Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0973/11
Data do Acordão:09/12/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:PRÉDIO URBANO
AVALIAÇÃO
COEFICIENTE DE LOCALIZAÇÃO
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - O sentido e medida da declaração que é exigida ao autor do acto pode variar, para além do mais, em função do processo cognitivo ou volitivo da decisão a tomar.
II - O coeficiente de localização a considerar na avaliação de um determinado prédio é um elemento que não permite aos avaliadores qualquer “acrescentamento” ou qualquer escolha entre alternativas possíveis que caibam no enunciado fixado.
III - Por isso, está suficientemente justificado o acto de fixação do valor patrimonial tributário quando as fichas e o termo de avaliação contêm a individualização do prédio avaliado, a sua identificação geográfica no respectivo concelho e freguesia, a indicação da percentagem e coeficientes legais aplicados, as operações de quantificação e as normas aplicadas, por tal permitir compreender o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelos peritos avaliadores.
Nº Convencional:JSTA000P14513
Nº do Documento:SA2201209120973
Data de Entrada:10/28/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.1 A Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou procedente a impugnação judicial interposta por A………, SA, com os sinais dos autos, contra os actos de avaliação do seu prédio urbano, sito em Fornos de Macieira Dão, Mangualde, anulando-os por falta de fundamentação.
Nas respectivas alegações, conclui:
1. Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente, por provada, a falta de fundamentação das avaliações com relação ao prédio objecto dos autos acima identificados;
2. Para tanto, refere o M° Juiz “a quo”: “questiona-se, o coeficiente de localização utilizado na avaliação por falta de fundamentação na adopção do mesmo. A apreciação da alegada falta de fundamentação da avaliação prejudica o conhecimento das restantes questões suscitadas nos presentes autos”;
3. Acrescenta: “no caso em apreço, relativamente ao prédio em questão, prevêem-se no ponto 1.18 do Anexo 1 daquela Portaria (1426/2004, de 25 de Novembro) os coeficientes mínimo e máximo de 0,40 e 0,50. Nas notificações dos actos de avaliação impugnados indica-se que foi utilizado o coeficiente de localização de 0,50, não constando delas qualquer indicação das razões por que foi fixado esse coeficiente e não qualquer outro. Neste contexto é manifesta a insuficiência de fundamentação dos actos de avaliação impugnados”;
4. Concluindo: “assim, não tendo sido fornecida ao impugnante (nem sendo mesmo obtida no presente processo) informação sobre as razões que conduziram à fixação daquele coeficiente, tem de se concluir que os actos de avaliação impugnados enfermam de vício de falta de fundamentação”;
5. Para sustentar a sua decisão, o Meritíssimo Juiz alicerçou-se no conteúdo do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n°. 0862/10 de 10.03.2011, no qual foi Relator “Jorge de Sousa”;
6. Está em causa nos presentes autos o resultado da primeira e segunda avaliação por parte do Serviço de Finanças de Mangualde em relação ao prédio urbano sob o nº. P1499, da freguesia de Fornos de Maceira Dão, concelho de Mangualde;
7. Do nosso ponto de vista e, salvo melhor entendimento, não se verifica a aludida falta de fundamentação dos actos de avaliação impugnados pela motivação seguidamente relatada;
8. A questão controvertida nos presentes autos prende-se com a verificação, ou não, da falta de fundamentação do acto de avaliação em causa porque na respectiva notificação foi utilizado o coeficiente de localização de 0,50, sem que constasse qualquer explicitação das razões porque foi fixado esse coeficiente e não outro. Sendo que, o conhecimento dessa questão prejudicou o conhecimento das demais;
9. Antes de mais, importa fazer o enquadramento legal da situação em apreço, para daí aferir se, no caso em concreto, se verificou falta de fundamentação do acto de avaliação;
10. Atente-se que com a reforma fiscal sobre o património, operada pelo Decreto-Lei nº. 287/2003, de 12 de Novembro, que aprovou o Código do IMI, o legislador pretendeu introduzir objectividade, justiça e imparcialidade nas avaliações de imóveis, nomeadamente através da introdução de critérios objectivos, como sejam a adopção de fórmulas matemáticas e tabelas, tal como resulta do disposto nos art. 37° a 46° do CIMI;
