processo administrativo apenso.
B) – A acção inspectiva teve por base o facto de a Impugnante não ter passado recibo de quitação dos honorários pagos pelo Tribunal de Trabalho de Faro no ano de 2002, cfr. fls. 14 do processo administrativo apenso.
C) – A acção inspectiva foi de âmbito geral e incidiu sobre os anos de 2000 a 2002, e foi elaborado o relatório de fls. 12 e seguintes do processo administrativo apenso que aqui se dá por integralmente reproduzido e donde resulta com interesse para a decisão:
«(…)
IV – Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos.
Os métodos indirectos serão aplicados nos três anos em análise.
A contribuinte apresentou as declarações de rendimentos dos anos em análise.
A contribuinte está obrigada a escriturar os livros de registo a que se refere a alínea e) do art. 50.º do CIVA, pelo artigo 116.º do CIRS. No entanto não possui estes registos para os anos em análise, embora tenha sido notificada para facultar a sua contabilidade e para organizar a sua escrita.
Temos conhecimento de 5 livros de recibos de modelo oficial (Mod.6), requisitados em nome da contribuinte, utilizados por esta no período em análise (pela consulta do nosso sistema informático – visão do contribuinte – recibos de IRS mod. 6, e pelas cópias enviadas por várias entidades a quem a contribuinte prestou serviços), mas esta só apresentou um desses livros. E ainda de notar que cada livro contem 50 recibos.
Atendendo a tudo o que foi anteriormente exposto e à impossibilidade de comprovar os valores declarados devido à inexistência dos duplicados dos livros de recibos de modelo oficial (mod. 6), estamos perante um caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável dos anos de 2000, 2001 e 2002 encontrando-se reunidos os pressupostos para a aplicação de métodos indirectos de tributação previstos no artigo 39.º do CIRS (anterior artigo 38.º do CIRS) e artigos 87.º a 89.º da LGT.
V – Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
Para a determinação do rendimento da actividade de Advogados, com o CIRS 0702 (actual CIRS 6010), com recurso a métodos indirectos, procedeu-se de acordo com o disposto no artigo 90.º da LGT.
Vou primeiramente calcular os rendimentos do ano de 2002 aplicando a média dos recibos conhecidos de 2002 a 79 dos recibos cujos valores se desconhece, aos restantes 3 recibos aplicarei o valor de € 25,00 com base no auto de declarações assinado pela contribuinte (anexo 2), onde esta afirma que relativamente a particulares prestou serviços a três pessoas.
Relativamente ao ano de 2001 vou proceder da mesma forma: aplicarei a média dos recibos conhecidos no ano de 2001 aos 103 recibos cujo valor se desconhece.
Para o ano de 2000 recorri à inflação por considerar que o volume de negócios não sofreu grandes oscilações do ano de 2001 para o ano de 2000, devendo estes serem apenas corrigidos pela inflação.
Depois de calculados os rendimentos do ano de 2001 vou deflacionar o coeficiente de inflação para os serviços em 2001, este coeficiente teve uma taxa de variação média de 4,8%, conforme anexo 1; obtendo assim os rendimentos obtidos em 2000.
Cálculo dos rendimentos obtidos em sede de IRS para o ano de 2002:
A contribuinte declarou como rendimento da categoria B do ano de 2002 o valor de € 3.071,82. No entanto conseguiu-se reunir recibos que totalizam o valor de € 12.101,04, conforme anexo 3.
Conhecem-se 5 livros de recibos mod. 6 utilizados pela contribuinte, no entanto a contribuinte só nos apresentou um desses livros e disse que lhe tinha sido furtado um livro o qual não identificou, conforme comunicado da Polícia de Faro – Esquadra de Olhão, com o registo n.º 2673/02 de 4 de Setembro de 2002 (anexo 4).
Os recibos cujos valores se desconhecem, e que se presume foram passados no ano de 2002, são os seguintes:
Livro de recibos mod. 6 requisitado em 27/11/2001 – AGB 0547801 a AGB 0547850, faltam os recibos:
- AGB 0547811;
- AGB 0547814;
- AGB 0547816;
- AGB 0547821 a AGB 0547850.
Livro de recibos mod.6 requisitado em 24/06/2002 – ARA 1126101 a ARA 0126150, faltam os recibos:
- AHA 0126102 a AHA 0126150.
Do livro de recibos mod.6 requisitado em 12/12/2002 – AHA 0159551 a AHA 0159600 conhecem-se todos os recibos passados em 2002.
Presume-se que os recibos referidos foram passados no ano de 2002, tendo em atenção os recibos conhecidos desses livros e as datas em que os mesmos foram passados, para uma melhor compreensão desta explicação consulte-se o anexo 5, onde consta a discriminação de todos os recibos dos referidos livros, assim como a data de requisição dos mesmos.
