Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01183/09
Data do Acordão:12/16/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:COMPENSAÇÃO
DÍVIDA
REQUISITOS
INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO
Sumário:I – Nos termos do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não pode haver compensação de dívida tributária, se houver pendência de recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda ou esta estiver a ser paga em prestações.
II – E, numa interpretação conforme à Constituição, o mesmo artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não permite à Administração Tributária a declaração de compensação de dívida tributária, sem que sobre o acto de liquidação desta tenham decorrido os prazos da sua impugnação administrativa e contenciosa.
Nº Convencional:JSTA000P11278
Nº do Documento:SA22009121601183
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 A Fazenda Pública vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 8-10-2009, que, nos presentes autos de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, em que é reclamante “A…”, decretou: «concedo provimento ao recurso e anulo o despacho reclamado».
1.2 Em alegação, a recorrente Fazenda Pública apresenta as seguintes conclusões.
A. Ao decidir pela inadmissibilidade da compensação da dívida, por iniciativa da Administração Tributária, enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação da dívida em causa, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, enferma a douta sentença recorrida de erro de julgamento em matéria de direito.
B. Na verdade, findo o prazo do pagamento voluntário, o devedor acha-se em mora, ou seja, em situação de incumprimento, sendo que, esse incumprimento legitima a cobrança coerciva, bem como a cobrança através da compensação das dívidas com créditos de que o devedor seja titular, nos termos previstos no citado art.° 89° do CPPT.
C. Rectius, a partir do momento da constituição da mora, a AT está não apenas legitimada a proceder à cobrança coerciva, mas obrigada a fazê-lo, na medida em que não tem, nesta matéria, qualquer margem para critérios de oportunidade, sendo a sua actuação estritamente vinculada à lei.
D. A lei é clara nessa absoluta vinculação da AT, estabelecendo, quer a indisponibilidade do crédito tributário, quer a proibição da moratória, no n.° 2 do art.° 30º da Lei Geral Tributária (LGT), segundo o qual o crédito tributário é indisponível só podendo ser criadas condições para a sua redução ou extinção com respeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributária.
E. Por sua vez, o n.° 3 do art.° 36° do citado diploma legal, estabelece que a AT não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei.
F. Do que se trataria no caso de a AT não proceder à compensação em causa, enquanto não decorressem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação, seria a concessão de moratória no pagamento de uma obrigação tributária, num caso não expressamente previsto na lei.
G. As cautelas de absoluta vinculação da AT à lei de que o legislador se socorreu na matéria da cobrança da dívida tributária, são motivadas pela natureza dessa mesma dívida, pelo seu carácter público, pela celeridade que é necessária imprimir na sua cobrança e pela correlativa afectação à satisfação das necessidades colectivas.
H. Anulando o legislador, com esta vinculação, qualquer margem para apreciação casuística ou critérios de oportunidade, estabelecendo a cobrança da dívida por compensação obrigatória, verificadas que sejam a mora e a existência de um crédito do mesmo devedor sobre a AT, susceptível de compensação.
I. A este propósito e, em desfavor dos que defendem a inconstitucionalidade material do art.° 89° do CPPT, quando interpretado no sentido de permitir a compensação logo que a dívida se torne exigível, já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.° 386/2005, no sentido de que aquela interpretação não é materialmente inconstitucional face aos princípios da igualdade e do acesso aos tribunais (art.os 13° e 20° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa).
J. No sentido propugnado pela Fazenda Pública, também se pronunciou o STA, num Acórdão de 30-07-2008, proc. 0133/08: “O artigo 89. °, n.° 1 do CPPT não afronta os princípios fundamentais da igualdade, do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, quando interpretado no sentido de que a compensação de créditos fiscais, realizada por iniciativa da Administração Tributária, pode ser efectuada desde o momento em que a dívida se torne exigível, apesar de ainda não se encontrar esgotado o prazo para o exercício do direito de impugnação e de esta ainda não ter sido deduzida.”
K. E, nem se argumente com a lesão irreversível dos direitos do devedor, porquanto, os seus direitos de defesa em nada ficam coarctados, uma vez que, na eventual procedência da sua pretensão, será ressarcido pelo valor indevidamente cobrado, acrescido dos juros indemnizatórios devidos.
L. Não se configurando, desta forma, qualquer lesão irreversível para a reclamante, porquanto a compensação operada em tais circunstâncias não importa a perda definitiva do valor do crédito.
