Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0553/09.8BEPNF
Data do Acordão:05/05/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Sumário:Não é de admitir a revista se as questões suscitadas desmerecem tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por, face aos contornos particulares do caso concreto, ela não ter vocação «universalista».
Nº Convencional:JSTA000P29375
Nº do Documento:SA1202205050553/09
Data de Entrada:04/21/2022
Recorrente:ASSOCIAÇÃO ............
Recorrido 1:A....., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. ASSOCIAÇÃO ………., IPSS - ré na presente «acção administrativa comum» - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, pedir revista do acórdão do TCAN de 03.12.2021, que, concedendo provimento à «apelação» da autora – A…….. S.A., habilitada como «cessionária da primitiva autora» B…….. S.A. -, revogou a sentença do TAF de Penafiel - de 20.09.2020 - e julgou parcialmente procedente a acção e totalmente improcedente a reconvenção.

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social das questões» a apreciar e a decidir.

A recorrida – A…….. S.A. - apresentou contra-alegações nas quais defende, além do mais, a não admissão da revista por falta dos necessários pressupostos legais [artigo 150º, nº1, do CPTA].

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. A autora da acção [ora recorrida] pediu a tribunal a condenação da ré [ora recorrente] a pagar-lhe a quantia global de 248.827,14€ [13.676,8€ referente a juros de mora relativos a pagamento de facturas; 3.829,64€ e 48.166,43€ referente a facturas em dívida; 8.223,55€ referente a notas de crédito por pagar; 185.520,00€ referente a prejuízos sofridos com suspensões de obra; 5.977,30€ referente a juros; 11.703,42€ referente a juros de mora pagos a terceiros - montantes dos quais a ré apenas procedeu ao pagamento parcial de 28.000,00€], acrescida dos juros que sobre ela se vencerem até integral pagamento. Invocou, para o efeito, a «responsabilização contratual» da ré no âmbito do contrato de empreitada referente à «construção do Centro de Acolhimento Temporário para Crianças e Jovens da Associação ……….».

A ré [ora recorrente] deduziu pedido reconvencional, pedindo a condenação da autora [ora recorrida] a pagar-lhe a quantia global de 121.973,00€ acrescida de juros de mora desde a citação, invocando para o efeito o instituto do enriquecimento sem causa e a conduta culposa da autora.

O tribunal de 1ª instância - TAF de Penafiel - julgou a acção parcialmente procedente, e a reconvenção totalmente improcedente. Em conformidade, só condenou a ré a pagar à autora o seguinte: a quantia de 8.223,55€ - relativa a notas de débito por pagar -, as quantias de 3.829,64€ e 48.166,43€ - relativas a créditos em dívida, a que acrescem juros de mora - e a quantia de 13.767,80€ - relativa a juros de mora vencidos sobre facturas pagas.

O tribunal de 2ª instância - TCAN - concedeu provimento à apelação da autora, revogou a sentença recorrida e «julgou parcialmente procedente a acção» mantendo o decidido quanto à reconvenção. Ou seja, para além da condenação decretada pela 1ª instância, condenou ainda a ré a pagar à autora os invocados prejuízos no valor de 185.520,00€, acrescido de juros de mora desde 26.05.2009 - os quais, à data da instauração da acção ascendiam a 5.977,30€ - até integral pagamento. Um dos Desembargadores Adjuntos votou vencido, no sentido da confirmação da sentença recorrida.

Agora é a ré que discorda do decidido pelo tribunal de apelação, de cujo acórdão pede revista. Aponta-lhe nulidade - artigo 615º, nº1 alínea d) in fine do CPC - e erro de julgamento de direito. A pretensa nulidade consubstanciar-se-ia no facto de o tribunal de apelação ter conhecido de «questão» de que não poderia conhecer - a questão dos danos emergentes -, e o erro de julgamento de direito reconduz-se ao julgamento dessa mesma questão, o qual assentou na alteração da matéria de facto a que procedeu o acórdão, na sequência do erro de julgamento de facto que lhe foi suscitado pela apelante. Efectivamente, diz-se no acórdão recorrido que não poderia o tribunal a quo considerar provado, como fez, e de acordo com a prova testemunhal produzida, que a autora retirou do local da obra toda a maquinaria pesada e logística mais relevante, mais concretamente autobetoneira, a grua, grande parte dos andaimes e outros materiais [facto provado JJJ], e que, por outro lado, «os factos não provados 1 e 2» […] deviam constar dos factos provados, uma vez que a prova documental e testemunhal impunha essa decisão, sendo que desses factos constava o segue: 1. Em consequência da suspensão dos trabalhos, no primeiro período a autora foi forçada a manter no local da obra e seu estaleiro uma grua Potain, uma autobetoneira Fiori, um contentor de ferramentas, um contentor escritório, uma máquina de cortar ferro, painéis de cofragem, 100m2 de andaimes e guarda copos, e, no segundo período, uma autogrua telescópica Pegaus, uma autobetoneira Fiori, um guincho elevatório e 450m2 de andaimes. 2. Pela suspensão dos trabalhos, por causa não imputável à autora, esta sofreu prejuízos com a manutenção do estaleiro, do material e máquinas em obra, custeando a sua manutenção, no valor de 185.520,00€.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Importa notar, desde logo, que tanto a nulidade como o erro de julgamento de direito que vem alegados pela ora recorrente [ré na acção] estão substancialmente relacionados com a sua condenação no pagamento à autora [empreiteira] dos «danos emergentes» por ela peticionados e referentes a prejuízos tidos com suspensões de obra. Acontece que esta condenação - decidida pela 2ª instância - emergiu da alteração da matéria de facto a que procedeu o acórdão recorrido, alteração que consubstancia um «julgamento de facto» que não é sindicável pelo tribunal de revista, na medida em que extravasa os estreitos limites previstos no «nº4 do artigo 150º do CPTA». E, tudo apontando para que a dita nulidade não se verifique, resulta que a base factual do alegado erro de julgamento de direito também se desmorone. É certo que a recorrente, mesmo aceitando os «factos alterados» pelo tribunal de apelação, alega a «ausência de nexo causal». Mas esta sua alegação não convence, e, na abordagem preliminar e sumária que nos compete fazer, estaria votado ao insucesso.

Diga-se, aliás, que o voto de vencido, que supra referimos, vai no sentido de manter o decidido pela sentença do TAF de Penafiel precisamente porque discorda da «alteração da matéria de facto» feita no acórdão. O que significa que se estriba num julgamento que não é sindicável pelo tribunal de revista.

Ademais, não deveremos extrair do enquadramento dramático que está na origem da criação da associação recorrente a «importância social fundamental» da questão, pois que, apesar disso, ela se reconduz a uma questão jurídica comum no âmbito contratual público.

Ressuma, pois, que nem em nome da clara necessidade de uma melhor aplicação do direito nem em nome da relevância jurídica ou social da questão, ainda em litígio, deve ser admitido este recurso de revista.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir o presente recurso de revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 5 de Maio de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.