Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0622/14
Data do Acordão:07/02/2015
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PERICULUM IN MORA
PERDA DE CLIENTELA
QUESTÃO DE FACTO
QUESTÃO DE DIREITO
Sumário:I - O recurso para uniformização de jurisprudência só poderá ser admitido pelo STA quando os acórdãos em confronto tenham decidido a «mesma questão fundamental de direito»;
II - Esta identidade supõe, desde logo, que a «questão» identificada no recurso para uniformização de jurisprudência seja uma verdadeira «questão de direito», e que provenha de «situações de facto» substancialmente idênticas;
III - O juízo indutivo que, a partir dos factos provados, permite chegar à maior ou menor probabilidade de «perda de clientela» é, ainda, um juízo de natureza factual, porque baseado fundamentalmente na experiência da vida, e no senso comum;
IV - Porém, saber se essa «perda de clientela» poderá configurar «periculum in mora», para efeitos da alínea b) do nº1 do artigo 120º do CPTA, isso é já uma questão de direito;
V - Não pode ser admitido recurso para uniformização de jurisprudência relativa à questão dita em III.
Nº Convencional:JSTA000P19255
Nº do Documento:SAP201507020622
Data de Entrada:06/05/2014
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:INFARMED, IP E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A………….., LDA. [A…] - identificada nos autos – vem interpor recurso, para uniformização de jurisprudência, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCA Sul], de 06.03.2014, que, concedendo provimento aos recursos jurisdicionais interpostos da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé [TAF Loulé], a revogou e indeferiu o pedido cautelar de «suspensão de eficácia» da decisão proferida pelo Conselho Directivo do INFARMED, datada de 23.05.2013, que autorizou a transferência da Farmácia ………. para a Rua Dr. ………., .………., freguesia de ………….., do distrito de Faro.

Invoca contradição, sobre «a mesma questão fundamental de direito», entre o decidido no acórdão recorrido e o decidido no acórdão fundamento, o qual foi, também, proferido pelo TCA Sul em 05.12.2013 [Rº10508/13].
Conclui, assim, as suas alegações:
1- O acórdão proferido em 06.03.2014, pelo 2º Juízo, 1ª Secção, do TCA Sul [Rº10882/14], que é o acórdão recorrido, colide, frontalmente, e quanto à mesma «questão fundamental de direito», com o anterior acórdão, já transitado em julgado, proferido três meses antes, em 05.12.2013, precisamente pelo 2º Juízo, 1ª Secção, do TCA Sul [10508/13], e que é o acórdão fundamento;
2- O caso aqui apresentado constitui o paradigma que esteve na génese da criação dos recursos para uniformização de jurisprudência: está em causa no acórdão recorrido e no acórdão fundamento idêntico quadro normativo, consubstanciado na interpretação e aplicação do requisito do periculum in mora previsto na alínea b) do nº1 do artigo 120º do CPTA, bem como realidades factuais praticamente «gémeas», tendo, porém, resultado de tais acórdãos decisões totalmente contraditórias, daqui decorrendo que a patente contradição das mesmas resultou exclusivamente de uma interpretação jurídica divergente;
3- No acórdão recorrido estava em causa o pedido de concessão de providência cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo praticado pelo Conselho Directivo do INFARMED, que autorizou a transferência da Farmácia ………….., e no acórdão fundamento estava em causa o pedido de concessão de providência cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo praticado pelo Conselho Directivo do INFARMED, que autorizou a transferência da Farmácia …………..;
4-No acórdão recorrido ficou provado que a farmácia da Recorrente é actualmente a que se encontra mais próxima do «Centro de Saúde de Vila Real de Santo António», distando 479,24 m deste local [facto m) da matéria assente], e no acórdão fundamento ficou provado que a farmácia da aí Requerente é actualmente a que se encontra mais próxima do «Hospital de Santa Cruz», distando 436,11 m deste local [facto 15) da matéria assente];
5- No acórdão recorrido ficou provado que com a transferência da Farmácia ………., esta passará a ser a farmácia mais próxima do «Centro de Saúde de Vila Real de Santo António», ficando a 58,25 m do recinto do «Centro de Saúde» e a mais de 100 m da parte edificada deste «Centro de Saúde» [factos m), j) e k) da matéria assente], e no acórdão fundamento ficou provado que com a transferência da Farmácia ……….., esta passará a ser a farmácia mais próxima do «Hospital de Santa Cruz», ficando a uma distância entre 50 a 119,87 m do mesmo [factos 5), 6), 14) e 15) da matéria assente];
