Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01095/12
Data do Acordão:04/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
JUROS COMPENSATÓRIOS
FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
TAXA DE JUROS
Sumário:I - Não se encontram insuficientemente fundamentados os actos de liquidação de juros compensatórios dos quais consta, quanto à taxa de juro aplicável ao período, que é “a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil”.
II - Se das notas de liquidação de juros compensatórios notificadas ao contribuinte consta, por alegado mas não corrigido erro de impressão, como valor do imposto e dos juros o mesmo valor, mostra-se violado o disposto no n.º 9 do artigo 35.º da LGT, invalidando o acto de liquidação.
Nº Convencional:JSTA000P15612
Nº do Documento:SA22013042301095
Data de Entrada:10/19/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 3 de Julho de 2012, na parte em que esta julgou procedente a impugnação deduzida por A………, LDA, com os sinais dos autos, contra o indeferimento do recurso hierárquico do indeferimento de reclamação graciosa tendo por objecto liquidações de juros compensatórios, por falta de fundamentação destes.
A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A) A douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, ao interpretar erroneamente a regra legal da fundamentação ínsita no preceituado na conjugação dos nºs 9 e 10 do artº 35º com o artº 77 da LGT, na medida em que considera que da análise às liquidações de JC em crise “verifica-se que delas consta o montante do imposto sobre que recaem juros compensatórios, e o período pelo qual os mesmos são devidos”, mas que “das mesmas não consta a taxa de juro aplicável”.
B) Julgou, assim, o Tribunal “a quo” parcialmente procedente a presente impugnação, ordenando a anulação da “liquidação respeitante aos juros compensatórios e mantendo-se as restantes nos precisos termos”, porquanto “não pode dizer-se que as referências tidas em conta na notificação da liquidação de juros compensatórios em crise preencham o conteúdo mínimo fundamentador legalmente exigido.
C) Com a ressalva do respeito devido pelo que assim vem decidido, não se conforma a Fazenda Pública, perfilhando-se o entendimento de que as liquidações de JC ora controvertidas se encontram devidamente fundamentadas, não padecendo os atos tributários impugnados do alegado vício de forma, por falta de fundamentação.
D) Dispõe o n.º 1 do artº 35º da Lei Geral Tributária (LGT), que os JC se efectivam sempre que por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação, de parte ou da totalidade do imposto devido, decorrendo a obrigação de fundamentação dos mesmos, do estatuído neste artº 35º, bem como do artº 77º do mesmo diploma legal, devendo essa fundamentação estar vertida na liquidação e sequente notificação dos JC, evidenciando claramente o montante principal da prestação e o montante desses mesmos juros.
E) Tal como já pugnou na sua contestação aos presentes autos, na esteira prosseguida pelo entendimento jurisprudencial, entende a Fazenda pública, com o devido respeito por melhor opinião, que a exigência de fundamentação, no atinente aos JC, se reduz ao mínimo.
F) Tal declaração mínima prosseguida pela jurisprudência, indispensável para que se cumpram as exigências decorrentes do art. 35.º da LGT, nos seus nºs 9 e 10, possibilitando ao contribuinte a opção entre o confrontar-se com o ato, aceitando a sua legalidade ou contra ele reagir administrativa ou contenciosamente, basta-se na menção, na liquidação, do montante de imposto sobre que recaem os juros, da taxa ou taxas aplicáveis e do período da sua contagem, referências que se constata constarem das liquidações controvertidas (tendo por base a reprodução de uma delas, a fls. 14 da petição inicial – artigo 40.º).
G) É certo que da notificação em crise não consta, expressamente, a taxa de juro aplicável, mas antes, nos termos da lei, refere-se que esta é “a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil (CC), por remissão da enunciação do n.º 10 do artigo 35.º da LGT.
H) É de esperar, a um destinatário normalmente diligente, que procure saber qual a taxa de juros em vigor por aplicação do art. 559º, nº 1 do CC, resultando da aplicação da lei, cujo desconhecimento não lhe aproveita (art. 6.º do CC), sendo certo que, através de simples operação aritmética, poderia a impetrante chegar ao valor da taxa aplicada, dado as liquidações de juros notificadas, só por si, conterem todos os elementos necessários ao cálculo da taxa aplicada.