Quero ainda salientar o facto de a contribuinte nem sempre passar os recibos na data em que os deveria passar, temos como exemplo o recibo passado ao Tribunal do Trabalho de Faro que deveria ter sido passado no ano de 2002 e só o foi no ano de 2003, e um recibo passado a 29/10/2002 num livro de recibos que foi requisitado a 12/12/2002.
A contribuinte refere em auto de declarações (anexo 2) que no ano de 2002, relativamente a particulares prestou serviços a três pessoas que pagaram unicamente a consulta de € 25,00 cada. No entanto desconhece-se o valor pelo qual foram passados 82 recibos, dos quais se considera que 3 desses recibos foram passados no valor de € 25,00 cada, pelas declarações da contribuinte, para os outros 79 recorre-se à média dos recibos conhecidos no ano de 2002:
Média dos recibos conhecidos relativamente a 2002 = Total dos recibos conhecidos relativamente a 2002
Número de recibos conhecidos relativamente a 2002
Média dos recibos conhecidos relativamente a 2002 = € 12.101,04 = € 636,90
19
Pelo exposto apurou-se para o ano de 2002 Serviços Prestados no valor de € 62.491,14 (€ 12.101,04 + 79x € 636,90 + 3x € 25,00); dos quais € 12.101,04 resultam de correcções meramente aritméticas e € 50.390,10 resultam da aplicação do recurso a métodos indirectos. (Veja-se o anexo 5).
Como a contribuinte ficou enquadrada no regime simplificado o rendimento colectável será o seguinte:
Rendimento colectável para o ano de 2002 = € 62.491,14 x (1-0,35)= € 62.491,14 x 0,65 = 40.619,24.
Foram efectuadas retenções na fonte no valor de € 782,65.
Há ainda a salientar que se aceitam os valores dos abatimentos e deduções à colecta declarados neste ano, por a contribuinte ter apresentado os correspondentes documentos comprovativos.
Foi efectuada a simulação da liquidação tendo resultado imposto a pagar no valor de € 10.254,63, é de notar que a contribuinte recebeu reembolso no valor de € 66,35, assim terá que devolver o reembolso recebido e pagar o imposto devido, isto acrescido dos respectivos juros compensatórios.
(...)
Cálculo dos rendimentos obtidos em sede de IRS para o ano de 2001:
Conhecem-se 3 livros de recibos mod. 6 que se presume que foram utilizados no ano de 2001 (ver anexo 10):
AEE 0066451 a ABE 0066500 (o recibo AEE 0066486 foi passado em 22/07/2001;
AFR 0414601 a AFR 0414650 (requisitado em 24/04/2001),
6 recibos do livros AGB 0547801 a AGB 0547850 (requisitados em 27/12/2001, os recibos AGB 0547805 e AGB 0547806 foram passados em 30/11/2001 e 31/12/2001, respectivamente).
Não é possível saber quais foram os livros de recibos requisitados antes do livro AEE 0066451 a AEE 0066500.
Desconhece-se o valor pelo qual foram passados 103 recibos, pelo que se recorre à média dos recibos conhecidos no ano de 2001:
Média dos recibos conhecidos relativamente a 2001 = Total dos recibos conhecidos relativamente a 2001
Número de recibos conhecidos relativamente a 2001
Média dos recibos conhecidos relativamente a 2001 = € 1.790,49 = € 596,83 3
Pelo exposto apurou-se para o ano de 2001 Serviços Prestados no valor de € 63.263,98 (€ 1.790,49 + 103 x € 596,83); dos quais € 1.790,49 resultam de correcções meramente aritméticas e € 61.473,49 resultam da aplicação do recurso a métodos indirectos. (Veja-se o anexo 10).
Como a contribuinte ficou enquadrada no regime simplificado o rendimento colectável será o seguinte:
Rendimento colectável para o ano de 2001 = € 63.263,98 x (1-0,35)= € 63.263,98 x 0,65 = 41.121,59.
Não serão considerados os seguintes abatimentos e deduções à colecta declarados pela contribuinte na sua declaração mod 3 de IRS do ano de 2001: Despesas de saúde, com aquisição de bens e serviços isentos de IVA ou sujeitos à taxa de 5% e juros contraídos para pagamento das mesmas; Juros e amortizações de dívidas contraídas com aquisição, construção, beneficiação de imóveis e prestações devidas em resultado de contratos celebrados com cooperativas de habitação ou no âmbito do regime de compras em grupo com imóveis para habitação própria e permanente; Prémios de seguros de acidentes pessoais e de vida e contribuições para fundos de pensões ou outros regimes complementares de segurança social, e Donativos concedidos a outras entidades; por a contribuinte não ter apresentado os documentos comprovativos dos mesmos.