6- No acórdão recorrido ficou provado que de entre as vendas efectuadas pela Farmácia ………….., nos anos de 2011, 2012, e no primeiro semestre de 2013, cerca de 84% correspondem a medicamentos prescritos em receitas médicas, e que de entre os medicamentos vendidos por receita médica pela Farmácia ……….., a sua maior parte provém de prescrição emitida no «Centro de Saúde de Vila Real de Santo António» [factos o) e p) da matéria assente e documento 4 junto ao requerimento inicial], e no acórdão fundamento ficou provado que em Junho de 2013, foram atendidas pela farmácia da aí Requerente, no mínimo, 249 pessoas e aviadas 249 receitas passadas no «Hospital de Santa Cruz», cujo valor total foi de 6.374,73€, sendo que, com base no receituário do mês de Junho, a Requerente estima que o receituário anual da sua farmácia proveniente do «Hospital de Santa Cruz» seja de valor superior a 77.000,00€ [factos 18), 19) e 20) da matéria assente];
7- Com base nos factos acima descritos, o TCA Sul, no acórdão recorrido, entendeu que o alegado prejuízo de perda de clientela não se pode considerar uma consequência provável, imediata da execução do acto suspendendo, decidindo pela não verificação do requisito do periculum in mora, tendo o mesmo Tribunal, no acórdão fundamento, entendido que se extraem da matéria de facto prejuízos para a Requerente decorrentes da perda de clientela que esta sofrerá em consequência da abertura de uma nova farmácia na proximidade da farmácia de que é proprietária [que passará também a ser a farmácia mais próxima do Hospital de Santa Cruz] e, em consequência, na redução da sua facturação e margem de lucro, prejuízos estes que não são meramente hipotéticos, mas de elevada probabilidade, decidindo pela verificação do requisito do periculum in mora;
8- Ora, da explanação supra resulta totalmente claro que o acórdão recorrido recusou a concessão da providência cautelar de suspensão de eficácia do acto suspendendo, por entender não se encontrar preenchido o pressuposto do periculum in mora, enquanto o acórdão fundamento, perante quadro factual e jurídico absolutamente idêntico, entendeu que o referido requisito se encontrava preenchido;
9- Porém, e apesar da verificação deste quadro de identidade factual e jurídico, o TCA Sul sustentou, no acórdão recorrido, que o alegado prejuízo de «perda de clientela» não se pode considerar como consequência provável da execução imediata do acto suspendendo, tendo o mesmo Tribunal, no acórdão fundamento, apenas três meses antes, sustentado precisamente o inverso;
10- A «questão fundamental de direito» que aqui importa esclarecer é, então, se em situações concretas - muito habituais na prática - como a que se encontra em causa nos acórdãos fundamento e recorrido, a «perda de clientela» constitui um resultado muito provável da execução do respectivo acto administrativo, constituindo tal circunstância fundamento para efeitos de preenchimento do requisito do periculum in mora consagrado na alínea b), do nº1, do artigo 120º do CPTA;
11- E a resposta a esta questão é peremptoriamente afirmativa, tal como decidido no acórdão fundamento, tendo, todavia, o acórdão recorrido adoptado entendimento diferente, importando estabilizar o quadro jurisprudencial aplicável neste domínio, dado que a interpretação e a aplicação da alínea b), do nº1, do artigo 120º, do CPTA, não deve admitir, por razões de segurança jurídica, flutuações jurisprudenciais que coloquem em causa o corolário axiológico basilar do Estado de Direito democrático, consagrado nos artigos 20º e 268º nº4 da CRP: «a tutela jurisdicional efectiva»;
12- A infracção aqui imputada ao acórdão recorrido consiste no gritante erro judiciário expresso na decisão de [alegada] falta de preenchimento, no caso concreto, do requisito do periculum in mora, pois tal interpretação [e a consequente aplicação] não só se revela totalmente contrária à do acórdão fundamento, como se evidencia demasiado exigente - em rigor, extra legem - e, nessa medida, uma interpretação [e consequente aplicação] em patente desconformidade com o quadro jurídico vigente quanto ao mencionado pressuposto legal;
