Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0946/12
Data do Acordão:01/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
Sumário:I – Se nas conclusões de recurso é afirmada a existência de deficit instrutório e, também, contrariado o juízo conclusivo fáctico formulado na sentença, segundo o qual não existem outras causas de interrupção ou suspensão dos autos, o que determinou o juízo de prescrição da obrigação tributária que é contrariado no presente recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito.
II – A questão da competência hierárquica é, uma questão prévia que tem de ser decidida abstraindo da solução de direito que o tribunal ad quem tomaria se fosse competente.
III – Versando o recurso, também, matéria de facto, e não exclusivamente matéria de direito, será competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo Norte – arts. 280º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26º alínea b) e 38º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Nº Convencional:JSTA00068055
Nº do Documento:SA2201301230946
Data de Entrada:09/14/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:INCOMPETENCIA
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPTA02 ART13
CPPTRIB99 ART16 N1 N2 ART280 N1 ART18 N3
ETAF02 ART26 B ART38 A
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC016/12 DE 2012/02/23
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLI PAG213.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO


A…………, NIF ………., com os demais sinais nos autos, impugnou, as liquidações adicionais de IVA dos anos de 1994 e 1995 e juros compensatórios.
Por sentença de 27 de Janeiro de 2012, o TAF de Viseu, julgou procedente a excepção de prescrição, julgando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Reagiu a Fazenda Pública interpondo o presente recurso, cujas alegações integram as seguintes conclusões:

a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por se ter considerado verificada a prescrição das obrigações tributárias em causa na presente impugnação;
b) Em função do sentido decisório recorrido torna-se imperativa a junção dos documentos referentes à penhora de bens para efeitos de garantia do processo de execução fiscal n.° 2666200001001396 (instaurado para a cobrança das dívidas impugnadas, relativas a IVA de 1994 e 1995);
c) Tendo o presente recurso por fundamento, exclusivamente matéria de direito (questão da suspensão do processo executivo em virtude de apresentação de impugnação judicial com prestação de garantia e seus efeitos na prescrição das dívidas impugnadas; não obstante o prazo de prescrição aplicável ser de 10 anos constante do CPT, aos factos interruptivos e/ou suspensivos da prescrição aplica-se a lei em vigor à data da sua ocorrência, nos termos do art.° 12° do Código Civil), uma vez que se decide mediante uma exclusiva atividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, afigura-se-nos que a competência em razão da hierarquia para conhecer o objeto do presente recurso pertence à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo;
d) A discordância com a sentença sob recurso reside, portanto, no facto do Tribunal “a quo” ter considerado como verificada a prescrição das dívidas impugnadas, não aceitando a Fazenda Pública a desconsideração do efeito suspensivo decorrente da interposição de impugnação judicial com prestação de garantia que da mesma faz a douta sentença recorrida;
e) Porquanto tendo sido informada a penhora de bens para suspensão do processo executivo, não podia o Mmo Juiz decidir a prescrição sem antes, à luz do principio do inquisitório e de forma a apurar a efectiva prescrição das dívidas, solicitar esclarecimentos sobre tal informação;
f) Considerando, antes de mais, que o decurso do prazo de prescrição da obrigação tributária se suspende com prestação de garantia na impugnação judicial e consequente suspensão do processo de execução fiscal (artigos 49°, n.° 3 da LGT e 169.° do CPPT);
g) Assim, a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento ao desconsiderar tal factualidade e a aplicação do direito em conformidade;
h) Para determinar se o prazo de prescrição aplicável é o do CPT ou o da LGT apenas há que verificar se, no caso concreto, faltava em 1 de Janeiro de 1999 menos tempo para se completar o prazo de prescrição de 10 anos previsto na lei antiga do que o de 8 anos previsto na lei nova — única situação em que se deixará de aplicar o novo e encurtado prazo contido na LGT;
