Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0888/05.9BEPRT 0600/17
Data do Acordão:12/05/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IRC
AUDIÇÃO PRÉVIA
ANULAÇÃO PARCIAL
LIQUIDAÇÃO
ACTO DIVISÍVEL
Sumário:I - A falta de audiência prévia à liquidação, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, conducente, em regra, à anulabilidade do acto (cfr. art. 135.º do CPA antigo, a que corresponde o n.º 1 do art. 163.º do actual CPA).
II - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.
III - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.
Nº Convencional:JSTA00071004
Nº do Documento:SA2201812050888/05
Data de Entrada:05/22/2017
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A....., SGPS, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TAF DO PORTO
Decisão:CONCEDE PROVIMENTO
Área Temática 1:PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO
Legislação Nacional:ARTIGO 163º, N,º 1 DO CPA
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – Autoridade Tributária e Aduaneira recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 25 de Janeiro de 2017, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por A………, SGPS, SA contra a liquidação adicional de IRC n.º 2004 8310027678, respeitante ao exercício de 2000 e no montante de
942.869,27, anulando-a.
Para tanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos supra identificados, que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRC n.º20048310027678, do ano de 2000, no montante de 942.869,27,e, consequentemente, anulou na totalidade da supra mencionada liquidação.
B. Subjaz à motivação da douta decisão proferida, a consideração de que, e apenas relativamente à correcção relativa aos PEC’s (pagamentos especiais por conta), impunha-se à AT a audição prévia da impugnante.
C. Já quanto aos restantes vícios – Da notificação do acto de liquidação; Da caducidade do direito à liquidação – todos eles foram considerados improcedentes.
D. Depreendendo-se que a douta sentença em apreço se baseou no entendimento de que o acto tributário de liquidação é indivisível e de que não é possível a anulação meramente parcial da liquidação.
E. Aliás, é em sentido contrário que tem propugnado a doutrina e vem decidindo a jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, fazendo apelo não só à referida divisibilidade, mas à natureza de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto, invocando razões ligadas aos princípios processuais da economia processual e ligadas ao próprio âmbito do contencioso de mera anulação.
F. Julgou o Tribunal a quo que “…impunha-se claramente a audição do contribuinte/impugnante antes da liquidação, desde logo porque, recorde-se, também estas correcções aos PEC’S e PC não estavam evidenciadas no relatório inspectivo que antecedeu a liquidação e só as correcções vertidas no relatório inspectivo foi a impugnante chamada a pronunciar-se e não também destas (correcções aos PEC’s e PC).
G. Refere ainda a douta sentença o seguinte: “Na situação que nos cabe analisar a impugnante, sem por em causa que haja sido ouvida no procedimento, entende que deveria ser ouvida, ainda assim, antes da liquidação, uma vez que existem factos novos/correcções quanto aos PEC’s (Pagamentos Especiais por Conta) e PC (Pagamentos por Conta), sobre os quais não foi ouvida, por não constarem do projecto de relatório inspectivo sobre o qual foi chamada a pronunciar-se.” (negrito nosso)
H. Entendeu o Tribunal a quo que, apesar da impugnante ter sido ouvida aquando do relatório de inspecção tributária, a liquidação aqui em crise deveria ser totalmente anulada, apenas porque não foi dada a possibilidade à impugnante de se pronunciar sobre as correcções efectuadas aos PEC’S e PC.
I. Com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a douta sentença sob recurso padece de erro na aplicação do direito, por violação do disposto no artigo 100.º da LGT.
J. Com efeito, determina o sobredito preceito que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.
K. Podemos assim concluir pela admissibilidade da anulação parcial dos actos tributários, visto constituírem por natureza actos divisíveis.
L. A douta sentença recorrida não analisou os outros vícios apontados pela impugnante à liquidação controvertida resultante do procedimento inspectivo, cujo direito de audição foi concedido, tendo apenas defendido a preterição da formalidade essencial – exercício do direito de audição –, relativamente às correcções dos PEC’S e PC, para assim, concluir pela anulação total da liquidação em crise.
M. A Fazenda Pública perfilha o entendimento de que circunscrevendo-se a ilegalidade cometida apenas relativamente à correcção dos PEC’S, tal ilegalidade é susceptível de ser corrigida mediante mera operação aritmética.
N. Aliás, a simplicidade de tal operação vem demonstrada na petição inicial, onde se encontra evidenciado o valor dos PEC’S (designadamente, 29.329,32), sustentando em simples cálculos aritméticos.
