Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01449/14.7BESNT 0359/17
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IMPOSTO DE SELO
LEGITIMIDADE ACTIVA
Sumário:I - Para a determinação da legitimidade no processo judicial tributário releva, em primeiro lugar, a lei processual tributária, sendo que a primeira disposição a considerar para o caso é o artigo 9.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Segundo o qual têm legitimidade no processo judicial tributário os sujeitos do procedimento tributário, ou seja, de acordo com esta regra, tem legitimidade activa no processo judicial tributário o sujeito passivo do procedimento tributário. O legislador mobilizou para a determinação da legitimidade processual a figura jurídica do procedimento tributário, utilizando-a como critério fundamental na aferição deste pressuposto processual.
II - Subsidiariamente - e de acordo com o artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - relevam as normas de natureza processual dos códigos e das leis tributárias, as normas do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e as normas do Código de Processo Civil. Por esta ordem.
III - À data de 2012, ano a que se refere o acto tributário em causa, a propriedade do prédio não se encontrava inscrita na matriz em nome do Fundo que o Impugnante representa, o que significa que não era o sujeito passivo do imposto de selo previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo e que o imposto que porventura vier a ser anulado terá necessariamente de ser restituído a esta instituição, ou a quem assumiu os seus direitos (a Impugnante alega que o referido fundo foi liquidado, tendo ocorrido a sua extinção), e não à aqui Recorrida.
IV - Tal equivale a dizer que a eventual anulação do acto tributário contestado não beneficiará de modo imediato a esfera da Recorrida, não sendo por isso directo o seu interesse na presente demanda, ou seja, a aqui Recorrida não é titular de um interesse legalmente protegido - no sentido de interesse directo - na presente demanda, pelo que carece de legitimidade activa para a propositura da presente impugnação.
Nº Convencional:JSTA00071309
Nº do Documento:SA22021111001449/14
Data de Entrada:03/29/2017
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........- GESTÃO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TAF DE SINTRA
Decisão:CONCEDE PROVIMENTO
Área Temática 1:PROCESSO CIVIL
Área Temática 2:LEGITIMIDADE PROCESSUAL
Legislação Nacional:Artigo 9.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Aditamento:
Texto Integral:
Processo n.º 1449/14.7BESNT (Recurso Jurisdicional) – 359/17


Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 28-11-2016, que julgou procedente a pretensão deduzida por “A………… - Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A.” no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com o indeferimento liminar da reclamação apresentada em 14 de Fevereiro de 2014, em função da liquidação de Imposto do Selo, n.º 2013003452814, referente ao prédio urbano, identificado na caderneta predial urbana pelo artigo n.º ………….


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A. Vem o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial intentada pela Impugnante A……….- Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário, contribuinte n.º …………., em representação do Fundos de Investimento Imobiliário Fechado B…………., contra a liquidação de Imposto do Selo (IS), relativa ao ano de 2012, já devidamente identificada nos autos, no montante de € 141.471,31.

B. A formulação do art. 30º do CPC, conjugado com o disposto no art. 9º, do CPPT enuncia que a legitimidade processual é apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção pode advir para as partes se suportada num interesse legalmente protegido. Sendo que na falta da lei em contrário são titulares desse interesse relevante os sujeitos da relação jurídica material controvertida, tal como é configurada pelo autor.

C. Eram titulares da relação jurídico-tributária à data, fosse do facto tributário; da apresentação da Reclamação Graciosa ou da interposição da presente Impugnação Judicial, o contribuinte Fundo de Investimento Imobiliário C………… (facto resultante da caderneta predial e assumido pela Impugnante), enquanto sujeito passivo do imposto (nos termos e para os efeitos do art. 18º, nº 3, 1a parte, da LGT) e a AT, enquanto sujeito ativo da relação jurídico-tributária (art. 18º, nº 1, da LGT).

D. A liquidação foi emitida pela AT em nome do Fundo de Investimento Imobiliário C…………, que fez impender a obrigação tributária e o consequente pagamento do imposto sobre este.

E. Os créditos e as obrigações tributárias não são susceptíveis de transmissão inter vivos, salvo nos casos previstos na lei, nos termos do art. 29°, nº 3, da LGT.

