Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0914/03
Data do Acordão:11/12/2003
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ALFREDO MADUREIRA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO.
DÍVIDA AO ESTADO.
COBRANÇA DE CRÉDITOS DO ESTADO.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS.
PRESCRIÇÃO.
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
Sumário:I - De acordo com o disposto no art.º 62º n.º 1 al. g) do ETAF, com referência ao art.º 148 n.º 2 al. a) do CPPT e art.º 1º do DL n.º 272/81, de 28 de Setembro, que alterou o disposto no art.º 1 do DL n.º 58/77, de 21.02, os Tribunais Tributários são materialmente competentes para apreciar pretensão formulada pelo executado (oposição à execução) no âmbito de execução fiscal instaurada para cobrança coerciva de dívidas emergentes do crédito agrícola de emergência.
II - A prescrição da dívida exequenda, ainda que reportada apenas aos juros de mora reclamados na execução, integra fundamento válido e porventura eficaz da oposição - cfr. art.º 204º n.º 1 al. d) do CPPT.
III - Face à natureza exclusivamente civil da dívida, a invocada prescrição de parte dela (juros de mora) haverá de ser apreciada à luz do regime legal próprio - o do direito civil - cfr. art.º 303º e seguintes do Código Civil -, ao qual importará aferir a necessária factualidade.
IV - Não tendo a impugnada sentença fixado os instrumentais factos, necessários ao reclamado juízo sobre a sua eventual verificação, cumpre ao STA, nos termos dos aplicáveis (ex vi do art.º 2º al. e) do CPPT) arts. 729º n.º 1 e 3 e 730º n.º 1 do CPC, determinar a conveniente ampliação daquela matéria.
Nº Convencional:JSTA00059822
Nº do Documento:SA2200311120914
Data de Entrada:05/09/2003
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST CASTELO BRANCO PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO/EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:ETAF84 ART62 N1 G I O.
CPPTRIB99 ART148 N2 A ART175 ART204 N1 D.
CCIV66 ART303 ART310 D ART323 N1.
DL 272/81 DE 1981/09/28 ART1.
DL 58/77 DE 1977/02/21 ART1.
CPTRIB91 ART259.
Aditamento:
Texto Integral: Em conferência, acordam os Juizes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Inconformado com a aliás douta sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Castelo Branco que lhe julgou improcedente a oposição deduzida contra a execução fiscal nº 0655-00/100166.3, do Serviço de Finanças de Penamacor, para pagamento coercivo da quantia de € 6.773.16, por dívida ao Crédito Agrícola de Emergência e respectivos juros, dela interpôs recurso para esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, o Oponente A..., nos autos convenientemente identificado.
Apresentou tempestivamente as respectivas alegações de recurso e, pugnando pela revogação do julgado, formulou, a final, as seguintes conclusões:
1. Estando no presente caso em causa questão não tributária segundo o Tribunal “a quo”, entende o recorrente ser antes questão não tributária a própria dívida que deu origem ao processo executivo fiscal.
2. Estando-se perante uma dívida ao Estado que deve ser paga por efeito de um acto administrativo, cabe no âmbito da competência dos Tribunais Tributários decidir da sua validade por efeito do disposto no art.º 148 nº 2 alínea a) do CPPT.
3. Correndo o processo de execução fiscal em Tribunal Tributário, nessa sede devem ser decididas todas as questões levantadas pela defesa, sob pena de se perder o efeito útil da mesma e lesando o devedor injustamente.
4. Se para conseguir o efeito suspensivo da execução fiscal o devedor tiver que deduzir oposição em Tribunal Tributário e para ver reconhecido outro direito fundamento do seu desacordo para a cobrança por parte do órgão da execução fiscal de uma dívida, tiver de recorrer a um outro Tribunal, corre o risco de ter decisões desfasadas quer no tempo quer no seu próprio conteúdo.
5. As regras de direito civil consagradas no Código Civil são a base de qualquer outra disposição de carácter especializado, não se podendo conceber a existência de regras básicas de diferente determinação.
Sendo os princípios base do direito a aplicar os mesmos, quaisquer que sejam as suas especialidades, não se pode considerar com impossível a aplicação desses princípios por qualquer Tribunal independentemente da sua competência em razão da matéria.
6. A ter que ser discutida a essência da dívida em outro Tribunal que não o Tributário, como pode agora o recorrente fazer reconhecer o seu direito quando só pôde intervir neste processo já só na sua fase executiva?
Tivessem tido conhecimento da dívida quando ainda se estava em fase administrativa poderiam os oponentes ter então tido qualquer influência na liquidação efectuada assim unilateralmente pela administração, sem possibilidade de exercício do direito de contraditório, outra regra básica do direito.
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações
Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu mui douto parecer opinando pela procedência do presente recurso com base no sufragado entendimento de que, ao contrário do decidido, a invocada prescrição parcial da dívida exequenda, circunscrita aos juros de mora do empréstimo contraído, integra fundamento legal e válido de oposição a execução fiscal nos precisos termos do art.º 204º n.º 1 al. d) do CPPT que, como tal merece ser apreciada; e que porque coercivamente cobrada em processo de execução fiscal deve ser apreciada como fundamento legal de oposição nos termos do art.º 204º nº 1 al. d) do CPPT.