O. Afigurando-se-nos indubitável que in casu a ilegalidade cometida não fere de ilegalidade do acto no seu todo, não se impondo assim a sua total anulação, mas, ao invés, a sua anulação meramente parcial nos precisos termos ora expostos
P. Neste tocante, chama-se à colação o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 30/04/2013, proferido no processo 01374/12, do qual se extrai do seu corpo:
“É esta, aliás, a posição consensual da doutrina e da jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, a qual, para além de apelar a essa divisibilidade (Cfr., entre outros, os acórdãos proferidos em 9/07/1997, no processo n.º 5874; em 22/09/1999, no processo n.º 24101; em 16/05/2001, no processo n.º 25532; em 26/03/2003, no processo n.º 1973/02; em 27/09/2005, no processo n.º 287/05; e em 12/01/2011, no processo n.º 583/10.), apela, também, à natureza de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto, invocando razões ligadas aos princípios processuais da economia processual.”
Q. E tal como aí mencionado, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, afirmada, nomeadamente, pelo Pleno desta secção de Contencioso Tributário do STA (cfr. Acórdão do Pleno de 10 de Abril de 2013, proferido no recurso n.º 298/12), extraindo-se do sumário do Acórdão do Pleno supra mencionado o seguinte:
“I - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.
II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.”
R. Em face do exposto, ao decidir como decidiu, a douta sentença enferma de erro de julgamento na medida em que anula totalmente a liquidação, quando deveria apenas ter anulado parcialmente o acto, mantendo-se a liquidação acima melhor identificada.
Termos em que, nos mais de Direito aplicável deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, deve a sentença recorrida ser declarada nula. Com o que se fará como sempre JUSTIÇA!
Mais requer, a dispensa do pagamento do acréscimo de taxa de justiça devida por cada € 25.000,000 ou fração acima dos € 275.000,00, nos termos do n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP)”.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 1174/1175 dos autos, concluindo que a falta de audição prévia da Recorrida quanto às correcções de PEC’S e de PC em causa nos presentes autos não afecta o acto tributário de liquidação adicional de IRC na sua globalidade porque “no âmbito do procedimento inspectivo foi dada à impugnante a oportunidade de se pronunciar, em sede de audição prévia, sobre as demais correcções efectuadas que conduziram à liquidação adicional sindicada”.
Para o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal “é pacífico na doutrina e na jurisprudência que o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial e, no caso, não se vê essa divisibilidade não seja materialmente realizável, por simples operação aritmética, como bem acentua a Recorrente na sua Alegação de Recurso (cfr., entre a demais, a jurisprudência citada na alegação do recurso.
Procederá, assim, salvo melhor entendimento, o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, na parte em que decidiu anular na totalidade a liquidação adicional impugnada, baixando os autos ao tribunal recorrido para conhecimento dos vícios cujo conhecimento foi omitido, caso se entenda que o conhecimento em substituição não é possível, por eventual insuficiência da base factual”.

4 – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -

5 – Questão a decidir

É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar que a ilegalidade decorrente da ausência de notificação do contribuinte para o exercício de audição prévia relativamente às correcções de PEC’s e de PC respeitantes ao exercício de 2000 conduz à anulação total do subsequente acto tributário de liquidação adicional de IRC.

6 – Matéria de facto
Na sentença objecto do presente recurso foram fixados os seguintes factos:
1. A impugnante B…….. SGPS, SA, é sociedade dominante de um grupo de sociedades, nomeadamente, as a seguir descriminadas:
- B………..SGPS, SA (impugnante – Dominante)
- C………., SA
- D………., SA
-……………, SA
- ……………, SA
- ……………, SA
- ……………, SA
- ……………, SA
- ……………, SA
- ……………, SA
- ……………, SA
- ……………, SA
- ……………, SA
- ……………, SA
- ……………, SA
- ……………, SA
- ……………, SA
- ……………, SA – Cfr. fls. 41/42 do processo físico.
2. Em 15.05.1992 foi reconhecida utilidade pública, através de despacho publicado do Diário da República, à Fundação E………….. – Cfr. Diário da República (DR), II série, Nº 112 de 15.05.1992 junto a fls. 71/72 do PA.
3. Em 29.12.2000 a sociedade D…………, SA, doou à Fundação F………… para desenvolvimento de acções de solidariedade social, a quantia de 1.000.000$00 (4.987,98) – Cfr. fls. 84 do PA.