M. Em suma, de acordo com o art.° 89° do CPPT a AT está obrigada a proceder à compensação de dívidas, não sendo tal compensação objecto de decisão discricionária, estando, pelo contrário, sujeita ao preenchimento de determinados requisitos e condições expressamente estabelecidos na lei, de entre os quais não se encontra o de se encontrarem decorridos os prazos para impugnação contenciosa ou administrativa da liquidação.
N. Na verdade, se o legislador tivesse querido adicionar o pressuposto da necessidade de se mostrarem esgotados os prazos para impugnação contenciosa ou administrativa da liquidação, tê-lo-ia dito expressamente, acrescendo-o aos demais requisitos expressamente elencados, atendendo às cautelas de que se socorreu ao legislar sobre a matéria da cobrança.
O. Ao pronunciar-se em sentido oposto, ocorre a douta decisão recorrida em erro de julgamento por errada aplicação do direito.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido, com as legais consequências.
1.3 A recorrida “A…”, em contra-alegação, apresentou as seguintes conclusões.
A) O nº 1 do art. 89º do CPPT exprime a intenção legislativa de a compensação só dever efectuar-se quanto a dívidas sobre as quais não haja controvérsia.
B) Por isso, esta forma de auto-tutela do Fisco só se admite quando já haja um grau de certeza suficiente acerca da exigibilidade da dívida (ou seja, só em fase executiva, e sem que penda processo destinado a apreciar a legalidade da dívida ou da execução).
C) Pois bem, se aquele grau de certeza inexiste depois de instaurada uma impugnação ou reclamação, ainda menos existe numa fase anterior à instauração desse processo, sendo até mais exigível aguardar pelo decurso integral dos respectivos prazos de interposição.
D) As consequências práticas do entendimento perfilhado pela Fazenda Pública são inaceitáveis à luz da Constituição.
E) Por um lado, porque obriga os contribuintes a deduzirem as suas reclamações ou impugnações no dia seguinte ao termo do prazo de pagamento voluntário (para evitarem a ablação imediata do seu direito ao reembolso), privando-os do tempo necessário ao exercício dos seus direitos de defesa.
F) Por outro, porque os priva de reembolsos imprescindíveis para fazer face aos seus compromissos mensais, causando intoleráveis desequilíbrios na tesouraria das empresas, cujo ressarcimento poderá mesmo tornar-se impossível se daí resultarem situações de insolvência.
G) O artigo 89.° do CPPT deve pois ser interpretado de forma a não se admitir a declaração de compensação de dívida de tributos, por iniciativa da administração tributária, enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação dessa dívida, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigos 13.°, 20.° e 268.°, n° 4 da CRP).
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.
A questão objecto do presente recurso prende-se com a interpretação do disposto no artº 89º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário referente à compensação de dívidas de tributos por iniciativa da administração tributária.
Alega a recorrente que inexiste razão para deixar de interpretar o art. 89° do CPPT de acordo com a sua letra expressa, até porque dessa aplicação não resulta qualquer restrição injustificada das garantias dos devedores tributários.
Mais alega que a utilização da compensação não significa que os direitos de defesa dos contribuintes sejam coarctados, ainda que não tenha decorrido o prazo de apresentação de medidas de defesa, porque no caso de uma eventual anulação da dívida por ilegalidade, o contribuinte será ressarcido pelo valor indevidamente cobrado.
Afigura-se-nos que carece de razão.
A decisão recorrida concluiu pela inadmissibilidade de compensação de dívidas de tributos por iniciativa da Administração Tributária antes de esgotados os prazos de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso judicial ou oposição à execução, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigos 13.º, 20.º e 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa).
Parece-nos ser, aliás, essa a única interpretação possível do preceito, e a única compatível com os referidos princípios constitucionais.
Como refere Jorge Lopes de Sousa no seu CPPT anotado, 5ª edição, pag. 635 e 636, «a proibição de efectuar a compensação se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda exprime uma intenção legislativa de a compensação só se dever efectuar relativamente a dívidas sobre as quais não haja controvérsia. Por isso, está ínsito naquele n.º 1 que a compensação não possa ser declarada enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa e administrativa do acto de liquidação da dívida em causa.”
Também neste sentido se vem pronunciando a jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal Administrativo – cfr. Acórdãos de 13.05.2008, recurso 355/08, de 21.05.2008, recurso 356/08 e de 25.06.2008, recurso 464/08, de 15.04.2009, recurso 262/09, de 17.12.2008, recurso 997/08, e de 22.04.2009, recurso 277/09, todos in www.dgsi.pt.