11. Esse propósito consta expressamente do preâmbulo do CIMI (aprovado pelo DL nº. 287/2003, de 12.11), no qual se clarifica que através da reforma da tributação do património se desencadeou “uma profunda reforma do sistema de avaliação da propriedade, em especial da propriedade urbana. ... O sistema fiscal passa a ser dotado de um quadro legal de avaliações totalmente assente em factores objectivos, de grande simplicidade e coerência interna, e sem espaço para a subjectividade e discricionariedade do avaliador”;
12. O procedimento de avaliação, contemplado nos artigos 38° e seguintes do CIMI, caracteriza-se, actualmente por uma elevada objectividade, com uma pequena margem de ponderação ou valoração por parte dos peritos intervenientes, pretendendo-se que a avaliação assente sobretudo em dados objectivos;
13. O art. 38° do CIMI estabelece a fórmula (Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv) de determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, em que: Vt equivale ao valor patrimonial tributário, Vc ao valor base dos prédios edificados, A à área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação, Ca ao coeficiente de afectação, Cl ao coeficiente de localização, Cq ao coeficiente de qualidade e conforto e Cv ao coeficiente de vetustez;
14.E os elementos que integram a referida fórmula são cabalmente explicitados nos arts. 39° e seguintes do mencionado diploma legal, destacando-se o art.° 42° do CIMI sobre a aplicação do coeficiente de localização e o art.° 62° do mesmo código a respeito das competências da CNAPU;
15. Sendo que a Portaria n° 982/2004, de 4/8, aprovou e deu publicidade aos coeficientes a fixar dentro dos limites estabelecidos no CIMI, estabelecendo-se no seu n° 7 que «o zonamento, os coeficientes de localização, as percentagens e os coeficientes majorativos referidos, respectivamente, nos n°s. 2°, 3° e 4° da presente portaria são publicados no sítio www.e-financas-gov.pt, podendo ser consultados por qualquer interessado, e estão ainda disponíveis em qualquer serviço de finanças»;
16. Surgiu, entretanto, a Portaria nº 1426/2004, de 25/11, a qual revogou o n°1° da Portaria nº 982/2004 e aprovou novos coeficientes de localização mínimos e máximos a aplicar em cada município;
17. Posteriormente, a Portaria nº 1022/2006, de 20/9, procedeu à primeira revisão do zonamento e dos coeficientes de localização, seguindo-se a Portaria n° 1119/2009, de 30/9 (conforme os seus n°s. 1 e 3);
18. É este, basicamente, o enquadramento legal a que se reportam estes autos, especificamente sobre a fixação e publicitação do coeficiente de localização, daí se retirando que nessa matéria não existe qualquer margem de subjectividade ou discricionariedade do avaliador, o que está em consonância com o espírito do legislador patente no preâmbulo do CIMI;
19. No que ao dever de fundamentação do acto tributário respeita, a Fazenda Pública concorda que se trata de uma garantia específica dos contribuintes, inclusive com assento constitucional nos termos do art. 268°, nº 3 da CRP, e que visa responder às necessidades do seu esclarecimento, procurando informar o sujeito passivo em concreto do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto por forma a permitir-lhe conhecer as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática e porque motivo se decidiu num sentido e não noutro;
20. Ademais, o direito à fundamentação do acto tributário constitui uma garantia específica dos contribuintes nos termos do art. 77° da LGT, não podendo, contudo, ignorar-se que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal do acto;
21. A fundamentação de um acto deve ser entendida, assim, como a obrigação de enunciar expressamente (de modo directo, ou por remissão) os motivos de facto e de direito que determinaram o agente; O que vale por dizer que um acto tributário está devidamente fundamentado sempre que o sujeito passivo, enquanto destinatário normal, ficar devidamente esclarecido sobre as razões que o determinaram, dessa forma habilitando-o a tomar uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto ou a sua impugnação contenciosa;
22. Denotando-se que a fundamentação, devendo ser acessível, não tem contudo de ser exaustiva, o que vem no sentido da recente Jurisprudência, de que a título exemplificativo se citam os Acórdãos do STA de 05.05.2010 (processo nº. 01081/09) e de 02.12.2010 (processo n°. 0554/10);
23. Dito isto, será que o acto tributário de avaliação objecto dos presentes autos está devidamente fundamentado? Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que o mesmo se encontra suficientemente fundamentado, não padecendo do vício de falta de fundamentação;