i) Reportando-se as dívidas exequendas a IVA de 1994 e 1995 é inquestionável que o prazo prescricional aplicável é, nos termos do art.° 297° do Código Civil, o prazo de dez anos previsto no CPT;
j) Uma coisa, porém, é o prazo de prescrição, sendo aplicável em caso de sucessão de regimes legais o disposto no art.° 297° do Código Civil, e outra são os factos interruptivos e/ou suspensivos da prescrição, aos quais se aplica a lei em vigor à data da sua ocorrência, conforme resulta do art.° 12° do Código Civil e o STA tem afirmado repetidamente (Acórdãos de 11-03-2009 - Processo n.° 01033/08 e 050/09, de 06.11.2008 - Processo n.° 0828/08 e de 24-03-2010
— recurso n.° 01187/09);
k) Deste modo, nada impede que se aplique o prazo de prescrição previsto no CPT e se possam aplicar factos suspensivos ou interruptivos da prescrição previstos noutros diplomas. Tudo depende do momento em que tais factos ocorram e da lei vigente nesse momento;
l) Neste sentido veja-se a elucidativa argumentação vertida nos Arestos do STA, de 13-01-2010 e de 27-07-2011, recursos 0710/11 e 01148/09, respectivamente;
m) Assim, não obstante o prazo de prescrição aplicável ser o prazo de 10 anos previsto no CPT, haverá que apreciar as causas suspensivas e interruptivas da prescrição constantes da LGT;
n) Dispõe o art.° 49º n.° 1 da LGT que a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição;
o) O n.° 2 daquele preceito estabelecia que a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação;
p) Por sua vez o n.° 3 preceitua que o prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento a prestações legalmente autorizado, ou de reclamação, impugnação ou recurso;
q) No caso em análise, nos termos do 49° n.° 1 da LGT, a primeira causa interruptiva, com os efeitos do artigo 326° n.° 1 do C.C., foi a interposição da Impugnação judicial em 2000-02-14 (vide fls. 1 dos presentes autos);
r) por outro lado, em 06-04-2004, no âmbito dos processos de execução fiscal n.° “‘2666200001001027 e 2666200001001396, foi efectuada a penhora do imóvel (casa com destino a café, sita em ………) artigo matricial 267, Freguesia do ……., Concelho do Sátão, nos termos do art° 169º do CPPT e 199° do CPPT, para suspensão do processo executivo instaurado até à decisão do pleito, ou seja, até à decisão da impugnação judicial que havia sido interposta;
s) Refira-se ainda que foi efectuada a penhora dos cheques do tesouro n.° 6917228277, n.° 6017228278, e n.° 0817228273 para efeitos de garantia à impugnação deduzida;
t) Verificando-se a suspensão do processo de execução fiscal, deverá que entender-se pela suspensão do prazo prescricional, tal como resulta do art.° 49º n.° 3 da LGT;
u) Isto é, tal como tem sido repetidamente afirmado pelo STA (cfr., entre outros, os acórdãos proferidos em 04/03/2009, em 07/12/2010, em 26/01/2011, em 25/05/2011, em 07-09-2011 e em 14-12-2011 nos recursos n.°s 0160/09, 0490/10, 01/11, 0465/11 e 0655/11, respectivamente), a prestação de garantia ou a realização de penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência da impugnação, suspende a execução até à decisão do pleito e determina, igualmente, a suspensão do prazo de prescrição da respectiva dívida tributária;
v) Assim, deve ser entendido que, suspendendo o processo de execução fiscal, a prestação de garantia suspende, igualmente, a contagem do prazo de prescrição até à decisão do pleito;
w) Tal como resulta dos artigos 52° n.° 1 da LGT e 169° n.° 1, 195° e 199°, todos do CPPT;
x) Verifica-se então que até à data da suspensão acima referida — 06-04-2004 (data da penhora) / 13-04-2005 (data da notificação da penhora do imóvel e dos cheques do tesouro) — ainda não haviam decorrido os dez anos necessários para se completar a prescrição;
y) Mostrando-se penhorados bens suficientes para garantia da dívida e do acrescido, ao abrigo do art.° 169° do CPPT a execução fiscal é suspensa, com suspensão também do prazo de prescrição (art° 49°, n° 3 da LGT, então em vigor), no caso de impugnação judicial da dívida;
z) Assim, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao desconsiderar as causas interruptivas ou suspensivas da prescrição ocorridas na vigência da LGT ao prazo de prescrição de 10 anos contido no CPT, violando o disposto no art.° 12° do Código Civil, pelo que se impõe a respectiva revogação.