4. Em 2000 a impugnante apresentou contas consolidadas ao abrigo de autorização concedida pelo Director de Finanças de Serviços do IRC – Cfr. fls. 41 do processo físico.
5. Em 05.02.2002 a Presidência do Conselho de Ministros reconheceu a Fundação F………… como pessoa colectiva de utilidade pública – Cfr. fls. 80 do PA e DR, II série, nº 29 de 04.02.2002.
6. Através de despacho do Ministério das Finanças de 11.10.2004 foi reconhecida a isenção de IRC à Fundação E…………., aplicável desde 30.04.1992 – Cfr. fls. 74/76 do PA cujo teor se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
7. A sociedade D......., SA, foi alvo de um procedimento inspectivo ao exercício de 2000 tendo sido elaborado em 15.10.2004 o Relatório Final da Inspecção, que consta de fls. 145/163 do processo físico cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
8. Em resultado da acção inspectiva referida no ponto anterior foram efectuadas correcções aritméticas à matéria colectável no montante de 2.266.770,40, ocasionando IRC no montante de 28.272,81 – Cfr. fls. 147 do PA e fls. 183206 do processo físico.
9. Por ofício de 25.10.2004 do Ministério das Finanças, a Fundação E……….. foi notificada de que lhe foi reconhecida a Isenção de IRC referida no ponto anterior e que o Despacho de Isenção de IRC iria ser publicado em Diário da Republica – Cfr. fls. 74 do PA.
10. Através de despacho conjunto do Ministério das Finanças e da Administração Pública e da Segurança Social, da Família e da Criança de 26.10.2004 foi reconhecido que: “…os donativos concedidos à Fundação F.........”, pessoa colectiva de mera utilidade pública (…) são considerados custos ou perdas do exercício, na sua totalidade. Os donativos acima referidos são considerados custos em valor correspondente a 140% do respectivo total quando se destinam exclusivamente à prossecução dos fins de carácter social da Fundação.” – Cfr. fls. 82 do PA cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
11. A impugnante foi alvo de um procedimento inspectivo externo, ao exercício de 2000, de âmbito parcial, tendo sido elaborado o Relatório de Inspecção Tributária em 16.11.2004, constante de fls. 62/75 do processo físico, de dois anexos que o acompanham, constantes de fls. 75/76 do processo físico.
12. A impugnante, no âmbito do procedimento inspectivo, foi notificada sobre o projecto de relatório final e para se pronunciar, em sede de audição prévia e optou por não fazê-lo – Facto não controvertido.
13. Constam do Relatório Final inspectivo, referido no ponto 11), as conclusões” transcritas a fls. 1124 e 1125 dos autos e cujo teor se tem por reproduzido para todos os devidos efeitos legais.
14. “Consta ainda do Relatório inspectivo referido nos pontos anteriores” o conteúdo transcrito a fls. 1125 a 1130 dos autos e cujo teor se tem por reproduzido para todos os devidos efeitos legais.
15. “A Impugnante foi notificada do Relatório Final de Inspecção Tributária referida no ponto anterior através de ofício de 22.11.2004 – Cfr. fls. 36 do PA.
16. Em 08.12.2004, em consequência da acção inspectiva atrás referida foi efectuada a liquidação de IRC de 2000 e juros compensatórios, pela Administração Fiscal, no montante de 942.869,26, com data limite de pagamento em 26.01.2005 – Cfr. fls. 30/33, 56 e 172 do PA.
17. A impugnante foi notificada da liquidação referida do ponto anterior através de Mandado de 23.12.2004, em 29.12.2004 – Cfr. fls. 175 e 178/183 do PA.
18. Consta da demonstração da liquidação referida no ponto anterior, entre o mais”, o conteúdo transcrito a fls. 1130 e 1131 dos autos e cujo teor se tem por reproduzido para todos os devidos efeitos legais.
19. “Em 20.01.2005, a impugnante, através de requerimento datado de 17.01.2005, dirigido ao 1º Serviço de Finanças de Matosinhos, solicitou fundamentação da liquidação nos termos do artigo 37º do CPPT – Cfr. fls. 55 do PA.
