Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0950/14.7BELLE 0674/16
Data do Acordão:02/05/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:REENVIO PREJUDICIAL
IVA
ISENÇÃO
CONCESSÃO
CRÉDITOS
CEDENCIA
COBRANÇA
IMÓVEL
SUJEITO PASSIVO
Sumário:Conforme declaração do TJUE, emitida em sede de reenvio prejudicial, sobre as questões postas nestes autos conexas com a norma de isenção constante da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA a operações de cessão de crédito realizadas por entidades que não sejam instituições financeiras, resultante da transposição do artigo 135.o, n.o1, alínea b), da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, tal normativo deve ser interpretado no sentido de que a isenção nele prevista para as operações relativas à concessão, à negociação ou à gestão de créditos não se aplica a uma operação que consiste em o sujeito passivo ceder a um terceiro, a título oneroso, todos os direitos e obrigações decorrentes da posição processual que detém numa acção executiva para cobrança de um crédito reconhecido judicialmente e cujo pagamento foi garantido por um direito sobre um bem imóvel penhorado e adjudicado a esse sujeito passivo.
Nº Convencional:JSTA000P25532
Nº do Documento:SA2202002050950/14
Data de Entrada:05/10/2017
Recorrente:A.......LDA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Relatório

A………, Lda., com os sinais dos autos, interpôs para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 4 de Fevereiro de 2016, que concedeu provimento ao recurso deduzido pela Fazenda Pública, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgara totalmente procedente a impugnação intentada pela ora recorrente contra liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, relativos ao quarto trimestre de 2010, no valor total de €83.647,77, revogando a sentença recorrida e julgando improcedente a impugnação.

Formulou alegações que concluiu nos seguintes termos:

“Da admissibilidade do Recurso de Revista
1. Decidiu o Tribunal recorrido que a operação de cessão de créditos realizada pela Recorrente não é enquadrável na norma de isenção prevista no artigo 9.º do Código do IVA, nomeadamente, nos n.ºs 27, alínea a), ou 30 do mesmo normativo.
2. Entende a Recorrente que o Acórdão aqui recorrido, ao declarar-se competente para decidir sobre um recurso que versava exclusivamente sobre questões de direito e, em resultado disso, ao decidir pela revogação da decisão de 1.ª instância proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, procedeu a uma errada aplicação do Direito, devendo esse Supremo Tribunal intervir em sede de Revista, pois que se verificam os pressupostos previstos na lei para o efeito.
3. À luz do disposto no artigo 150.º, n.º 1 do CPTA o Supremo Tribunal Administrativo considera admissível o Recurso de Revista nos casos de “complexidade das operações lógicas e jurídicas indispensáveis para a resolução do caso” e, de “capacidade de expansão da controvérsia, concretamente, a possibilidade de esta ultrapassar os limites da situação singular e se repetir, nos seus traços teóricos num número indeterminado de casos futuros” – cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 01197/05.
Sobre a “relevância jurídica ou social” da questão e da “clara necessidade do recurso para uma melhor aplicação do direito”
4. Tem sido entendimento desse Supremo Tribunal Administrativo que a imprescindível “relevância jurídica ou social” se verifica sempre que a questão seja de “complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis” (cf. nomeadamente, Acórdãos proferidos nos processos n.ºs 0232/11, 0967/12 e 0116/15, em 31 de Março de 2011, 21 de Novembro de 2012 e 25 de Novembro de 2015, respectivamente) – sublinhados nossos.
5. E, no que respeita à referida “necessidade do recurso para uma melhor aplicação do direito” a mesma considera-se verificada “quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio” – cf. citado Acórdão proferido no processo n.º 0116/15.
6. Precisamente, a questão a apreciar nos presentes autos de recurso resulta da necessidade de determinação do regime de IVA aplicável, em geral, às operações de cessão de créditos amplo senso e, em concreto, àquelas operações em que se verifique a cessão de créditos litigiosos no âmbito de processos judiciais, que envolvam a transmissão de posições jurídicas sobre bens imóveis sujeitas a IMT.
7. A análise a desenvolver implica assim a “necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis” à operação de cessão de créditos em apreço, i.e., por um lado, as normas do Código do IVA e da Directiva IVA, designadamente a interpretação a adoptar em relação ao alcance da norma de isenção constante da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA e da alínea a) do n.º 1 do artigo 135.º da Directiva IVA e, por outro lado, as normas de sujeição de IMT e consequente isenção de IVA eventualmente aplicáveis a operações de cessão de créditos litigiosos que envolvam a transmissão de posições jurídicas relativamente a bens imóveis.
8. Acresce que, as cessões de créditos (incluindo os litigiosos) são recorrentes entre operadores económicos não financeiros e não têm o seu enquadramento fiscal suficientemente caracterizado, pelo que a situação dos presentes autos ultrapassa “os limites da situação singular (…) contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros” e assume marcada “relevância jurídica ou social”, justificada quer pela especial complexidade da análise a desenvolver na apreciação da mesma, quer pela sua inevitável repetição em múltiplos processos (pretéritos) e futuros, revelando-se essencial a apreciação da mesma pelo Supremo Tribunal Administrativo.
9. Acresce que o Tribunal Central Administrativo tratou de forma ostensivamente errada e juridicamente insustentável a questão trazida a juízo, suportando dois terços da fundamentação da sua decisão (vide páginas 9, 19 e 11 do Acórdão) no tratamento do direito à dedução o qual não tem qualquer ligação com as matérias tratadas no presente caso (i.e., o enquadramento em IVA de uma operação de cessão de crédito litigioso), secundarizando a fundamentação relativa à operação de cessão de créditos e limitando a análise das normas de isenção de IVA potencialmente aplicáveis à operação sub judice a dois singelos parágrafos.
10. Encontra-se assim verificada in casu a “clara necessidade” da presente Revista, para que a pronúncia que venha a emitir sobre esta concreta questão possa servir de orientação para os restantes tribunais, por forma a assegurar “uma melhor aplicação do direito” em prol da segurança jurídica.
Da questão controvertida
Da incompetência do Tribunal Central Administrativo em razão da hierarquia
11. O Tribunal Central Administrativo Sul seria incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer a matéria dos autos porquanto a mesma incidia exclusivamente sobre questões de direito cujo conhecimento competia, “per saltum”, à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 280.º do CPPT.
12. Nem nas conclusões apresentadas pela Fazenda Pública nem nas conclusões apresentadas pela ora Recorrente se dirimiram questões de facto ou teceram juízos de valor sobre a matéria de facto ou a prova produzida em juízo que possam considerar-se divergentes do probatório dado como assente e enformador das questões jurídicas trazidas a juízo, cingindo-se o objecto do Recurso ao enquadramento em IVA da operação de cessão de crédito em processo judicial realizada pela ora Recorrente.
Da aplicabilidade da norma de isenção constante da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA a operações de cessão de crédito realizadas por entidades que não sejam instituições financeiras
13. A isenção de IVA constante da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA abrange quaisquer operações através das quais opere a transmissão de um crédito ou direito de crédito, não se subsumindo o termo “concessão de crédito” apenas à celebração de contratos bancários.
14. Nesse sentido já se pronunciou o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) no Acórdão Muys`en De Winter`s Bouw, de 27 de Outubro de 1993 (processo C-281/91), considerando este órgão jurisdicional que “se as isenções previstas no artigo 13.º são de interpretação restritiva (v. acórdão de 15 de Junho de 1989, Stichting Uitvoering Financiele Acties, 348/87, Colect., p. 1737,) nem por isso deixa de ser verdade que, na falta de indicação da identidade do mutuante ou do mutuário, a expressão «concessão e negociação de créditos», é, em princípio, suficientemente ampla para abranger um crédito concedido por um fornecedor de bens, sob a forma de diferimento do pagamento. Contrariamente à afirmação da Comissão, a limitação do alcance do artigo 13.º, parte B, alínea d), n.º 1 (actual alínea a) do n.º 1 do artigo 135.º da Directiva IVA), unicamente aos empréstimos e créditos concedidos por organismos bancários e financeiros não resulta, de modo nenhum, da letra desta disposição(sublinhado e negrito nosso).
15. Acresce que, de acordo com o TJUE “as operações isentas por força do artigo 13.º, B, alínea d), ponto 1, da Sexta Directiva são definidas em função da natureza das prestações de serviços que são fornecidas e não em função do prestador ou do destinatário do serviço” – cf. Acórdão Ludwig, de 21 de Junho de 2007, prolatado no processo C-453/05).
16. Ou seja, para além do TJUE referir expressamente que a norma de isenção constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 135.º da Directiva IVA (transposta para a ordem jurídica interna para a alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA) abrange “empréstimos e créditos concedidos” (e não empréstimos ou créditos concedidos/cedidos, fazendo, deste modo, uma clara destrinça entre a figura da cessão de crédito e da atribuição de empréstimo ou contrato de mútuo), o mesmo Tribunal é lacónico no sentido de concluir pela aplicação da referida norma de isenção independentemente da natureza jurídica da entidade que transmite o crédito.
17. Deverá, assim, subsumir-se a operação de cessão de crédito em análise na norma de isenção constante da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, não devendo ser acolhido, por conseguinte, o entendimento do TCA Sul nesta matéria.
Da sujeição a IMT da operação de cessão de crédito em que ocorra a transmissão de posições jurídicas relativas a imóveis e consequente isenção de IVA ao abrigo do n.º 30 do artigo 9.º do Código do IVA
18. Ignora ainda a decisão recorrida a sujeição da operação de cessão de crédito litigioso a IMT e consequente isenção de IVA ao abrigo do n.º 30 do artigo 9.º do Código do IVA.
19. Conforme ficou provado em primeira instância, “no dia 29 de Setembro de 2010, A………., LDA., cedeu à B…….., Lda., o crédito que se encontrava a ser executado por apenso à acção identificada em 5, nos termos que aqui se dão por reproduzidos – cfr. fls. 18-20 dos autos”.
20. De acordo com o termo de cessão de crédito junto aos autos, e dado por reproduzido, “no seguimento dos trâmites da acção executiva que antecede, foi adjudicado à CEDENTE o prédio rústico” acrescentando-se que “a CESSIONÁRIA tem interesse em tomar a posição da CEDENTE no âmbito da acção executiva em apreço, levando em linha de conta tudo o que antecede” (sublinhado nosso).
21. Com a adjudicação do imóvel operou a transmissão do direito real do mesmo para o ora Recorrente, sendo tal efeito jurídico confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de 23 de Setembro de 2004 (Processo n.º 04B2283), segundo o qual “a transmissão do direito de propriedade sobre a coisa penhorada e vendida opera-se com o despacho de adjudicação a favor do proponente aceite”.
22. A este respeito estabelece o artigo 23.º do Código do IMT que “nas transmissões operadas por divisão, partilha, arrematação, venda judicial ou administrativa, adjudicação, transacção ou conciliação, servem de base à liquidação os correspondentes instrumentos legais” (sublinhado e negrito nosso), sendo que se os bens se transmitirem por adjudicação “o imposto será pago dentro de 30 dias contados da assinatura do respectivo auto ou da sentença que homologar a transacção” (cf. n.º 3 do artigo 36.º do Código do IMT).
23. Assim, operada a transmissão do direito de propriedade do imóvel para a esfera da ora Recorrente com a adjudicação judicial do mesmo, resulta evidente a verificação de um facto gerador de IMT ao abrigo dos artigos 1.º e 2.º do Código desse imposto.
24. Ora, face ao exposto, o acto de cessão de crédito ou de posição processual entre a Recorrente e a B……., Lda. revestirá, por maioria de razão, uma transmissão, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figura parcelar desse direito, sobre bens imóveis situados em território nacional, sobre o qual incidirá, necessariamente, IMT – cfr. artigo 2.º n.º 1 do Código do IMT – cf. artigo 2.º n.º 1 do Código do IMT – beneficiando a mesma da isenção de IVA nos termos do n.º 30 do artigo 9.º do Código do IVA.
25. Acresce que, em situação equiparável relativa a alienação de bens imóveis em hasta pública na titularidade dos municípios a AT já considerou, na sua circular n.º 12/98, de 23 de Março de 1998, que a acta de adjudicação consubstancia um contrato promessa para efeitos de IMT.
26. Deste modo, revestindo, nessa perspectiva, o acto de adjudicação a natureza de promessa de compra, deverá o acordo de cessão da posição processual celebrado entre a Recorrente e a B……….., Lda., ser sujeito a IMT porquanto consubstancia uma “cedência de posição contratual ou ajuste de revenda, por parte do promitente adquirente num contrato-promessa de aquisição e alienação, vindo o contrato definitivo a ser celebrado entre o primitivo promitente alienante e o terceiro” de acordo com a alínea e) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IMT.
27. Também nesta hipótese, sendo a referida operação sujeita a IMT, então, por força do disposto no n.º 30 do artigo 9.º do Código do IVA a referida operação seria isenta de IVA.
Do reenvio prejudicial para o TJUE
28. Na medida em que não seja claro para o Tribunal o alcance do artigo 135.º, n.º 1, alíneas b), j) e k), da Directiva IVA, ou de qualquer outra norma da Directiva IVA que possa em seu juízo interferir com a boa solução deste caso, deverá então este Tribunal promover o reenvio prejudicial, das questões que entenda suscitar, para o TJUE, conforme previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b), e no artigo 267.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
PEDIDO
Nestes termos e nos melhores de Direito ao caso aplicáveis que V. Exas, Colendos Conselheiros, doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Revista ser admitido, seguir os demais termos até final e ao mesmo ser concedido provimento, determinando-se a anulação do Acórdão recorrido, com as legais consequências.
Com o que se fará a tão necessária JUSTIÇA!”

