Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0356/10
Data do Acordão:07/07/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
NULIDADE INSUPRÍVEL
NULIDADE DE SENTENÇA
CONHECIMENTO OFICIOSO
DISPENSA DE COIMA
Sumário:I – À face do preceituado no art. 63.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias, não constitui nulidade insuprível da decisão administrativa de aplicação de coima por contra-ordenação tributária a não consideração de elementos invocados na defesa pelo arguido.
II – Designadamente, no que concerne à fundamentação, apenas se exige que a decisão de aplicação de coima contenha a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas e a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação das coimas e sanções acessórias, não se impondo, assim, que sejam indicadas as razões por que se não atendeu aos elementos apresentados na defesa.
III – A falta de consideração dos elementos invocados na defesa apenas poderá ter relevância como vício da decisão de aplicação de coima se essa falta afectar a correcção da decisão, designadamente se se verificar uma situação em que, se esses elementos tivessem sido considerados, deveria ter sido aplicada uma coima diferente da que foi aplicada ou deveria ter sido decidida a sua dispensa.
IV – No que concerne à possibilidade de dispensa de coima, ao abrigo do disposto nos arts. 32.º e 33.º do RGIT, a exigência cumulativa de que esteja regularizada a falta cometida e que a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária conduz à conclusão de que, para ocorrer dispensa, não basta a regularização da falta, sendo necessário que se esteja perante uma situação em que não chegou a produzir-se prejuízo, antes de ocorrer a regularização.
V – Em processo de contra-ordenação tributária, o Tribunal de recurso pode alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido (art. 75.º do Regime Geral das Contra-ordenações, subsidiariamente aplicável, podendo, inclusivamente, apreciar oficiosamente se ocorrem nulidades da sentença recorrida.
Nº Convencional:JSTA00066523
Nº do Documento:SA2201007070356
Data de Entrada:04/26/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART63 A D ART79 N1 N2 ART32 N1 N2.
RGCO ART18 N3 ART51 ART75.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC26216 DE 2002/02/06.; AC STA PROC44/08 DE 2008/04/16.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A..., LDA, interpôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria recurso judicial de uma decisão de aplicação de coima, por falta de pagamento de uma quantia devida a título de pagamento especial por conta.
O recurso foi julgado improcedente.
Inconformada, a Arguida interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1 – A Administração Fiscal, apesar da arguida ter atempadamente apresentado defesa escrita, não proferiu qualquer decisão fundamentada, razão porque a mesma enferma das nulidades insupríveis dispostas nas alíneas c) e d) do Artº 63º do R.G.I.T., anulando-se em consequência aquele processo administrativo.
2 – “Mutatis mutandis” se diga em relação à D. decisão proferida pela Mma. Senhora Juíza “a quo” por simples despacho e sem audiência de discussão.
3 – Sem conceder, sempre se dirá ainda que, porque a arguida não causou qualquer prejuízo à receita tributária ao satisfazer de imediato à solicitação da Administração Fiscal o pagamento do respectivo tributo acrescido dos juros devidos,
4 – agiu com diminuto grau de culpa,
5 – sempre deveria a arguida ser dispensada do pagamento da coima aplicada ou esta ser especialmente reduzida (atente-se que, conforme se refere no Art. 32.º, n.º 2 do R.G.I.T., independentemente de se verificarem as circunstâncias do nº 1, a coima pode ser especialmente atenuada),
6 – ou ainda, ser proferida a Admoestação p. e p. pelo disposto no Art. 51.º do R.G.C.O.,
7 – ou a redução a metade da coima aplicada nos termos do disposto no Art.º 18º, n.º 3 do R.G.C.O.
8 – Deverá assim revogar-se a D. decisão recorrida, substituindo-a por outra que ordene a anulação do processo administrativo, ou que dispense a arguida do pagamento da coima aplicada ou que seja apenas admoestada, sob pena de se violar o disposto nos Art. 32.º e 63.º do R.G.I.T. e Art. 18.º e 51.º do R.G.C.O.
Termos em que não certamente pelo alegado, mas principalmente pelo alto critério de V. Exas., dando-se provimento ao recurso, será feita como sempre a tão costumada JUSTIÇA
A Excelentíssimo Procurador da República no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
– Foi decidido manter a coima aplicada à arguida no montante de 5.598,84 euros por prática da infracção ao disposto no art. 96º, nº 1 a) do CIRC, 114º, nº 2 e 5 f), e 26º, nº 4, ambos do RGIT, por não entrega à Administração Tributária do montante de 27.994,22 euros, a título de pagamento por conta referente ao período de Julho de 2003 até ao dias 31 de Julho de 2003.