F. Não são os contribuintes que acordam entre si, e, não é seguramente a AT, também ela sujeita ao princípio da legalidade, quem unilateralmente define a obrigação sobre a qual assenta a relação jurídico-tributária.

G. A B………… não pagou o imposto no prazo de pagamento voluntário devido pela C………., prestando-se a pagar uma dívida, no seio da execução fiscal, e sabia que o ato (liquidação) cuja apreciação da legalidade aqui se sindica foi emitido tendo como destinatária a C…….., não havendo o mínimo fundamento legal para repercutir a obrigação do imposto na sua esfera jurídica.

H. A Impugnação Judicial (e a Reclamação Graciosa, em sede de procedimento) é o meio processualmente adequado nos casos em que o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto que comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação.

I. Mas, as regras processuais previstas no CPPT, não elegem o pagamento do tributo como uma condição de impugnabilidade do ato tributário.

J. Se a B………….. (através da sua representante) suportou indevidamente um encargo que era devido pela C………….., e se entende que tem um direito de crédito sobre ela - cumpre-lhe intentar a competente ação junto do tribunal competente contra quem ficou desonerada do encargo logrando aí obter a tutela jurisdicional dos seus direitos.

K. Pagar o imposto por si só não faz da B………… um sujeito passivo na relação jurídico-tributária a quem seja concedido o direito de vir discutir a legalidade do ato tributário e o apuramento do imposto seja em sede de procedimento ou processo tributários, nem a AT tinha a possibilidade, fosse à data da liquidação, fosse até ao exercício do direito de ação legalmente previsto, de definir o ora Impugnante como um obrigado tributário na relação jurídico-tributária, e, por consequência, na relação controvertida

L. Porque precisamente, no caso em apreço, o interesse legalmente protegido decorre da lei, a legitimidade só se configuraria na esfera jurídica do ora Impugnante, se por hipótese, a AT tivesse a ligeireza de vir exigir o pagamento do imposto por considerá-lo sujeito do imposto, que não era. Aí sim havia um interesse legalmente protegido a tutelar, direto, na esfera jurídico-patrimonial da ora B……….., resultante de uma atuação da AT potencialmente lesiva que, para o efeito ousou arrecadar imposto, ao arrepio das regras de incidência pessoal prevista no CIS.

M. Por isso, enuncia o Conselheiro Jubilado Jorge Lopes de Sousa (Jorge Lopes de Sousa. Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, vol. I, 6ª edição, Áreas editores. 2011, anotação 2 ao art. 9º, p. 113) que: “Recai sobre o interessado o ónus de alegar factos que integram a sua legitimidade que, no caso de impugnação dos actos de liquidação, se limitam à sua identificação no acto como sujeito passivo do tributo liquidado.”

N. Suportou-se ainda a douta sentença recorrida na justificação notarial de usucapião do imóvel objecto da tributação e já identificado nos autos, tendo logrado apreciar a legitimidade ativa da representada da Impugnante, consensualmente reconhecida como um pressuposto processual.

O. No seio da dimensão fiscal, enquanto ramo do direito público, face às especificidades próprias do direito tributário (de que são exemplo as regras referentes à determinação do facto tributário, à incidência, à caducidade, etc ...) se impõe uma restrição ao efeito retroativo da lei civil.

P. Aceita-se a relevância das normas de direito civil, quanto mais não seja para efeitos de registo predial, já não assim quando visam subverter diretamente as normas processuais relativas à legitimidade processual, e, indiretamente as normas procedimentais e processuais relativas à caducidade do direito de ação. E que assim sendo inexiste interesse legalmente protegido a tutelar imputável à Impugnante.

Q. Ainda que assim não se entenda, a usucapião, ainda que verificada, registada que foi em 30-06-2015, nem por isso assume relevância para efeitos de determinação da legitimidade activa da representada da Impugnante.

R. Recorde-se que é dado por provado que a liquidação do imposto foi emitida em nome da C…………., tendo sido este o único contribuinte, a quem foi e poderia ter sido exigido, o pagamento do imposto.

S. Mesmo reconhecendo todos os efeitos jurídicos associados à usucapião por via da mencionada escritura de justificação, nomeadamente, a aquisição originária da propriedade do imóvel à data de janeiro de 1995, e que, afinal, se chegasse à conclusão que a C………… não era sujeito passivo do imposto - tendo o ato tributário sido emitido em nome de alguém que neste particular sempre seria estranho à relação controvertida, nunca à AT seria lícito exigir à ora representada da Impugnante, como não foi, o pagamento do imposto, tanto mais que só logrou ter conhecimento daquele facto após o registo da justificação notarial da usucapião.