Confirmam-se as retenções na fonte da categoria B declaradas pela contribuinte.
Foi efectuada a simulação da liquidação tendo resultado imposto a pagar no valor de € 12.436,49, é de notar que a contribuinte recebeu reembolso no valor de € 1.150,35, assim terá que devolver o reembolso recebido e pagar o imposto devido, isto acrescido dos respectivos juros compensatórios.
(...)
Cálculo dos rendimentos obtidos em sede de IRS para o ano de 2000:
Tal como referido anteriormente o rendimento deste ano será calculado deflacionando o coeficiente de inflação para os serviços em 2001, este coeficiente teve uma taxa de variação média de 4,8% conforme anexo 1.
Valor dos serviços prestados estimados para a
totalidade do ano de 2001
Valor dos serviços prestados em 2000 = ---------------------------------------------------- 1 + taxa de inflação para o ano de 2001

Valor dos serviços prestados em 2000 = 63.263,98 = 60.366,39
1,048
Rendimento colectável para o ano de 2000 = € 60.366,39 x 48,29% = 29.096,60.
Foi efectuada a simulação da liquidação tendo resultado imposto a pagar no valor de € 7.914,69, é de notar que a contribuinte recebeu reembolso no valor de € 239,83, assim terá que devolver o reembolso recebido e pagar o imposto devido, isto acrescido dos respectivos juros compensatórios.
(...)
VII – Infracções verificadas
1 – A contribuinte praticou omissões e inexactidões nas declarações mod. 3 de IRS dos anos de 2000, 2001 e 2002, infringiu os artigos 3º e 22º do CIRS, punível pelo artigo 119º do RGIT.
2 – A contribuinte liquidou IVA indevidamente em 2 recibos no ano de 2001 e em 8 recibos no ano de 2002, não o tendo entregue ao estado, pelo que infringiu o artigo 26º n.º 2 do CIVA, punível pelo artigo 114º do RGIT.
3 – A contribuinte foi notificada para facultar a sua contabilidade e para organizar a sua escrita, não o tendo feito para o período em questão, pelo que infringiu o artigo 116º do CIRS, punível pelo artigo 113º do RGIT.
4 – Será levantado auto de notícia pelas infracções verificadas.
VIII – Outros elementos relevantes
Tendo por base as estimativas efectuadas, em 2000, 2001 e 2002 o valor total dos Serviços Prestados (volume de negócios) ultrapassou em qualquer dos anos o montante máximo anual para que possa estar enquadrada no regime de isenção de IVA previsto no artigo 53.º do CIVA (valor máximo de € 9.975,96).
Tendo deixado de se verificar as condições de aplicação do regime de isenção, a alínea b) do n.º 2 do artigo 58º do CIVA estipula que o sujeito passivo fica obrigado a entregar a declaração de alterações prevista no artigo 310 do CIVA, no prazo de 15 dias a contar da fixação definitiva do rendimento tributável, sendo que será devido imposto com referência às operações efectuadas a partir do mês seguinte àquele em que se torne obrigatória a entrega da referida declaração de alterações (conforme o previsto no n.º 5 do artigo 58.º do CIVA).
No entanto o contribuinte já entregou a declaração de alterações no dia 01/02/2004.
O presente projecto de relatório substitui o anterior projecto de relatório datado de 30 de Julho por ter havido um lapso na elaboração dos anexos 5, 6 e 10.
IX – Direito de Audição
No dia 03/08/2004 a contribuinte foi notificada pessoalmente para exercer o direito de audição sobre o projecto de relatório de inspecção que seguiu em anexo com a referida notificação.
A contribuinte exerceu o direito de audição por escrito.
Relativamente ao exposto pela contribuinte no seu exercício do direito de audição tenho a dizer o seguinte:
A contribuinte alega que recebeu subsídio de desemprego em Julho de 2001 e Novembro de 2001. No ponto III – 1-1.1 do projecto de relatório entregue à contribuinte é referido o facto de esta ter cessado a actividade em 19/07/2001 e ter reiniciado a actividade em 12/11/2001.
° O inquérito feito pela Ordem dos Advogados e publicado no livro Revista da Ordem dos Advogados do qual a contribuinte junta excerto não constitui qualquer prova.
°A contribuinte refere no ponto 25 do seu exercício do direito de audição que não se indica qual a data de requisição dos livros requeridos pela contribuinte, no entanto esta data é indicada nos anexos 5 e 10 (o anexo 10 é aliás referido pela contribuinte no ponto 73 do seu exercício do direito de audição) entregues à contribuinte junto com o projecto de relatório, pois dele fazem parte integrante. Pelo que não se impede o livre direito de audição e de defesa como a contribuinte alega.