I) No que a esta matéria diz respeito, o sentido em que se tem manifestado o entendimento jurisprudencial constante e pacífico, merece o nosso acolhimento integral – neste sentido, veja-se o douto Acórdão do STA, de 2010/04/21, processo n.º 0743/09.
J) Constata-se, assim, que as referências tidas nas notificações das liquidações de JC ora em causa preenchem o conteúdo mínimo fundamentador legalmente exigido, mormente se se tiver em conta que a obrigação de pagamento daqueles juros é acessória da obrigação principal de imposto, e consequência da sua falta de liquidação, àquela indo buscar, logicamente, a sua motivação.
K) A fundamentação dos atos sindicados existe, pois, sendo clara e suficiente, permitindo a um normal destinatário como a impugnante fazer a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente, permitindo-lhe contraditá-la, defendendo os seus direitos e interesses legítimos e possibilitando-a, desta forma, sindicar o ato a controlo judicial, munida de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à emissão das liquidações de JC.
L) A este respeito considera a Fazenda Pública que a impetrante está bem ciente de todos os elementos que fundamentaram as liquidações de JC controvertidas, nomeadamente pelo conspecto do petitório da presente impugnação, encontrando-se munida dos elementos essenciais para poder atacar tais atos tributários, o que só se mostra possível pelo conhecimento que revela dos factos concretos considerados pela AT, permitindo-lhe argumentar se os mesmos se verificam ou não.
M) Assim, não pode a Fazenda pública aceitar, sempre com o respeito devido por opinião contrária, que a fundamentação das liquidações de JC ora em crise estejam viciadas por qualquer deficiência, sendo, nos termos do atrás exposto, tal fundamentação efectuada manifestamente suficiente e clara, pelo que não ocorre a violação do disposto nos artºs 35º e 77º da LGT.
N) Não obstante, é certo que os contribuintes têm, efectivamente, direito ao conhecimento da fundamentação das decisões em matéria tributária que afetem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, a qual lhes será notificada com a decisão.
O) Porém, a omissão da fundamentação na notificação não pode conduzir à anulação do ato de liquidação notificado, uma vez que que se trata de um ato exterior e posterior a este, só sendo susceptível de afetar a sua eficácia em relação ao destinatário, enquanto as suas deficiências não devam considerar-se sanadas, sendo de salientar o facto da impetrante ter conhecimento do procedimento inspectivo que subjaz ás liquidações controvertidas e das correcções dali resultantes, constantes do relatório que lhe foi notificado.
P) O artº 99º do CPPT, prevê como fundamento de impugnação judicial qualquer ilegalidade, reportando-se contudo às ilegalidades que possam afetar o acto impugnado, objecto do processo e não às eventuais ilegalidades posteriores à pratica do ato final, que não podem ter qualquer relação de causalidade com a legalidade deste ato e seus pressupostos.
Q) Com o devido respeito pelo que vem decidido pelo Tribunal “a quo” não pode assim o ato impugnado ser anulado com fundamento na falta de notificação da sua fundamentação – neste sentido, veja-se o ponto 2 do sumário do douto Acórdão proferido pelo TCA Norte, em 2006/05/04, processo nº 00064/02 – Braga.
R) Em conclusão, não se verificando o vício sentenciado, deveria ter improcedido o fundamento em análise, padecendo a douta sentença sob recurso de erro de julgamento na aplicação do direito, por ter violado o disposto nos arts. 35º e 77º da LGT, devendo considerar-se válidos os atos tributários de liquidação de JC e, como tal, manterem-se os mesmos na ordem jurídica.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.

2 – A recorrida requereu a ampliação do objecto do recurso nos termos do n.º 1 do art.º 684.º-A do CPC, aplicável “ex vi” art. 2.º, e) do CPPT, e contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
1. Nos artigos 35.º a 45.º da p.i. de impugnação judicial, a impugnante alegou que o valor das liquidações de juros compensatórios não se mostrava devidamente fundamentado.
