Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0458/14
Data do Acordão:01/14/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:EXTEMPORANEIDADE
PETIÇÃO
PRAZO DE PAGAMENTO
CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR
Sumário:I – O prazo para deduzir impugnação tem natureza substantiva, de caducidade e é peremptório contando-se nos termos do artº 279º do CCivil não se lhe aplicando o disposto no artº 139º nº 5 do novo CPC.
II – Os artigos 84.º e 85.º números 1 e 2 do CPPT, definem o que é o pagamento voluntário da dívida tributária, sendo os respectivos prazos definidos nas leis tributárias e, na sua ausência, o de 30 dias após a notificação para pagamento efectuada pelos serviços competentes.
III – No Código do IRC, os prazos legais de pagamento (voluntário) são diversos consoante o imposto seja autoliquidado (caso em que o pagamento deve ser efectuado até ao termo do prazo para a entrega da declaração - cfr. artigos 109.º, 104.º n.º 1 e 108.º do Código do IRC) ou liquidado pelos serviços, caso em que o sujeito passivo é notificado para pagamento no prazo de 30 dias a contar da notificação (artigo 110.º do Código do IRC).
IV – Na contagem do prazo previsto no art. 102º nº 1 al. e) do CPPT para impugnar judicialmente um acto de liquidação de IRC, não basta olhar para a data limite para pagamento voluntário que vem assinalada na nota de liquidação/documento de cobrança, havendo sempre que indagar qual foi a data em que o contribuinte foi notificado dessa liquidação, pois que este tem o direito de efectuar o pagamento do imposto no prazo de 30 dias a contar da notificação (art. 102º do CIRC) e basta que haja um atraso na respectiva efectivação para que a data limite de pagamento deixe de ser ou de coincidir com aquela que consta desse documento.
Nº Convencional:JSTA000P18444
Nº do Documento:SA2201501140458
Data de Entrada:04/14/2014
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO

A…………………, Ldª com o NIPC nº …………… veio deduzir Impugnação Judicial, contra as liquidações de IRC relativas aos anos de 1999, 2000 e 2001 no valor global de € 11.846,81.

Por decisão proferida pelo TAF de Viseu a fls. 182/185 dos autos, datado de 14 de Janeiro de 2014, julgou não verificada a excepção de caducidade do direito de deduzir a impugnação, absolvendo a Fazenda Pública dos pedidos.

Reagiu a ora recorrente, A………………, Ldª, interpondo o presente recurso, cujas alegações integram as seguintes conclusões:

«1 - O PRAZO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL É 90 dias após o decurso de prazo de pagamento voluntário, mas tal prazo é contado da data de notificação LEGAL para tal, e não obrigatoriamente da data que consta da notificação como sendo o último pagamento voluntário.

2 – Não consta dos autos qualquer alegação ou prova de que a impugnante tenha sido legalmente notificada em data que considere o dia 28-8-2003 o último dia de pagamento voluntário.
Pretende-se assim ter sido violada a norma prevista no artigo 102 nº 2 a) do CPPT.

Termos em que

Sempre com o Douto suprimento de Vs Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e por via de tal ser proferida nova decisão que considere a impugnação como tempestiva.»
Não houve contra alegações.

O EMMP pronunciou-se emitindo parecer no sentido de que a impugnação foi apresentada extemporaneamente e que por isso se lhe afigura que a sentença recorrida não padece do vício de violação de lei imputado pela Recorrente, uma vez que fez correcta interpretação e aplicação da lei aos factos apurados, e nessa medida deve ser confirmada e o recurso ser julgado improcedente.

3 – FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:
a) A impugnante recebeu a liquidação de IRC referente ao exercício de 2000, no valor de € 661,04 euros, com data limite de pagamento até ao dia 04.08.2003. – doc. de fls. 9.
b) A Impugnante recebeu as liquidações de IRC referentes aos exercícios de 1999 e 2001, no valor de 1.389,56 euros e 9.796,21 euros, respetivamente, com data limite de pagamento até ao dia 18.08.2003. – doc. de fls. 8 e 10.
c) A Impugnante apresentou a presente impugnação no dia 18.11.2003. – doc. de fls. 1 e segs. 100 e 101.