20. Consta do requerimento referido em 18) entre o mais, o seguinte: “… tendo constatado a falta de fundamentação legalmente exigida, vem requerer (…) ordenar a emissão e remessa à Requerente de certidão escrita que antecede a totalidade dos (i) fundamentos de facto, (ii) de Direito e (iii) das operações de cálculo e apuramento subjacentes à dita liquidação…”
21. Em 22.04.2005, através do ofício de 20.04.2005 foi a impugnante notificada da certidão elaborada nos termos do artigo 37º do CPPT – Cfr. fls. 58/69 do PA cujo teor se tem por reproduzidos para os devidos efeitos legais.
22. Consta da certidão referida no ponto anterior, entre o mais, o seguinte:
“(…) os documentos juntos - … - são fotocópias do Modelo DC 22, da informação, parecer e despacho, emitidos pela Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária – DSPIT – relativos à fundamentação da liquidação de IRC do exercício de 2000 ….”
23. Com a certidão referida em 21 e 22 foi anexada a Dec. Modelo 22 da impugnante relativa a 2000, cópia da demonstração da liquidação referida em 18 e os dois anexos que integram o relatório inspectivo – Cfr. fls. 58/69 do PA.
24. A impugnante deduziu impugnação judicial contra a liquidação de IRC de 2000 atrás referida em 27.04.2005 – Cfr. 93 a 98 e 99 dos autos
25. Contra a impugnante foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) nº 182120050109030 respeitante à liquidação referida em 17) e 18), impugnada nestes autos – Cfr. fls. 211/213 do processo físico.
26. A impugnante foi citada para o PEF referido no ponto anterior através de ofício de 04.07.2005, em Julho de 2005 – Cfr. fls. 211/213 do processo físico.
27. Em 05.09.2005 a impugnante requereu a suspensão do PEF referido no ponto anterior através da prestação de garantia bancária – Cfr. fls. 215 do processo físico.
28. O Serviço de Finanças deferiu a suspensão do PEF atrás referido, que ficou suspenso através de prestação de garantia bancária do Banco Espírito Santo SA no montante de 1.261.378,08 por parte da impugnante – Cfr. fls. 214 e 216 do processo físico.
*
7 – Apreciando
7.1. Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida
A sentença recorrida, a fls. 1119 a 1143 dos autos, julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida contra a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2000, por considerar que a “falta de notificação para audição prévia, nos casos em que é obrigatória (artigo 60º da LGT e 60º do RCPIT), constitui um vício do próprio procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr. artigo 163º do CPA) (…)”, impondo-se a audição do contribuinte antes da liquidação relativamente a todas as correções levadas a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Assim, e uma vez que “correcções aos PEC’s e PC não estavam evidenciadas no relatório inspectivo que antecedeu a liquidação e só as correcções vertidas no relatório inspectivo foi a impugnante chamada a pronunciar-se e não também destas (correcções aos PEC’s e PC)” impunha-se, no entendimento do Tribunal a quo, a anulação total “da liquidação posta em crise”.
Discorda do decidido a Recorrente, por perfilhar “o entendimento de que circunscrevendo-se a ilegalidade cometida apenas relativamente à correcção dos PEC’S, tal ilegalidade é susceptível de ser corrigida mediante mera operação aritmética”, cuja simplicidade se encontra, no seu entender, “demonstrada na petição inicial, onde se encontra evidenciado o valor dos PEC’S (designadamente, €29.329,32), sustentando em simples cálculos aritméticos”. Entende a recorrente a sentença do Tribunal a quo enferma de erro de julgamento na medida em que anula totalmente a liquidação, quando deveria apenas ter anulado parcialmente o acto” tributário, que na sua opinião constitui um acto divisível por natureza, chamando à colação o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 30/04/2013, proferido no processo 01374/12 e o Acórdão do Pleno da secção de Contencioso Tributário do mesmo Tribunal, proferido a 10 de Abril de 2013 no recurso n.º 298/12).
A Recorrida não contra-alegou e o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal pugna pela procedência do recurso.
Vejamos.
Conforme se pode ler no recente Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo proferido a 26 de Setembro de 2018 no Processo n.º 01506/17.8BALSB, “a falta de audiência prévia à liquidação, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, conducente, em regra, à anulabilidade do acto (cfr. art. 135.º do CPA antigo, a que corresponde o n.º 1 do art. 163.º do actual CPA)”.