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, se requer que seja concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, seja revogada a douta decisão recorrida e se julgue não verificada a prescrição dos tributos impugnados, ordenando-se, em consequência, a baixa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a fim de aí prosseguir os seus termos.
O particular A………., contra-alegou formulando as seguintes conclusões:

A — O Recorrido apresentou, em 11 de Fevereiro de 2000, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, impugnação da liquidação de IVA n.° 99.165.195, referente ao ano fiscal de 1994, e respectivas liquidações de juros compensatórios n.° 99.165.191, n.° 99.165.192, n.° 99.165.193, n.° 99.165.194; e da liquidação de IVA n.° 99.165.190, referente ao ano fiscal de 1995, e respectivas liquidações de juros compensatórios n° 99.165.186, n.º 99.165.187, nº 99.165.188, n.° 99.165.189, e, em 14 de Fevereiro de 2000 foi citado, pelo Serviço de Finanças do Sátão, para o processo de execução fiscal n.° 2666 200001001396; 5.323.135.066 e n° 5.323.136.338 relativas a IRS e respectivos juros compensatórios, respeitantes aos períodos fiscais de 1994 e 1995, respectivamente, e, em 14 de Fevereiro de 2000 foi citado, pelo Serviço de Finanças do Sátão, para o processo de execução fiscal n.° 2666 200001001027;
B — As dívidas tributárias em causa nos presentes autos referem-se aos anos de 1994 e 1995, ocorrendo o termo inicial do seu prazo de prescrição, respectivamente, em 1 de Janeiro de 1995 e 1 de Janeiro de 1996 — conforme estipula o Código de Processo Tributário (CPT), vigente à data da verificação dos respectivos termos, no seu art. 34°, n.° 2;
C — Em 11 de Fevereiro de 2000, com a apresentação da impugnação judicial relativa às liquidações sub judice, ocorre o primeiro facto interruptivo do prazo prescricional e, com a citação, em 14 de Fevereiro de 2000, do ora Recorrido para o processo de execução fiscal, ocorre o segundo facto interruptivo do prazo prescricional;
D — Fruto da alteração legislativa operada no direito fiscal adjectivo com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária em 1 de Janeiro de 1999, a qual veio prever um prazo prescricional mais curto, nesta data, faltavam 6 anos para as dívidas referentes ao ano fiscal de 1994 prescreverem e 7 anos para as dívidas fiscais referentes ao ano fiscal de 1995 prescreverem;
E — Assim, obedecendo ao disposto no art. 297, nº 1 do Código Civil, concluiu, e bem, a Mma. Juíza a quo pela aplicação do CPT no que diz respeito ao prazo prescricional a que obedecem ambas as dívidas fiscais impugnadas, pois faltando menos tempo do que o previsto no novo prazo, é de aplicar o prazo da lei antiga;
F — No que respeita lei aplicável aos efeitos jurídicos do(s) facto(s) interruptivo(s) sobre o prazo prescricional, decorre do art. 12°, n.° 2 do CC que aqueles efeitos são determinados pela lei vigente no momento em que eles ocorrem;
G — Pelo que, relativamente ao facto interruptivo “impugnação” não remanescem dúvidas de que este tem a virtualidade de fazer interromper o prazo prescricional, interrompendo-se em 11 de Fevereiro de 2000 relativamente a ambas as dívidas tributárias sub Judice, pois tanto a lei antiga (CPT) como a lei nova (LGT) prevêem os mesmos efeitos;
H —Já no que respeita ao facto interruptivo “citação”, uma vez que o CPT não o previa como sendo interruptivo, mas sim a “instauração da execução” (art. 34°, n° 3 do CPT), e a LGT veio prever a citação como o facto que confere efeito interruptivo ao prazo prescricional (art. 49, n.° 1 da LGT, com a redacção dada pela Lei 100/99, de 26 de Julho, vigente à data da citação efectuada pelo Serviço de Finanças do Sátão), tendo em consideração que “é a lei nova a única competente para determinar os efeitos sobre o prazo de prescrição que têm os factos que ocorreram na sua vigência” (Jorge Lopes de Sousa, op. cit.), e que a citação ocorreu já na vigência da LGT, ocorreu uma segunda interrupção do prazo prescricional em 14 de Fevereiro de 2000);
I — Contudo, compulsados os autos, constata-se que, tanto o processo judicial de impugnação como o processo de execução fiscal tiveram, posteriormente à ocorrência dos factos interruptivos supra enunciados, uma paragem superior a um ano — entre 14 de Fevereiro de 2000 (data do último facto interruptivo do prazo prescricional — citação) e 16 de Março de 2002 (data relativa a um despacho de mero expediente do Mmo.Juiz) — por facto não imputável ao sujeito passivo.