II – A decisão administrativa fundamentou a aplicação da coima porque respeitou o disposto no art. 63º do RGIT na medida em que aí foram referidos todos os factos relevantes para que a arguida pudesse compreender e conhecer todas as circunstâncias que levaram à sua condenação, como seja a sua identificação, a descrição sumária dos factos, indicação das normas violadoras e punitivas, coima e indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação.
III – Ficou, pois a saber que o pagamento por conta exigível ascende ao montante de 27.994,22 euros e que se reporta a Julho de 2003, e que nada entregou nesse período de tempo, conforme deveria, até ao dia 31 de Julho de 2003. violando assim o art. 96º , nola) do CIRC, 114º , nº 2, 5 f) e 26º nº 4, ambos do RGIT.
IV – No caso em análise não se pode aplicar o art. 32º do RGIT, como quer fazer crer a recorrente porque, para haver dispensa de pena é necessário a verificação cumulativa de três requisitos: inexistência de prejuízo efectivo à receita tributária, estar regularizada a falta cometida e a falta revelar um diminuto grau de culpa.
V – Ora, como vem referido na sentença, a falta oportuna da entrega do pagamento por conta do imposto devido causa necessariamente prejuízo na execução da despesa orçamentada por parte do Estado, razão pela qual está afastada a possibilidade de aplicação do art. 32º, nº 1 do RGIT.
VI – Com efeito, o facto de a prestação ter sido paga, tal não significa que a infracção não ocasionou prejuízo, mesmo com pagamento de juros, mas apenas que este foi ressarcido (Ac do TCAS de 21.12.2005, recurso nº 806/05, Ac do STA de 06.02.2002 – recurso nº 26.216 e no processo nº 0242 1/08, Ac do TCA do SUL DE 01.07.2008, INTERPOSTO NESTE Tribunal – TAF de Leiria).
VII – Assim sendo entendemos que a sentença fez adequada interpretação das normas aplicadas à situação controvertida, inclusive na medida da coima fixada, tendo em conta a actuação negligente da arguida e o montante devido, pelo que consideramos que não assiste razão à recorrente quando pretende alterar a decisão proferida, e, que por isso deverá ser mantida na íntegra.
VIII – Assim, decidiu bem e adequadamente a Mma Juíz “a quo” quando manteve a decisão de aplicação da coima pela FP, devendo, consequentemente não ser dado provimento ao respectivo recurso, e manter-se a sentença agora em crise.
Assim. VOSSAS EXCELÊNCIAS farão a habitual JUSTIÇA
2 – Na decisão recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1. A arguida não entregou à Administração Tributária o montante de vinte e sete mil, novecentos e noventa e quatro euros e vinte e dois cêntimos, a título de pagamento por conta referente ao período de Julho de 2003 até ao dia 31 de Julho de 2003;
2. A arguida agiu de forma negligente, ou seja, não actuou com o zelo que devia e podia.
3 – A primeira questão colocada pela Recorrente é a da nulidade insuprível da decisão de aplicação de coima, por violação do preceituado nas alíneas c) e d) do n.º 1 do art. 63. º do Regime Geral das Infracções Tributárias.
No entender da Recorrente apesar de ter sido apresentada defesa escrita, ela não foi tomada em consideração na decisão de aplicação de coima.
O art. 63.º, n.º 1 do RGIT estabelece, nas suas alíneas c) e d) que constituem nulidades insupríveis no processo de contra-ordenação tributário:
c) A falta de notificação do despacho para audição e apresentação de defesa;
d) A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido.
A Recorrente não invoca a falta de notificação para audição e apresentação de defesa, antes alega não ter sido tomada em consideração a que apresentou, pelo que é manifesto que não se está perante uma situação enquadrável naquela alínea c).
Quanto à possibilidade de enquadramento da situação invocada na referida alínea d), há que ter em conta os requisitos da decisão de aplicação de coima que são indicados no art. 79.º, n.º 1 e 2, do RGIT, em que se estabelece o seguinte:
1 – A decisão que aplica a coima contém:
a) A identificação do infractor e eventuais comparticipantes;
b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;
c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infractor tiver entretanto melhorado de forma sensível;
e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f) A condenação em custas.
2 – A notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de 20 dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva.
A referência expressa à defesa apresentada não se enquadra em qualquer das situações aqui previstas.
Nomeadamente, no que concerne à fundamentação da decisão, apenas se exige que a ela contenha a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas e a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação das coimas e sanções acessórias, não se impondo, assim, que sejam indicadas as razões por que se não atendeu aos elementos apresentados na defesa.
Não se está, assim, perante uma nulidade insuprível enquadrável nas alíneas c) e d) referidas.