13- De um ponto de vista estritamente jurídico, o acórdão recorrido decidiu mal, sendo o entendimento correcto aquele que foi sustentado no acórdão fundamento: a abertura de uma farmácia num local que se encontre mais próximo do centro emissor de receituário do que a farmácia já ali existente, e de onde provém parte da facturação desta última, na medida em que determina a perda de vantagem competitiva da farmácia requerente, resultante de ser a farmácia mais próxima desse centro emissor de receituário [do Centro de Saúde de Vila Real de Santo António, no caso do acórdão sob censura, e do Hospital de Santa Cruz, no caso do acórdão fundamento], constitui na esfera desta o fundado receio de desvio de clientela, o qual não pode deixar de ser entendido como um «prejuízo de difícil reparação» para efeitos de suspensão da eficácia de um acto administrativo, à luz da alínea b) do nº1 do artigo 120º do CPTA;
14- Note-se que uma farmácia não pode ser confundida com outro tipo de estabelecimentos, como um restaurante, café ou supermercado, sendo esse precisamente o erro em que o Tribunal a quo incorreu aquando da análise feita no acórdão recorrido, designadamente quando nele se afirma que «a clientela desloca-se em função da qualidade de serviço, da forma de actuação do comerciante, do ambiente que o circunda, da forma de apresentar os produtos, do seu preço e de uma enorme variedade de factores de ordem económica, social, sociológica e psicológica. Assim, o simples facto de abrir um outro estabelecimento junto de outro já existente, não significa, por si só, que se venha a verificar uma deslocação da clientela […]»;
15- Contrariamente ao que sucede noutro tipo de estabelecimentos, nas farmácias a oferta é basicamente a mesma e os preços também, pois os preços dos medicamentos sujeitos a receita médica [prescritos precisamente nos centros emissores de receituário] são fixados administrativamente, sendo que o farmacêutico não tem qualquer «discricionariedade» ao «aviar» uma receita, limitando-se a dispensar o medicamento prescrito pelo médico que observou o utente;
16- É, assim, evidente, que no caso de uma farmácia, o factor preponderante na escolha dos utentes é a proximidade do local emissor de receituário, pois a esmagadora maioria dos utentes irá «aviar» a receita emitida pelo médico no local geograficamente mais acessível, isto é, na farmácia mais próxima ao local onde lhe são prescritos os medicamentos;
17- Aliás, como resulta das regras de experiência e do senso comum, os utentes que se deslocam a um local emissor de receituário - em princípio doentes e em busca do seu bem-estar - procurarão naturalmente o local mais próximo e cómodo para aviarem os medicamentos que lhes foram prescritos, pelo que a proximidade geográfica da farmácia em relação a esse mesmo centro emissor de receituário se afigura como o elemento principal na escolha dos utentes;
18- E esta proximidade geográfica mais relevante se torna quando se trata de optar entre uma farmácia que dista entre 58,25 e pouco mais de 100 m do referido centro emissor de receituário e uma outra farmácia que dista cerca de meio quilómetro desse mesmo local;
19- Logo, obviamente que ao perder a vantagem competitiva de ser a farmácia mais próxima do centro emissor de receituário para uma outra farmácia - em particular quando parte da facturação desta farmácia provém desse mesmo centro emissor de receituário - há uma elevad[íssim]a probabilidade de desvio de clientela para esta farmácia e consequente produção de prejuízos de difícil reparação na esfera da outra farmácia;
20- Errou, assim, flagrantemente o Tribunal a quo no acórdão recorrido, quando, perante idêntico quadro factual e jurídico, concluiu, sem mais, inexistir um fundado receio de perda de clientela para a ora Recorrente com a execução imediata do acto suspendendo e, nessa medida, a produção de prejuízos de difícil reparação, quando esta perda e prejuízos resultam por demais evidentes da matéria assente;
21- Em face da factualidade provada no caso subjudice, esse fundado receio de desvio de clientela/produção de prejuízos de difícil reparação apresenta-se com ainda mais elevada probabilidade do que no caso analisado no acórdão fundamento, pois no acórdão recorrido ficou provado que, nos anos de 2011, 2012, e 1º semestre de 2013, 84% da facturação da farmácia da aqui Recorrente correspondeu à venda de medicamentos prescritos em receita médica, as quais provêm na sua maior parte do «Centro de Saúde de Vila Real de Santo António», quando no caso do acórdão fundamento tinha-se apenas uma «estimativa» do valor anual de facturação - 77.000€ - com o aviamento de receituário proveniente do «Hospital de Santa Cruz», não se sabendo sequer qual o peso real desse valor na facturação total da farmácia;