J — Atendendo ao estipulado no art. 49º, nº 2 da LGT (na redacção que lhe foi dada pela Lei 100/99, de 26 de Julho, vigente à data dos factos), verifica-se que em 11 de Fevereiro de 2001 e em 14 de Fevereiro de 2001 ocorreu a cessação dos efeitos interruptivos atribuídos à impugnação e à citação, respectivamente;
L — Razão pela qual, em 15 de Fevereiro de 2001, ter-se-á reiniciado a contagem do prazo prescricional, transformando em suspensivo aquele efeito interruptivo, passando a somar-se o tempo que veio a decorrer ao que já havia decorrido anteriormente à ocorrência do primeiro facto interruptivo.
M — Assim, no que respeita às dívidas fiscais referentes ao ano fiscal de 1994, ter-se-á que somar aos quatro anos decorridos até 11 de Fevereiro de 2000 seis anos de forma a perfazer os dez anos de prazo prescricional previsto no CPT, o que levará a concluir terem as dívidas fiscais referentes ao ano fiscal de 1994 prescrito em 15 de Fevereiro de 2006, e, no que respeita às dívidas fiscais referentes ao ano fiscal de 1995, ter-se-á que somar aos três anos decorridos até 11 de Fevereiro de 2000 sete anos de forma a perfazer os dez anos de prazo prescricional previsto no CPT, o que levará, por sua vez, a concluir terem as dívidas fiscais referentes ao ano fiscal de 1995 prescrito em 15 de Fevereiro de 2007;
N — O TAF de Viseu encontrava-se, assim, em condições - nomeadamente, tendo em conta o ofício n.° 1137 de 02/12/2009 emanado pelo Serviço de Finanças do Sátão - de se pronunciar, acerca dos factos ora elencados, da sua relevância para o instituto da prescrição e consequência para a inutilidade superveniente da lide, uma vez que havia decorrido, com larga margem, o prazo prescricional relativamente a ambas as dívidas tributárias sub judice;
OSem prescindir no que diz respeito ao argumento invocado pela Fazenda Pública nas suas alegações — prazo prescricional esteve suspenso por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude da apresentação de impugnação judicial e posteriores penhoras efectuadas em 06 de Abril de 2004 e notificadas em 13 de Abril de 2005 —, tal não poderá considerar-se admissível uma vez que, para se considerar o efeito suspensivo da impugnação, o Impugnante teria que, ao abrigo do disposto no art. 169° do CPPT, ter constituído garantia nos termos do art. 195°, tê-la prestado nos termos do art. 199°, ou ter requerido a isenção de prestação de garantia (nos termos do art. 52º, n.° 4 da LGT), o que não fez, ou, em alternativa, teriam as penhoras, efectuadas pelo órgão da execução fiscal, que garantir a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que não se verifica.
P — Tendo a AF procedido à penhora de uma casa inscrita sob o art. 267° da matriz predial urbana da freguesia de ………, concelho de Sátão com o valor patrimonial de € 304, 21 (trezentos e quatro euros e vinte e um cêntimos) e ainda de três cheques do tesouro na quantia total de € 3.540,81 (três mil quinhentos e quarenta euros e oitenta e um cêntimos) no âmbito de dois processos de execução fiscal, é manifesta a insuficiência dos bens penhorados para garantia da dívida e do acrescido nos correspondentes processos de execução, pois as penhoras efectuadas (no valor global de € 3.845,02) destinavam-se a garantir € 45.155,81 em dívidas tributárias, valor ao qual deveria ainda somar-se os respectivos acréscimos legais — cfr. art. 169°, n°1 do CPPT.