T. No tocante a juros indemnizatórios foi dado por provado (probatório, f)) que a liquidação objeto dos presentes autos foi emitida não em nome da representada da ora Impugnante que não a teve como destinatária, mas contra o contribuinte "Fundo de Investimento Imobiliário C…………."

U. Independentemente de ter sido liquidado um tributo (irreleva para este efeito se o mesmo foi ou não indevidamente liquidado), a verdade é que o ato tributário não lhe foi dirigido nem exigido, tendo vindo a ser indevidamente pago, sim, mas pela ora Impugnante (B…………).

V. A lesão foi, pois, manifestamente auto-infligida pela própria.

W. O pagamento do imposto foi uma conduta livre e esclarecida por esta tomada sem que em momento algum tivesse sido impelida fosse por quem fosse a fazê-lo, inexistindo inclusivamente e à data, fundamento legal para repercutir a obrigação do imposto na sua esfera jurídica, tanto mais que créditos e as obrigações tributárias não são susceptíveis de transmissão inter vivos, salvo nos casos previstos na lei, nos termos do art 29°, nº 3, da LGT.

X. Quando a ocorrência do prejuízo resulta unicamente por ação do contribuinte, sem que da ação da AT se possa concluir nesse sentido, inexiste erro imputável aos serviços. Pelo que, falham os pressupostos da atribuição de juros indemnizatórios.

Y. A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, em nossa modesta opinião, não fez correcta subsunção jurídica dos factos dados por provados, dando por verificada a legitimidade activa da B…………., ao arrepio do disposto nos arts 30º do CPC, ex vi do art. 2º, do CPPT conjugado com o art. 9º do CPPT - impondo-se a sua revogação, por acórdão que julgando procedente a exceção dilatória deduzida pela Fazenda Pública, absolva a AT da instância, sendo que, em qualquer caso, inexiste erro imputado aos serviços, não se mostrando verificados os pressupostos resultantes do art. 43º da LGT - que por esse motivo vai violado.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, IMPONDO-SE A NÃO ADMISSÃO DA PRESENTE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL NEM A CONDENAÇÃO NO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!”

A Recorrida “A……….. - Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A.” apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:

“(…)

(a) Alega a Recorrente que o Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B………… aqui representado pela Recorrida não é parte legítima na presente impugnação porque não é o “sujeit[o] da relação jurídica material controvertida, tal como é configurada pelo autor”, uma vez que o proprietário do imóvel relevante nos presentes autos era à data do alegado facto tributário (31 de Outubro de 2012) O Fundo de Investimento Imobiliário C…………, pelo que sujeito passivo do imposto liquidado era este fundo e só a este competia suportá-lo.

(b) No entanto, e antes de mais, sendo o objecto imediato da presente impugnação a decisão de indeferimento liminar da reclamação de que foi objecto o Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B…………, a legitimidade para (imediatamente) impugnar tal decisão não poderia nunca ser questionada, porque o seu destinatário inequívoco é aquele fundo.

(c) E ainda que tal não se verificasse e fosse de aceitar a aparente conclusão da conclusão da Recorrente, de que apenas o proprietário do imóvel relevante nos presentes autos teria legitimidade para impugnar a liquidação, ainda assim não procederia o invocado pela Recorrente, porque o Fundo de Investimento Imobiliário C………… há muito fora liquidado, tendo com tal liquidação ocorrido a respectiva extinção, pelo que não era o proprietário daquele imóvel e não era, não podia ser, o sujeito passivo do imposto contestado, pelo que não se vê como poderia tal entidade agir em juízo à data da interposição da presente acção, por si ou mediante representante.

(d) Em qualquer hipótese, e como bem decidiu o Tribunal a quo, a legitimidade não é exclusiva do contribuinte ou de outro “obrigado tributário”, antes é atributo também, nos termos do número 1 do artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, de “quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”, pelo que, sendo os encargos relativos ao imóvel objecto da liquidação de imposto mediatamente impugnada, incluindo os encargos fiscais (e, em concreto, o imposto contestado nos presentes autos), suportados pelo Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B…………, e não, obviamente (até porque tal se revelaria impossível, face à respectiva extinção) pelo Fundo de Investimento Imobiliário C…………., o interesse em demandar é (só pode ser) do primeiro, pelo que há que concluir que se verifica o requisito da legitimidade na sua esfera.