Não foram apresentadas contra-alegações.

Por Acórdão deste STA de 5 de Abril de 2017 – a fls. 331 a 348 dos autos – foi o recurso de revista admitido com âmbito limitado à questão da aplicabilidade da norma de isenção constante da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA a operações de cessão de créditos realizadas por entidades que não sejam instituições financeiras, importando sobretudo apurar se a interpretação adoptada pela AT e pelo acórdão recorrido é conforme ao artigo 135.º da Directiva IVA na interpretação que dele vem fazendo o TJUE.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu parecer nos seguintes termos:

O douto Acórdão de fls. 331 e segs. admitiu a revista exclusivamente quanto à questão da aplicabilidade da norma de isenção constante da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA a operações de cessão de crédito realizadas por entidades que não sejam instituições financeiras por ter ponderado que esta questão se revestia de importância jurídica fundamental, «importando sobretudo apurar se a interpretação adoptada pela AT e pelo acórdão recorrido é conforme ao artigo 135.º da Directiva IVA na interpretação que dele vem fazendo o TJUE (…)».
No que concerne à aplicabilidade da norma de isenção constante da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA considerou o Tribunal a quo que a mesma apenas visa “as operações bancárias e financeiras, isentando as entidades que concedem ou negoceiam créditos, enquanto inseridas na respectiva actividade económica de concessão e negociação de créditos”.
Já o recorrente sustenta, citando em abono desse entendimento, pertinente jurisprudência comunitária, que a isenção em causa “abrange quaisquer operações através das quais opere a transmissão de um crédito ou direito de crédito, não se subsumindo o termo “concessão de crédito” apenas à celebração de contratos bancários”.
Creio que assiste razão à ora Recorrente.
O art. 9.º do CIVA constitui a transposição para a ordem jurídica interna da norma do art. 135.º da Directiva IVA e sobre o âmbito de aplicação desta, concretamente no que respeita às operações de cessão de créditos, existe relevante pronúncia do TJUE que inquestionavelmente sufraga o entendimento da ora Recorrente no sentido de que a questionada isenção tem a ver com a natureza das operações em causa e não com o respectivo prestador ou destinatário. São claros a esse propósito os Acs do TJUE de 27.10.1993 (processo C-281/91) e de 21.06.2007 (processo C-453/05), sendo particularmente relevante a decisão daquele primeiro aresto quando nele se pondera que a limitação do alcance do art. 13.º, parte B, alínea d), n.º 1 (actual alínea b), do n.º 1 do art. 135.º da Directiva IVA) “unicamente aos empréstimos e créditos concedidos por organismos bancários e financeiros não resulta, de modo algum, da letra desta disposição”. E esta asserção é igualmente verdadeira, salvo o devido respeito e melhor entendimento, quando se observa o texto da norma do art. 9.º n.º 27 do CIVA e se articula a redacção do preceito com o elemento teleológico que o conforma alicerçado no sistema comum de IVA, instituído pela Sexta Directiva, que tem em vista, nomeadamente, como ainda se aponta naquele primeiro aresto do TJUE “garantir aos sujeitos passivos a igualdade de tratamento”, princípio que seria “postergado se um comprador fosse tributado pelo crédito concedido pelo seu fornecedor, ao passo que outro comprador que solicitasse um crédito a um banco ou a outro mutuante beneficiasse de um crédito isento de imposto”.
Assistirá, pois, razão à Recorrente, quando sustenta na Conclusão 13 da sua Alegação de Recurso, ao invés do que se ponderou no douto acórdão recorrido, que a «isenção de IVA constante da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA abrange quaisquer operações através das quais opere a transmissão de um crédito ou direito de crédito, não se subsumindo o termo “concessão de crédito” apenas à celebração de contratos bancários”.
Nesta conformidade, concedendo-se provimento ao presente recurso quanto à questão cuja revista foi admitida, sou de parecer que deverá ser revogado, nessa parte, o douto acórdão recorrido, procedendo, em consequência, a impugnação.