2. A impugnante imputava um erro em todas as liquidações que se conduzia à falta de indicação de um dos elementos considerado essencial à dita fundamentação (o elemento “imposto em falta sobre o qual incidem juros”), o que configurava vício de fundamentação e erro sobre os pressupostos de direito desse valor imputado a juros compensatórios, pelo que não podem ser assim exigidos à impugnante.
3. Em conformidade, pedia-se, além, do mais, a anulação das liquidações de JC.
4. O Tribunal “a quo” deu por procedente o vício de fundamentação alegado, mas não pelo fundamento alegado pela impugnante, mas pelo facto das liquidações de JC impugnadas não constar a taxa de juro aplicável.
5. Razão pela qual se requer expressamente que o tribunal de recurso conheça do fundamento em que parte vencedora (a aqui ora recorrida) decaiu, prevenindo a necessidade da sua apreciação, na justa medida em que se possa dar procedência ao recurso apresentado pela Fazenda Pública, nos termos do n.º 1 do art. 684.º-A do CPC, ampliando-se assim o âmbito ou objecto do recurso.
6. A impugnante, nessa hipótese e na medida dessa necessidade, afirma que a argumentação exposta em sede de impugnação judicial mantém, necessariamente, a sua actualidade, não se podendo aceitar que o valor do imposto sobre que incidem os juros se mostre, para todos os efeitos indicados, por se ter evidenciado que o valor indicado ser o mesmo do valor dos juros calculados.
7. Isto é, não se mostra cumprida a exigência do disposto no n.º 9 do art. 35.º da LGT, que postula que a liquidação de juros compensatórios deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas.
8. Ora, das liquidações em crise resulta manifesto que:
a) Não se evidencia, muito menos claramente, qual o montante principal da prestação, ou seja o imposto em falta sobre que incidem juros, desde logo, por se fazer constar que é igual ao valor dos juros calculados;
b) Não se explica, sendo assim inviável, o respectivo cálculo, por também aqui se fazer coincidir o valor do imposto com o valor dos juros;
c) Por existir esse erro, não se permite fazer a distinção entre o valor dos juros e o valor do imposto em falta sobre que incidem os referidos juros.
d) Ou seja, articulando os elementos constantes das liquidações, torna-se impossível saber como se obteve o cálculo e o resultado final apurado, não permitindo assim ao notificando o conhecimento integral do itinerário valorativo e cognoscitivo seguido pela entidade liquidadora dos juros.
9. A própria AT assume, em sede de resposta ao recurso hierárquico, a incorrecta indicação do elemento “quantia sobre que incidem os juros”, alegando-se que se deve “a erro informático já regularizado pela AT”, ainda que a impugnante desconheça se tal aconteceu por dela não ter sido notificada.
10. É assim evidente o erro na indicação do montante do imposto sobre que recaem os juros que não permite, pela tal articulação dos elementos, chegar ao resultado final apurado.
11. A não distinção, ou a coincidência se se preferir, do montante principal da prestação e dos juros compensatórios torna impossível o cálculo exigido pelo n.º 9 do art. 35º da LGT, por forma a perceber o resultado final obtido pela AT.
12. Pelo que não se pode afirmar que esteja cumprido o disposto no n.º 9 do art. 35.º da LGT e que se dê por satisfeito o dever de fundamentação formal do acto, também nos termos do art. 77.º da LGT.
13. Presente sempre que esta exigência de demonstração de cálculo se insere no sabido dever geral de fundamentação expressa e acessível dos actos lesivos, de consagração constitucional (art. 268º, nº 3 da CRP).
14. A melhor jurisprudência citada na p.i. continua conforme à realidade em análise, a saber (disponível em www.dgsi.pt): Acórdão STA, de 04/02/2004, no âmbito do Processo n.º 01733/03 e Acórdão do STA, de 2009-01-07 – Processo n.º 0871/08, cujos sumários se mostram “supra” transcritos.