22- Mais importante: no acórdão recorrido ficou ainda provado que a « ……..», para onde deverá ocorrer a transferência da Farmácia …….., sita num local de passagem a pé e, obrigatoriamente, de carro, em caso de deslocação entre o «Centro de Saúde de Vila Real de Santo António» e a zona onde está instalada a Farmácia ………. [facto n) da matéria assente], e que em Vila Real de Santo António apenas existem, para além do «Centro de Saúde», quatro consultórios privados e uma clínica [facto q) da matéria assente], não havendo tal paralelo no acórdão fundamento;
23- Assim, é inequívoca a preponderância no negócio da Recorrente do «aviamento» de receitas médicas emitidas pelo «Centro de Saúde de Vila Real de Santo António», sendo igualmente inequívoca a vantagem competitiva que a Farmácia ………., à custa da Farmácia da ora Recorrente, passará a ter em termos de localização, não só por passar a ser a farmácia mais próxima do «Centro de Saúde de Vila Real de Santo António», como também por passar a ficar num local de passagem a pé e, obrigatoriamente, de carro, em caso de deslocação entre esse local e a zona onde está instalada a Farmácia ….;
24- Neste enquadramento [que aliás não mereceu a mínima atenção na análise feita pelo Tribunal a quo], é óbvio que a esmagadora maioria dos utentes vindos do «Centro de Saúde de Vila Real de Santo António» irá optar por aviar a sua receita na Farmácia ……….. em detrimento da Farmácia da Recorrente, sendo que esse desvio de clientela terá consequências absolutamente devastadoras no negócio da Recorrente, atento o elevado peso que o «aviamento» de receitas emitidas no «Centro de Saúde de Vila Real de Santo António» tem no seu negócio;
25- Atento todo o exposto, tendo a Recorrente, na situação subjudice [tal como sucedeu no acórdão fundamento], feito prova incontroversa da existência de danos/prejuízos concretos irreparáveis ou, pelo menos, de difícil reparação, deveria o Tribunal a quo ter dado como inteiramente verificado o pressuposto do periculum in mora;
26- O acórdão recorrido, ao considerar não verificado o pressuposto do periculum in mora, incorreu - repete-se - em flagrante erro judiciário na interpretação e aplicação deste pressuposto, devendo o Supremo Tribunal revogar tal aresto e substitui-lo por outro que considere preenchido tal requisito e decrete a providência requerida, na medida em que os demais requisitos legais de concessão da providência cautelar se encontram preenchidos;
27- Apesar do acórdão recorrido não se ter pronunciado sobre a ponderação de interesses prevista no nº2 do artigo 120º do CPTA, retoma-se, nas presentes alegações, a integralidade dos argumentos expostos em primeira e em segunda instância e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, assim se concluindo que, na situação ora em apreço, os danos resultantes da concessão da providência cautelar não são superiores aos que podem resultar da sua recusa, verificando-se uma situação diametralmente oposta que impõe a suspensão da eficácia do acto suspendendo.
Termina pedindo que este recurso para uniformização de jurisprudência seja «admitido», e julgado «procedente», e que, em consequência, seja revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que «conceda a providência cautelar requerida».
2. Os recorridos - INFARMED e B…………, LDA. - Não apresentaram contra-alegações.
3. O Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º, nº1, do CPTA].
4. Colhidos os «vistos» legais, cumpre apreciar e decidir.

II. De Facto
A matéria de facto pertinente, sumariamente provada, que vem das instâncias, é a seguinte:
a) A requerente é proprietária da Farmácia ………….., com o alvará nº5128, sita na Rua …………, loja nºs ……….. e ………., ……………, freguesia e concelho de ………….. [ver documento nº3, junto com o requerimento inicial];
b) A contra-interessada é accionista da Farmácia C………., S.A., sociedade proprietária da Farmácia ………., com o alvará nº2619, instalada, actualmente, na ………….., nº……………, freguesia e concelho de ………… [ver PA, folha 15];
c) Em 06.02.2013, mediante requerimento dirigido ao INFARMED, I.P., apresentado em nome da contra-interessada, foi pedida a transferência da localização da Farmácia ……….. para a «………..», situada na Rua ……….., freguesia e concelho de ………….. [ver PA, folhas 1 e 79 a 82];
d) Com o referido requerimento, foram apresentados, entre outros, os seguintes documentos:
i. Planta de localização do edifício para onde é pretendida a transferência, à escala de 1:2000, onde consta o nome da rua e a indicação do prédio em causa, que representa a área envolvente da farmácia, com uma distância inferior a 350 metros contada dos limites exteriores do edifício da farmácia [ver PA, folha 18];