Por Acórdão deste STA, de 8 de Novembro de 2017 – a fls. 358 e 378 dos autos – foi decidido suspender a instância e submeter à apreciação do TJUE a seguinte questão prejudicial:

A cessão, efectuada a título oneroso, por um sujeito passivo de IVA a um terceiro, da posição processual que detém numa acção executiva para cobrança de um crédito reconhecido judicialmente resultante do incumprimento de um contrato de mediação imobiliária, acrescido de IVA à taxa em vigor à data em que for efectuado o pagamento e de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, cabe no conceito de “concessão” “negociação” ou “gestão” de créditos para efeitos de aplicação da isenção prevista no artigo 135.º, n.º 1, alínea b) da Directiva IVA?”

Prosseguidos os pertinentes trâmites, o TJUE veio a proferir, em 17/10/2019, o acórdão ora junto, a fls. 466 e segs., em cujo dispositivo se exara, o seguinte:

“O artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que a isenção nele prevista para as operações relativas à concessão, à negociação ou à gestão de créditos não se aplica a uma operação que consiste em o sujeito passivo ceder a um terceiro, a título oneroso, todos os direitos e obrigações decorrentes da posição processual que detém numa ação executiva para cobrança de um crédito reconhecido judicialmente e cujo pagamento foi garantido por um direito sobre um bem imóvel penhorado e adjudicado a esse sujeito passivo.”
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Notificada às partes da junção do acórdão proferido pelo TJUE e para, querendo, se pronunciarem, nada disseram.
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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

No acórdão recorrido foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.223 a 226 dos autos):

1 - Em Novembro de 2006, A………….., LDA., no exercício da sua actividade de mediação imobiliária, foi contactada por C…………., tendo ficado acordado que mediaria, em regime de exclusividade, por preço não inferior a € 1.600.000,00, a venda de um prédio rústico sito em …………. (cfr. facto admitido por acordo das partes);
2 - Em Março de 2007, a sociedade D……….., SA, manifestou a A……………, LDA., interesse na aquisição do prédio (cfr. facto admitido por acordo das partes);
3 – C………. não vendeu o prédio à D……….., SA (cfr. facto admitido por acordo das partes);
4 – A……….., LDA, intentou no Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra C………… pedindo, além do mais, a condenação desta no pagamento de € 125.000,00, acrescidos de IVA e juros, aí tendo alegado "que prestou integralmente os serviços de mediação imobiliária e que a venda só não foi concretizada por inteira responsabilidade da Ré, pelo que tem direito a receber a comissão acordada" (cfr. facto admitido por acordo das partes);
5 - Em 30 de Setembro de 2010, transitou em julgado a sentença proferida na Acção com processo Ordinário n°765/08.1TBPTM, que correu termos no Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, que condenou C……….. a pagar a A…………, LDA, a quantia de € 125.000,00, "acrescida da quantia devida a título de IVA sobre a mesma, na data em que for efectuado o pagamento, e dos juros de mora vencidos desde a data da citação da Ré e vincendos até integral pagamento" (cfr. facto admitido por acordo das partes);
6 - Aquela sentença, que aqui se dá por integralmente reproduzida, tem, no que ora interessa, o seguinte teor:
"(...) Temos, assim, que o contrato de mediação imobiliária celebrado pelas partes é válido e que a Autora tem direito à remuneração acordada por o contrato ter sido celebrado em regime de exclusividade e o negócio visado com o contrato não ter sido concluído com perfeição por causa imputável à Ré. Apenas se dirá, no que respeita ao IVA sobre o valor da remuneração, que ele tem que ser calculado de acordo com a percentagem que legalmente vigorar quando for feito o pagamento, pois é nessa altura que a Autora irá entregar o imposto nos cofres do Estado (e não antes porque ainda não facturou o serviço), sendo certo que actualmente o seu valor não é de 21% mas de 20%. (...)";
(cfr. facto admitido por acordo das partes);
7 - No dia 29 de Setembro de 2010, A…………, LDA, cedeu a B………., Lda., o crédito que se encontrava a ser executado por apenso à acção identificada no nº.5 supra, nos termos que aqui se dão por reproduzidos (cfr. documento junto a fls.18 a 20 dos presentes autos);
8 - Ficou declarado naquela cessão que tal negócio foi efectuado no valor de € 351.619,90, pagos pela B……… à A………., LDA., através de cheque na mesma data (cfr. documento junto a fls.18 a 20 dos presentes autos);
9 - No dia 11 de Fevereiro de 2011, foi entregue, via internet, a declaração periódica de IVA relativa ao período 2010/12T de A…………, LDA (cfr. informação junta a fls.60 a 67 dos presentes autos e lavrada no âmbito de processo de recurso hierárquico);
10 - Os serviços de inspecção tributária concluíram que naquela declaração não foi contabilizada correctamente a operação associada à cessão da posição processual (cfr.cópia de relatório de inspecção junta a fls.45 a 56 dos presentes autos);
11 - Consequentemente, em 24 de Junho de 2014 foi emitida a liquidação de IVA n°14015595 e respectivos juros, no valor global de € 83.647,77 (€ 73.840,18 + € 9.807,59) - actos impugnados (cfr. documentos juntos a fls.16 e 17 dos presentes autos);
12 - No dia 17 de Outubro de 2014, A………… LDA., solicitou três estudos para a prestação de garantias bancárias a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira (cfr.documento junto a fls.92 e seg. dos presentes autos);
13 - Em 28 de Novembro de 2014, foi associada garantia ao processo executivo instaurado para cobrança da dívida emergente da falta de pagamento tempestivo da liquidação impugnada (cfr.documento junto a fls.88 do processo administrativo apenso).
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade…”.
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº. 281, do C.P.P.Tributário):
14 - No ano de 2010 a sociedade impugnante, “A…………, LDA, com o n.i.p.c. ………., era sujeito passivo de I.V.A., enquadrado no regime normal e trimestral (cfr.cópia de relatório de inspecção junta a fls.45 a 56 dos presentes autos);
15 - A conclusão a que chegaram os serviços de inspecção tributária e a que alude o nº.10 supra baseou-se no seguinte (cfr.cópia de relatório de inspecção junta a fls.45 a 56 dos presentes autos):
"(...)
Tomou esta Direcção de Finanças conhecimento de que o referido contribuinte cedeu, em 29/09/2010, pelo valor de € 351.619,90, a posição processual que detinha junto do processo judicial nº.765/08.1TBPTM-B, a correr trâmites no 2º. Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, com a inclusão de todos os direitos litigiosos daí advenientes (anexo II).
(...)
Analisado o enquadramento em sede de IVA a aplicar à referida cessão de posição processual, foi entendido (...) que "consistindo essa operação na cedência de um direito, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, integra a mesma o conceito de prestação de serviços, tal como este se encontra definido no nº.1, do artº.4 do CIVA, estando, assim, sujeita a IVA, nos termos do disposto na al.a), do nº.1, do artº.1 do CIVA, e dele não isenta, por não se encontrar abrangida por qualquer isenção prevista no referido Código".
(...)
Da análise efectuada aos elementos contabilísticos da sociedade em apreço, detectou-se contudo que a operação relativa à comissão de intermediação imobiliária devida segundo decisão do Tribunal e a operação relativa à cessão da posição processual junto do processo judicial nº.765/08.1TBPTM-B (...) foram ambas contabilizadas em Outubro de 2010 da seguinte forma (anexo III):
1. Lançamento nº. 10.001 - creditada a conta "7211 - Serviços Prestados" pelo valor da comissão de € 125.000,00 e a conta "243311 - IVA Liquidado" pelo valor de € 26.250,00, tendo este último sido declarado na declaração periódica do 4º. trimestre de 2010. (...)
2. Lançamento nº.10.000 - creditada a conta "78881 - Outros Proveitos não Especificados" pelo valor do remanescente de € 200.369,90 (€ 351.619,90 - € 125.000,00 - € 26.250,00), não tendo procedido a qualquer liquidação de IVA.