Termos em que:
a) Declarando improcedente o recurso da FP, confirmando a decisão recorrida;
b) Ou, se assim V. Excias. não entenderem, devem, nos termos do 684.º-A, n.º 1 do CPC, conhecer do requerimento de ampliação do âmbito do recurso, conhecendo do fundamento alegado, dando por procedente a impugnação judicial na parte relativa ao pedido de anulação das liquidações de juros compensatórios,
Fazendo a merecida e aguardada JUSTIÇA!

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal promoveu a aquisição para o processo de cópias das liquidações de juros compensatórios (promoções de fls. 154, verso, 166 e 179 dos autos), aceites pela Relatora (fls.152, verso, 166, verso e 180 dos autos) e, uma vez junta pela Autoridade Tributária a solicitada informação (a fls. 184 a 193 dos autos) emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: sentença declaratória da procedência parcial da impugnação judicial deduzida contra decisão de indeferimento de recurso hierárquico interposto de decisão de indeferimento de reclamação graciosa tendo por objecto liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios (anos 2003 e 2004) no montante global de €293 291,63
FUNDAMENTAÇÃO
1. O princípio constitucional da fundamentação dos actos administrativos (art. 268.º n.º 3 CRP) foi densificado nos arts. 124.º e 125.º do CPA e no art. 77.º n.ºs 1 e 2 LGT (acto administrativo tributário)
Especificamente, a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (art. 77.º n.º 2 LGT)
O dever legal de fundamentação do acto administrativo cumpre uma dupla função:
- endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência
- exógena, ao permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa
A jurisprudência do STA-SCT tem consolidado o entendimento de que a mínima fundamentação exigível para os actos de liquidação de juros deve indicar a quantia sobre a qual incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicáveis, com menção desses elementos no próprio acto de liquidação ou por remissão para documento anexo (acórdãos STA-SCT 7.01.2009 processo nº 871/98; 21.04.2010 processo n.º 743/09; 16.10.2010 processo nº 830/10; 30.11.2011 processo nº 619/11, 29.02.2012 processo n.º 928/11)
2. No caso concreto estão verificados os requisitos exigíveis para a validade do acto de liquidação, onde constam os elementos supra assinalados, necessários ao cumprimento da dupla função do dever legal de fundamentação, ainda que a indicação das taxas de juro aplicadas seja feita por remissão para a taxa dos juros legais fixados nos termos do art. 559.º n.º 1 CCivil por sucessivas portarias conjuntas dos Ministros da Justiça e das Finanças (art. 35º nº 10 LGT/acórdãos STA-SCT 14.02.2013 processo n.º 645/12; 21.04.2010 processo nº 743/09)
No entanto, a liquidação de juros compensatórios enferma de manifesto e insuprível erro sobre os pressupostos de facto (reconhecido pela própria autoridade tributária e aduaneira, embora classificando-o como erro de impressão) ao indicar um montante de imposto em falta sobre o qual incide a taxa de juro idêntico ao valor dos próprios juros (docs. fls. 190/191)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A decisão anulatória da liquidação de juros compensatórios deve ser confirmada (com a fundamentação enunciada).


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se, como decidido, as liquidações de juros compensatórios impugnadas se encontram insuficientemente fundamentadas.

5 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel objecto de recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1.º - A Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva interna de âmbito parcial levada a cabo pelos serviços de inspecção tributária.
2.º - Essa acção inspectiva foi desencadeada a coberto da ordem de serviço interna nº 01200700462.
3.º - Decorreu entre 16 de Junho de 2008 e 18 de Setembro de 2008.
4.º - Teve a sua incidência temporal limitada ao IVA e ao IRC dos exercícios de 2004 e 2005.
5.º - A Impugnante exerce a actividade de comércio de veículos automóveis ligeiros com o CAE 45110.
6.º - Estava enquadrada para efeitos de IRC no regime especial de tributação.
7.º - Estava enquadrada em sede de IVA no regime normal de com periodicidade trimestral.
8.º - Tinha o seu domicílio fiscal no ……… do Serviço de Finanças de santo Tirso.
9.º - A sociedade Impugnante iniciou a sua actividade em 7 de Junho de 2001.
