Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0254/21.9BECBR
Data do Acordão:02/01/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
ACÇÃO DE CONDENAÇÃO
PRÁTICA DO ACTO
ACTO DEVIDO
TEMPESTIVIDADE
Sumário:Não se justifica admitir revista se as instâncias apreciaram de forma coincidente a questão da tempestividade da acção (bem como quanto ao mérito da pretensão) e, tudo indica que o acórdão recorrido a apreciou correctamente, através de uma fundamentação consistente, coerente e plausível, não se vislumbrando necessidade de admitir a revista para uma melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P31873
Nº do Documento:SA1202402010254/21
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
Caixa Geral de Aposentações, IP (CGA) vem interpor recurso de revista do acórdão proferido pelo TCA Norte em 04.10.2023, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, que negou provimento ao recurso interposto da sentença do TAF de Coimbra que julgou procedente a acção administrativa intentada por AA contra a CGA, com vista à prática do acto legalmente devido.
O Recorrente interpõe o presente recurso de revista invocando os requisitos do nº 1 do art. 150º do CPTA.

Em contra-alegações o Recorrido defende, desde logo, que a revista deve ser rejeitada por falta dos respectivos pressupostos.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente revista a Recorrente pretende ver discutida a seguinte questão:Pode a reabertura de um processo, decorrido mais de 2 anos contados de anterior decisão (do ato consolidado e, por isso, inimpugnável, como também decorre da decisão do TCAN de 2022-03-25) ter efeitos semelhantes aos que resultariam da impugnação tempestiva do ato administrativo, designadamente permitindo a reconstituição da situação jurídica do Recorrido, com efeitos retroagidos ao ato consolidado?

Na presente acção o A./recorrido formulou os seguintes pedidos:
“a) que a R. seja condenada à prática do ato legalmente devido, ou seja, a emitir decisão no sentido de lhe ser atribuída pensão de aposentação que contabilize, juntamente com a remuneração base, as gratificações de atribuição obrigatória por si auferidas, no período compreendido entre setembro de 1995 e dezembro de 2011, nos termos do Decreto-Lei n.º 232/87, de 11/06;
b) que a R, seja condenada a atribuir-lhe, a título de aposentação, quantia mensal nunca inferior a €3.097,98;
c) que a R. seja condenada no pagamento da quantia de €48.840,00, correspondente aos retroativos, desde a data da sua aposentação (outubro de 2014) até à presente data (€555/mês x 90 meses), acrescida de juros à taxa legal em vigor desde a citação até efetivo pagamento.”