3 – DO DIREITO
Para se decidir pela extemporaneidade da impugnação considerou o Mº juiz de 1ª Instância o seguinte: (destacam-se apenas os trechos mais relevantes da decisão com interesse para o presente recurso)

“1-RELATÓRIO:
A……………….., Lda., NIF ……………, com sede em …………., ……………, Viseu, deduziu a presente Impugnação referente às liquidações de IRC relativas aos anos de 1999, 2000 e 2001, no valor global de € 11.846,81 euros, concluindo com o seguinte pedido:
“(…) devem ser anulados os actos tributários notificados e aqui impugnados, aceitando-se consequentemente os valores declarados, assim se fazendo inteira, sã e objectiva justiça.”
Para tanto, alegou erro nos pressupostos de facto na aplicação dos métodos indiciários e erro na quantificação da matéria coletável.

Devidamente notificada, a Fazenda Pública apresentou contestação, (fls. 107), onde corroborou a argumentação constante da apreciação elaborada no PA, pugnando pela improcedência da presente ação.

Notificadas as partes para produzirem alegações apenas a Fazenda Pública veio fazê-lo, invocando a intempestividade da presente ação e no mais manteve o já reiterado no seu articulado, (fls. 131).

O DMMP emitiu parecer (fls. 140 e sgs.), no qual conclui pela intempestividade da presente impugnação e pela sua improcedência.

Notificada do parecer do DMMP, a Impugnante nada veio dizer.
II- SANEAMENTO:
Suscitada a questão da extemporaneidade da presente impugnação, impõe-se que dela se conheça já, por constituir exceção peremptória, cuja eventual procedência prejudica o conhecimento dos fundamentos da reclamação.

DA CADUCIDADE DO DIREITO DE APRESENTAR RECLAMAÇÃO
Para a decisão da questão suscitada, mostra-se pertinente a seguinte factualidade, a qual se dá por assente face aos documentos junto e também pela posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos, (artigo 76.”, da Lei geral Tributária e artigo 362.° e sgs. do Código Civil):
(…)
Cumpre apreciar e decidir.
A caducidade do direito de reclamar, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 576.°, n°s 1 e 3 e 579°, do novo Código de Processo Civil e artigo 333.° do Código Civil, aqui aplicáveis, ex vi do artigo 2°, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, constitui exceção perentória, de conhecimento oficioso, O seu conhecimento e, desde já se adianta, a sua procedência, prejudica a análise de outras questões.
Conforme está jurisprudencialmente assente, vide, de entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.10.2008, processo 0458/08, de 27.05.2009, processo 076/09, e de 22.05.2013, processo 0405/13, todos disponíveis in www.dgsi.pt, o prazo para deduzir impugnação é de natureza substantiva, contínuo e contado de acordo com as regras do artigo 279.° do Código Civil e artigo 20.°, n° 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não se suspendendo nas férias judiciais. Todavia, se terminar no período de férias, passa para o primeiro dia útil, a seguir às mesmas.
De acordo com o artigo 102°, n.º, 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em vigor à data dos factos, o prazo para apresentação de impugnação era de 90 dias, após o termo do prazo para pagamento voluntário.
Nos termos expostos e também como decorre dos factos assentes, a Impugnante tinha até aos dias 04.08.2003 e 18.08.2003 para pagar voluntariamente a quantia em dívida.
Vejamos primeiro a data limite de pagamento de 04.08.2003. O termo inicial da contagem do prazo de 90 dias para apresentar a impugnação começa a partir do dia 05.08 2003, (pois o dia do evento a partir do qual o prazo começa a correr não conta), e terminaria no dia 02.11.2003, que por ser domingo transfere-se para o dia 03.11.2003. A petição inicial foi apresentada no dia 18.11.2003, pelo que, relativamente a esta liquidação foi apresentada fora do prazo.
No que diz respeito às liquidações com data limite de pagamento de 18.08.2003, o termo inicial de contagem do prazo de 90 dias para apresentar a impugnação começa a partir do dia 19.08.2003, (pois o dia do evento a partir do qual o prazo começa a correr não conta), e terminaria no dia 17.11.2003. A petição inicial foi apresentada no dia 18.11.2003, pelo que, relativamente a estas liquidações foi apresentada fora do prazo.
Importa ainda ter presente que no prazo de impugnação não é aplicável o artigo 139.º, n.º 5°, do novo Código de Processo Civil, (anterior artigo 145.º, n.º 5), que prevê a possibilidade de apresentação de documentos nos três dias subsequentes ao termo do prazo, mediante o pagamento de multa. Neste sentido, com o qual se concorda na íntegra, veja-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo nos Acórdãos de 30.01.2013, processo 0951/12, de 27/01.2013, processo 01213/12, (www.dgsi.pt).
Porque é parte vencida, as custas são da responsabilidade da Impugnante, nos termos do artigo 527.º, nºs 1 e 3 do novo CPC e artigo 73.°-A, n.º 2 do Código das Custas Judiciais, pois é este o diploma aplicável aos processos iniciados antes de 20.04.2009, (artigo 27.º, nºs 1 e 2 do DL 34/2008 de 26 de Fevereiro, na redação dada pela Lei 64-A/2008 de 31 de dezembro).
III - DECISÃO:
Nos termos e com os fundamentos acima expostos, verifico a exceção de caducidade do direito de deduzir impugnação, absolvendo a Fazenda Pública dos pedidos.
Condeno a Impugnante na totalidade das custas.”