10.º - Iniciou a comercialização de viaturas em 2002.
11.º - A ora Impugnante comercializava viaturas usadas que adquiria em estado de semi novas noutros Estados membros da União Europeia.
12.º - A inspecção tributária analisou os elementos contabilísticos da empresa e cruzou estes com os elementos revelados pelo sistema de trocas intracomunitárias – VIES.
13.º - Constaram os Serviços de Inspecção que a maior parte das viaturas comercializadas provinham de outros Estados Membros e tinham sido adquiridas na situação de aquisição intracomunitária de bens tributada nos termos gerais do CIVA.
14.º - a partir do exercício de 2005, a Impugnante passou a declarar o valor das aquisições intracomunitárias de bens e procedeu à liquidação do IVA devido nos termos do art. 1º, nº 1, alínea c) do CIVA e dos artigos 1.º, alínea a), 3º e 8º, nº 1 do Regime do IVA nas RITI.
15.º - A Impugnante utilizou na revenda das viaturas o regime especial da margem de tributação de bens em segunda mão previsto no DL 199/96 de 18 de Outubro.
16.º - Não foi assim liquidado o IVA no valor global de 105.208,51 euros em 2004 e de 153.689,52 euros, em 2005.
17.º- O rendimento tributável para efeitos de IRC foi corrigido no valor de 34.900,00 euros em 2004, por ter sido contabilizado em duplicado.
18.º - A Impugnante contabilizou indevidamente o valor de 47,58 euros, respeitante ao duodécimo da amortização de um faqueiro de prata.
19.º - A sociedade Impugnante contabilizou indevidamente o valor de 570,94 euros, relativo à reintegração do faqueiro.
20.º - Valores que foram corrigidos ao rendimento tributável.
21.º - A Administração Tributária notificou as liquidações impugnadas à Impugnante em 18 de Dezembro de 2008.
22.º - As mesmas liquidações voltaram a ser notificadas em 29 de Dezembro de 2008.
23.º - as liquidações respeitantes à fundamentação dos Juros Compensatórios decorreram da fundamentação das liquidações e do atraso na entrega do imposto.
24.º- A Impugnante foi notificada para o exercício do direito de audição.
25.º - Direito que exerceu.
26.º- A ora Impugnante apresentou em 30 de Junho de 2009 uma reclamação Graciosa das liquidações objecto da presente Impugnação Judicial.
27.º - A qual foi indeferida em 22 de Fevereiro de 2010.
28.º - Em tempo apresentou Recurso Hierárquico.
29.º O qual foi indeferido em 30 de Setembro de 2010.
30.º - A decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico foi notificada à ora Impugnante em 18 de Novembro de 2010.
31.º - a presente Impugnação Judicial foi apresentada em 7 de Fevereiro de 2011.

6 – Apreciando
6.1 Da fundamentação dos actos de liquidação de juros compensatórios impugnados
A sentença recorrida, a fls. 100 a 109 dos autos, julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida pela ora recorrida, anulando a liquidação respeitante aos juros compensatórios e mantendo-se as restantes nos precisos termos, por ter julgado que as liquidações de juros compensatórios não se encontram devidamente fundamentadas porquanto das mesmas não consta a taxa de juro aplicável, razão pela qual entendeu que não pode dizer-se que as referências tidas em conta na notificação da liquidação de juros compensatórios em crise preencham o conteúdo mínimo fundamentador legalmente exigido, mesmo, considerando, como se disse, que a obrigação do pagamento daqueles juros é acessória da obrigação principal de imposto e consequência da sua falta de liquidação (cfr. sentença recorrida, a fls. 108 dos autos).
Discorda do decidido a recorrente, alegando que as liquidações de JC ora controvertidas se encontram devidamente fundamentadas, não padecendo os atos tributários impugnados do alegado vício de forma, por falta de fundamentação.
Vejamos.
Não procede a alegação da recorrente quanto à suficiente fundamentação dos juros compensatórios, não pela razão atendida na sentença recorrida (falta de indicação da taxa de juro aplicável), mas pela alegada pela ora recorrida na sua petição inicial de impugnação e reiterada no seu pedido de ampliação do objecto do recurso.
