Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0534/15
Data do Acordão:05/30/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
PRÉDIO URBANO
TRANSMISSÃO
AVALIAÇÃO
REGIME TRANSITÓRIO
Sumário:Nos termos do disposto na alínea a) do n° 2 do art. 27° do DL n° 287/2003, de 12.11 (diploma que aprova o CIMI e estabelece um regime transitório), o imposto do selo, no caso de prédios urbanos, é liquidado, sem prejuízo das regras especiais previstas no respectivo Código, com base no valor da avaliação prevista no art. 15° n° 1 desse diploma, ou seja, “(...) os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor”.
Nº Convencional:JSTA000P23360
Nº do Documento:SA2201805300534
Data de Entrada:04/30/2015
Recorrente:A.......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A…….., melhor identificado nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação de imposto de selo, no montante de € 14.026,84, relativa à aquisição de um imóvel por via sucessória.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A — Dispondo o art. 13º do CIS que o valor tributável dos bens imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão o valor a atender para liquidação do Imposto do Selo deveria ter sido o valor patrimonial constante da matriz nessa mesma data (13.09.2004) e não um valor fixado posteriormente, em 2005.
B — O Decreto-Lei n° 287/2003, de 12 de Novembro, estabelece um regime transitório, no seu art. 15°/1, que ressalva as regras especiais previstas no Código do Imposto de Selo.
C — O valor a considerar (mesmo para o próprio IMI) é o valor patrimonial tributário que conste da matriz em 31 de Dezembro do ano a que respeite (art.113° do CIMI). Assim, quer na data da transmissão, quer em 31 de Dezembro do ano em que esta ocorreu, o valor patrimonial tributário constante da matriz era de € 52.433,63, e não de € 162.160,00.
D — Considerar um valor determinado posteriormente implica uma aplicação retroactiva da lei fiscal, violando igualmente o principio da protecção da confiança e segurança jurídica, pelo que a sentença recorrida viola os artigos 2.° e 103.º da CRP e 12.º da LGT.
E — Além disso, uma interpretação tal como feita na sentença recorrida não encontra na letra da lei o mínimo de correspondência, violando deste modo o art. 9.°/2 CC, aplicável ex vi art. 11.º da LGT.
F — O contribuinte não pode ser tributado em Imposto do Selo, fundando-se a determinação do valor nas disposições transitórias relevantes apenas para o Código do IMI.
G — Dispondo a lei que o valor relevante é aquele que consta da matriz à data da transmissão, não pode o contribuinte ser confrontado com um novo e inesperado valor tributário determinado numa reavaliação ocorrida em 2005, largos meses após a transmissão.
Ao decidir em sentido contrário do exposto, o Tribunal a quo não fez adequada interpretação e aplicação do disposto nos art. 13° do CIS, 9.º/2 CC, 8.°, 11.º e 12.º da LGT e 2.º, 18.º e 103.º da CRP.
Revogando a sentença recorrida e anulando-se a liquidação naquilo que excede o valor patrimonial tributário constante da matriz: € 52.433,63 (cinquenta e dois mil, quatrocentos e trinta e três euros e sessenta e três cêntimos) e ordenando-se a restituição da quantia já paga acrescida de juros indemnizatórios, far-se-á Justiça.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer a fls. 110 e seguintes, que, na parte relevante, se transcreve:
(….) À data da morte do autor da sucessão, ocorrida em 13.09.2004, o valor do imóvel inscrito na matriz era de € 52.433,63 (cfr. pontos 1 e 2 dos factos provados).
A respeito da base tributável, dispõe o n.º 1 do art. 13.º do CIS que “o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial”. Não se tratando, no caso, de prédio omisso na matriz ou inscrito sem valor patrimonial, o VTP a considerar na liquidação do imposto seria, nos termos da norma citada, o valor patrimonial tributário constante da matriz, ou seja, os referidos € 52.433, 63.
Porém, o DL n.º 287/2003, de 12 de Nov., inserido no âmbito da reforma da tributação do património que levou à aprovação dos Códigos do IMI e do IMT, veio estabelecer, como dá nota o respectivo preâmbulo, um conjunto de disposições transitórias relativas, nomeadamente, à avaliação geral dos prédios urbano e actualização dos respectivos valores patrimoniais, incluindo a avaliação dos prédios que entretanto fossem transmitidos segundo o novo mecanismo de avaliações constantes do CIMI, com reflexos nas liquidações do IMI, IMT e IS. É nesse quadro mais geral que ser inscreve a regra transitória do art 27.º, n.º 2, al. a) desse diploma, dispondo que o imposto de selo, sem prejuízo das regras especiais previstas no respectivo Código, seria liquidado, no caso de prédios urbanos, com base no valor da avaliação prevista no n.º 1, do art. 15.º do mesmo diploma.
Ora, o art. 15.º, n.º 1 do DL n.º 287/2003, de 12 de Nov., que veio a ser revogado pelo art. 5.º da Lei n.º 604/2011, de 30 de Nov., com efeitos apenas a partir de 01.01.2012, determinava que enquanto não se procedesse à avaliação geral, os prédios urbanos já inscritos na matriz seriam avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor, como ocorreu no caso vertente (cfr. ponto 3 do probatório e nos 2 e 3 do art. 10.° Lei n.º 60- A/2011, de 30 de Nov).
Proibindo a norma a aplicação da lei nova a factos antigos e sendo ainda abstractamente equacionável, na óptica da produção normativa, a violação dos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica não parece que essas questões sejam, no caso, ponderáveis uma vez que tudo ocorre na vigência do DL n.º 287/2003, do CIM e das alterações introduzidas ao CIS e respectiva Tabela Anexa.
A sentença recorrida não merece, pois, censura.
Pronuncio-me, assim, sem mais delongas, pela total improcedência do presente recurso e, em consequência, pela manutenção do julgado,
É o meu parecer.»

