Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:041/18.1BELLE
Data do Acordão:05/10/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
FUMUS BONI JURIS
Sumário:Não se justifica admitir revista relativamente à questão de saber se existe fumus boni juris sem relevância fora do caso concreto e apreciadas através de discurso juridicamente plausível.
Nº Convencional:JSTA000P24512
Nº do Documento:SA120190510041/18
Data de Entrada:03/01/2019
Recorrente:A............, LDA.
Recorrido 1:AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A…………, LDA recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, do acórdão do TCA Sul, proferido em 8 de Novembro de 2018, que na providência cautelar por si intentada contra a AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE IP e contra-interessada FUNDITUR – FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, pedindo a suspensão de eficácia do acto administrativo constante do ofício de 5 de Janeiro de 2018 e a consequente intimação da entidade requerida a abster-se da prática de qualquer acto ou conduta material que coloque em causa a posse sobre a parcela de terreno, sita na Praia ………, em Albufeira, em que construiu as infra - estruturas e equipamentos de apoio de praia que tem vindo a explorar.

1.2. Fundamenta a admissão da revista por entender que as questões jurídicas em apreciação se revelam de fundamental importância para além de neste processo terem sido proferidas decisões divergentes, revelando assim a necessidade de uma intervenção do STA.

1.3. A AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE IP pugna pela não admissão da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. A primeira instância proferiu decisão que indeferiu a suspensão da instância e julgou o acto, objecto do pedido de suspensão de eficácia, mero acto de execução inimpugnável, pelo que absolveu da instância a entidade requerida e a contra-interessada.

3.3. O TCA Sul manteve a decisão sobre a não suspensão da instância. Entendeu todavia que o acto objecto da suspensão de eficácia era impugnável, mas que se não verificavam, no caso, os pressupostos de que depende o decretamento da providência cautelar. Consequentemente absolveu a entidade requerida do pedido.

3.4. Neste recurso a recorrente impugna a decisão sobre a suspensão da instância e sobre o mérito da providência requerida.

3.5. Na base deste processo está a circunstância da contra-interessada ter intentado contra o Estado Português uma acção declarativa pedindo o reconhecimento do direito de propriedade sobre o terreno onde se encontra implantado o apoio de praia referido no contrato de concessão celebrado entre a autora e a Agência Portuguesa do Ambiente IP. Nessa acção foi proferida sentença, transitada em julgado, que reconheceu o direito de propriedade da contra-interessada relativamente ao terreno em causa.

Em Dezembro de 2017 a contra-interessada intentou contra a ora requerente providência cautelar não especificada, na qual solicitou a entrega da parcela de terreno, onde se encontra implantado o apoio de praia da ora requerente.

3.6. O acto, objecto do pedido de suspensão de eficácia, foi identificado pela requerente como aquele que constava do ofício de 5-1-2018. Esse ofício dizia o seguinte: “Na sequência do nosso ofício n.º(…) e não tendo sido dado cumprimento ao que ali foi determinado, fica V. Exa. Notificado, na qualidade de representante legal da A…………, Lda de que a Agência Portuguesa do Ambiente IP, nos termos dos artigos 102º, 107º e 108º do Dec. Lei 555/99, aplicáveis com as necessárias adaptações, vai pelas 10:00 horas do dia 26 de Janeiro, tomar posse administrativa da estrutura identificada em epígrafe, para efeitos da sua posterior remoção e total desocupação da parcela da margem das águas do mar onde a mesma se encontra implantada, podendo estar presente no acto representante devidamente credenciado da empresa. Mais se informa V. Exa que, até à data indicada, poderá a empresa V. representada proceder voluntariamente à remoção de todos os bens móveis e imóveis que lhe pertençam, respeitantes à estrutura supra indicada”.

3.7. A questão da suspensão da instância requerida emerge da circunstância de ter sido instaurada no Tribunal Judicial de Faro uma providência cautelar intentada pela contra-interessada (a quem foi reconhecido o direito de propriedade do terreno onde está implantado o apoio de paria) pedindo a remoção das infra-estruturas da requerente.

O TAF e o TCA entenderam não haver razão para suspender a presente instância porque o processo cautelar intentado no Tribunal Judicial de Faro não constituía causa prejudicial em relação ao presente, pois, apesar de existirem elementos de conexão entre as duas causas, a “(…) definição que venha a ocorrer no proc. 2965/17.4T8PTM não se apresenta como premissa necessária do axioma jurídico da decisão neste processo cautelar, isto é, não se revela qualquer relação de prioridade temática desse proc. (…) Relativamente ao presente processo cautelar”.

Na revista a recorrente alega estar em discussão a mesma realidade de facto e que sustenta, naquele processo (que corre no tribunal judicial), a aquisição da propriedade por acessão industrial, havendo assim fundamento para ser suspensa a instância ao abrigo dos artigos 15º do CPTA e 272º, 1 do CPC.

3.8. Relativamente aos pressupostos da providência cautelar o TCA, julgou não se verificar o requisito “fumus boni juris”, tendo refutado cada uma das apontadas ilegalidades ao acto, objecto do pedido de suspensão.

3.9. A nosso ver não se justifica a admissão da revista, desde logo, por estarmos perante um litígio que apenas diz respeito a este caso concreto.

Quer a questão da suspensão da instância, quer a questão do “fumus boni juris” aqui em discussão não suscitam questões gerais com relevância em outros processos. Por outro lado, a questão jurídica subjacente a este litígio foi já decidida com força de caso julgado – está assente que a parcela de terreno onde a requerente tem instalado o apoio de praia não é do Estado, e portanto, o contrato de concessão que lhe permitia ter uma construção nesse terreno caducou.

Finalmente, a decisão relativa ao “fumus boni juris” que o TCA entendeu não existir – e por esse motivo julgou improcedente a providência cautelar, ora em causa – mostra-se juridicamente fundamentada através de um discurso jurídico plausível, não se justificando a sua reapreciação por este STA, tanto mais que, como é sabido, a decisão na providência cautelar nem sequer vincularia o juiz no processo principal.

Não existe, assim, razão para que, no presente caso, seja admitida revista e, desse modo, se prolongue a pendência da providência cautelar.

4. Decisão

Face ao exposto, não se admite a revista.

Porto, 10 de Maio de 2019. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.