Q — Ora, atendendo ao princípio da legalidade tributária (art. 8º da LGT, especialmente e com interesse absoluto para o presente caso, a alínea e) do seu n° 2), inexiste qualquer efeito suspensivo da impugnação judicial, porquanto não foram cumpridos os seus requisitos legais, na medida em que a dívida tributária em causa nos presentes autos não se encontra garantida em conformidade com o art. 169° da CPPT, devendo considerar-se - como correctamente considerou o tribunal a quo — como nunca tendo sido suspenso o prazo prescricional das dívidas tributárias sub judice;
R — Termos em que deve ser mantida a douta decisão proferida pelo tribunal a quo, por ter ocorrido, de facto, a prescrição das dívidas tributárias sub judice e, bem assim, pelo facto de que o processo de execução fiscal nunca esteve suspenso por não ter havido penhoras de bens suficientes para garantia das dívidas e respectivos acrescidos no âmbito dos processos de execução fiscal em que foram efectuadas.
S — No que respeita aos documentos juntos pela Fazenda Pública com as suas alegações, esta só não os forneceu em tempo, única e exclusivamente, por culpa sua, além do mais, não visam fazer prova de factos posteriores aos articulados, nem a sua apresentação se tornou necessária por virtude de ocorrência posterior, pois se os reputava como essenciais deveria tê-los apresentado na sequência do pedido de informação efectuado pelo tribunal a quo em 14 de Julho de 2009 ou até mesmo antes, pois bem sabia que aquele pedido era no sentido de aferir da eventual prescrição das dívidas tributárias sub judice;
T — Devem assim tais documentos ser mandados desentranhar e devolvidos ao apresentante — dada a sua intempestividade e, outrossim, por serem inócuos para prova do alegado pela Fazenda Pública -, sob pena de violação de princípios essenciais do processo, e do próprio ordenamento jurídico no seu todo, como será o caso dos princípios da legalidade, da igualdade de armas e do processo equitativo;
Assim se fazendo inteira JUSTIÇA!

O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:

A recorrente acima identificada vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, exarada a fls. 141/145, em 27 de Janeiro de 2012.
A sentença recorrida julgou extinta por inutilidade superveniente da lide a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA de 1994/1995, por prescrição da dívida tributária.
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 162/166, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684.°/3 e 690.°/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
O recorrido contra-alegou, tendo concluído nos termos de fls. 189/194, que aqui, também, se dão por inteiramente reproduzidos para todos os feitos legais.
O STA é competente para conhecer dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1ª instância se estiver apenas em causa matéria de direito, conforme estatuído nos artigos 26.°/b) e 38.°/a) do ETAF e 280.°/1 do CPPT.
Ora, salvo melhor juízo, o presente recurso jurisdicional não se funda, exclusivamente, em matéria de direito pelo que se verifica a excepção de incompetência do Tribunal, em razão da hierarquia, que merece imediata e prioritária apreciação, nos termos do disposto no artigo 13.° do CPTA e 16.°/2 do CPPT.
Como refere o ilustre Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa ¹ (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 2006, I volume, página 213.), “Na delimitação da competência do STA em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, que fixam o objecto do recurso (art. 684.°, n.° 3, do CPC), o recorrente pede a alteração da matéria de fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendabilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa”.
O recurso não tem exclusivamente por fundamento matéria de direito se nas respectivas conclusões se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos. ² (Acórdão do STA, de 2009.12.16, proferido no recurso nº 0738/09, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt)
Ora, na conclusão e), a recorrente defende que a prova produzida foi insuficiente, pois que imputa à sentença recorrida défice instrutório ao sustentar que o tribunal recorrido, antes de decidir a prescrição, à luz do principio do inquisitório, deveria solicitar esclarecimentos sobre a informação que consta de fls. 126 e a que se reporta a alínea E) do probatório.
Por sua vez, a conjugação das conclusões r), s) e t) contraria o juízo conclusivo fáctico formulado na fundamentação jurídica da sentença recorrida, fundado na factualidade apurada, segundo o qual inexistem outros factos interruptivos/suspensivos da prescrição, para além da instauração da impugnação judicial.
Por outro lado, na alínea t) a recorrente sustenta a suspensão do PEF, por via da penhora do imóvel e cheques, facto que não tem qualquer apoio na factualidade apurada na sentença e da qual pretende tirar óbvias consequências jurídicas.