Ora, tratando-se de duas operações tributáveis distintas (comissão de intermediação imobiliária e cessão de posição em processo judicial), apenas se pode concluir que o sujeito passivo em apreço não contabilizou correctamente a operação associada à cessão da posição processual que detinha junto do processo judicial nº.765/08.1TBPTM-B, daí resultando a seguinte correcção a nível de IVA (4º. Trimestre de 2010, dado a contabilização da operação ter sido em Outubro):
Cessão posição processo judicial - Contabilizado em 2010 - € 200.369,90
- Contabilização correcta 2010 - Proveito - € 351.619,90
- IVA a liquidar - € 73.840,18
- Correcção em 2010 - Proveito - € 151.250,00
- IVA a liquidar - € 73.840,18 (...).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC.
No caso, o que cumpre decidir, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, bem como do pedido de esclarecimento que o STA formulou, em cumprimento do disposto nos artigos 19.º, n.º 3, alínea b) e 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, decidindo proceder ao reenvio prejudicial para o TJUE a fim de ser elucidada a questão: “A cessão, efectuada a título oneroso, por um sujeito passivo de IVA a um terceiro, da posição processual que detém numa acção executiva para cobrança de um crédito reconhecido judicialmente resultante do incumprimento de um contrato de mediação imobiliária, acrescido de IVA à taxa em vigor à data em que for efectuado o pagamento e de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, cabe no conceito de “concessão” “negociação” ou “gestão” de créditos para efeitos de aplicação da isenção prevista no artigo 135.º, n.º 1, alínea b) da Directiva IVA?”, e é esta a questão sujeita a apreciação.
Sobre tais questões foi proferido pelo T.J.U.E em 17-10-2019 o Acórdão do seguinte teor:
“Acórdão
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 135.º, n.º 1, alínea b), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).


Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a A……….., Lda (a seguir «A………»), à Autoridade Tributária e Aduaneira (Portugal) a propósito do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) devido pela cessão a título oneroso, a favor de um terceiro, da posição processual que a A……… detinha numa ação executiva para cobrança de um crédito reconhecido judicialmente.
Quadro jurídico
Direito da União
Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e c), da Diretiva 2006/112, estão sujeitas a IVA, respetivamente, «[a]s entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade» e «[a]s prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».

O artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:
«Entende-se por “sujeito passivo” qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.
Entende-se por “atividade económica” qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência.»

Em conformidade com o artigo 14.o, n.o 1, da referida diretiva, «[e]ntende-se por “entrega de bens” a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário».

Nos termos do artigo 24.o, n.o 1, da mesma diretiva, «[e]ntende-se por “prestação de serviços” qualquer operação que não constitua uma entrega de bens».

O artigo 25.o, alínea a), da Diretiva 2006/112 enuncia que «[u]ma prestação de serviços pode consistir, designadamente, [na] cessão de um bem incorpóreo representado ou não por um título».