ii. Certidão camarária, da qual consta que a «…………..» não se encontra dentro de um raio de 100 metros contados dos limites exteriores da parte edificada do Centro de Saúde de Vila Real de Santo António [ver PA, folhas 17 e 18];
iii. Certidão camarária, da qual consta que «a distância apurada entre o Mercado Municipal e as Piscinas Municipais de Vila Real de Santo António é de 371,06 m» [ver PA, folhas 19 e 20];
iv. Declaração do representante da contra-interessada, com o seguinte teor:
«... As instalações actuais da Farmácia ………… encontram-se localizadas numa zona histórica, de difícil acesso e unicamente pedonal, e cujas instalações são pequenas, não permitindo efectuar com normalidade a prática farmacêutica, tornando desse modo inviável a manutenção e viabilidade económica da Farmácia. Com a mudança para novas instalações, numa rua de melhor acesso a Farmácia vai estar mais acessível à população que a visita, tanto a nível pedonal como também com recurso a viaturas próprias e transportes. Da mesma forma, com novas instalações, a farmácia vai aumentar os serviços farmacêuticos, e também melhorar em muito os que já praticava. Esta mudança de instalações vai permitir satisfazer mais e melhor a população e também melhora economicamente a Farmácia, e o quadro de pessoal que a ocupa» [ver PA, folha 21];
v. Declaração, intitulada «Parecer Prévio/Declaração», emitida pelo Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, da qual consta, nomeadamente, que «nos termos e efeitos do nº3, do artigo 26º, do DL nº307/2007, de 31 de Agosto, na sua redacção actual», a «Câmara Municipal nada tem a opor à transferência da Farmácia ………., localizada na …………, nº……….., em Vila Real de Santo António, para a ………., sita na Rua …………, em Vila Real de Santo António, desde que salvaguardados os pressupostos elencados no nº2, do artigo 26º, do supra referido diploma legal, os quais em nosso entender decorrem do cumprimento e aplicação do artigo 13º do mesmo DL» [ver PA, folha 22];
vi. Declaração subscrita pelo representante da contra-interessada, da qual consta que a «…………..», local para onde se pretende transferir as instalações da Farmácia …. «estará localizada no prédio inscrito na matriz predial urbana sob o nº8573 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António sob o nº584/1088, situada na Rua ……….., onde se localizam as Piscinas Municipais», e que «não possui número de porta até à data» [ver PA, folha 23];
e) Por ofício datado de 12.02.2013, e recebido a 14.02 seguinte, o INFARMED, I.P. solicitou à Câmara Municipal de Vila Real de Santo António parecer sobre o pedido de transferência da farmácia, ao qual não foi dada resposta [ver PA, folhas 37 a 39, e informação de folhas 122 a 125];
f) Em 17.05.2013, nos termos da informação prestada no processo administrativo pelos serviços do INFARMED - na qual consta referido, entre o mais, que a localização pretendida para a transferência da Farmácia …………. respeita as distâncias previstas nas alíneas b) e c) do nº1 do artigo 20º, Portaria nº352/2012, de 30 de Outubro, conforme documentos apresentados em sede do pedido e que «foram tidos em conta os critérios definidos no nº2 do artigo 26º do DL nº307/2007, de 31 de Agosto, alterado pela Lei nº26/2011 de 16 de Junho» - foi proposto o deferimento do pedido de transferência da Farmácia ………. [ver PA, folhas 122 a 125];
g) Em 23.05.2013, por despacho proferido por vogal do Conselho Directivo do INFARMED, I.P., aposto sob a referida informação, foi deferido o pedido de transferência da Farmácia ……….. [ver PA, folhas 122];
h) Em 24.05.2013, foi divulgado, no sítio da Internet do INFARMED, I.P., que «foi considerado apto, nos termos e para os efeitos do disposto no nº1 do artigo 21º da Portaria nº352/2012, de 30 de Outubro, no que se refere à proposta de nova localização da farmácia, o pedido de transferência da Farmácia ………… [...] para a rua Dr. ………., ……….., freguesia de …………., concelho de Vila Real de Santo António, distrito de Faro» [ver documento nº2, junto com o requerimento inicial];
i) O Centro de Saúde de Vila Real de Santo António é constituído por um conjunto de unidades funcionais de prestação de cuidados de saúde, que funcionam em edificações implantadas num mesmo recinto [terreno], o qual sita na Avenida Ministro Duarte Pacheco, freguesia e concelho de Vila Real de Santo António, confrontando a norte com a Rua Santo António de Arenilha, a sul com espaço público [complexo desportivo], a nascente com Avenida Ministro Duarte Pacheco e parque de estacionamento e a poente com casa mortuária ou morgue municipal [ver PA, folhas 58, 69 e 69 verso];