DECIDINDO NESTE STA:

A questão que se coloca nos autos é a de saber se a impugnação da liquidação adicional de IRC dos anos de 1999, 2000 e 2001 é extemporânea ou não.

A impugnação foi apresentada em 18/11/2003 e foi suscitada pelo Mº Pº no seu parecer a questão da “intempestividade do pedido” sendo que o TAF de Viseu, em sede de sentença julgou procedente a excepção de caducidade do direito de deduzir impugnação e absolveu a Fazenda Pública dos pedidos.

Vem agora a Recorrente apresentar recurso pedindo que seja dado provimento ao mesmo e que se considere a impugnação deduzida como tempestiva e para tal invoca o vicio de violação de lei, por ofensa ao disposto na alínea a) do n°2 do artigo 102° do CPPT, uma vez que no seu entendimento “o prazo de pagamento voluntário, no caso, é contado da data de recebimento da notificação para pagamento voluntário” e este facto não consta dos autos.
A sua discordância com a sentença recorrida assenta na consideração sobre os termos de contagem do prazo e designadamente sobre a data do início do prazo de impugnação, que no seu entendimento não se conta a partir da data que consta da nota de liquidação como termo do prazo de pagamento voluntário, mas sim da data em que a Recorrente terá recebido a notificação para pagamento voluntário, mais argumentando que, não tendo a Fazenda Pública feito prova desse facto, nem constando o mesmo dos autos, não podia o tribunal recorrido ter julgado procedente a excepção da caducidade do direito de impugnação.