24. A essa questão responde a própria jurisprudência, conforme Acórdãos de 14.07.2010 (processo nº. 377/10, Relator: Miranda de Pacheco) e de 06.10.2010 (processo n°. 0510/10, Relator António Calhau), ambos proferidos pelo STA e mencionados na sentença recorrida, defendendo a eficácia jurídica do zonamento e coeficientes de localização aprovados pelas Portarias supra, não obstante tais coeficientes não terem sido publicados no Diário da República, mas tão só no sítio www.e-financas-gov.pt
25. E isso porque, destinando-se a notificação a dar conhecimento do conteúdo do acto ao interessado, as Portarias citadas indicam relativamente a alguns itens o local da publicação, o que se torna admissível, até porque alguns dos factores variam de município para município;
26. Na douta decisão recorrida é referido que “...é imprescindível para assegurar o direito à fundamentação dos actos administrativos lesivos, garantido pelo nº 3 do art. 268° da CRP, que a publicação dos actos normativos e a notificação dos actos administrativos que os aplicam forneçam aos destinatários todos os elementos necessários para lhes assegurar, com perfeito conhecimento de todos os elementos relevantes, o direito de impugnação”;
27. Sendo que, do nosso ponto de vista, tais circunstâncias se encontram perfeitamente asseguradas, não se verificando no caso concreto uma qualquer violação do direito à fundamentação dos actos administrativos;
28. Conclui a douta sentença que “... para que os actos se considerassem fundamentados seria necessário que do conjunto formado pelo próprio acto e pela informação contida na proposta resultassem explicitadas as razões pelas quais foi fixado o coeficiente de localização de 0,50 e não qualquer outro”, do que discordamos;
29. Para o efeito e em defesa da verificação da fundamentação do acto de avaliação, lançamos mão da Jurisprudência em vigor sobre o tema, destacando-se o teor do Acórdão do STA de 06.10.2010 (processo nº. 0510/10), em que foi Relator “António Calhau”, o qual pela sua pertinência e adequação, corroboramos e citamos na parte relevante: “I - Um acto encontra-se suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelo agente, permitindo ao interessado conhecer, assim, as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática. II - O coeficiente de localização previsto no artigo 42.° do CIMI é um valor aprovado por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU na fixação do qual se têm em consideração, nomeadamente, as seguintes características: acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais, serviços de transportes públicos e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário. III - Também o zonamento que consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização em cada município e as percentagens a que se refere o n.° 2 do artigo 45.° do CIMI é aprovado por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU. IV - Neste contexto, a fundamentação exigível para a aplicação destes valores apenas se pode circunscrever à identificação geográfica/física dos prédios no concelho e freguesia respectivos, ao estabelecimento do coeficiente de localização e das percentagens referidas e à invocação do quadro legal que lhe é aplicável. V - O facto dos zonamentos concretos, respectivos coeficientes de localização e percentagens aplicáveis, constantes da proposta da CNAPU, não terem sido publicados em portaria não lhes retira eficácia, sendo certo que a lei apenas estabelece a necessidade das propostas da CNAPU a esse respeito serem aprovadas por Portaria do Ministro das Finanças e se publicitou o local em que podem ser consultados, desta forma se garantindo o seu conhecimento aos interessados e público em geral. VI - Este sistema de regulamentação não viola o disposto no artigo 119.° da CRP nem qualquer principio constitucional”;
30. Salientando-se que igual posição é sustentada e reiterada em inúmeros outros Acórdãos proferidos pelo mesmo Tribunal (STA), nos quais foi Relator “António Calhau” e que dada a sua actualidade se elencam exemplificativamente: Acórdão de 01.07.2009, processo n°. 0239/09; Acórdão de 17.03.2011, processo n°. 0964/10; Acórdão de 25.05.2011, processo n.º 0239/11; e Acórdão de 22.06.2011, processo n°. 0382/11;
31. Acompanhamos ainda o raciocínio seguido no Acórdão do STA de 06.07.2011 (processo n°. 0307/11, Relator “Casimiro Gonçalves”), que subscrevemos na íntegra, por com ele concordarmos;
32. Assim, considerando o quadro legal acima relatado e, bem assim, que o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado (Vide Acórdão do STA, de 11/12/2007, processo nº 615/04), temos que, no caso dos autos a fundamentação da avaliação impugnada é a que resulta da fórmula e do critério legal, sendo que os peritos não poderiam ter alterado os coeficientes legalmente fixados;