° A contribuinte diz que não é verdade que tivesse emitido recibo em 22/07/2001. Feita uma nova análise ao recibo AEE 0066486 verifica-se que de facto este foi emitido em 12/07/2001, pelo que os anexos 8 e anexo 10 fls. 1 serão alterados com a data correcta. No entanto esta correcção não altera os cálculos por nós efectuados para o apuramento dos rendimentos da contribuinte.
° A contribuinte, nos pontos 28 e 29 do seu exercício do direito de audição, diz, referindo-se ao ano de 2001, que os recibos por nós conhecidos foram os únicos por si passados ou emitidos. A ser assim, os rendimentos da categoria B do ano de 2001 seriam inferiores aos declarados pela contribuinte na sua mod. 3 de IRS. Senão veja-se: a contribuinte, na sua declaração mod. 3 de IRS do ano de 2001 declarou o valor de € 2.269,19 como rendimento da categoria B. O total de recibos por nós conhecidos ascende a € 1.790,49.
Tomando como exemplo o livro de recibos modelo 6, ARE 0066451 a ARE 0066500, é estranho que a contribuinte, ao passar apenas um recibo desse livro tivesse passado um recibo dos do fim do livro (ARE 0066486) e não o primeiro recibo do livro (AEE 0066451).
A contribuinte alega que houve recibos com a unidade monetária escudos que foram substituídos por inutilização por recibos com a unidade monetária de euros. Isso cabe à contribuinte provar através da apresentação desses recibos devidamente anulados; pois a “troca” de moeda não é só por si razão para que o livro de recibos em escudos não tenha sido utilizado na sua totalidade.
° No ponto 40 do exercício do direito de audição a contribuinte refere que os recibos AGB 0547805 e AGB 057806 foram emitidos a pedido da DGV para aquelas datas, em substituição de outros anteriormente passados do mesmo valor, mas com unidade monetária de escudos. No entanto não apresenta a prova a anulação dos recibos em escudos.
° No ponto 46 do exercício do direito de audição a contribuinte refere que “relativamente ao ano de 2002, vem o relatório no sentido da presunção de terem sido emitidos e não declarados na declaração de rendimentos alguns recibos”. Não se trata de uma presunção, foram efectivamente emitidos recibos que não foram declarados como se refere no ponto V do projecto de relatório, onde se pode ler: “A contribuinte declarou como rendimento da categoria B do ano de 2002 o valor de € 3.071,82. No entanto conseguiu-se reunir recibos que totalizam o valor de € 12.101,04, conforme anexo 3”. No anexo 3 estão relacionados esses recibos e como anexo 6 seguem cópia dos mesmos.
° A contribuinte alega que não foi ela que preencheu as declarações, mas o facto de não ter sido a contribuinte a preencher a declaração de rendimentos não exclui a sua responsabilidade pelo que lá é declarado.
A contribuinte, embora tenha exercido o direito de audição não trouxe ao processo elementos novos, nem fez quaisquer provas, pelo que se mantêm as conclusões do projecto de relatório.
Faro, 12 de Agosto de 2004»
D) – Sobre o relatório a que se refere a alínea anterior recaiu o seguinte parecer (fls. 12 do apenso):
«Concordo com a presente informação.
A Contribuinte não apresentou os seus elementos de contabilidade, embora tenha sido notificada para o efeito, pelo que houve necessidade de apurar o seu rendimento líquido por aplicação de métodos indirectos.
Assim, sou do parecer que se proceda à fixação do rendimento líquido de IRS dos anos de 2000, 2001 e 2002 nos termos da alínea a) do n.º 2 do art.º 65.º do CIRS.
Que se envie a nota de apuramento de IVA ao serviço de finanças. Que se proceda à notificação nos termos do n.º 2 do Art. 61.º do RCPIT.
À consideração superior.
DF Faro, 13/08/04»
E) – Sobre os antecedentes relatório e parecer recaiu o seguinte despacho (fls. 12 do apenso):
«Concordo. Proceda como se propõe.
Faro, 2004/08/27.»
F) – A Impugnante requereu a revisão da matéria tributável, cfr. requerimento de fls. 70 e segs dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
G) – Os peritos reuniram em 16 e 22 de Novembro de 2004, não tendo chegado a acordo, cfr. actas de fls. 74 a 77 dos presentes autos.
H) – O Perito indicado pela Impugnante fez constar do seu laudo (fls. 80 a 82):
« (…)
1 – Os valores constantes do relatório final, fixados por métodos indirectos, relativos aos anos de 2000 a 2002 são exagerados, atendendo à situação profissional da contribuinte.