Sustenta também e em consequência a necessidade de se ordenar a ampliação da matéria de facto, nos termos do art.º 729º nºs 1 e 3 do C.P.C., com vista a determinar a data da citação, para que se possa aplicar o enunciado regime da prescrição (art.º 310º al. d) e 321º do Código Civil).
Colhidos os vistos legais, e porque nada obsta, cumpre apreciar e decidir.
O tribunal ora recorrido deu por assente, fixando a seguinte matéria de facto:
a) - no Serviço de Finanças de Penamacor, corre termos o processo de execução fiscal nº 655-00/100166.3, por dívida respeitante a Crédito Agrícola de Emergência, consubstanciada na certidão de que se encontra cópia a fls. 13 dos presentes autos, dívida aí atribuída ao falecido pai do oponente.
E, com base nela e na petição inicial de oposição à execução que o ora Recorrente havia apresentado em juízo, houve por bem julgar esta improcedente com base no evidenciado entendimento de que sendo a oposição, no essencial, fundamentada no alegado desconhecimento da dívida exequenda pelos herdeiros do executado até ao momento da citação e pela invocada prescrição dos juros reclamados, referidos aos cinco anos anteriores à citação, sem questionarem a dívida exequenda esta em nada sairia beliscada, tanto mais que, aditou-se, mediante invocação de jurisprudência deste STA e do TCA, que a alegada prescrição dos questionados juros, porque derivados de dívida de natureza não tributária, estava excluída do âmbito do conhecimento dos Tribunais Tributários por envolver a apreciação de mérito da relação jurídica de que emergiu a obrigação exequenda,
E que, assim, não era sequer caso de apenas sobrestar na decisão por questão incidental,
Para concluir, como se deixa dito, pela improcedência da oposição.
É contra o assim decidido que se insurge o Oponente nos termos das transcritas conclusões do presente recurso jurisdicional perseguindo, em síntese e fundamentalmente, julgado que considere antes competente o tribunal recorrido para se pronunciar e decidir da invocada prescrição dos juros como fundamento válido e eficaz de oposição à execução.
E, tudo visto, importa se adiante desde já que a razão está com o Recorrente.
Na verdade e no que tange com a, ao menos implicitamente, acolhida incompetência material dos Tribunais Tributários para conhecer e decidir acerca da invocada prescrição de parte da dívida exequenda (dos juros compensatórios reclamados na execução) em processo de oposição a execução fiscal instaurada para cobrança coerciva de dívidas ao Estado, é antes manifesta e patente a competência, em razão da matéria, dos Tribunais Tributários para dela conhecer em sede de processo de oposição à execução fiscal.
Na verdade, tal decorre expressa e inequivocamente do estabelecido pelos artigos 62º n.º 1 alínea g), i) e o) do ETAF, com referência ao invocado art.º 148º n.º 2 al. a) do CPPT e artigo 1º do DL n.º 272/81, de 28 de Setembro, que, operando alteração do antes disposto no correspondente art.º 1º do DL n.º 58/77, de 21 de Fevereiro, manteve a atribuição de competência em razão da matéria para a cobrança coerciva das dívidas emergentes do crédito agrícola de emergência aos tribunais do contencioso das contribuições e impostos, através do processo de execução fiscal.
Assim e independentemente da natureza daquelas dívidas, tratando-se, como efectivamente se trata de dívida ao Estado imposta ao administrado através de acto administrativo susceptível de impugnação contenciosa, susceptível de ser cobrada coercivamente através do processo de execução fiscal (meio processual que o legislador reputa de mais célere e adequado à respectiva cobrança );
É que, para apreciar e julgar da eventual procedência da arguida excepção peremptória da prescrição dos respectivos juros, porque de dívida de natureza exclusivamente civil, que não tributária (cfr. art.º 175º do CPPT e 259º do CPT), que conhece regulamentação em sede de direito substantivo nos artigos 303º e seguintes do Código Civil, enquanto fundamento válido e porventura eficaz de oposição à execução (cfr. art.º 204º n.º 1 al. d) do CPPT), ainda que apenas em parte, a este regime legal importe atender para, no presente processo, de oposição à execução fiscal, apreciar e decidir acerca da procedência ou improcedência da invocada excepção peremptória da prescrição, enquanto causa extintiva do direito invocado pelo Exequente.
Para tanto importa, tal como atentamente anota o Ex.mº Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal e face à exiguidade da matéria de facto estabelecida, que a 1ª instância proceda à necessária e indispensável fixação dos demais factos interessantes ao conveniente juízo de direito, atinentes, além do mais, à data da citação do Oponente que, tal como emerge do art.º 323º n.º 1 do Código Civil, interrompe a prescrição, que é de 5 anos - cfr. art.º 310º al. d) do mesmo código -, dada a natureza da dívida.
Em face do exposto acordam os Juizes desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao presente recurso, em revogar a sindicada sentença e, nos termos dos artigos 729º n.º 1 e 3 e 730º n.º 1 do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ex vi do art.º 2º al. e) do CPPT, em ordenar a baixa do processo ao TT de 1ª Instância para ampliação da matéria de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito que cumpre, nos termos antes definidos.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Novembro de 2003.
Alfredo Madureira – Relator – Lúcio Barbosa – Baeta de Queiroz