E é a jurisprudência que melhor se coaduna com a garantia da tutela jurisdicional efectiva consagrada no artº 268º nº 4, garantia essa não assegurada na tese defendida pela Fazenda Pública pois que permite à Administração Fiscal proceder à compensação prevista no artº 89º do CPPT antes de decorrido o prazo para reclamar, impugnar judicialmente ou deduzir oposição à execução, obrigando o contribuinte a ver reduzidos e derrogados os prazos de defesa expressamente previstos na lei.
Sendo também a jurisprudência mais conforme com o princípio constitucional da igualdade já que na tese defendida pela recorrente poderão ocorrer simultaneamente casos em que, por inércia da Administração Fiscal, os contribuintes dispõem integralmente dos prazos para reclamar, impugnar judicialmente ou deduzir oposição à execução, e casos em que, por maior eficiência da Administração Fiscal, se vêm confrontados com a compensação das dívidas tributárias, antes mesmo de decorridos aqueles prazos.
Em síntese a interpretação que a sentença recorrida faz do preceito constitui o critério normativo mais adequado à justa realização do direito.
Termos em que somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o julgado recorrido.
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação e da contra-alegação, bem como do parecer do Ministério Público, a questão que aqui se coloca é a de saber se a sentença recorrida fez boa interpretação do disposto no n.º 1 do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
a) Em 25.04.2009, foi, pelo Serviço de Finanças do Porto 1 instaurado o processo de execução fiscal n° 3174200901017772 contra a “A…”, aqui reclamante por dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado dos anos de 2004 e 2008 – cfr. folhas 26 a 64 dos autos;
b) Em 29 de Abril de 2009, foi a agora reclamante citada na execução – cfr. folhas 11 e 65 dos autos;
c) Em 25 de Maio de 2009, foi a agora reclamante notificada da demonstração de compensação de dívidas fiscais n° 20090000000065047;
d) O prazo de pagamento voluntário da dívida exequenda do processo executivo identificado na alínea a) terminou em 31.03.2009 – cfr. certidões de dívida juntas a folhas 27 a 64 dos autos.
2.2 Prescreve o n.º 1 do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que «Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação graciosa ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma administração tributária, salvo se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda ou esta esteja a ser paga em prestações, devendo a dívida exequenda mostrar-se garantida nos termos deste Código».
A este propósito, em anotação 9. ao artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Jorge Lopes de Sousa escreve como segue.
«O Tribunal Constitucional no acórdão n.º 386/2005 entendeu que o n.º 1 deste art.º 89.º não é materialmente inconstitucional, à face dos princípios da igualdade e do acesso aos tribunais (art.ºs 13.º e 20.º, n.º 1 da CRP), quando interpretado com o sentido de permitir a compensação logo que a dívida se torna exigível, findo o prazo de pagamento voluntário de 30 dias (aplicável, nos termos do art.º 85.º, n.º 2, do CPPT, quando não for fixado prazo especial), mesmo antes de estar findo o prazo para o exercício do direito de impugnação, que é de 90 dias, nos termos do n.º 1 do art.º 102.º deste Código, embora desta interpretação resulte que o contribuinte que vise obstar à compensação tenha de impugnar o acto de liquidação dentro daquele prazo de 30 dias, sob pena de perder o direito de ver suspensa a execução, pois a dívida, operada a compensação, fica cobrada. Parece, porém – pondera Jorge Lopes de Sousa –, que a interpretação que se deve efectuar do n.º 1 deste art.º 89.º não é essa, pois a proibição de efectuar a compensação, se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda exprime uma intenção legislativa de a compensação só se dever efectuar relativamente a dívidas sobre as quais não haja controvérsia. Por isso, está ínsito naquele n.º 1 que a compensação não possa ser declarada enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa e administrativa do acto de liquidação da dívida em causa.».
E assinala o mesmo Autor, na mesma obra, em anotação 7. ao normativo em foco, que «(…) não se pode admitir que ocorra uma privação coerciva de um direito de crédito, como sucede nos casos de compensação forçada previstos no artigo 89.º, sem que sejam concedidas ao afectado por ela todas as garantias de defesa que são concedidas à generalidade dos executados fiscais».
Também no acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 23/4/08, proferido no recurso n.º 133/08, já se disse que tal entendimento «(…) redundaria numa diminuição irrazoável e desproporcionada dos meios de defesa e impugnatórios da recorrente, com potencialidade para lesar de forma irreversível os seus direitos, já que não precludindo embora a possibilidade de vir a contestar a dívida executada e não importando numa perda definitiva do valor do seu crédito, a verdade é que a privação no momento certo do correspondente montante pode ocasionar graves problemas de liquidez de empresas como a recorrente e, em última análise, comprometer a sua sobrevivência económica».
