Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01513/02
Data do Acordão:02/05/2003
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ERNÂNI FIGUEIREDO
Descritores:COMISSÃO DE REVISÃO DOS LUCROS TRIBUTÁVEIS.
NOTIFICAÇÃO.
LIQUIDAÇÃO.
EFEITO SUSPENSIVO.
Sumário:Na reclamação para a comissão de revisão da matéria tributável, deduzida nos termos do art. 84° e ss. do CPT, se não há na decisão do referido órgão alteração de qualquer direito, interesse legítimo ou obrigação do destinatário que peça ser levada ao seu conhecimento, não se explica nem sequer a exigência de notificação do mesmo e muito menos que o acto complementar seja havido como condição de eficácia (subjectiva ou objectiva) do acto notificado quanto ao termo do efeito suspensivo procedimental.
Nº Convencional:JSTA00058771
Nº do Documento:SA22003020501513
Data de Entrada:10/09/2002
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPT91 ART84 ART90 ART123 N1 B C.
Referência a Doutrina:ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTROS CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ANOTAÇÃO AOS ARTS66 ART132.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo
Inconformada com a sentença do TT de 1ª Instância de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida por A... contra a liquidação de IVA e juros compensatórios referente aos anos de 1993 e 1994, no montante de 608.311$00, veio o Representante da FªPª recorrer, concluindo a sustentar que:
- o efeito suspensivo da liquidação, atribuído por lei à reclamação para a comissão de revisão prevista no art. 84 ° do CPT, reportava-se nos termos do art. 90º do mesmo código, ao período que decorria até à decisão da reclamação;
- face ao regime aplicável à questionada reclamação para a comissão, que constava do art. 84º e ss. do CPT, não poderá concluir-se que o referido efeito suspensivo deveria ser observado até à notificação da respectiva decisão;
- tendo a liquidação em causa sido efectuada em data manifestamente posterior àquela em que se realizou a reunião da comissão de revisão que apreciou a reclamação e não obstante a notificação da decisão respectiva ter ocorrido em momento ulterior, mostra-se observado o efeito suspensivo previsto no mencionado art. 90º então vigente;
- face à evidente desconformidade do entendimento manifestado na decisão recorrida com os termos deste último preceito, não ocorrendo a ilegalidade apontada ao acto em causa, deverá a sentença recorrida ser revogada, com as legais consequências.
Contra-alegou o recorrido a sustentar que a notificação das decisões da Administração é um preceito constitucional que informa e conforma também o conteúdo do vertido no art. 90° do CPT, sendo que esta norma não é excepcional, face aos arts. 268°/3 da CRP e 21°/2 do CPT. A não notificação da decisão da Comissão de Revisão é ilegal e inconstitucional por violar os direitos e interesses legalmente protegidos do cidadão contribuinte, pelo que deverá ser mantida a decisão recorrida.
O Exm° Magistrado do MºPº é de parecer que o recurso merece provimento, na medida em que do art. 90º do CPT e tendo em conta que, no caso dos autos, a decisão da comissão não é susceptível de impugnação (art. 89° daquele código), a notificação da decisão da comissão não pode ser tida como condição de eficácia da decisão, por isso a omissão da notificação é, no concreto caso dos autos, mera irregularidade.
A sentença recorrida entendeu que apesar de o art. 90° do CPT não referir a notificação da decisão da comissão de revisão não seria de concluir que cessava o efeito suspensivo da reclamação e fazendo um apelo à uniformidade do sistema, verificou-se ser genérica a exigência da notificação dos actos como condição de eficácia, pelo que também o seria para a decisão da comissão de revisão. Entendeu pois a sentença que o efeito suspensivo da reclamação para a comissão de revisão só cessava quando a decisão da mesma adquirisse eficácia através da sua notificação ao contribuinte.
Cumpre decidir.
Face à não impugnação e a não haver lugar à alteração da matéria de facto fixada no tribunal recorrido, dá-se a mesma como assente por efeito da remissão imposta nos arts. 713°/6, 726°, 749º e 762°/1 do CPC.
Discute-se a legalidade de uma liquidação tributária que se suportou numa decisão da comissão de revisão da matéria colectável não notificada ao interessado, cabendo determinar se tal falta de notificação acarretou a violação do efeito suspensivo legalmente previsto para a reclamação para aquele órgão no art. 90° do CPT.
O texto do preceito refere apenas que a reclamação para a comissão de revisão tem efeito suspensivo até à sua decisão, enquanto que em outros lugares a lei, quando intenta referir-se ao relevo a conferir à notificação dos actos tributários, fá-lo expressamente, como ocorre no art. 123°/1, alíneas b) e e) do citado diploma.
Será o primeiro sinal (o literal) de que a decisão é objectivamente eficaz para fazer cessar o efeito suspensivo do procedimento, independentemente da sua notificação ao destinatário.
O que não aparece contrariado no campo da função de garantia constitucional dos interessados que o art. 268º/3 da CR assinala à notificação, porquanto este preceito não deixa, quando sujeita os actos administrativos a notificação, de remeter para a forma prevista na lei, dando assim relevo à normação da lei ordinária.
E depois, quando se indague a ratio juris do preceito, não se enxerga qual a relevância de um acto, a notificação ao interessado, que, operando como requisito de eficácia ou de oponibilidade subjectiva dos actos comunicados aos respectivos interessados (Cf. Notas aos Arts. 66º e 132º do Código do Procedimento Administrativo, na obra do mesmo nome, de Esteves de Oliveira e outros.), não encontra lugar de aplicação na situação regida pelo referido art. 90º.
No acto comunicado não há qualquer imposição dirigida ao interessado que ele tenha que cumprir e se há uma modificação de direitos ou interesses legalmente protegidos que àquele importem, a mesma não convoca meios de reacção administrativa e judicial, pois o art. 89º do CPT proscreve a impugnabilidade autónoma das decisões das comissões, reservando para a reclamação ou impugnação do acto tributário de liquidação a invocação de qualquer ilegalidade de que enferme a fixação da matéria colectável.
Assim, se não há alteração de qualquer direito, interesse legítimo ou obrigação do destinatário que peça ser levada ao seu conhecimento, não se explica nem sequer a exigência de notificação e muito menos que o acto complementar seja havido como condição de eficácia (subjectiva ou objectiva) do acto notificando quanto ao termo do efeito suspensivo procedimental.
Termos em que se concede provimento ao recurso, se revoga a sentença recorrida, remetendo-se os autos à 1ª instância para serem conhecidos os demais fundamentos da impugnação.
Custas a considerar a final.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2003
Ernâni Figueiredo – Relator – Lúcio Barbosa – Alfredo Madureira