(e) A Recorrida não pode concluir quanto ao verdadeiro sentido das conclusões da Recorrente quanto ao impacto da justificação notarial da usucapião, não lhe parecendo claro se a Recorrente pretende limitar os efeitos deste acto jurídico em termos gerais ou se preconiza tal limitação no caso concreto por a justificação notarial ter como objectivo defraudar as normas processuais, mediante a atribuição ao fundo representado pela Recorrida de uma legitimidade que de outra forma não teria.

(f) No entanto, aquele aparentemente alegado objectivo não foi dado como provado pelo Tribunal a quo, nem a Recorrente questionou tal, nem nunca um objectivo desse tipo poderia ser dado como provado, porque inexistente.

(g) Por outro lado, a Recorrida demonstrou nos presentes autos que a legitimidade do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B………. por si representado não dependia daquele acto jurídico, antes lhe advinha da posse e afectação, desde 30 de Dezembro de 1996, do imóvel relevante ao activo daquele fundo, aí se mantendo à data da liquidação contestada e à data da reclamação cujo indeferimento imediatamente se impugnou.

(h) Desta forma, nada nas alegações de recurso da Recorrente é susceptível de afectar a adequação da decisão do Tribunal a quo quando formulou o seu juízo sobre a legitimidade da impugnante e a ilegalidade da liquidação contestada.

(i) Alega ainda a Recorrente que não seriam em qualquer hipótese devidos os juros indemnizatórios peticionados pela Recorrida porque, se bem se interpreta as conclusões neste passo, o imposto liquidado foi pago sem que a Administração Tributária tivesse exercido qualquer tipo de coacção sobre a Recorrida ou sobre o fundo por si representado.

(j) Temos assim que, nesta inovadora tese da Recorrente, os juros indemnizatórios previstos no artigo 43.º da Lei Geral Tributária nunca seriam devidos no caso de pagamento voluntário de imposto erradamente liquidado.

(k) A Recorrida julga não ser necessário demonstrar o absurdo daquela conclusão.

(I) Em conformidade, não merece a decisão do Tribunal a quo a censura que lhe é apontada pela Recorrente.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá manter-se na ordem jurídica a decisão de anulação da liquidação de Imposto do Selo contestada, com as legais consequências.”

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar do invocado erro de julgamento no que concerne à análise da excepção dilatória de ilegitimidade da Impugnante e bem assim apreciar a situação relativa à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

e) Na caderneta predial urbana respeitante ao artigo matricial n.º ……., referente ao prédio localizado na Rua …………, pode ler-se, no que ora interessa, o seguinte (cfr. doc. de fls. 55 e dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):

DESCRIÇÃO DO PRÉDIO
Tipo de Prédio: Prédio em Prop. Total sem Andares ou Div. Susc. De Utiliz. Independente
Descrição: Prédio Urbano sito na Rua ………….., composto de 9 pisos (duas caves para estacionamentos, r/c para comércio e 6 pisos para escritórios.
Afectação: Serviços N.º Pisos 9, Tipologia/divisões: 1
DADOS DA AVALIAÇÃO Ano de inscrição na matriz: 1995 Valor patrimonial actual (CIMI): €9.562.930,00[…] Determinado no ano: 2012” […];
f) A 14/07/2013, foi emitida liquidação de imposto do selo, dirigido ao Fundo de Investimento Imobiliário C…………., identificada no documento nº. 2013 003452814, no qual pode ler-se, entre o mais, o seguinte (cfr. fls. 20 junto aos autos com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):

[IMAGEM]


*
Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, não existindo indícios que ponham em causa a sua genuinidade.
Resulta dos seus articulados que as partes estão de acordo quanto aos factos, divergindo apenas quanto à aplicação do direito.
*
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.”