De facto, se o único vício das liquidações de juros compensatórios sindicadas fosse, como decidido, o facto de delas constar não directamente a taxa de juro aplicável, antes a referência de que tal taxa é “a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil”, não haveria razão para confirmar-se o decidido, pois, como se consignou ainda recentemente no Acórdão deste Supremo Tribunal do passado dia 14 de Fevereiro (rec. n.º 0645/12), reiterando o entendimento já antes expresso em Acórdão de 21 de Abril de 2010 (rec. n.º 0743/09), deve entender-se que está devidamente fundamentado o acto de liquidação que, quanto ao valor da taxa de juros compensatórios, refere que é a equivalente à taxa de juros legais fixada nos termos do art. 559.º, n.º 1 do Código Civil, porquanto explicitado fica perante o impugnante qual a taxa que serviu para o cálculo dos juros (…) taxa esta, aliás, facilmente cognoscível para uma empresa, como a impugnante, que exerce uma actividade económica lucrativa e que, para além disso, dela pode tomar conhecimento através de uma simples leitura do boletim oficial e que corresponde a um parâmetro de fundamentação objectivo, e claro, suficiente para responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte e, por isso, facilmente sindicável.
É que, como aí também se disse, reconhecendo embora que a fundamentação da liquidação dos juros se tornaria imediatamente mais esclarecedora se contivesse não a remissão para a taxa de juro legal, mas a expressa e directa indicação desta - actualmente 4% ao ano, desde a Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril -, não parece que a remissão para a taxa de juro legal constante das notas de liquidação (…) tenha impedido a recorrente de conhecer o (iter) cognoscitivo e valorativo percorrido pela Administração Tributária no cálculo dos juros compensatórios e menos ainda que tenha de algum modo obstaculizado os seus direitos de defesa.
Aliás, no caso dos autos, como bem diz a recorrida nas conclusões do seu pedido de ampliação do objecto do recurso, a então impugnante fundamentara o seu pedido de anulação das liquidações de juros compensatórios no vício de falta de fundamentação (e erro sobre os pressupostos de direito) não pelo facto das liquidações de JC impugnadas não constar a taxa de juro aplicável, antes por falta ou errónea indicação do valor do imposto em dívida sobre o qual incidem os juros – em razão do valor constante das liquidações sindicadas ser precisamente o mesmo quanto ao “Imposto em falta sobre o qual incidem juros” e ao “Valor dos juros” (como se constata da nota de liquidação reproduzida no artigo 40.º da petição inicial de impugnação - a fls. 16 dos autos - e ora junta pela Administração tributária a solicitação deste Supremo Tribunal - a fls. 191 dos autos).
É por esta razão - que não pela julgada verificada na sentença recorrida – que se entende, acompanhando o parecer do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, que a liquidação de juros compensatórios enferma de manifesto e insuprível erro sobre os pressupostos de facto (reconhecido pela própria autoridade tributária e aduaneira, embora classificando-o como erro de impressão) ao indicar um montante de imposto em falta sobre o qual incide a taxa de juro idêntico ao valor dos próprios juros (docs. fls. 190/191), razão pela qual enferma de ilegalidade justificativa da sua anulação.
É que, se de erro de impressão se tratou (como alega a Administração Tributária no ofício dirigido a este STA e constante de fls. 190 dos autos), havia que o corrigir atempadamente e notificar o contribuinte da liquidação corrigida, o que não sucedeu, não sendo suficiente que do sistema informático da Administração conste como correcto o valor base sobre que incidem os juros (conforme “print” extraído do sistema e junto a fls. 193), pois que não é apenas no sistema, mas na liquidação notificada ao contribuinte, que tem de se evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas, como impõe o n.º 9 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária, aqui manifestamente inobservado e, por isso, gerando a ilegalidade das liquidações de juros compensatórios sindicadas.

O recurso não merece, pois, provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, e, com a presente fundamentação, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 23 de Abril de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Lino Ribeiro - Dulce Neto.