2 – Tendo a mesma iniciado a actividade em finais de 1997, não seria possível, passados apenas dois anos do início de actividade, obter uma dinâmica profissional necessária para obter rendimentos médios de cerca de 5.000,00 € em 2000 e 9.000,00 em 2001.
3 – A contribuinte em questão foi trabalhadora independente, tendo sido naturalmente obrigada a respeitar um horário de trabalho, o que vem reforçar a ideia que seria impossível obter em horário nocturno e fim-de-semana (pós-laboral) os rendimentos sugeridos por este método.
4 – A contribuinte em questão só em finais de 2002 passou a ter um escritório com porta aberta, que nem sequer é apenas seu.
5 – Alegou que tem uma implementação no mercado, a qual pode trazer os níveis de rendimentos sugeridos, nunca poderia dar-se ao luxo de cessar a actividade durante vários meses, nem ter que recorrer ao subsídio de desemprego.
6 – A série de recibos passados a partir de finais de 2001 e durante o ano de 2002, permite-nos aferir a apetência/necessidade da contribuinte em questão para passar recibos, o que contrasta totalmente com a suposição de que todos os recibos requisitados foram emitidos.
7 – Tendo por base o referido ano de 2000, o qual me parece bastante consistente, sugiro que para este ano não sejam considerados quaisquer rendimentos extra.
8 – Relativamente ao ano de 2001 e atendendo a que a contribuinte cessou a actividade durante vários meses, bem como tendo sido trabalhadora dependente durante seis meses, sugiro um rendimento de 3.500,00 €.
9 – Relativamente ao ano de 2000 e tendo em conta que a contribuinte também teve uma ocupação como trabalhadora dependente durante seis meses, sugiro um rendimento de 6.000,00€.»
I) – O Perito da Administração Fiscal fez constar do seu laudo (fls. 78 e 79):
« (…)
Entendo que os fundamentos e os factos que levaram à tributação por métodos indirectos, constantes do Relatório de Inspecção Tributária, que aqui se dá por integralmente reproduzido, reúnem os requisitos que impossibilitaram a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação dos rendimentos.
Estando a contribuinte reclamante obrigada a possuir os livros de registo referidos no art. 50.º do Código do IVA, por força do art.º 116º do Código do IRS, e tendo sido devidamente notificada no decurso do procedimento de inspecção, para os exibir e proceder à respectiva escrituração, nunca o fez, inviabilizando assim o apuramento do seu rendimento líquido por avaliação directa, pelo que, nos termos da alínea b) do art.º 87º e alíneas a) e b) do artº 88º da Lei Geral Tributária, está devidamente fundamentada, em minha opinião, a aplicação dos métodos indirectos.
No que se refere aos critérios e cálculos dos valores corrigidos, manifesto também a minha concordância, uma vez que os mesmos em nada contrariam o disposto no artº 90º da LGT.
Os valores presumidos, para efeitos de cálculo, tiveram em linha de conta os livros de recibos, em impresso de modelo oficial, requisitados no período compreendido entre Julho de 2001 (no mínimo) e Dezembro de 2002 e os recibos emitidos e conhecidos pela Inspecção Tributária nos anos de 2001 e 2002, sendo que os valores propostos pelo perito do contribuinte no decurso das duas reuniões havidas, revelam, em minha opinião, falta de suporte material e objectivo.
Defendo assim a manutenção dos valores dos rendimentos líquidos fixados inicialmente.»
J) – O Director de Finanças de Faro, na falta de acordo, proferiu na decisão de fixação da matéria tributável de fls. 83 dos autos donde resulta com interesse para a decisão:
« (…)
Dão-se aqui por integralmente reproduzidos e como fazendo parte integrante da presente decisão todos os documentos que constituem o processo base, designadamente o relatório do exame à escrita e seus anexos, a petição apresentada pelo reclamante, o direito de audição prévia facultado e previsto no artº 60º da LGT e RCPIT e os laudos elaborados pelos peritos das partes, derivados do debate contraditório já aludido.
O perito indicado pelo contribuinte após várias considerações, sustenta não concordar com a posição assumida pela administração Fiscal, nos valores considerados exagerados na determinação da matéria tributável por aplicação de métodos indirectos. Sendo a contribuinte também, trabalhadora dependente, afirma que seria impossível por parte da mesma, quanto à actividade liberal de advogada, obter em horário nocturno e fins-de-semana, tais rendimentos. Assim, o perito da contribuinte, sugere que para o ano de 2002, não sejam considerados rendimentos, para o ano de 2001, sugere o rendimento de 3.500,00 euros e para o ano de 2000, como obteve rendimentos como trabalhadora dependente, propõe rendimentos no valor de 6.000,00 euros.