33. É que, o coeficiente de localização (CI) aplicado (0,50), constitui um elemento preciso, objectivo e predeterminado por lei, em função de diversos elementos, designadamente da localização e do destino do prédio em causa e, como tal, indisponíveis para as partes no procedimento de avaliação;
34. O coeficiente de localização previsto no artigo 42° do CIMI é um valor aprovado por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU na fixação do qual se têm em consideração diversas características, entre as quais: acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais, serviços de transportes públicos e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário;
35. Acresce que, o nº 4 do mesmo preceito legal prevê ainda o zonamento, que consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização em cada município;
36. Do que decorre que estamos perante parâmetros legais de fixação do valor patrimonial com base em critérios objectivos e claros e, por isso, facilmente sindicáveis, bastando a indicação da localização dos prédios e a referência do quadro legal aplicável para que se compreenda como foi determinado o referido coeficiente;
37. Refere o Acórdão do STA de 06.07.2011 (processo nº. 0307/11), que reiteramos: “Ou seja, encontramo-nos no domínio de zonas e coeficientes predefinidos e, portanto, indisponíveis para qualquer ponderação ou alteração por parte dos peritos intervenientes no procedimento de avaliação, e isto independentemente de se tratar de primeira ou segunda avaliação, pois não é o facto de se realizar uma inspecção directa ao imóvel a avaliar que pode levar ao desrespeito dos coeficientes predefinidos, mas antes serve essa inspecção para comprovar a justeza dos coeficientes a aplicar”;
38. Acrescenta: “Neste contexto, a fundamentação exigível para a aplicação do coeficiente de localização apenas se podia circunscrever à identificação geográfica/física dos prédios no concelho e freguesia de ..., ao estabelecimento do coeficiente de localização aplicável e à invocação do quadro legal que lhe era aplicável”;
39. Com relevância para o caso, mais refere o mencionado Acórdão: “Ou seja, neste novo sistema de avaliações, assente em factores objectivos, não há espaço para a subjectividade e discricionariedade do avaliador, sendo coordenado por uma comissão cuja composição garante a representatividade dos agentes económicos e das entidades públicas ligadas ao sector. «O coeficiente de localização é, assim, fixado de acordo com regras predefinidas, que têm a ver com o exacto local onde se encontra o imóvel a avaliar e têm em conta os elementos a que se refere o artigo 42° do CIMI. Também o mesmo se passa com o zonamento que consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização em cada município e as percentagens a que se refere o n° 2 do artigo 45° do CIMI e é aprovado por portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU. A determinação dos valores de zonamento é efectuada em cada município em assembleia camarária cuja materialização corresponde aos mapas informáticos de valor, por zona”;
40. A finalizar, explicita o mesmo Acórdão: Assim, não é correcto alegar-se que a lei fixa um mínimo e um máximo e que dentro dessa moldura o avaliador tinha que fundamentar a razão por que atendeu ao coeficiente máximo e não ao mínimo.» Deste modo, aderindo a esta jurisprudência, temos de concluir que, “a fundamentação exigível para a aplicação do coeficiente de localização apenas se podia circunscrever à identificação geográfica/física do prédio no concelho e na freguesia aqui em causa, ao estabelecimento do coeficiente de localização aplicável e à invocação do quadro legal aplicável”;
41. O que ocorreu na situação apreciada, pois que, se constata que todos os elementos aludidos constam da respectiva ficha de avaliação n°001227741;
42. A Fazenda Pública não desconhece nem descura o conteúdo do Acórdão do STA citado na sentença de que se recorre (processo nº. 0862/10 de 10.03.2011, Relator Jorge de Sousa), contudo, também não se pode igualmente ignorar o enquadramento legal da situação Sub Judice, o espírito do legislador e a demais Jurisprudência vigente dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal Administrativo;
43. Sendo que o Meritíssimo Juiz “a quo” valorou um único Acórdão jurisprudencial, em detrimento, ou desvalorizando mesmo, muitos outros citados em sede de recurso e que apontam em sentido contrário;
44. Em suma, o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação da lei; mormente o disposto nos art. 77° da LGT e 38° e seguintes do CIMI, em particular o art.°42° deste último diploma.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto do S.T.A. não emitiu parecer

2. A sentença deu como assentes os seguintes factos:

a) Na sequência de declaração modelo 1 do IMI entregue pela impugnante em 16/12/2004, o Serviço de Finanças de Mangualde efectuou avaliação ao prédio urbano em propriedade total sem andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo P1499, sito na Estrada Nacional 16, Lugar de ………, da freguesia de Fornos de Maceira Dão, concelho de Mangualde, em 26/01/2005, com a Ficha n.°27 1327, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário de € 1.085.460,00 - cfr. fls. 3 e 5 do Processo de 2ª avaliação, aqui dadas por reproduzidas;
b) A impugnante foi notificada da avaliação mencionada em A). Por ofício n.°495086 de 22/02/2005 do Serviço de Finanças de Mangualde, tendo o referido ofício sido substituído por outro com número e data iguais, por ter ocorrido lapso de impressão no primeiro - cfr. fls. 3 do Processo de 2ª avaliação;
c) A impugnante requereu, em 14/04/2005, 2ª avaliação ao prédio referido em a), com “fundamentos no valor base dos prédios edificados, localização, proporcionalidade da área e vetustez, por manifesto excesso” – cfr. fls. 2 e 6 do Processo de 2ª avaliação;
d) O pedido de 2ª avaliação vindo de aludir foi deferido, tendo a mesma sido efectuada em 06/10/2006, com a Ficha n.º 1227741, pelo Serviço de Finanças de Mangualde, com uma comissão de avaliação constituída por dois peritos regionais e um perito designado pela parte, sendo atribuído ao prédio avaliado o valor patrimonial tributário de €781.940,00 - cfr. fls.7, 13, 17 a 19, 21 e 22 do Processo de 2.ª avaliação;
e) Do respectivo termo de Avaliação consta que: “(...) Efectuada a vistoria, o perito regional vogal decidiu realizar as seguintes alterações: - Foi alterada a área bruta dependente para 2.124.74 m2 e a área bruta privativa corrigida para 3.721,58 m2; - Relativamente aos elementos de qualidade e conforto, foi decidido considerado a “inexistência de rede pública ou privada de esgotos”. Foi ainda alterada a idade do prédio com base na data da licença de utilização e na data de entrada do IMI, para 3 anos. A perita regional presidente concorda com as alterações atrás referidas. O perito nomeado pelo sujeito passivo, apesar das alterações introduzidas pelos peritos regionais, não concorda com o resultado da 2ª avaliação, considerando-a ainda exagerada, nomeadamente devido ao valor base dos prédios edificados (Vc), ao coeficiente de localização (Cl) e aos coeficientes de qualidade e conforto (Cq) (...) ” - cfr. fls. 16 do Processo de 2.ª avaliação;
f) A impugnante foi notificada do resultado da 2ª avaliação por oficio n.° 2904026, de 14/11/2006, do Serviço de Finanças de Mangualde, tendo o respectivo aviso de recepção sido assinado cm 22/11/2006 - cfr. fls. 20 dos autos e AR constante de fls. 23 do Processo de 2ª avaliação;
g) A licença de utilização relativa ao imóvel identificado em a) foi emitida em 22/11/2001 - cfr. fls. 5, 17, 21 do Processo de avaliação;
h) Por escritura pública de alteração do pacto social, aumento de capital e transformação da sociedade, outorgada em 30/12/1999 no Cartório Notarial de Mangualde, a sociedade por quotas — B………, Lda — alterou a sua natureza jurídica para sociedade anónima, passando a ter a denominação de “A………, S.A” – cfr. fls. 54 a 67 dos autos;
i) A sociedade “B………, Lda.” requereu em 11/03/1986 ao Ministério da Indústria, Energia e Exportação. Delegação Regional de Coimbra, a aprovação de projecto relativo a instalação de serração de madeiras — carpintaria mecânica, com localização na Estrada Nacional N. 16. Km ………. ………. Fornos de Maceira Dão, Mangualde, o qual foi aprovado por despacho de 14/08/1986 do Director da Delegação - cfr. fls. 35 e 36 dos autos;
j) Posteriormente, a referida sociedade “B………, Lda.” requereu ao mesmo Ministério a aprovação de projecto relativo a ampliação da aludida serração de madeiras – carpintaria mecânica, com localização na Estrada Nacional N. 16, Km ………. ………. Fornos de Maceira Dão, Mangualde, que foi aprovado por despacho de 09/01/1990 do Director da Delegação - cfr. fls. 37 e 38 dos autos;
k) Por despacho de 16/12/1992, do Director da Delegação Regional de Coimbra, em concordância com o parecer dos peritos que efectuaram, em 03/12/1992, vistoria ao estabelecimento industrial de serração de madeiras e carpintaria mecânica da sociedade “B………, Lda.”, foi autorizada a laboração a título experimental, por um período de 365 dias, o que foi notificado àquela sociedade por ofício n.º 252 de 28/12/1992 da dita Delegação Regional de Coimbra - cfr. fls. 39 e 40 dos autos;
l) A petição inicial da presente impugnação foi enviada para este tribunal em vinte e um de Fevereiro de 2007 por correio electrónico - cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos”.