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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar do invocado erro de julgamento no que concerne à análise da excepção dilatória de ilegitimidade da Impugnante e bem assim apreciar a situação relativa à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Antes de mais, cumpre ter presente que decisão recorrida elegeu como questão decidenda saber se “o prédio detido pelo “Fundo de Investimento Imobiliário Fechado – B………..” é abrangido pelo âmbito de incidência da norma prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, para efeitos de tributação”, mas previamente, conheceu da excepção dilatória suscitada pela AT relativa à ilegitimidade processual da Impugnante “A……….. - Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A.”, julgando-a improcedente, nos seguintes termos:
“…
A legitimidade processual é apreciada e determinada pela utilidade/prejuízo que da procedência/improcedência da acção pode advir para as partes, tendo em conta os termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as mesmas, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor, o que bem se afere pela formulação genérica contida no artigo 30.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
No CPPT, a legitimidade activa vem consagrada no artigo 9.º referindo que “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido. (negrito nosso)
Ora, cumpre então aferir se a aqui impugnante provou o necessário interesse legalmente protegido para que se considere parte legítima na presente impugnação.
Nos presente autos resulta provado que:
a) A 30/12/1999, foi celebrado contrato entre a D………….. - Gestão de Fundos Imobiliários, S.A, na qualidade de promitente vendedora, e, E………. - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, em representação do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B…………, na qualidade de promitente comprador, tendo declarado a primeira contratante prometer vender, e o segundo declarante prometer comprar, “ o Prédio Urbano Sito na Rua …………, composto por C/V (2) R/C, 1.º a 6º andares, freguesia de S. Paulo – Marquês de Pombal, concelho de Lisboa, descrito na 6.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º 00087 e inscrito na matriz urbana da dita freguesia sob o artigo ………., ” (cfr. cópia de documento n.º 8, com a designação “contrato Promessa de Compra e Venda”, junto pela impugnante, a fls. 67 e sgs. dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
b) No contrato melhor identificado na alínea anterior do probatório, foram proferidas as seguintes declarações: “O preço de venda é de Esc.4.930.000.000$00[…] que é pago no acto da celebração do presente contrato promessa e do qual o Fundo desde já confere a devida quitação.[…] A tradição do imóvel prometido vender processa-se na presente data com a entrega das chaves ao B………… que, na qualidade de único possuidor, passará a ser responsável por todas as despesas, nomeadamente, pagamento de impostos, água energia eléctrica, etc[…] (cfr. cópia de documento, com a designação “contrato Promessa de Compra e Venda”, documento n.º 8 junto pelo impugnante, a fls. 68 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
c) A 10/02/2014, o Fundo de Investimento Imobiliário Fechado – B……….., em processo de execução fiscal n.º 3654201301117181, procedeu ao pagamento do valor da liquidação impugnada, (cfr. doc. 10. A fls. 111 e 112 dos autos);
d) A 30/06/2015, foi elaborada justificação notarial de usucapião, em Cartório Notarial, tendo como outorgante principal a aqui impugnante e na qual pode ler-se o seguinte:
“[…] como outorgante:
Primeiro
“A………….. - Gestão de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A. […] sociedade esta que intervém como gestora, administradora e representante legal do “B………… - Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”[…]
Pela Primeira Outorgante foi dito:
Que com exclusão de outrem o seu represente é dono e legítimo possuidor do seguinte bem imóvel:
Prédio Urbano, composto de nove pisos, duas caves para estacionamento, rés-do-chão para comércio e seis pisos para escritórios […] situado em São Paulo/Marquês de Pombal, na Rua ……………, freguesia de São Paulo, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º oitenta e sete, da dita freguesia, com a aquisição registada a favor de Participantes do “ Fundo de Investimento Imobiliário C………….”, nos termos da inscrição correspondente à AP16, de 10/03/1993, actualmente inscrito na matriz predial da freguesia da Misericórdia sob o artigo ………, com o valor patrimonial de €9.562.930,00 ao qual atribuem igual valor.
- Que, em Janeiro de mil novecentos e noventa e cinco, o Fundo B………….. ora justificante e representado pela primeira outorgante, adquiriu o referido imóvel por compra verbal ao Fundo C……….. (Participante).
- Que desde essa data, entrou na posse e fruição do mencionado imóvel, em nome próprio, posse que assim deteve por mais de vinte anos, sem interrupção, ou ocultação de quem quer que seja, sem que no entanto ficasse a dispor de título formal que lhe permita o respectivo registo na Conservatória do Registo Predial.
- Que essa posse foi adquirida e mantida sem violência e sem oposição, ostensivamente, com conhecimento de toda a gente, em nome próprio e com o aproveitamento de todas as utilidades do imóvel, tendo sempre suportado todos os encargos, impostos e despesas de conservação, procedendo às manutenções necessárias, pintando, remodelando interiormente, instalando diversos serviços, agindo de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.
- Que essa posse em nome próprio, pacífica, contínua e pública, há mais de vinte anos, conduziu à aquisição do imóvel pela Usucapião, que invoca, justificando o seu direito de propriedade para efeitos de registo predial, dado que esta forma de aquisição não pode ser comprovada por qualquer outro título formal extrajudicial, devido à liquidação e extinção do Fundo Devedor” (cfr. fls. 164 e segs. dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
Ora, do probatório supra identificado e considerando a causa de pedir vertida na petição inicial, resulta que é manifesto que há muito a aqui impugnante, por intermédio do Fundo que representa, faz uso daquele imóvel como verdadeiro proprietário, designadamente pagando os respectivos encargos fiscais, mais resultando provado que procedeu já à justificação notarial de usucapião, com o objectivo da aquisição plena da propriedade do imóvel em causa nos presentes autos e respectivo registo, termos em que logrou demonstrar o seu interesse legalmente protegido, mormente pela afectação financeira da sua esfera patrimonial com o pagamento do imposto que ora impugna.
Face ao exposto, improcede a alegada excepção de ilegitimidade passiva do autor. …”.