O perito da administração tributária, mantém o apoio das conclusões retiradas do Relatório da Inspecção Tributária, visto que, a argumentação invocada no laudo pelo perito indicado pelo contribuinte, não trazer para a discussão, quaisquer elementos que o contrariasse, nem que servisse de base a qualquer correcção dos valores fixados. A contribuinte, após notificação nunca apresentou livros de registo, inviabilizando o apuramento do seu rendimento líquido por avaliação directa. Assim, nos termos da alínea b) do artº 87º e alíneas a) e b) do art.º 88 da Lei Geral Tributária, está devidamente fundamentada, a aplicação dos métodos indirectos e os valores propostos pelo perito da contribuinte, revelam falta de suporte material e objectivo, concluindo pela manutenção dos valores fixados.
Ponderados todos os fundamentos invocados e tendo em conta as posições assumidas por ambos os peritos, concordo com a posição assumida pelo Perito da administração Tributária e assim mantenho a fixação do rendimento de IRS para os anos de 2000, 2001 e 2002, nos valores de 33.590,68, 47.093,65 e 40.619,24 euros, fixados por métodos indirectos, respectivamente.
L) – Em 29/11/2004, a Administração Fiscal elaborou a liquidação de IRS referente ao ano de 2000, cfr. fls. 32 dos presentes autos.
M) – A Impugnante foi notificada da antecedente liquidação em 22/12/2009, cfr. fls. 31 a 33 dos presentes autos, nos termos seguintes:
«ASSUNTO: Notificação da demonstração de liquidação
Fica V. Exa. notificado (a) da liquidação de IRS relativa ao ano de 2000, a que respeitam os rendimentos, conforme fotocópia da nota demonstrativa junta.
Poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos indicados na respectiva demonstração da liquidação.
O original da nota da demonstração de liquidação encontra-se à vossa disposição no Serviço de Finanças de FARO.»
N) – A Administração Fiscal, em 09/12/2004, efectuou a DEMONSTRAÇÃO DA COMPENSAÇÃO e AVISO/NOTIFICAÇÃO DE COBRANÇA, cfr. fls. 11 dos presentes autos.
O) – Em 09/12/2005, enviou à Impugnante a demonstração da liquidação dos juros compensatórios, cfr. fls. 13 e 14 dos presentes autos.
P) – Em 22/12/2004, a Impugnante foi notificada da demonstração da liquidação de 09/12/2005, relativa IRS do ano de 2000, cfr. fls. 31 a 33 dos presentes autos.
Q) – O prazo para pagamento voluntário terminou em 17/01/2005.
R) A petição inicial foi apresentada em 18/03/2005, cfr. carimbo aposto a fls. 4 dos presentes autos.
2.2 – Fundamentação do julgamento
Todos os factos têm por base probatória, os documentos referidos em cada ponto. De realçar o depoimento das testemunhas na formação da convicção do tribunal
A testemunha B…, em síntese, referiu que: Tem conhecimento que a Impugnante tem um défice notório de rendimentos da actividade de advocacia. Notava-se que não era uma advogada bem sucedida. Para além da actividade individual a Impugnante procurou sempre colmatar a falta de receitas com empregos. Foi o caso da Região de Turismo e da DGV. Sabe que trabalhou para a empresa C…, teve vários empregos precários e até chegou a estar no desemprego. Também deu formação. Era impossível a Impugnante ter tempo suficiente, fora de um horário de trabalho normal que era obrigada a respeitar, ter uma dinâmica profissional que lhe permitisse ter uma receita como é sugerido. A testemunha esclareceu que não tem conhecimento da actividade da Impugnante nos anos de 2000, 2001 e 2002.
A testemunha D…, em síntese, referiu que: A Impugnante: Não é uma advogada bem sucedida. Tinha um défice notório de rendimentos. Trabalhou na DGV e à noite trabalhava em “coisas” jurídicas. Tinha um ou dois clientes. Por vezes emprestou dinheiro à Impugnante, porque via das dificuldades que a mesma tinha. Esclareceu que a Impugnante prestou serviços à depoente desde 2000 até cerca de 2005. Entre 2000 e 2003 a Impugnante não tinha praticamente clientes para além das oficiosas. Não sabe por que motivo a Impugnante requisitou vários livros de recibos, mas sabe que um ou dois livros foram roubados.
6 – Apreciando.