Na verdade da factualidade assente na alínea E) do probatório, com referência à informação que faz fls. 126, resulta que o valor total dos bens penhorados é de €3.791,02 (304,21+1248,64+1076,61+1215,56) e o valor da obrigação exequenda é de 45.155,81, sendo, pois, óbvia a insuficiência dos bens penhorados para garantir o pagamento da totalidade da obrigação exequenda, pelo que não se poderia equacionar a eventual suspensão do PEF.
Este STA é, pois, incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, sendo competente para o efeito o TCAN.
O recorrente poderá requerer a remessa do processo ao Tribunal competente, nos termos do estatuído no artigo 18.°/2 do CPPT.
Termos em que deve ser julgada verificada a excepção de incompetência deste STA, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, por ser competente para o efeito o TCAN.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:

A) Nestes autos são impugnadas as liquidações adicionais de IVA dos anos de 1994 e 1995 e juros compensatórios.
B) Os presentes autos foram instaurados em 11.02.2000 e pararam por razões estranhas ao Impugnante, entre 06.04.2004 e 27.07.2006, cfr. fls. 80.
C) No SF foi instaurado, em 13.04.2000, processo de execução fiscal com o n.° 2666200001001396 destinado à cobrança coerciva das quantias originadas nas liquidações em causa nestes autos, cfr. fls. 1216
D) Pelo Tribunal foi proferido despacho a solicitar informação ao SF, com o seguinte teor:
Tendo por base a data dos tributos a que se reportam as liquidações em causa nestes autos, e com vista a aferir da eventual prescrição, oficie à AF solicitando que informe, documentando, se ocorreu pagamento ou outro facto interruptivo ou suspensivo da prescrição, nomeadamente se foi instaurada execução e na afirmativa quando; data da citação do executado e se nesta ocorreram paragens superiores a um ano por razões estranhas ao mesmo.
E) Na sequência de pedido de informação mencionado na al. C., pelo Chefe do SF de Viseu, através de oficio de 02.12.2009, foi esclarecido que no âmbito da execução identificada em C.:
“…
3. O referido PEF não teve paragens superiores a um ano até 2000.04.13;
4. Não foram efectuados quaisquer pagamentos;
5. Em 13.04.2005 foi notificado o impugnante da penhora de uma casa inscrita sob o art. N.° 267 da matriz predial urbana... e da penhora dos seguintes cheques…
6. Não são conhecidos outros factos interruptivos ou suspensivos da prescrição.

3 – DO DIREITO

A competência em razão da hierarquia integra pressuposto processual relativo ao Tribunal, constituindo requisito de interesse e ordem pública devendo, por isso mesmo, o seu conhecimento preceder o de qualquer outra matéria – cf. artigos 16º n.º 1 e 2 do CPPT e 13º do CPTA.

Ora, de harmonia com o disposto nos artigos 26º al. b) e 38º al. a) do ETAF e 280º n.º 1 do CPPT-, à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo compete apenas conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com exclusivo fundamento em matéria de direito,
Sendo que aos Tribunais Centrais Administrativos compete, por sua vez conhecer dos recursos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com excepção dos referidos na alínea b) do n.º 1, do citado art. 26.º do referido Estatuto.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a entender que na delimitação da competência do Supremo Tribunal Administrativo em relação à do Tribunal Central Administrativo deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, ou que contrariem o juízo conclusivo fáctico formulado na sentença, desde que estes, em abstracto, não sejam indiferentes para serem ponderados no julgamento da causa.
A questão da competência hierárquica é, ainda, uma questão prévia que tem de ser decidida abstraindo da solução de direito que o tribunal ad quem tomaria se fosse competente.
Nestas condições, o que há a fazer para decidir a questão da competência hierárquica, é apenas verificar se o recorrente pede a alteração da matéria de facto ou invoca factos nos termos acabados de referir. Se o faz, o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito.
Ora como bem refere o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, nas conclusões das suas alegações a recorrente questiona não só matéria de direito mas também matéria de facto nomeadamente nas conclusões e), r), s), t). Na conclusão e), a recorrente imputa à sentença recorrida défice instrutório.