3. Foram impugnados os actos de avaliação de um prédio urbano com fundamento nas seguintes ilegalidades: (i) erro de facto na aplicação do coeficiente de vetustez, que deveria ser de 0,90 e não de 0, 98 (ii) falta de fundamentação, por não se dar a conhecer os elementos que levaram à fixação do coeficiente de localização em 0,50; (iii) violação de lei, pelo facto do coeficiente de localização de 0,50 ser manifestamente excessivo, quando do outro lado da estrada vigora um coeficiente de 0,40 e quando comparada a zona onde se insere o imóvel com outras do concelho e do país; (iv) inconstitucionalidade material da Portaria nº 982/2004 de 4/8, por violação dos artigos 103º, nº 2 e 268ºnº 3 do CRP; (v) e violação do princípio da igualdade, pelo facto do artigo 40º-A do CIMI ter sido aplicado somente a partir de 1/7/2007.
A sentença recorrida anulou os actos impugnados por incumprimento do dever de fundamentação, com a seguinte argumentação: não podemos encontrar nas avaliações em crise quais os critérios utilizados pela administração fiscal que levaram à aplicação do coeficiente de localização de 0,50; as únicas Portarias publicadas sobre esta matéria fixam os valores máximo e mínimo dos coeficientes de localização, por tipo de afectação, a aplicar em cada município, mas não a fixação certa, precisa do coeficiente de localização dos prédios situados dentro de cada zona de características similares; a falta de publicação no Diário da República do zonamento aprovado pela Portaria nº 982/2004, mostra-se ineficaz, atento o disposto no artigo 62º nº 3 do CIMI e art. 3º nº 3 alínea b) da lei Nº 74/98 de 11 de Novembro; não tendo sido fornecida ao impugnante (nem sendo mesmo obtida no presente processo) informação sobre as razões que conduziram a fixação daquele coeficiente, tem de se concluir que os actos de avaliação impugnados enfermam de vício de falta de fundamentação.
Com esta decisão não se conforma a recorrente, por entender que os peritos avaliadores não podem alterar os coeficientes de localização já pré -determinados, objectivos e precisos, pelo que, segundo a jurisprudência que cita, “a fundamentação exigível para a aplicação do coeficiente de localização apenas se podia circunscrever à identificação geográfica/física dos prédios no concelho e freguesia … ao estabelecimento do coeficiente de localização aplicável e à invocação do quadro legal que lhe era aplicável”.
Efectivamente, assim é,
Pode afirmar-se que sobre esta questão, repetida em diversos processos impugnatórios de actos de avaliação predial segundo as normas do CIMI, já se formou jurisprudência consolidada no sentido de que «deve considerar-se suficientemente fundamentado o acto de fixação do valor patrimonial tributário quando as fichas e o termo de avaliação contém a individualização do prédio avaliado, a sua identificação geográfica no respectivo concelho e freguesia, a indicação da percentagem e coeficientes legais aplicados, as operações de quantificação e as normas aplicadas, por tal permitir compreender o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelos peritos avaliadores» (cfr. do Pleno do STA, de 2/5/2012, rec. nº 307/11 e da Secção de 16/5/2012, rec. nº 278/12, de 5/7/2012, rec nº 727/11 e rec. 690/11, assim como toda a jurisprudência referida nestes acórdãos).