j) A distância entre os limites exteriores do recinto [terreno] onde se encontram implantados os edifícios do Centro de Saúde de Vila Real de Santo António [contada, em linha recta, a partir do ponto de encontro entre o limite exterior norte e o limite exterior poente] e os limites exteriores do [entretanto construído] edifício da «…………» é inferior a 100 m, correspondendo a 58,25 m [ver PA, folhas 135 e 136];
k) A distância entre os limites exteriores da parte edificada do «Centro de Saúde de Vila Real de Santo António» e os limites exteriores do edifício da «……………», contada em linha recta, é superior a 100 m [ver PA, folhas 83 a 86, especificamente planta de folha 86];
l) A distância entre as portas de entrada dos edifícios do «Centro de Saúde de Vila Real de Santo António» e da «………..», contada em linha recta, é superior a 100 m [ver PA, folhas 83 e 86, e especificamente planta de folha 86, onde constam identificadas as portas do centro de saúde];
m) A Farmácia …………… é, actualmente, a farmácia mais próxima do Centro de Saúde de Vila Real de Santo António, do qual dista cerca de 479,24 m [ver PA, folhas 114];
n) A «………….», para onde foi autorizada a transferência da Farmácia …………, sita num local de passagem a pé e, obrigatoriamente, de carro, em caso de deslocação entre o «Centro de Saúde de Vila Real de Santo António» e a zona onde está instalada a Farmácia …………..;
o) De entre as vendas efectuadas pela «Farmácia …………», nos anos de 2011, 2012 e no primeiro semestre de 2013, cerca de 84% correspondem a medicamentos prescritos em receitas médicas [ver documento nº4, junto com o requerimento inicial];
p) De entre os medicamentos vendidos com receita médica pela Farmácia …….., a sua maior parte provém de prescrição emitida no «Centro de Saúde de Vila Real de Santo António»;
q) Em Vila Real de Santo António apenas existem, para além do Centro de Saúde, quatro consultórios médicos privados e uma clínica;
r) A Farmácia ……….. declarou, no período de 2012, um resultado líquido de 179.595,76€ [ver documento nº8, junto com a oposição da contra-interessada].

III. De Direito
1. A sociedade farmacêutica recorrente - proprietária da Farmácia …………- obteve no TAF de Loulé a pretendida suspensão de eficácia do acto do INFARMED que autorizou a transferência da Farmácia ………… para um local que, em concreto, se situa mais próximo do «Centro de Saúde de Vila Real de Santo António» do que a sua Farmácia …………..
O TCA Sul, conhecendo de recursos interpostos pela sociedade proprietária da Farmácia ………- B………… Lda. - e pelo INFARMED, revogou a decisão do TAF de Loulé, e indeferiu o pedido de suspensão de eficácia exclusivamente com base na falta de verificação do requisito legal do periculum in mora [artigo 120º, nº1 alínea b), 1ª parte, do CPTA].
Fê-lo partindo da situação de facto provada, a qual ficou consignada no anterior ponto II.
E utilizando a seguinte argumentação jurídica:
[…]
«Ambos os recorrentes contestaram a verificação do requisito do periculum in mora previsto na 1ª parte da alínea b) do nº1 do citado artigo 120º, considerando que a abertura ao público da Farmácia ………… não determinava um obrigatório desvio de clientela da requerente e que os prejuízos patrimoniais que esta poderia sofrer seriam facilmente contabilizáveis.
Vejamos se lhes assiste razão.
Como se escreveu no AC deste tribunal de 06.01.2005 […] onde estava em causa uma questão idêntica à aqui em discussão, não devem ser considerados irreparáveis ou de difícil reparação os prejuízos decorrentes da simples concorrência, designadamente pela instalação ou abertura de novos estabelecimentos do mesmo ramo, visto tais prejuízos serem meramente eventuais, por dependerem da deslocação da clientela ou preferência desta [ver AC STA de 18.07.74, in AD 14-157, e AC TCA de 31.07.2003, in Ant. de Ac’s do STA e TCA, Ano VI, nº3, página 258]. É que a clientela desloca-se em função da qualidade do serviço, da forma de actuação do comerciante, do ambiente que o circunda, da forma de apresentar os produtos, do seu preço e de uma enorme variedade de factores de ordem económica, social, sociológica e psicológica. Assim, o simples facto de abrir um novo estabelecimento junto de outro já existente, não significa, só por si, que se venha a verificar uma deslocação de clientela, pelo que o alegado prejuízo da perda de clientela não se pode considerar uma consequência provável da imediata execução do acto suspendendo» [ver, no mesmo sentido, o AC deste tribunal de 16.06.2011, processo nº736/11].