Como resulta da decisão judicial supra destacada considerou-se ser aplicável o prazo de 90 dias previsto na alínea a) do n°1 do artigo 102° do CPPT, tendo no caso da liquidação de 2000 o seu início em 05/08/2003 e o termo em 02/11/2003, E no caso das liquidações de 1999 e 2001 o seu início em 19/08/2003 e o termo em 17/11/2013.
Está acertada esta decisão?
Embora as contagens do prazo de 90 dias se mostrem acertadas e seja consabido, e a sentença o tenha, que o prazo para deduzir impugnação tem natureza substantiva, de caducidade e que é peremptório contando-se nos termos do artº 279º do CCivil não se lhe aplicando o disposto no artº 139º nº 5 do novo CPC, afigura-se-nos, que a decisão não se pode manter pelas razões que passamos a expor:
No caso dos autos está em causa a impugnação de liquidações de IRC relativas aos anos de 1999, 2000 e 2001, cujos prazos de pagamento voluntário indicados nas notas de cobrança terminaram em 04/08/2003 e 18/08/2003.
Dispunha o artigo 102°, n°1, do CIRC, na redacção então em vigor, “nos casos de liquidação efectuada pela Direcção-Geral dos Impostos, o contribuinte é notificado para pagar o imposto e juros que se mostrem devidos, no prazo de 30 dias a contar da notificação”.
E nos termos do artigo 128°, n°1, do CIRC, na redacção então em vigor, a reclamação e impugnação da liquidação seguiam os termos previstos no CPPT.
Por sua vez dispunha o artigo 102° do CPPT, na redacção então em vigor, que a impugnação deve ser apresentada no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte — alínea a) -f ou da sua notificação — alínea b).
Embora resulte do probatório que a recorrente recebeu a liquidação de IRC referente ao exercício de 2000, com data limite de pagamento até ao dia 04.08.2003 e que recebeu as liquidações de IRC referentes aos exercícios de 1999 e 2001, com data limite de pagamento até ao dia 18.08.2003, tendo apresentado a presente impugnação no dia 18.11.2003, não foram apuradas as datas da efectiva notificação do teor dos documentos de cobrança que contêm a discriminação da liquidação. E, o apuramento de tal facto mostra-se essencial pois que foi afirmada a tempestividade da impugnação no articulado 9º da petição inicial sendo que o conhecimento da excepção de caducidade terá de assentar em factos que a sustentem sendo insuficientes os fixados no probatório. Efectivamente não é de afastar a possibilidade de na prática da vida real o documento de cobrança por qualquer lapso, não imputável ao contribuinte, lhe ter chegado sem a devida antecedência de 30 dias, não podendo este ficar prejudicado no seu direito de impugnar mesmo para além do prazo de 90 dias contados da data limite de pagamento que consta do documento de cobrança.
É que acaba por se mostrar acertada a alegação da recorrente e destacada por esta a fls. 208 dos autos de que “ O prazo de pagamento voluntário, no caso, é contado da data de recebimento da notificação para pagamento voluntário”.
Vejamos: uma coisa é o prazo para impugnar definido no artº 102º do CPPT e outra coisa é o prazo de pagamento voluntário de um tributo. O pagamento voluntário é definido no artigo 84º do CPPT como sendo o que é efectuado dentro do prazo estabelecido nas leis tributárias e é regulado nestas leis e não sendo estabelecido nas mesmas será de 30 dias após a notificação para pagamento efectuada pelos serviços competentes (vide o artº 85º nº s 1 e 2 do CPPT).
No Código do IRC, os prazos legais de pagamento (voluntário) são diversos consoante o imposto seja autoliquidado (caso em que o pagamento deve ser efectuado até ao termo do prazo para a entrega da declaração - cfr. artigos 109.º, 104.º n.º 1 e 108.º do Código do IRC) ou liquidado pelos serviços, caso em que o sujeito passivo é notificado para pagamento no prazo de 30 dias a contar da notificação (artigo 110.º do Código do IRC).
E, no caso dos autos está em causa a impugnação de IRC liquidado adicionalmente pela administração tributária pelo que há que considerar este último preceito legal. Se, se verificar uma situação anómala de o documento de cobrança, por qualquer lapso não imputável ao contribuinte, lhe ter chegado (ter sido notificado) sem a devida antecedência de 30 dias em relação à data que dele consta como data limite de pagamento então haverá que ponderar a data da efectiva notificação do conteúdo de tal documento e contar a partir dela os 30 dias de que dispõe o contribuinte para efectuar o pagamento voluntário acrescentando-lhe ainda mais 90 dias referentes ao prazo legal para impugnar.
No caso dos autos, não tendo o IRC impugnado sido autoliquidado mas liquidado pelos serviços da Administração Tributária e não estando fixado no probatório a data em que o prazo para a sua cobrança voluntária terminou mas apenas que a impugnante recebeu as liquidações de IRC referentes aos anos de 1999, 2000 e 2001 das quais constavam as datas limite de pagamento constantes das alíneas a) e b) do probatório não podemos afirmar que tais datas coincidem com o termo do prazo legal para pagamento do imposto pois que não podemos pressupor que a notificação ocorreu com a devida antecedência e por isso impõe-se o apuramento do efectivo recebimento de tais liquidações para que se possa aferir da excepção de tempestividade da presente impugnação deduzida pelo Mº Pº na 1ª instância. É que na contagem do prazo previsto no art. 102º nº 1 al. e) do CPPT para impugnar judicialmente um acto de liquidação de IRC, não basta olhar para a data limite para pagamento voluntário que vem assinalada na nota de liquidação/documento de cobrança, havendo sempre que indagar qual foi a data em que o contribuinte foi notificado dessa liquidação, pois que este tem o direito de efectuar o pagamento do imposto no prazo de 30 dias a contar da notificação (art. 102º do CIRC) e basta que haja um atraso na respectiva efectivação deste acto para que a data limite de pagamento deixe de ser ou de coincidir com aquela que consta desse documento.
Em face do exposto, a pretensão da recorrente procede, sendo de revogar a sentença ora sindicada e de determinar a baixa dos autos à 1ª Instância para ampliação do probatório nos termos supra indicados decidindo-se depois em conformidade.
4- DECISÃO:
Termos em que acordam os Juízes deste STA em conceder provimento determinando a baixa dos autos à 1ª Instância para ampliação do probatório nos termos supra referidos.

Sem custas.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2015. – Ascensão Lopes (relator) – Dulce NetoPedro Delgado.