Ora, no caso dos autos, a ilegalidade decorrente da ausência de audição prévia relativamente às correcções de PEC’s e de PC é matéria assente e não controvertida, pois tendo o Tribunal a quo considerado como verificada essa ilegalidade, a recorrente não colocou em causa essa mesma apreciação nas suas conclusões de recurso (sendo sabido que é precisamente por estas conclusões que se determina o objecto do recurso).
O que está em causa nos presentes autos é saber se a preterição parcial do direito de audição prévia do contribuinte deveria ter causado a anulação total do acto tributário de liquidação subsequente – como determinou o Tribunal a quo na sentença recorrida – ou, apenas, a anulação parcial da liquidação na parte respeitante às correcções que não foram objecto de notificação para o exercício do direito de audição – como defende a recorrente nas suas alegações de recurso.
E é à Recorrente que, segundo cremos, assiste razão.
Como se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Janeiro de 2012 proferido no Processo n.º 0965/10 e se reafirmou no Acórdão do Pleno deste mesmo Supremo Tribunal proferido a 15 de Outubro de 2014 no Processo n.º 01374/13, “(…) o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial. É esta, aliás, a posição consensual da doutrina e da jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, a qual, para além de apelar a essa divisibilidade (Cfr., entre outros, os acórdãos proferidos em 9/07/1997, no processo n.º 5874; em 22/09/1999, no processo n.º 24101; em 16/05/2001, no processo n.º 25532; em 26/03/2003, no processo n.º 1973/02; em 27/09/2005, no processo n.º 287/05; e em 12/01/2011, no processo n.º 583/10.), apela, também, à natureza de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto, invocando razões ligadas aos princípios processuais da economia processual (para que da sentença ou acórdão do tribunal saia logo uma definição da situação que não careça de qualquer nova pronúncia da administração tributária) e ligadas ao próprio âmbito do contencioso de mera anulação (no qual os limites à plena jurisdição só serão de aceitar em relação àqueles aspectos da acção administrativa em que a plena jurisdição implique para o juiz tributário, enquanto juiz administrativo, a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa) (Cfr. o Prof. Saldanha Sanches, in Fiscalidade, 7/8, Julho-Outubro de 2001, págs. 63 e segs., e o Prof. Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 2ª ed., pág. 397.). Deste modo, se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira”.
Neste sentido, e de forma a compreender se o acto de liquidação deve ser total ou parcialmente anulado, o recente Acórdão deste Supremo Tribunal proferido a 12 de Julho de 2017 no Processo n.º 0636/17 reitera que “há que determinar o tipo de ilegalidade que o inquina e analisar se ela é susceptível de o afectar no seu todo, caso em que ele tem de ser integralmente anulado”.
No caso dos autos, resulta do elenco de factos provados que apesar de o contribuinte ter sido notificado para o exercício do direito de audição prévia relativamente ao Projeto do Relatório de Inspecção Tributária referente ao IRC do exercício de 2000, esse relatório não continha qualquer referência às correcções relativas a PEC’s e PC que chegaram ao conhecimento do contribuinte apenas no momento da notificação da liquidação de imposto, razão pela qual o contribuinte não teve oportunidade de se pronunciar sobre estas correcções em sede de audição prévia.
Assim, e estando em causa a análise de uma ilegalidade consubstanciada na falta de notificação do contribuinte para o exercício do direito de audição relativamente a uma parte das correcções de imposto propostas pela AT, tal ilegalidade apenas poderá inviabilizar o acto tributário de liquidação na parte correspondente às correcções ilegais (e não no seu todo).
Com efeito, as correcções que não foram objeto de notificação para o exercício de audição prévia são perfeitamente autonomizáveis das demais razão pela qual, e nas palavras do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, a divisibilidade do acto tributário em análise nos presentes autos é “materialmente realizável, por simples operação aritmética”.
Como tal impõe-se, por respeito ao princípio da economia processual e de meios, a mera anulação parcial do acto tributário impugnado, devendo os autos baixar ao Tribunal a quo para que conheça dos demais vícios alegados pela Impugnante, se a tal nada mais obstar, pois que a procedência do presente recurso determina que o conhecimento de tais vícios se deixe de ter como prejudicado.

- Decisão -
8 – Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no segmento impugnado e ordenar a baixa dos autos ao tribunal “a quo” para conhecimento das questões julgadas prejudicadas, se a tal nada mais obstar.

Custas pela recorrida, salvo quanto à taxa de justiça devida pelo recurso, pois não contra-alegou.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2018. - Isabel Marques da Silva (relatora) – Dulce Neto – Pedro Delgado.