No caso em apreço, resulta da matéria de facto provada que a Farmácia …………..é a que, actualmente, está mais próxima do Centro de Saúde de Vila Real de Santo António, do qual dista cerca de 479,24 metros, e que, do total das vendas efectuadas, cerca de 84% correspondem a medicamentos prescritos em receitas médicas que, na sua maior parte, provêem daquele Centro.
A circunstância de o acto suspendendo autorizar a transferência da Farmácia ………. para um local situado a mais de 100 metros dos limites exteriores da parte edificada do referido Centro de Saúde não permite concluir, por si só, pela possibilidade do desvio de clientela.
Efectivamente, para além de a Farmácia …………… também se situar a curta distância do Centro de Saúde e se desconhecerem outros factores – como, por exemplo, as possibilidades de estacionamento de veículos nas respectivas zonas – também importantes na fidelização da clientela, não se pode esquecer que, na actividade das farmácias, porque relacionada com a saúde das pessoas, exerce um papel primordial a confiança que os utentes têm no farmacêutico.
Por isso, a mera localização geográfica das farmácias em relação ao Centro de Saúde, quando ambas se encontram a curta distância deste, não é suficiente para que se conclua que a execução imediata do acto suspendendo implica uma perda de clientela por parte da Farmácia ………….
Assim sendo, entendemos que não está demonstrada a verificação do requisito do periculum in mora na vertente da produção de prejuízos de difícil reparação, não podendo, por isso, ser concedida a requerida suspensão de eficácia.
Procedem, pois, ambos os recursos jurisdicionais».
[…]
É este o acórdão recorrido, datado de 06.03.2014.
2. Por sua vez, a sociedade proprietária da Farmácia …………… tinha visto indeferido pelo TAF de Sintra o seu pedido de suspensão de eficácia do acto do INFARMED que autorizara a transferência da Farmácia ………….. para local que, em concreto, se situava mais próximo do «Hospital de Santa Cruz» do que a sua, exclusivamente com fundamento na falta de verificação do requisito legal do periculum in mora [artigo 120º, nº1 alínea b), 1ª parte, do CPTA].
O TCA Sul, conhecendo de recurso interposto pela sociedade proprietária da Farmácia ………… negou-lhe provimento, mantendo o indeferimento do pedido de suspensão de eficácia com diferente fundamentação. Ou seja, o TCA Sul julgou verificado o requisito legal do periculum in mora mas acabou por julgar improcedente o pedido cautelar com base na ponderação de interesses e danos exigida pelo nº2 do artigo 120º do CPTA.
Neste acórdão, o requisito legal do periculum in mora foi considerado verificado com base nesta apreciação:
[…]
«Dando-se como provado que a requerente e ora recorrente Farmácia C…………, Lda., tem a sua sede em Carnaxide, no concelho de Oeiras, e que se localiza nas imediações do Hospital de Santa Cruz, sendo a farmácia que mais próximo se localiza desse hospital [ver pontos 1, 14 e 15, dos factos assentes] e, bem ainda, que tem de entre a sua clientela uma parte que corresponde a utentes que frequentam o Hospital de Santa Cruz, aviando na farmácia da recorrente as suas receitas, que correspondem a uma parte da sua facturação [ver pontos 18, 19 e 20, dos factos assentes], forçoso se tem de concluir que a autorização de uma outra farmácia nas imediações do Hospital de Santa Cruz, ainda mais perto desse hospital do que a farmácia detida pela recorrente, a qual deixa de ser a farmácia mais perto do hospital, constitui na esfera jurídica da requerente e para os direitos e interesses que a mesma corporiza, o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação.
[…]
Concedendo que estão em causa interesses patrimoniais conflituantes, os da requerente e os da contra-interessada, releva para a dimensão do disposto na 1ª parte da alínea b) do nº1 do artigo 120º do CPTA, quanto ao periculum in mora, os prejuízos de difícil reparação que se produzirão na esfera jurídica da requerente, caso a providência requerida não seja decretada.
Tais prejuízos não só se verificam como se extraem da matéria de facto assente, decorrentes da perda de clientela que a recorrente sofrerá em consequência da abertura de uma nova farmácia nas proximidades da farmácia de que é proprietária e, em consequência, na redução da sua facturação e da sua margem de lucro.
[…]
No caso configurado em juízo, tais prejuízos não só não são hipotéticos, como de elevadíssima probabilidade de virem efectivamente a ocorrer caso a providência não seja decretada, visto a farmácia da contra-interessada não só ser muito próxima da farmácia detida pela requerente, como passa a ser a farmácia mais próxima do Hospital de Santa Cruz, que emite receitas carecidas de ser aviadas.