A censura que se pode fazer à sentença recorrida, apesar de se basear num acórdão mais antigo deste Tribunal, é o de ter considerado que os peritos avaliadores podiam escolher um coeficiente de localização entre os limites fixados na Portaria nº 1426/2004, de 25/11, ou seja, entre o limite mínimo de 0,40 e o máximo de 0,50, os avaliadores escolheram este último, sem darem qualquer explicação pela escolha que efectuaram.
Simplesmente, o quadro legal ao abrigo do qual são fixados os coeficientes de localização não deixa aos avaliadores qualquer espaço autónomo de decisão nessa matéria. Nos termos dos artigos 42º e 62º do CIMI, dentro dos limites definidos no nº 1 daquele artigo, os coeficientes de localização são propostos pela Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos (CNAPU) em duas fases distintas: (i) na 1ª fase, são propostos e aprovados os coeficientes de localização mínimo e máximo a usar em cada município, (ii) na segunda fase, são propostos e aprovados os zonamentos municipais e os coeficientes de localização correspondentes a cada zona de valor homogéneo, com base nas propostas dos peritos locais e regionais.
Na sequência dum procedimento dessa espécie, surgiu a Portaria nº 982/2004 de 4/8, que contém e tornou público o acto de aprovação dos coeficientes de localização municipais, zonamentos municipais e coeficientes de localização correspondentes a cada zona de valor homogéneo. O procedimento que culminou com tal Portaria tem vindo a ser retomado para efeito de revisão e correcção das propostas efectuadas pela CNAPU, de que resultou a publicação das Portarias nº1426/2004, de 25/11, nº 1022/2006, de 20/9 e nº 1119/2009. de 30/9.
Em face desse procedimento, o coeficiente de localização a considerar na avaliação de um determinado prédio apresenta-se como um dado previamente previsto, que implica para os peritos avaliadores uma operação de natureza cognitiva, vinculada àquele dado. Digamos que os despachos ministeriais que aprovam as propostas da CNAPU sobre os coeficientes de localização e sobre os zonamentos fazem parte do “bloco de legalidade” que a comissão de avaliação deve observar e respeitar na determinação do valor patrimonial tributário de cada prédio. Trata-se, porém, de um elemento que não permite aos avaliadores qualquer “acrescentamento” ou qualquer escolha entre alternativas possíveis que caibam no enunciado fixado. Deste modo, a aplicação do coeficiente de localização na fórmula legal de determinar o valor patrimonial dos prédios urbanos é uma mera concretização ou dedução lógica do acto que aprovou a proposta da CNAPU. Para a comissão de avaliação, o coeficiente de localização é assim um elemento pressuposto ou dado que pré-determina a sua própria aplicação, sem lhe deixar qualquer margem de autonomia decisória.
Ora, a circunstância dos peritos avaliadores operarem num quadro juridicamente vinculado, em que se limitam à mera aplicação de um acto pressuposto, pelo menos no que se refere ao coeficiente de localização, tem reflexos na delimitação do conteúdo da fundamentação do acto de avaliação. O sentido e medida da declaração que é exigida ao autor do acto pode variar, para além do mais, em função do processo cognitivo ou volitivo da decisão a tomar.
Para este efeito, e num quadro de discriminação de fundamentos, a doutrina faz a distinção entre justificação e motivação, que é decalcada ou reportada à separação entre “”pressupostos” e “motivos” do acto. Nesta diferenciação, diz Vieira de Andrade, que «as indicações normativas, verificações e avaliações relativas às circunstâncias definidas na lei como pressupostos do agir administrativo constituem a justificação, quando assumidas pelo órgão autor do acto; a parte da declaração que contenha as referências à selecção de factos relevantes, à determinação das alternativas e à ponderação de interesses que funcionam como motivos da escolha do conteúdo do acto, quando este não seja determinado por lei, constituirá a motivação». A esta distinção corresponde diferentes operações jurídicas: a justificação é um momento de natureza cognitiva, em que se apuram os pressupostos referido na hipótese da norma, e vinculado; e a motivação, é um momento de natureza volitiva, referido à estatuição da norma, em que se compõem e ponderam os interesses e discricionário (cfr. O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, pág. 251 e 21).