O artigo 135.o, n.o 1, alíneas b) e d), desta diretiva dispõe:
«Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

A concessão e a negociação de créditos, e bem assim a gestão de créditos efetuada por parte de quem os concedeu;
[...]
As operações, incluindo a negociação, relativas a depósitos de fundos, contas correntes, pagamentos, transferências, créditos, cheques e outros efeitos de comércio, com exceção da cobrança de dívidas».

Direito português

O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, que transpôs para o direito português a Diretiva 2006/112, prevê, no artigo 9.o, n.o 27, alíneas a) e c), na versão aplicável aos factos em causa no processo principal (a seguir «Código do IVA»), que estão isentas de IVA as seguintes operações:

A concessão e a negociação de créditos, sob qualquer forma, compreendendo operações de desconto e redesconto, bem como a sua administração ou gestão efetuada por quem os concedeu;

[...]
As operações, compreendendo a negociação, relativas a depósitos de fundos, contas correntes, pagamentos, transferências, recebimentos, cheques, efeitos de comércio e afins, com exceção das operações de simples cobrança de dívidas».
Litígio no processo principal e questão prejudicial
Decorre da decisão de reenvio que, no mês de novembro de 2006, foi confiado à A………, no quadro da sua atividade de mediação imobiliária, um mandato exclusivo de venda de um terreno agrícola. A A……… apresentou uma proposta de compra ao seu mandante, o proprietário desse terreno, que este rejeitou, recusando-se a remunerar a A……..pelo serviço prestado.

A A……… recorreu para o Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão (Portugal), pedindo a condenação do seu mandante no pagamento do montante de 125000 euros, a título da comissão de intermediação imobiliária devida, acrescida de IVA e de juros de mora até integral pagamento. Esse tribunal julgou procedente o pedido da A……., por sentença transitada em julgado.

Resulta igualmente dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, não tendo o devedor pago o montante em que foi condenado, a A………intentou uma ação de execução, no referido tribunal, para obter a cobrança do seu crédito, tal como reconhecido pela sentença do mesmo tribunal, que ascendia a 170859,62 euros no total.

É igualmente pacífico que, no âmbito da referida ação executiva, foi penhorado um bem imóvel pertencente ao devedor, para garantia do pagamento do montante devido. O bem penhorado foi depois adjudicado à A……… por 606200 euros, montante que representava cerca de 70 % do valor de mercado do mesmo bem. A adjudicação foi acompanhada da obrigação de a A…….. pagar ao agente de execução o valor excedente, a saber, a diferença entre o montante de adjudicação e o valor do seu crédito, acrescido dos custos de execução, no montante total de 417937,12 euros.

Por acordo de 29 de setembro de 2010, a A…….. cedeu à B………, Lda (a seguir «B………»), todos os direitos e obrigações decorrentes da sua posição na ação executiva em curso, contra o pagamento, pela B………., do montante de 351619,90 euros.
No mês de outubro de 2010, a A……… contabilizou, por um lado, o montante de 125000 euros como contrapartida dos serviços prestados ao referido mandante e liquidou a quantia de 26250 euros, correspondente ao montante de IVA devido a esse título. Por outro lado, contabilizou o montante de 200369,90 euros, a título de «Outros Proveitos não Especificados», que correspondia ao remanescente do preço pago pela B………, montante sobre o qual não liquidou IVA.
Em 24 de junho de 2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira notificou a A…….. da liquidação adicional de IVA e respetivos juros, no montante total de 83647,77 euros, após ter considerado que a declaração de IVA apresentada para o período em causa pela A……… não contabilizava corretamente a cessão de posição processual efetuada no montante de 351619,90 euros. A este respeito, a referida autoridade considerou que se tratava de uma operação distinta da relativa à comissão de intermediação imobiliária, que estava sujeita a IVA, uma vez que constituía uma cessão de um direito, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, que estava abrangida pelo conceito de prestação de serviços, mas não por qualquer isenção prevista no Código do IVA.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (Portugal) julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela A……… contra a liquidação adicional de IVA acima referida.

Por Acórdão de 4 de fevereiro de 2016, na sequência de recurso interposto pela Fazenda Pública (Portugal), o Tribunal Central Administrativo Sul (Portugal) revogou a sentença proferida em primeira instância, com o fundamento de que a cessão de créditos em causa estava inserida na atividade económica da A………, devia ser considerada uma prestação de serviços tributável e não beneficiava de nenhuma das isenções previstas no artigo 9.o do Código do IVA. Em particular, o referido órgão jurisdicional considerou que a operação em causa não estava abrangida pela isenção prevista, no artigo 9.o, n.o 27, alínea a), deste código, para as operações bancárias e financeiras de concessão e de negociação de créditos.
19 A A……… recorreu desse acórdão para o Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), alegando principalmente que a isenção prevista no artigo 9.º n.º 27, alínea a), do Código do IVA era aplicável às operações de cessão de crédito, mesmo quando realizadas por entidades diferentes das instituições financeiras. A este respeito, baseou se na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à disposição do direito da União transposta para o direito português pelo referido artigo 9.º, n.º 27, alínea a), a saber, o artigo 13.º, B, alínea d), ponto 1, da Sexta Diretiva 77/388/CE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Diretiva»). Esta disposição da Sexta Diretiva foi reproduzida no artigo 135.º, n.º 1, alínea b), da Diretiva 2006/112, que revogou e substituiu a Sexta Diretiva a partir de 1 de janeiro de 2007.