O TAF de Coimbra por sentença de 19.02.2023 julgou a acção procedente e condenou a CGA, i) à prática do acto legalmente devido, ou seja, a emitir decisão no sentido de lhe ser atribuída pensão de aposentação que contabilize, juntamente com a remuneração base, as gratificações de atribuição obrigatória por si auferidas, no período compreendido entre setembro de 1995 e dezembro de 2011, nos termos do Decreto-Lei n.º 232/87, de 11/06; ii) a atribuir ao A., a título de pensão de aposentação, a quantia mensal que se vier a apurar após a contabilização das gratificações e o recálculo referidos no ponto anterior; iii) a pagar ao A. a quantia que se vier a apurar correspondente aos montantes devidos a título de pensão, desde a aposentação (outubro de 2014), até à presente data, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação até integral pagamento.
Quanto à intempestividade da acção (por ter existido um anterior acto de indeferimento sobre idêntica pretensão), considerou que, atendendo ao objecto da lide, definido pela causa de pedir e pelo pedido formulado, se está em presença de uma acção administrativa de condenação à pratica do acto devido, regulada nos arts. 66º e seguintes do CPTA – condenação à prática de atribuição e cálculo da pensão de aposentação que contabilize as gratificações auferidas pelo A., no período compreendido entre Setembro de 1995 e Dezembro de 2011, nos termos do DL nº 232/87, de 11/06. Sendo aplicável para efeitos da excepção de intempestividade o nº 2 do art. 69º do CPTA.
E, que,(…), para efeitos de apreciação da (in)tempestividade da propositura da presente ação, há que atender ao requerimento/reclamação de 15/02/2021 e ao respetivo indeferimento por decisão notificada por correio eletrónico em 17/03/2021, porquanto, como referido no douto acórdão do TCAN proferido nestes autos, “o facto de a CGA, em 27/10/2014, ter atribuído uma pensão de aposentação ao autor no valor de € 2.542,49 e de o mesmo não ter impugnado esse ato dentro do prazo legal de 3 meses de que dispunha para o efeito, não constitui impedimento a que ele requeira à Administração a reapreciação dessa decisão, ficando a mesma, por via desse requerimento, obrigada à sua decisão (cfr. artigo 13.º, n.ºs 1 e 2 do CPA). O caso decidido, cuja razão de ser se prende com a consolidação ou estabilização do ato, não assume um carácter absoluto. Importa ter aqui presente que o decurso do prazo de impugnação não “transforma” um ato anulável num ato válido, mas apenas num ato inimpugnável. Daí que perante uma interpretação do interessado que incida sobre a situação objeto desse ato consolidado, impenda sobre a Administração o dever de proferir decisão, desde que se verifiquem os respetivos pressupostos, designadamente que tenham decorrido mais de 2 anos contados dessa decisão cuja alteração se pretende (cfr. artigo 13.º, n.º 2 do CPA), o que se verifica no caso sub judice”.
Assim, uma vez que o A. foi notificado em 17/03/2021 da decisão de indeferimento do seu pedido de correção da pensão de aposentação que havia apresentado em 15/02/2021, temos que o prazo de três meses, (porquanto vem invocado vício de violação de lei, gerador de mera anulabilidade do ato) para a propositura da presente ação se iniciou no dia 18/03/2021 e terminou no dia 18/06/2021, sexta-feira.
Ora, considerando que a petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 16/06/2021 (cfr. ponto 9 dos factos provados), é forçoso concluir que a presente ação foi tempestivamente interposta.

O acórdão recorrido manteve o entendimento da sentença de 1ª instância quanto à tempestividade da acção (e ao respectivo mérito). Referiu, em síntese, que,O objeto do processo de condenação não se define por referência ao ato de indeferimento, mas antes pela posição subjetiva de conteúdo pretensivo que o A. ora invoca (cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15/09/2016, proc. n.º 00584/14.6BEPRT).
A delimitação acima efetuada é relevante na determinação do normativo aplicável para apreciação de exceção de intempestividade da ação, pois que nos remete para a disciplina contida no art.º 69.º do CPTA. A este respeito dispõe o n.º 2 do art.º 69.º do CPTA que, “nos casos de indeferimento, de recusa de apreciação do requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um ato de conteúdo positivo, é aplicável o disposto nos artigos 58.º, 59.º e 60.º”.
Assim, face à factualidade provada nos autos entendeu que a acção era tempestiva.

Diremos, desde já, que não há fundamento para a admissão da revista.
Com efeito, a Recorrente questiona apenas a tempestividade da acção, nos termos acima indicados.
Ora, a questão tem de ser apreciada em função da causa de pedir e do pedido formulado nos autos, que corresponde ao de uma acção administrativa de condenação à prática do acto devido, tal como prevista nos artigos 66º e seguintes do CPTA.
Foi a essa luz que as instâncias a apreciaram de forma coincidente quanto à tempestividade (bem como quanto ao mérito da pretensão) e, tudo indica que o acórdão recorrido a apreciou correctamente, através de uma fundamentação consistente, coerente e plausível, não se vislumbrando necessidade de admitir a revista para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, a questão em causa não tem uma especial relevância jurídica, estando o decidido de acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores indicada pelas instâncias.
Assim, não se justifica admitir a revista, devendo prevalecer a regra da sua excepcionalidade.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2024. – Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso – Fonseca da Paz.