Por nós, diremos que pode entender-se que o n.º 1 do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário «não consubstancia uma limitação inaceitável do direito de defesa», e, assim, poderá não ser materialmente inconstitucional – como, aliás, já decidiu o Tribunal Constitucional no seu acórdão supracitado.
Julgamos, no entanto, que a interpretação do n.º 1 do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, de melhor conformidade com a Constituição e os seus princípios (mormente o de tutela jurisdicional efectiva), é a aquela que diz não ser admissível «que ocorra uma privação coerciva de um direito de crédito (…), sem que sejam concedidas ao afectado por ela todas as garantias de defesa que são concedidas à generalidade dos executados fiscais» – de certo modo se acolhendo a doutrinação de Jorge Lopes de Sousa, supracitado.
Cf. no sentido do que vem de dizer-se, por exemplo, os acórdãos desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-5-2008; de 25-6-2008; e de 15-4-2009, proferidos nos recursos n.º 356/08; n.º 464/08; e n.º 262/09.
Cf., ainda o acórdão do Pleno desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 6-5-2009, proferido no recurso n.º 365/08, em que ficou confirmado que «O artigo 89.º do CPPT deve ser interpretado de forma a não se admitir a declaração de compensação de dívida de tributos por iniciativa da administração tributária enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação da dívida em causa, sob pena de violação dos princípios da igualdade, de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (artigos 13.º, 20.º e 268.º, n. º 4 da CRP)».
Cf., por último e por mais recente, também neste sentido, o acórdão do Pleno desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 2-12-2009, proferido no recurso n.º 997/08.
De resto, não deve deixar de dizer-se que à tese do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 386/2005, a pronunciar-se sobre a constitucionalidade material do artigo 89.º do CPPT, proferido no processo n.º 947/04, com data de 13.07.2005, é o próprio Tribunal Constitucional a dar a seguinte resposta, de modo subido aliás: «a concreta realização do direito por mediação de uma norma legal pressupõe uma ponderação prudencial do sentido normativo do critério aplicando, concorrendo para esse desiderato um conjunto de elementos ou factores que determinam, em face dos diferentes sentidos possíveis da norma, aquele que corresponderá “ao melhor direito” na óptica da sua aplicação do caso concreto, tendo por referentes axiais a intencionalidade prático-normativa da norma considerada em face da ratio iuris desvelada pelas valências axiológicas do sistema jurídico»; «(…) devendo referir-se que o juízo de constitucionalidade vertido no Acórdão n.º 386/2005, não implica nem traduz a ideia de que o concreto sentido normativo aí analisado corresponde à única interpretação possível ou tão-pouco àquela que terá maior densidade axiológica em face dos parâmetros de constitucionalidade invocados»; «(…) o que significa, portanto, que este Tribunal, no aresto citado, não cuidou da determinação do “melhor direito” em termos de apurar o sentido ou dimensão normativa que traduzisse, à luz dos pertinentes critérios metodológicos, o critério normativo mais adequado à justa realização do direito» – cf., ipsis verbis, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 481/08, de 7-10-2008.
O Tribunal aplicador da lei, porém, tem a tarefa de realizar e consubstanciar «um esforço interpretativo de desocultação do sentido mais adequado a conferir ao artigo 89.º do CPPT mobilização normativa» – como, com pertinência para o caso, ensina o erudito acórdão do Tribunal Constitucional.
A sentença recorrida, seguindo, de resto, a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, fez do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário a seguinte “mobilização normativa”: «numa interpretação conforme à Constituição, o artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não apoia a Administração na declaração de compensação de dívida tributária, sem que sobre o acto de liquidação da dívida tenham decorrido os prazos de impugnação administrativa e contenciosa».
Como assim, e sem necessidade de mais alargados considerandos, resta-nos dizer, em resposta ao thema decidendum, que a sentença recorrida fez boa interpretação do disposto no n.º 1 do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Razão por que havemos de concluir, em síntese, que, nos termos do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não pode haver compensação de dívida tributária, se houver pendência de recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda ou esta estiver a ser paga em prestações.
E, numa interpretação conforme à Constituição, o mesmo artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não permite à Administração Tributária a declaração de compensação de dívida tributária, sem que sobre o acto de liquidação desta tenham decorrido os prazos da sua impugnação administrativa e contenciosa.
3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente Fazenda Pública, fixando-se a procuradoria em um oitavo.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2009. – Jorge Lino (relator) – Casimiro Gonçalves – Dulce Neto.