Nesta matéria, tal como se aponta no Ac. deste Supremo Tribunal (Pleno) de 14-10-2020, Proc. nº 0506/17.2BEALM, www.dgsi.pt, com as devidas adaptações, “… Para a determinação da legitimidade no processo judicial tributário releva, em primeiro lugar, a lei processual tributária. Subsidiariamente - e de acordo com o artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – relevam as normas de natureza processual dos códigos e das leis tributárias, as normas do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e as normas do Código de Processo Civil. Por esta ordem.

Assim, a primeira disposição a considerar para o caso é o artigo 9.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Segundo o qual têm legitimidade no processo judicial tributário os sujeitos do procedimento tributário.

Ou seja, de acordo com esta regra, tem legitimidade activa no processo judicial tributário o sujeito passivo do procedimento tributário. O legislador mobilizou para a determinação da legitimidade processual a figura jurídica do procedimento tributário, utilizando-a como critério fundamental na aferição deste pressuposto processual.

O que sucede porque o procedimento tributário é considerado pelo legislador a forma típica de atuação administrativa nas relações jurídico-tributárias, o modo típico de criar, modificar ou extinguir estas relações.

É claro que não é sempre assim. Nem sempre as decisões do sujeito público das relações administrativas em matéria tributária estão integradas num procedimento, sendo até muito frequentes os casos em que a composição dessas relações é determinada por um único ato, seja ele um ato tributário ou um ato administrativo em matéria tributária.

Nestes casos, a figura jurídica do procedimento tributário já não serve para a determinação da legitimidade processual. E os critérios suplementares fornecidos pelo artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (parte nos contratos fiscais; titulares de interesse legalmente protegido) também não se lhe adequam.

E quando aquele normativo não fornece nenhum critério suplementar que possa ser mobilizado há que recorrer ao direito subsidiário.

E como esse critério também não é fornecido por outras leis tributárias … devem ser convocadas para o efeito as regras do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de acordo com a alínea c) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Ora, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos regula separadamente as questões da legitimidade processual ativa e passiva. O que sucede porque se colocam questões diversas do lado ativo e do lado passivo da relação processual administrativa, que justificam o seu tratamento autonomizado e soluções assimétricas. …”.

O art. 9º nº 1 do CPTA refere que “… o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida, dispondo o nº 2 que “Independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, assim como para promover a execução das correspondentes decisões jurisdicionais.”.

Ora, no que diz respeito à matéria da “relação material controvertida”, aquele critério só tem aplicação nos litígios cuja estrutura se aproxima do modelo do processo civil [neste sentido, ver MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in «Manual de Processo Administrativo», 3.ª edição, Almedina 2017, pág. 247], como as acções de condenação ou de simples apreciação. É, por isso, um critério cuja aplicação é muito rara no processo judicial tributário.

