Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01546/14
Data do Acordão:02/16/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso, pela clara necessidade de melhor aplicação do direito, face ao modo pouco claro ou contraditório como o acórdão recorrido tratou questão jurídica relevante que respeita ao princípio da presunção de inocência do arguido em processo sancionatório e aos seus corolários quanto ao ónus da prova dos factos e aos critérios de valoração da prova.
Nº Convencional:JSTA000P18627
Nº do Documento:SA12015021601546
Data de Entrada:12/26/2014
Recorrente:A...
Recorrido 1:ORDEM DOS ADVOGADOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. A……………, advogado, recorre do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10 de Julho de 2014 que, revogando acórdão do TAF de Almada, negou provimento a acção administrativa especial em que impugnou a decisão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados que lhe aplicou a pena disciplinar de 12 meses de suspensão.

Em síntese, além de lhe imputar nulidades e invocar a prescrição do procedimento disciplinar, o recorrente sustenta que o acórdão recorrido fez uma interpretação que viola o princípio da presunção de inocência, aplicável ao procedimento disciplinar, ao considerar que está provada a factualidade pela qual foi disciplinarmente punido com fundamento na simples queixa e prova documental que a não corrobora e no silêncio do arguido perante a acusação.

2. A Ordem dos Advogados, no que agora interessa, opõe-se à admissão do recurso excepcional de revista por não estar suscitada qualquer questão relevante no aspecto social ou jurídico, nem ter ocorrido erro grosseiro que torne claramente necessária a intervenção do STA para melhor aplicação do direito.

3. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

4. Numa primeira leitura, a divergência da decisão das instâncias entre si e do recorrente relativamente ao acórdão do TCA que lhe foi desfavorável respeita à apreciação da prova, matéria que está excluída do âmbito do recurso de revista, salvo nos casos previstos na 2ª parte do n.º 4 do art.º 150.º do CPTA. O que inclinaria à não admissibilidade da revista, uma vez que, assente a factualidade, as demais questões colocadas não apresentam complexidade jurídica especial, nem são dotadas de repercussão comunitária que transcenda o caso sujeito.

Sucede que o recorrente imputa ao acórdão recorrido violação do princípio da presunção de inocência do arguido em processo sancionatório e dos seus corolários quanto ao ónus da prova dos factos e dos critérios de valoração da prova, o que constitui matéria de direito. O controlo jurisdicional da sua observância não pode consistir em registar a proclamação do seu respeito, mas em verificar objectivamente o percurso justificativo da decisão, de modo a assegurar o cumprimento do seu sentido material.

Ora, o modo como o acórdão recorrido chegou à conclusão de que a factualidade integrante do acto punitivo está provada no processo disciplinar é de molde a suscitar dúvidas sobre o efectivo entendimento desse princípio e suas implicações em sede de critério de valoração da prova nele professado. Com efeito, embora protestando a aceitação de que no procedimento disciplinar em causa vigora o referido princípio, o acórdão recorrido, assumiu como suficiente para prova de todos os factos imputados ao arguido a participação disciplinar e a prova documental constituída por uma acta do julgamento a que o arguido faltara e uma guia para pagamento das custas dessa acção, ponderando que o arguido não disse o que quer que seja no âmbito do processo, nem procurou demonstrar quaisquer factos que afastassem a ilicitude e a culpa.

Além disso, o TCA parece ter ido além, em desfavor do arguido, do que a decisão administrativa final – o acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados – considerara provado. Com efeito, atendendo em parte à argumentação do arguido na impugnação administrativa, em que questionara a prova dos factos, o Conselho Superior, admitiu que “com os elementos constantes dos autos, não possa ter-se por provado o que consta dos n.ºs 6 (última parte), 7 (última parte), 10 a 14, 15 (primeira parte), 16 (primeira parte) 18 e 19” do acórdão do Conselho de Deontologia de Évora. Ora, o discurso fundamentador do acórdão parece não ter tido em consideração essa evolução quanto à factualidade imputada ao arguido, “retomando” a coincidência quanto aos factos imputados ao arguido entre queixa, acusação e decisão punitiva, que a própria Ordem dos Advogados abandonara (vid. fls 19 do acórdão, p. ex. a prestação de informação falsa à cliente).

Perante estas fundamentação – na análise sumária que aqui compete e sem prejuízo de diverso entendimento quanto à natureza e atendibilidade da questão em sede de julgamento – depara-se o tratamento de uma questão jurídica relevante de modo pouco claro ou contraditório, o que justifica a admissão do recurso com fundamento na clara necessidade de melhor aplicação do direito. Para o que releva, ainda, a divergência de resultado a que chegaram as instâncias e a relativa gravidade da medida sancionatória aplicada.

5. Decisão

Pelo exposto, decide-se admitir a revista.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2015. – Vítor Gomes (relator) – Alberto Augusto Oliveira – São Pedro.