Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0903/09.7BESNT
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
OBRAS
ÁREA DE CONSTRUÇÃO
LEGALIZAÇÃO
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do presente recurso de revista, visto nele se discutirem questões no domínio urbanístico que envolvem a concatenação e aplicação de quadro normativo de alguma complexidade e que possuem um campo de aplicação repetível, e cuja dilucidação quanto aos aspetos dubitativos e no contexto apurado carece também de melhor análise/ponderação por parte deste Supremo Tribunal.
Nº Convencional:JSTA000P28814
Nº do Documento:SA1202201130903/09
Data de Entrada:12/14/2021
Recorrente:MUNICÍPIO DE CASCAIS E OUTROS
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. MUNICÍPIO DE CASCAIS [doravante R.] e A………… [doravante Contrainteressado] invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticionam a admissão do recurso de revista interposto pelo R. e a que o Contrainteressado aderiu do acórdão de 21.04.2021 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 316/336 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que concedeu provimento ao recurso que havia sido deduzido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO [doravante A.] na ação administrativa especial pelo mesmo instaurado, nos termos dos arts. 51.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF], 09.º, n.º 2, e 55.º, n.º 1, al. b), do CPTA, e que revogou a decisão de 07.01.2013, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [doravante TAF/SNT] [cfr. fls. 181/208], julgando procedente a ação e «declarando … a nulidade do ato impugnado» [decisão do Presidente da Câmara Municipal de Cascais, de 30.09.2004, que aprovou uma operação urbanística de legalização de obras de alteração/ampliação, posteriormente titulada pelo alvará de licença n.º 1005/2004].

2. Motivam a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 379/410 e fls. 414] na relevância jurídica e social da questão que reputam como de importância fundamental [a qual envolve, mormente, a definição precisão do conceito de área de construção que se mostra inscrito no art. 20.º, n.º 2, do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural Sintra/Cascais (RPOPNSC) para operação urbanística de ampliação de edificação existente no PNSC, ou seja, se de «área bruta de construção» ou se de «área total de construção»] e, bem assim, para efeitos de «uma melhor aplicação do direito», fundada no erro de julgamento, dada a incorreta interpretação e aplicação, mormente do disposto nos arts. 04.º, al. e), 20.º, n.º 2, ambos do RPOPNSC, e 68.º, al. a), do DL n.º 555/99, de 16.12 [RJUE] [considerando este na redação vigente à data da emissão do ato impugnado].

3. O A. devidamente notificado não produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 411 e segs.].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/SNT julgou a ação administrativa totalmente improcedente dado insubsistentes os fundamentos de ilegalidade invocados [in casu: i) infração dos arts. 09.º, n.º l, al. a), do RPOPNSC/2004, e 68.º, al. c), do RJUE; ii) infração dos arts. 20.º, n.º 2, do RPOPNSC/2004, e 68.º, al. a), do RJUE], decisão essa que veio a ser em parte revogada pelo TCA/S, que julgou procedente a pretensão e declarou nulo o ato impugnado por violação dos arts. 20.º, n.º 2, do RPOPNSC/2004, e 68.º, al. a), do RJUE, entendendo que «o alvará de licença de construção inicial, emitido em 1996, contemplou uma área de construção de 274,87 m2, ponto 4 do probatório. … Sabemos também que antes de 15/12/2003, o contrainteressado procedeu à construção de uma piscina e um anexo/churrasqueira, totalizando uma área de construção acima do solo de 565,73 m2, ponto 8 do probatório. … Já da proposta de parecer do técnico do PNSC, datada de 15/03/2004, consta que agora se pretende legalizar uma construção com 565,75 m2, ou seja, cerca de mais 291 m2 de construção em relação à proposta inicial aprovada pela CMC, ponto 13 do probatório. … E o alvará de construção emitido em 01/10/2004 contempla uma área total de construção de 560,41 m2, ponto 24 do probatório. … Comparado com o alvará de licença de construção inicial, emitido em 1996, temos que o aumento da área de construção se cifrou em 285,54 m2. Ou seja, substancialmente superior ao limite vertido no artigo 20.º, n.º 2, do Regulamento do POPNSC», termos em que «impõe-se concluir com o recorrente que, por se mostrar violada esta disposição legal, o ato impugnado é nulo, conforme decorre do artigo 68.º, al. a), do RJUE».

7. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar «preliminar» e «sumariamente» se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

8. A jurisprudência desta formação tem considerado que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo n.º 1 do art. 150.º do CPTA, se verifica quando, designadamente se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina.

9. E tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias que revistam de particular repercussão na comunidade.

10. Já a admissão da revista fundada na melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo.

11. Presentes, no que ainda constitui objeto de dissídio, as pronúncias diametralmente divergentes das instâncias que se mostram firmadas nos autos e que a pronúncia do TCA, atentas as críticas que lhe foram dirigidas pelos recorrentes, não se mostra isenta de alguma controvérsia e não está imune à dúvida, carecendo de devida dilucidação por parte deste Supremo Tribunal para aferir do seu acerto, temos como justificada a necessidade de admissão da revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.

12. E, para além disso, temos que a concreta e atrás explicitada quaestio juris suscitada da revista revela-se como igualmente dotada de relevância jurídica e social fundamental, porquanto a mesma envolve não só complexidade jurídica, indiciada, desde logo, como vimos pelos juízos diametralmente divergentes das instâncias e para cuja dilucidação se exige a devida concatenação de variado quadro normativo e conceptual, assim como a mesma assume carácter paradigmático e exemplar, dado que dotada de capacidade de expansão da controvérsia, de se projetar ou de ser transponível para fora do âmbito dos autos para outras situações futuras indeterminadas, com evidente repercussão no âmbito dos procedimentos no domínio urbanístico, e que reclamam deste Supremo Tribunal a definição de diretrizes clarificadoras.

13. Flui do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Supremo Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..
Lisboa, 13 de janeiro de 2022. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.