Diga-se ainda que os critérios de determinação da legitimidade processual que poderiam colher-se da lei processual civil não são adaptáveis aos processos de impugnação que se reconduzam a um pedido de anulação ou de declaração de nulidade de um ato. Seja porque têm natureza residual e há critérios que se aplicam ao caso especialmente. Seja porque os processos impugnatórios não têm, tipicamente, por objecto mediato uma relação material que se controverta no processo, mas a legalidade do próprio acto.

Por outro lado, nos processos impugnatórios, o juiz não é confrontado com a pretensão à existência de uma certa relação material, mas com a existência de um acto que se identifica e com a pretensão à declaração da sua invalidade e no processo de impugnação judicial tributário, a legitimidade processual activa é, normalmente, atribuída ao sujeito passivo do procedimento tributário de onde emana a decisão impugnada.

Pois bem, à data de 2012, ano a que se refere o acto tributário em causa (cfr. doc. de fls. 20), a propriedade do prédio não se encontrava inscrita na matriz em nome do fundo "B………….", que o Impugnante representa, pelo que, como refere a Recorrente, não era o sujeito passivo do imposto de selo previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

Assim sendo, a relação jurídico-tributária que subjaz aos presentes autos tinha como partes a AT e fundo “C…………”, o que significa que o imposto que porventura vier a ser anulado terá necessariamente de ser restituído a esta instituição, ou a quem assumiu os seus direitos (a Impugnante alega que o referido fundo foi liquidado, tendo ocorrido a sua extinção), e não à aqui Recorrida.

Com efeito, o pagamento à aqui Recorrida de montante equivalente ao referido imposto ficará na inteira disponibilidade de quem assumiu os direitos do aludido fundo, emergindo de uma relação jurídica distinta - em concreto, da relação contratual estabelecida entre a Recorrente e o aludido fundo, com referência ao contrato-promessa descrito nos autos.

Do exposto resulta que a eventual anulação do acto tributário contestado não beneficiará de modo imediato a esfera da Recorrida, não sendo por isso directo o seu interesse na presente demanda.

Por outro lado, tal como refere Manuel Fernandes Pires, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 2015, Almedina, página 344, “… O cumprimento da obrigação tributária pode ser efetuado pelo sujeito passivo ou por terceiro, conduzindo de igual modo à extinção da relação jurídica tributária [...]. Com efeito, nada impede que qualquer pessoa, alheia à relação jurídica-tributária, proceda ao pagamento da prestação tributária em vez do sujeito passivo (devedor). Porém, a convenção entre o sujeito passivo e o terceiro que efetuar o pagamento, que eventualmente esteja na origem deste, não é, naturalmente, oponível ao credor tributário, nem tem que depender de qualquer intervenção prévia deste.

As relações entre o terceiro que tenha procedido ao pagamento e o sujeito passivo da obrigação tributária são reguladas pelo direito civil e, eventualmente, pelas cláusulas contratuais que entre ambos se estabeleceram nas relações subjacentes ao pagamento pelo terceiro. Os pressupostos que conduziram ao pagamento da prestação tributária por terceiro são estranhos à relação jurídica tributária. Sendo o credor tributário alheio às relações estabelecidas entre o sujeito passivo e o terceiro que efetuou o pagamento, naturalmente que todos os efeitos inerentes à relação jurídica tributária posteriores ao pagamento, se repercutem na esfera do sujeito passivo. Assim acontecerá, nomeadamente, no que respeita ao direito de reclamação ou impugnação, bem como nos casos em que venha a constituir-se um direito a restituição ou reembolso da importância despendida, excepto se, nos termos do n.º 2 deste artigo [artigo 41.º da LGT], tiver ocorrido sub-rogação”.

Tal equivale a dizer que a aqui Recorrida não é titular de um interesse legalmente protegido - no sentido de interesse directo - na presente demanda, pelo que carece de legitimidade activa para a propositura da presente impugnação, o que determina a procedência do presente recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida, impondo-se, isso sim, a absolvição da instância da ora Recorrente, ficando prejudicado o conhecimento do mais suscitado no âmbito deste recurso.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a sentença recorrida e, na procedência da excepção dilatória de ilegitimidade activa, determina-se a absolvição da instância da Recorrente.

Custas pela Recorrida, em ambas as Instâncias.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.