Por isso, a falta de consideração dos elementos invocados na defesa apenas poderá ter relevância como vício da decisão de aplicação de coima, se essa falta afectar a correcção da decisão, designadamente se se verificar uma situação em que, se esses elementos tivessem sido considerados, deveria ter sido aplicada uma coima diferente da que foi aplicada ou deveria ter sido decidida a sua dispensa.
Neste contexto, a Recorrente invoca que deveria ser dispensada do pagamento da coima, ou deveria ela ser especialmente atenuada (nos termos do art. 32.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT), ou deveria ter sido proferida admoestação (nos termos do art. 51.º do Regime Geral das Contra-Ordenações) ou deveria ser a coima reduzida a metade (nos termos do art. 18.º, n.º 3, do mesmo diploma).
4 – A possibilidade de dispensa de coima, ao abrigo do disposto no art. 32.º, n.º 1, do RGIT é de afastar pois, como se refere na sentença recorrida, ela tem como pressupostos cumulativos que «a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária» e que esteja «regularizada a falta cometida».
A regularização da falta, quando está em causa a falta de cumprimento de uma prestação tributária, implica o seu pagamento, como resulta do n.º 3 do art. 30.º, em que se refere que a regularização da situação tributária se consubstancia no cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infracção.
Por isso, a exigência cumulativa de que esteja regularizada a falta cometida e que a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária conduz à conclusão de que, para ocorrer dispensa, não basta a regularização da falta, sendo necessário que se esteja perante uma situação em que não chegou a produzir-se prejuízo, antes de ocorrer a regularização.
Assim, é condição da dispensa de coima que não tenha sido ocasionado prejuízo, não sendo relevante para preenchimento dessa condição o eventual ressarcimento do prejuízo provocado pela conduta que constitui contra-ordenação. (() Neste sentido tem vindo a decidir o STA, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos, proferidos também relativamente à norma equivalente que era o art. 116.º da LGT: de 7-11-2001, rec. n.º 26414, AP-DR de 13-10-2003, pág. 2599; de 19-12-2001, rec. n.º 26413, AP-DR de 13-10-2003, pág. 3125; de 6-2-2002, rec. n.º 26216, AP-DR de 16-2-2004, pág. 377; de 14-2-2002, rec. n.º 25939; de 16-4-2008, rec. n.º 44/08.)
Por isso, no caso em apreço, tendo ocorrido prejuízo para a Fazenda Pública, antes da regularização, está afastada a possibilidade de dispensa de aplicação de coima.
5 – Nos termos do n.º 2 do art. 32.º do RGIT, «independentemente do disposto no n.º 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo».
A Recorrente no recurso judicial que interpôs para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria colocou esta questão, na alínea I) das conclusões apresentadas (fls. 18).
No entanto, a sentença recorrida não se pronunciou sobre esta questão, nem fixou factos relevantes para a sua apreciação, designadamente se a Recorrente reconheceu a sua responsabilidade e regularizou a situação tributária até à decisão do processo.
Embora a Recorrente, no presente recurso jurisdicional, não impute à sentença recorrida nulidade por omissão de pronúncia, este Supremo Tribunal Administrativo pode conhecer dela oficiosamente, pois nos recursos jurisdicionais em matéria contra-ordenacional, é de aplicar subsidiariamente o regime do art. 75.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, em que se estabelece que o Tribunal de recurso pode alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido da decisão recorrida, salvo o disposto no artigo 72.º-A, e pode anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido.
Esta regra da não limitação dos poderes de cognição do Tribunal de recurso tem ínsita a possibilidade de conhecimento oficioso de nulidades da sentença recorrida, por manifesta maioria de razão.
Assim, impõe-se a anulação da decisão recorrida, para ampliação da matéria de facto relativamente aos factos que possam relevar sobre esta questão da possibilidade de atenuação, ao abrigo do disposto no art. 32.º, n.º 2, do RGIT, que são não só os relativos aos referido reconhecimento da responsabilidade e regularização da situação tributária antes da decisão de aplicação de coima, mas também, os factos referidos nos arts. 16.º a 21.º da motivação do recurso judicial, que a Recorrente invoca como fundamento da atenuação – alínea G) das respectivas conclusões.
Termos em que acordam em anular a sentença recorrida e em ordenar a baixa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria para ampliação da matéria de facto nos termos referidos e apreciação da possibilidade de atenuação da coima nos termos do disposto no n.º 2 do art. 32.º do RGIT.
Sem custas.
Lisboa, 7 de Julho de 2010. – Jorge de Sousa (relator) – Brandão de Pinho – Pimenta do Vale