E, nas conclusões r), s) e t) contraria o juízo conclusivo fáctico formulado na fundamentação jurídica da sentença recorrida, fundado na factualidade apurada, segundo o qual inexistem outros factos interruptivos/suspensivos da prescrição, para além da instauração da impugnação judicial, sendo ainda que na última conclusão destacada sustenta a suspensão do PEF, por via da penhora do imóvel e cheques, facto que não tem qualquer apoio na factualidade apurada na sentença e da qual pretende tirar óbvias consequências jurídicas.
Com efeito, afirma-se na sentença recorrida;”(…)Resulta da factualidade provada, que:
O processo de execução destinado à cobrança coerciva das quantias originadas nas liquidações em causa nestes autos foi instaurado depois da instauração da Impugnação, pelo que a citação ocorreu depois da apresentação da impugnação.
A Impugnação foi instaurada em 11-02-2000, aí interrompendo-se o prazo de prescrição, todavia como esteve parada por mais de um ano por causas estranhas ao impugnante, passou a causa de suspensão, na execução fiscal conforme oficio remetido pelo SF não ocorreu outro facto interruptivo ou suspensivo da prescrição, não importando averiguar a data da citação, pois que o SF informa somente a data da instauração da execução, que ocorreu em 13.04.2000, e a instauração da execução, não é causa de interrupção, alias após a entrada em vigor da LGT (art. 49°) só a citação tinha a virtualidade de interromper o prazo de prescrição, fruto da alteração operada à LGT pela Lei n.° 100/99 de 26 de Julho.
Dada a sequência de diplomas supre referidos, para verificarmos qual o preceito legal a aplicar, temos que nos socorrer do artigo 297°, n.° 1 do C. Civil que refere:
“A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.
Começando o prazo de prescrição a correr em 1 de Janeiro de 1995, 1996 (ver art. 34° do CPT), resulta evidente que o prazo a aplicar é o de 10 anos, visto que em 1.1.1999, aquando da entrada em vigor da LGT, faltava mais tempo para ocorrer a prescrição.
Atenta a norma transcrita do CC, é de aplicar, neste caso, o prazo previsto no CPT.
Este entendimento é o que nos parece ser defendido no Acórdão e reflexões apresentada pelo ilustre Conselheiro e Doutrinador Dr. Jorge de Sousa, respectivamente Ac. do STA.
0244/07, 24-10-2007, PLENO DA SECÇÃO DO CT, BAETA DE QUEIROZ, PRESCRIÇÃO INTERRUPÇÃO e Notas sobre a aplicação no tempo das normas sobre prescrição da obrigação tributária datadas de 28-04-2008, maxime pags. 15 e 16.
Assim, a última dívida via a sua prescrição a ocorrer em Janeiro de 2006, contudo temos a interrupção da Impugnação que ocorreu em 2000, mas dada a paragem superior a um ano, por facto não imputável ao contribuinte, aquela converteu-se em suspensão, terminando em 2007 o prazo de prescrição, sem necessidade de fazer muitas contas, visto a grande amplitude do prazo. Se assim o é para as dívidas de 1995, por maioria de razão, também o é para as dívidas de 1994.
Não existem outras causas de interrupção ou suspensão dos autos. (sublinhado nosso)
Impõe-se, assim, concluir que as obrigações tributárias em causa nestes autos encontram-se prescritas, o que determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide,”. Neste contexto o recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito.
Pelo que, está vedado a este STA o conhecimento do recurso.
Assim sendo, não se limitando o recurso à matéria de direito, é este Supremo Tribunal incompetente em razão da hierarquia. Neste sentido o acórdão de 23 de Fevereiro de 2012, proferido no Proc. nº 16/12. Vide, ainda, Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 2006, I volume, página 213.)
Ocorre, pois, a incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo já que versando o recurso, também, matéria de facto, e não exclusivamente matéria de direito, será competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo Norte – arts. 280º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26º alínea b) e 38º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.



4-DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, se decide julgar a Secção de Contencioso Tributário do STA incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso jurisdicional, declarando-se competente para o efeito o Tribunal Central Administrativo Norte (Secção do Contencioso Tributário) nos termos do artº 18º, nº 3, do CPPT., para o qual a recorrente já requereu a remessa do processo.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2013. – Ascensão Lopes (relator) – Lino Ribeiro – Valente Torrão.