Neste contexto, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«A cessão, efetuada a título oneroso, por um sujeito passivo de IVA a um terceiro, da posição processual que detém numa ação executiva para cobrança de um crédito reconhecido judicialmente resultante do incumprimento de um contrato de mediação imobiliária, acrescido de IVA à taxa em vigor à data em que for efetuado o pagamento e de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, cabe no conceito de “concessão”, “negociação” ou “gestão” de créditos para efeitos de aplicação da isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva [2006/112/CE]?»

Quanto à questão prejudicial

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que a isenção nele prevista para as operações relativas à concessão e à negociação de créditos, bem como à gestão de créditos, se aplica a uma operação que consiste em o sujeito passivo ceder a um terceiro, a título oneroso, a posição processual que detém numa ação executiva para cobrança de um crédito.

A título preliminar, importa examinar se esta operação constitui uma operação sujeita a IVA.

A este respeito, em primeiro lugar, resulta do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112, que define o âmbito de aplicação do IVA, que, no território de um Estado-Membro, apenas estão sujeitas a este imposto as atividades que tenham caráter económico. De acordo com o artigo 9.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva, entende-se por sujeito passivo qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, tal atividade de caráter económico. O conceito de atividade económica é definido no artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, da referida diretiva no sentido de englobar todas as atividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, nomeadamente as operações relativas à exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência (Acórdão de 8 de novembro de 2018, C&D Foods Acquisition, C-502/17, EU:C:2018:888, n.o 29 e jurisprudência referida).

Importa salientar que o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de interpretar o artigo 9.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112 no processo que deu origem ao Acórdão de 13 de junho de 2013, Kostov (C-62/12, EU:C:2013:391), em que se colocava a questão da sujeição a IVA de operações efetuadas a título ocasional por uma pessoa que estava sujeita a IVA pela sua atividade principal, num caso em que a atividade secundária dessa pessoa, embora constituísse uma atividade económica e estivesse próxima da sua atividade principal, não correspondia a essa atividade principal. O Tribunal de Justiça considerou que uma pessoa singular já sujeita a IVA pela atividade económica que exerce a título permanente deve ser considerada «sujeito passivo» em relação a qualquer outra atividade económica que exerça a título ocasional, desde que essa atividade constitua uma atividade na aceção do artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 (v., neste sentido, Acórdão de 13 de junho de 2013, Kostov, C-62/12, EU:C:2013:391, n.o 31).
Decorre igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o número e a dimensão das operações não podem constituir um critério de distinção entre as atividades de um operador privado, que se situam fora do âmbito de aplicação desta diretiva, e as de um operador cujas operações constituem uma atividade económica (v., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2011, Słaby e o., C-180/10 e C-181/10, EU:C:2011:589, n.o 37 e jurisprudência referida).

No presente caso, a A……… manifestou dúvidas quanto ao facto de, numa situação como a que está em causa no processo principal, se poder considerar que o cedente agiu no quadro da sua «atividade económica», na aceção do artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112, pelo facto de a intervenção da A……… na operação de cessão de créditos em causa no processo principal ter sido meramente pontual, uma vez que a atividade económica por ela habitualmente exercida é uma atividade de mediação imobiliária.

A este respeito, há que salientar, como fez o advogado-geral no n.o 42 das suas conclusões, que a operação de cessão em causa no processo principal ocorreu no âmbito de um litígio relativo à cobrança coerciva de um crédito emergente de um contrato celebrado no âmbito da atividade económica tributável da A………, que consiste em prestar serviços de mediação imobiliária, sem que a A……… negue ter agido, no que respeita à operação na origem da ação executiva, no âmbito da sua atividade económica. Consequentemente, a operação em causa no processo principal inscreve-se efetivamente no prolongamento direto da atividade económica principal dessa sociedade.

Nestas condições, a circunstância de a operação em causa no processo principal, efetuada por uma pessoa já sujeita a IVA, não corresponder à atividade principal dessa pessoa e ter sido por ela efetuada apenas pontualmente não exclui que a referida pessoa tenha agido, no que respeita a essa operação, no âmbito da sua atividade económica, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112.

Em segundo lugar, importa recordar que, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e c), da Diretiva 2006/112, estão sujeitas a IVA, respetivamente, as «entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade» e as «prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».

O artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 define a entrega de um bem como a «transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário», ao passo que o artigo 24.o, n.o1, desta diretiva define a prestação de serviços como «qualquer operação que não constitua uma entrega de bens».

No presente caso, no que respeita à qualificação, para efeitos de IVA, da operação em causa no processo principal, é pacífico que essa operação foi efetuada «a título oneroso». Resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que a A……… cedeu à B………., mediante remuneração e de forma unitária e global, todos os direitos e obrigações decorrentes da posição que detinha numa ação executiva para cobrança de um crédito reconhecido judicialmente e cuja cobrança efetiva estava garantida pela penhora e adjudicação à A……… de um imóvel pertencente ao devedor.

Ora, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que há que concluir pela existência de uma prestação única quando dois ou vários elementos ou atos praticados pelo sujeito passivo a favor do cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria caráter artificial (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de março de 2011, Bog e o., C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09, EU:C:2011:135, n.o 53, e de 10 de novembro de 2016, Baštová, C-432/15, EU:C:2016:855, n.o 70).

Assim, tendo em conta os elementos dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe, mencionados no n.o 31 do presente acórdão, há que considerar que a operação em causa no processo principal não pode ser artificialmente decomposta em duas prestações que consistam, por um lado, numa cessão de créditos e, por outro, na cessão de uma posição processual para cobrança coerciva de um crédito.
A este respeito, embora, como salientou o advogado-geral no n.o 36 das suas conclusões, se possa verificar que, entre os diferentes elementos constitutivos da referida operação, o elemento principal reside na transferência de um bem corpóreo, ou seja, o imóvel adjudicado ao sujeito passivo, a decisão de reenvio não especifica se, antes de a sentença que ordenou a adjudicação desse imóvel transitar em julgado, o sujeito passivo a quem o referido imóvel foi adjudicado já tinha podido dispor do mesmo, de facto, como se dele fosse proprietário.