6.1 Da legalidade do método de avaliação indirecta adoptado
A sentença recorrida, a fls. 90 a 112 dos autos, a propósito da questão decidenda de saber se estavam reunidos os pressupostos legais para a Administração Fiscal lançar mão dos métodos indirectos para determinar o IRS liquidado, decidiu afirmativamente, com base nos factos assentes no título IV do Relatório da Inspecção, no disposto nos artigos 87.º b), 88.º e 74.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (LGT) e considerando que a administração tributária identifica um conjunto de situações de onde se infere a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, legitimadores do recurso à avaliação indirecta, nomeadamente a falta dos livros de registos contabilísticos, a apresentação de um único livro de recibos dos cinco utilizados no período da inspecção e, também, a ocorrência de pagamentos efectuados pelo tribunal, decorrentes de prestações de serviços prestadas, sem que tivessem sido emitidos os respectivos recibos, sendo que é da constatação da existência de várias irregularidades e também, da inexistência de duplicados dos livros de recibos, que a Administração Fiscal retira a conclusão da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável (cfr. sentença recorrida, a fls. 110 dos autos).
A recorrente parece aceitar o veredicto do tribunal “a quo” quanto à verificação dos pressupostos do recurso a métodos indirectos, embora não se conforme com o método de avaliação indirecta da matéria tributável utilizado, alegando que perante a falta de elementos contabilísticos (livros de recibos) a AT criou a ficção que a recorrente teria utilizado todos os recibos dos livros em falta (…) o que de todo é inverosímil (conclusões 2 e 3 das suas alegações de recurso), tendo ignorado deliberadamente o recurso a rácios de actividade para calcular o rendimento (critérios objectivos que considerariam o sector de actividade, os anos de exercício da profissão e condições similares aplicáveis às detidas pela recorrente), sendo que está amplamente documentado no processo que a recorrente como advogada, teve um défice notório de rendimentos, que a obrigou a procurar rendimentos de trabalho através do exercício de outras actividades e sob tais pressupostos o Tribunal devia ter sindicado pela bondade do procedimento e ajuizar em contraponto com a irracionalidade do calculado abstracto do rendimento feito pela AT (conclusões 4 a 7 das suas alegações de recurso). Censura, pois, a sentença recorrida quando considerou que o critério utilizado pela AT não é ostensivamente inadmissível e/ou desacertado e na parte em que conclui que a recorrente não demonstrou que o critério utilizado é ostensivamente inadmissível e/ou desacertado, que houve excesso manifesto na matéria quantificada, alegando terem sido violados os artigos 81º nº 1 (última Parte), 82º nº 2 e 3, 84º nº 1 e 3 85º nº 1 e 2 e 90º da LGT e art. 659º nº 3 do CPC (cfr. conclusões 10, 11 e 21 das suas alegações de recurso).
Vejamos.
Como é sabido, são excepcionais e obedecem a tipificação legal (em especial a contida no artigo 87.º da Lei Geral Tributária) os casos em que é lícito à Administração tributária fixar a matéria tributável dos contribuintes por “avaliação indirecta”, afastando-se dos valores declarados, porque inexistentes ou fundamentadamente desmerecedores de confiança, recorrendo a outros elementos (também objecto de previsão legal) que permitem a determinação do valor tributável.
É o que sucede, designadamente, no caso previsto nos artigos 87.º, n.º 1 alínea b) e 88.º alíneas a) e b) da LGT, justificantes do acto praticado pela Administração Tributária e objecto de impugnação nos presentes autos, que dispõem nos seguintes termos:
Artigo 87.º
Realização da avaliação indirecta
1 – A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de: a) …
b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável de qualquer imposto; (…)
Artigo 88.º
Impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável
A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referidos na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso na escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos fiscalmente relevantes, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
(…)
Tendo a avaliação indirecta carácter excepcional (cfr. o n.º 1 do artigo 81.º da LGT) e subsidiário em relação à avaliação directa (cfr. o artigo 85.º, n.º 1 da LGT), cabe à Administração tributária a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
No caso dos autos, os factos constantes do probatório fixado na sentença recorrida, designadamente os referidos no relatório de fiscalização aí parcialmente reproduzidos, concretamente e especificamente identificados, legitimam o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável do contribuinte, como bem decidiu a sentença recorrida e nem sequer parece ser questionado pela recorrente.