Apesar do relatividade da distinção entre justificação e motivação, uma vez que a avaliação dos pressupostos, em regra, não é uma actividade de subsunção automática, ela pode servir para determinar se o conteúdo da declaração fundamentadora é adequado e suficiente. Nas situações de vinculação estrita, em que não há qualquer espaço para avaliação subjectiva ou para o exercício de faculdades discricionárias, a declaração do órgão administrativo é uma declaração de mera aplicação de um elemento já posto, que assenta numa racionalidade puramente dedutiva ou lógico-subsuntiva. Nestas situações, em que a fundamentação se limita à externação da justificação, é suficiente que o agente faça «referência aos (a todos) os pressupostos fixados na lei, mostrando concretamente que no seu entender se verificam na realidade as circunstâncias que correspondem ao quadro legal» (cfr. Vieira e Andrade, ob. cit. pág. 254).
Deste modo, e como o coeficiente de localização é um elemento imposto exteriormente aos peritos avaliadores, de forma precisa e objectiva, para que um destinatário da declaração possa conhecer o “itinerário cognoscitivo” por eles seguido, é suficiente referir a localização geográfica do prédio e o acto que aprovou o zonamento e os coeficiente de localização previsto para esse local. Com tais elementos informativos, um destinatário normal ou razoável fica a conhecer a razão pela qual os avaliadores atribuíram determinado coeficiente de localização.
No que se refere ao coeficiente de localização, o cumprimento do dever de fundamentação esgota-se nessa declaração, pois os peritos avaliadores não dispõem de qualquer autonomia conformadora desse elemento.
É verdade que, desse modo, quer os peritos quer os destinatários do acto, ficam sem saber porque é que a CNAPU propôs um determinado zonamento e porque é que se diferenciaram os coeficientes de localização em função das diferentes zonas. Mas essa questão respeita ao “acto pressuposto” que fixou os zonamentos e os coeficientes de localização e não ao acto de avaliação de um determinado prédio. Os defeitos que se possam apontar a tal acto, produzido num procedimento administrativo autónomo, podem eventualmente atingir a vertente material do acto de avaliação, mas não a sua dimensão formal, onde se inclui a fundamentação.
Se a Portaria que fixou o zonamento é um acto normativo ineficaz, por falta de publicação, ou um acto administrativo geral inválido, por falta de fundamentação, tais vícios só se reflectem na validade substancial do acto de avaliação quando, em processo próprio e perante as entidades legítimas, se declare a ineficácia ou ilegalidade do acto ministerial que aprovou os zonamentos ou das deliberações camarárias que, dentro dos limites pré-determinados, impuseram determinados coeficiente de localização ao zonamento municipal.
Sendo a fundamentação um requisito formal da decisão, que não se confundo com o seu conteúdo, é indiferente ao cumprimento do dever de fundamentação que os actos incorporados na Portaria que publicita os coeficientes e zonamentos sejam ineficazes ou inválidos. Independentemente das implicações que a declaração de fundamentação possa ter na substância da decisão, ela tem uma existência e uma dimensão valorativa autónoma, respeitando apenas à exteriorização dos pontos que sustentam a decisão e não ao que eles são na realidade. Daí que seja suficiente e adequado que o acto de avaliação, segundo os critérios objectivos prescritos no artigo 38º do CIMI, indique o local onde se situa o prédio a avaliar e a Portaria que fixa os coeficientes de localização e os zonamentos, independentemente dos vícios de que possa padecer o acto que os aprovou.
Em suma: em conformidade com a jurisprudência uniforme e reiterada do STA, considera-se que os actos impugnados não enfermam do vício de falta de fundamentação.
Tal julgamento, poderia conduzir ao conhecimento, em substituição, dos demais vícios imputados ao acto impugnado e que ficaram prejudicados pela decisão tomada. Acontece que, alguns deles implicam, a análise e interpretação da matéria de facto, que não é da competência deste Tribunal, tal como ocorre com a alegada violação do artigo 40-A do CIMI, em que não resulta da matéria de facto qualquer informação sobre se tal norma foi aplicada com efeitos retroactivos a 1/7/2007, como alega o impugnante.

4. Pelo exposto, acorda-se em dar provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e, consequentemente, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa do processo para conhecimentos das demais ilegalidades invocadas.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Setembro de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Ascensão Lopes.