Se assim for, a operação de cessão em causa no processo principal, que teve lugar, de acordo com as observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, na véspera do dia em que a sentença que ordenou a adjudicação do imóvel em causa transitou em julgado, consistirá numa transferência de um bem corpóreo, ou seja, um bem imóvel, por uma parte que autoriza outra parte a dispor desse bem, de facto, como se dele fosse proprietária, o que constituirá uma entrega de bens (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2019, Mydibel, C-201/18, EU:C:2019:254, n.o 34 e jurisprudência referida). Se assim não for, a operação em causa no processo principal consistirá na cessão de um bem incorpóreo, que terá por objeto direitos sobre um bem imóvel, e estará abrangida pelo conceito de prestação de serviços, em conformidade com o artigo 5.o, alínea a), da Diretiva 2006/112. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio proceder às verificações necessárias a este respeito.

Tendo em conta as especificidades da operação em causa no processo principal, conforme expostas nos n.os 31 a 35 do presente acórdão, quer esta seja qualificada de prestação de serviços quer de entrega de bens, a mesma é, por natureza, diferente da que está em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 27 de outubro de 2011, GFKL Financial Services (C-93/10, EU:C:2011:700). Com efeito, a operação que foi objeto de análise pelo Tribunal de Justiça nesse acórdão consistia na aquisição, por um operador, por sua conta e risco, de créditos duvidosos, a um preço inferior ao valor nominal, e a respeito da qual o Tribunal de Justiça concluiu, no n.o 26 desse acórdão, que um operador que compra esses créditos não efetua uma prestação de serviços a título oneroso nem exerce uma atividade económica abrangida pelo âmbito de aplicação da Sexta Diretiva quando a diferença entre o valor nominal dos referidos créditos e o preço de compra destes reflete o valor económico efetivo dos créditos em causa no momento da cessão. Em contrapartida, a operação em causa no processo principal consiste na cessão, a favor de um terceiro, mediante remuneração, de todos os direitos e obrigações decorrentes da posição que um sujeito passivo detém numa ação executiva para cobrança de um crédito reconhecido judicialmente.
Resulta das considerações anteriores que, por força do artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) ou c), da Diretiva 2006/112, a operação em causa no processo principal está sujeita a IVA.

Quanto à questão de saber se esta operação está abrangida pela isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/112, relativo à «concessão e [à] negociação de créditos, e bem assim [à] gestão de créditos efetuada por parte de quem os concedeu», há que observar que, como o Governo português e a Comissão salientaram nas suas observações e como o advogado-geral salientou no n.o 61 das suas conclusões, as circunstâncias na origem do litígio no processo principal, manifestamente, não se referem a um «crédito» consistente na disponibilização de determinado capital, devidamente remunerado pelo pagamento de juros, ou no pagamento diferido do preço de compra de um bem, consentido por um fornecedor, mediante o pagamento de juros remuneratórios desse crédito [v., neste sentido, Acórdãos de 11 de julho de 1996, Régie dauphinoise, C-306/94, EU:C:1996:290, n.os16 a 19; de 29 de abril de 2004, EDM, C-77/01, EU:C:2004:243, n.os 65 a 70; e de 18 de outubro de 2018, Volkswagen Financial Services (UK), C-153/17, EU:C:2018:845, n.o 36 e jurisprudência referida]. Com efeito, não resulta de modo algum da decisão de reenvio que a operação em causa no processo principal implicasse a obrigação de a B……… pagar juros remuneratórios de um crédito que lhe fora concedido.

Consequentemente, mesmo supondo que essa operação seja qualificada de prestação de serviços pelo órgão jurisdicional de reenvio, tal operação não está abrangida pela isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/112.

Além disso, contrariamente ao que a A……… sustentou na audiência no Tribunal de Justiça, tendo em conta as considerações expostas nos n.os 33 e 35 do presente acórdão, não se pode, de qualquer modo, considerar que a operação em causa no processo principal seja relativa a «créditos», pelo que não está abrangida pela isenção prevista no artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2006/112 para as operações relativas a «créditos [...], com exceção da cobrança de dívidas».

Tendo em conta as considerações expostas, há que responder à questão submetida que o artigo 135.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que a isenção nele prevista para as operações relativas à concessão, à negociação ou à gestão de créditos não se aplica a uma operação que consiste em o sujeito passivo ceder a um terceiro, a título oneroso, todos os direitos e obrigações decorrentes da posição processual que detém numa ação executiva para cobrança de um crédito reconhecido judicialmente e cujo pagamento foi garantido por um direito sobre um bem imóvel penhorado e adjudicado a esse sujeito passivo.
Quanto às despesas
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 135., n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que a isenção nele prevista para as operações relativas à concessão, à negociação ou à gestão de créditos não se aplica a uma operação que consiste em o sujeito passivo ceder a um terceiro, a título oneroso, todos os direitos e obrigações decorrentes da posição processual que detém numa ação executiva para cobrança de um crédito reconhecido judicialmente e cujo pagamento foi garantido por um direito sobre um bem imóvel penhorado e adjudicado a esse sujeito passivo.”

Há que acatar, pois, o decidido pelo TJUE sobre a questão «sub iudicio».
*
4.- Assim, acordam os Juízes desta Secção do Contencioso Tributário do STA, remetendo, nos termos do artº 663º nº 5, ex vi do artº 679º, ambos do CPC, para a fundamentação do Acórdão do TJUE de 17 de Outubro de 2019 constante de fls. 466 e segs, em negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.
*
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2020. – José Gomes Correia (relator) - Nuno Bastos - Paulo Antunes.