De facto, a Administração tributária apurou divergências nos valores dos rendimentos da categoria B declarados pelo sujeito passivo nos anos de 2002 e 2001 (cfr. o ponto IV do relatório da inspecção, transcrito sob a alínea c) do probatório, onde se diz: «A contribuinte declarou como rendimento da categoria B do ano de 2002 o valor de € 3.071,82. No entanto conseguiu-se reunir recibos que totalizam o valor de € 12.101,04, conforme anexo 3». E mais adiante, relativamente ao ano de 2001, escreve-se no ponto IX do relatório, a propósito do direito de audição: «A contribuinte, nos pontos 28 e 29 do seu exercício do direito de audição, diz, referindo-se ao ano de 2001, que os recibos por nós conhecidos foram os únicos por si passados ou emitidos. A ser assim, os rendimentos da categoria B do ano de 2001 seriam inferiores aos declarados pela contribuinte na sua mod.3 de IRS. Senão veja-se: a contribuinte, na sua declaração mod. 3 de IRS do ano de 2001 declarou o valor de € 2.269,19 como rendimento da categoria B. O total de recibos por nós conhecidos ascende a € 1.790,49»), a contribuinte não tinha os livros de registo de receitas e despesas a que estava legalmente obrigada (nem inicialmente, nem após ter sido notificada para os apresentar - cfr. o ponto IV do relatório da inspecção, transcrito na alínea c) do probatório, onde se diz - «A contribuinte está obrigada a escriturar os livros de registo a que se refere a alínea e) do art. 50.º do CIVA, pelo artigo 116.º do CIRS. No entanto não possui estes registos para os anos em análise, embora tenha sido notificada para facultar a sua contabilidade e para organizar a sua escrita»), nem sequer os duplicados dos recibos que emitiu (cfr. a alínea c) do probatório, na parte em que transcreve o ponto IV do relatório), não dando também explicação cabal para o facto de ter descaminhado quatro dos cinco livros de recibos que requisitou e se presumiu terem sido utilizados no período em causa.
Em face deste circunstancialismo e atento ao disposto nos artigos 87.º, n.º 1 alínea b) e 88.º alíneas a) e b) da LGT entende-se que era legítimo à Administração tributária o recurso a métodos indirectos de determinação da matéria tributável, designadamente para o ano de 2000, cuja liquidação adicional está em causa nos presentes autos, encontrando-se formal e substancialmente fundamentado no relatório da inspecção o recurso a tais métodos de determinação da matéria tributável.
No que respeita ao critério eleito pela Administração tributária para proceder à avaliação indirecta da matéria tributável relativa ao ano de 2000 – descrito e concretizado nos pontos IV e V do relatório da inspecção, transcrito na alínea c) do probatório e que consistiu em deflaccionar o coeficiente de inflação para o valor do rendimento tributável determinado por métodos indirectos para 2001, por se ter considerado que o volume de negócios não sofreu grandes oscilações do ano de 2001 para o ano de 2002 – entendemos que não está a Administração tributária impedida de a ele recorrer, pois que o n.º 1 do artigo 90.º da LGT não tem carácter taxativo e o método escolhido mostra-se racional e fundamentado em factos concretamente apurados (a falta, em grande número, dos livros de recibos requisitados pelo sujeito passivo), assim como procurou ter em conta os dados conhecidos relativos à actividade da contribuinte nos anos de 2001 e 2002 para determinação da média a aplicar aos recibos em falta.
A pretensão da contribuinte de escolher o método de determinação indirecta da matéria tributável (cfr. conclusão 4 das suas alegações de recurso) não pode colher, pois que cabe à Administração tributária, dentro dos limites da lei, eleger aquele que repute mais adequado à determinação da matéria tributável, cabendo ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação em caso de litígio entre a administração Tributária e o sujeito passivo (cfr. ANA PAULA DOURADO, «Manifestações de Fortuna», in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano II, n.º 4 (Inverno), p. 278).
Assim, como bem decidiu o tribunal “a quo”, o método adoptado pela Administração tributária para a determinação da matéria tributável, não é nem inadmissível nem se mostra, em abstracto, ostensivamente inadequado.
Poderá conduzir, contudo, a um excesso na quantificação da matéria colectável apurada, sendo que, quando assim seja e se o pretender, cabe ao contribuinte o ónus da prova do excesso da quantificação (cfr. a parte final do n.º 3 do artigo 74.º da LGT).
Ora, no que ao eventual excesso na quantificação da matéria tributável respeita, as alegações da recorrente limitam-se a ser genéricas e inconclusivas, não se alicerçam nem em factos nem em depoimentos inequívocos, pelo que terão contribuíram, quando muito, para suscitar a dúvida sobre se não haverá algum excesso, não sendo, contudo, suficientes para criar a convicção de que o valor apurado para a matéria tributável é efectivamente excessivo.
Mas sendo assim, ou seja, persistindo a situação de “non liquet” quanto ao excesso na quantificação a que chegou a Administração tributária, a dúvida terá de ser decidida em desfavor da recorrente, que não logrou provar a existência de tal excesso (artigo 74.º n.º 3 da LGT), nem se afigura evidente para este Tribunal que o alegado excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou seja manifesto, notório ou ostensivo em face dos factos alegados pela recorrente e constantes do probatório.
Improcedem, pois, as alegações da recorrente.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 17 de Março de 2010. - Isabel Marques da Silva -(relatora) - Brandão de Pinho - António Calhau.