[…]
Conclui-se, portanto, ao contrário do decidido na sentença recorrida, que a situação jurídica configurada em juízo permite sustentar a existência do periculum in mora exigido pela alínea b) do nº1 do artigo 120º do CPTA».
[…]
É este o acórdão fundamento, datado de 05.12.2013.
3. A proprietária da Farmácia ………….., após «trânsito em julgado» do acórdão recorrido, que lhe foi desfavorável, e dentro do prazo legal, deduziu junto deste Supremo Tribunal o presente pedido de admissão de recurso para uniformização de jurisprudência, invocando existir contradição, entre os dois referidos acórdãos, no tocante à decisão da seguinte «questão fundamental de direito»:
- Saber se em situações concretas, como as que se encontram em causa nos referidos acórdãos, a «perda de clientela» constitui um resultado muito provável da execução do acto administrativo suspendendo, integrando o requisito do «periculum in mora» que é exigido na primeira parte da alínea b), do nº1, do artigo 120º do CPTA [ver conclusão 10ª - in «I. Relatório»].
4. O recurso para uniformização de jurisprudência só poderá ser admitido pelo STA - como resulta do artigo 152º do CPTA - quando os acórdãos em confronto tenham decidido a «mesma questão fundamental de direito».
Esta identidade, assim exigida, supõe desde logo que a «questão» identificada no recurso para uniformização de jurisprudência seja uma verdadeira «questão de direito» que provenha de «situações de facto» substancialmente idênticas.
Ora, o que acontece é que nos casos postos em confronto, a questão que nos é proposta pela sociedade recorrente, enraizada numa impressionante similitude de pormenores fácticos é, ainda, uma questão de natureza factual.
Em ambos os casos está em causa saber se essa similitude factual é susceptível de gerar «perda de clientela», entendendo o acórdão fundamento que «sim», e o acórdão recorrido que «não».
E é precisamente essa a questão desenhada pela sociedade recorrente, como já vimos: saber se nessas situações, tão similares, a «perda de clientela» constitui um resultado muito provável da execução do acto administrativo suspendendo, constituindo periculum in mora nos termos e para os efeitos da alínea b) do nº1 do artigo 120º do CPTA.
Como é bom de ver, esta questão, assim proposta, encerra dois ajuizamentos. Um indutivo, de base empírica, que a partir das circunstâncias de facto dadas como provadas desagua ou não na possibilidade de «perda de clientela». Outro valorativo, que supõe a resposta afirmativa ao primeiro, e subsume ou não essa «perda de clientela» no conceito jurídico indeterminado de «prejuízos de difícil reparação» [artigo 120º, nº1 alínea b), do CPTA].
O juízo indutivo que, a partir dos pormenores factuais provados, permite chegar à maior ou menor probabilidade de «perda de clientela» é, ainda, um «juízo de natureza factual», pois que baseado fundamentalmente na experiência da vida, e no senso comum.
A questão de direito surgirá, a nosso ver, a jusante desta, e consistirá em saber se essa «perda de clientela» poderá ser susceptível de configurar «periculum in mora» para efeitos da alínea b) do nº1 do artigo 120º do CPTA.
Neste último caso já estaremos face a uma avaliação que não resulta apenas da mera determinação ou reelaboração empíricas, mas antes exigirá valorações de ordem jurídica. Agora, já é convocado o direito, e é solicitado um juízo técnico-jurídico ao julgador, apelando à sua sensibilidade e formação jurídicas.
Aliás, facilmente se entende que a variedade e a riqueza das situações da vida, nomeadamente no âmbito comercial, é praticamente impossível de captar e de espartilhar numa fórmula uniformizadora como a que pretende a recorrente. E esta dificuldade é o melhor sinal de que ainda não é o direito a estar em causa, pois que por si mesmo tende a ser certo e seguro, mas antes a factualidade da vida, com a sua pulsão natural para romper padrões estabelecidos e não parar de nos surpreender.
5. Temos, portanto, que a questão debatida nos dois acórdãos em confronto, e trazida a este Pleno com intuito uniformizador, não pode ser considerada uma «questão de direito», sendo que esta razão é bastante, por si mesmo, para nos impor a «não admissão do recurso» [artigos 152º do CPTA; 12º, nº3, do ETAF].

IV. Decisão
Nestes termos, decidimos não admitir este recurso para uniformização de jurisprudência.
Custas pela recorrente.


Lisboa, 2 de Julho de 2015. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Francisco Fonseca da Paz – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.