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – No Tribunal Tributário do Porto foram dados como provados e com interesse para a decisão os seguintes factos:
1. O impugnante adquiriu, por via sucessória, o prédio urbano destinada a habitação, sito na freguesia de Mindelo, concelho de Vila do Conde, inscrito na matriz sob o art. 1533°, anteriormente pertencente ao tio do impugnante, B…………, falecido em 13.9.2004 (fls. 15 a 17 da reclamação graciosa apensa).
2. À data do óbito do autor da sucessão, o valor patrimonial inscrito na matriz era de € 52.433,63 (fls. 12).
3. Na sequência da transmissão, por via sucessória, a Administração Tributária, no dia 18.5.2005, procedeu à avaliação do imóvel, nos termos do art. 38.º e ss do CIMI, apurando o valor patrimonial tributário de € 162.160,00 (fls. 13).
4. No dia 3.11.2006, foi emitida a liquidação de imposto de selo, no valor de € 16.216,00, com base na matéria colectável no valor de € 162.160,00, sendo que, usufruindo do desconto previsto no art. 45° do CIS, resulta o valor a pagar de € 14.026,84 (fls. 15).
5. O impugnante procedeu ao pagamento da liquidação em 31.1.2007 (fls. 16).
6. Do objecto do recurso
Da análise decisão recorrida e dos fundamentos invocados pelo recorrente para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do presente recurso consiste em saber se incorreu em erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a presente impugnação contra a liquidação de Imposto de Selo relativa à aquisição, por via sucessória, de um imóvel, no entendimento de que o valor patrimonial a ter em conta para efeitos de liquidação do referido imposto é o valor atribuído em função da avaliação feita nos termos do CIMI aquando da primeira transmissão após a entrada em vigor do CIMI e não o valor patrimonial tributário constante da matriz em 13.09.2004 (data da abertura da sucessão).

Como resulta dos autos o Impugnante, ora Recorrente, adquiriu por sucessão mortis causa o prédio urbano identificado no ponto 1 dos factos provados.
À data do óbito do autor da sucessão, seu tio, ocorrida em 13.09.2004, o valor patrimonial do imóvel inscrito na matriz era de € 52.433,63
Porém, na sequência da transmissão, por via sucessória, a Administração Tributária, no dia 18.5.2005, procedeu à avaliação do imóvel, nos termos do art. 38.º e ss do CIMI, apurando o valor patrimonial tributário de € 162.160,00. E foi com base nesse valor que a Administração Tributária procedeu à liquidação de imposto de Selo no dia 03.11.2006.

Sustentando o impugnante que o valor a atender deveria ter sido o constante da matriz à data da transmissão e não o valor resultante da avaliação a que alude o ponto 3 do probatório, a sentença recorrida julgou a impugnação improcedente por considerar que «nos termos do disposto na alínea a) do n° 2 do art. 27° do DL n° 287/2003, de 12.11 (diploma que aprova o CIMI e estabelece um regime transitório), o imposto do selo, no caso de prédios urbanos, é liquidado com base no valor da avaliação prevista no art. 15° n° 1 deste diploma, ou seja, “(...) os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor ( isto, sem prejuízo das regras especiais previstas no Código do Imposto do Selo)».


Não conformado com o assim decidido alega o recorrente que o valor a atender para a liquidação do Imposto de Selo deveria ter sido o valor patrimonial tributário constante da matriz em 13.09.2004 que era de € 52.433,63 (data da abertura da sucessão) e não o valor fixado posteriormente, o que, em sua tese, implica uma aplicação retroactiva da lei fiscal, violando igualmente o princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica e os arts.º 103º nº 3 da CRP e o 12º da LGT.

Vejamos, pois.
De harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 13.º do CIS que “o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial”.
Nas sucessões por morte, a obrigação tributária considera-se constituída na data da abertura da sucessão a qual coincide com o momento da morte do seu autor [art. 5°, al. p) do CIS e art. 2031.° do C. Civil].
Assim, não se tratando, no caso, de prédio omisso na matriz ou inscrito sem valor patrimonial, o valor patrimonial tributário a considerar na liquidação do imposto seria, em princípio e nos termos da norma citada, o valor constante da matriz à data da abertura da sucessão, ou seja, os referidos € 52.433, 63.
Porém, o art. 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, que aprovou a reforma da tributação sobre o património, determinou que todos os prédios transmitidos após a entrada em vigor do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) fossem avaliados aquando da primeira transmissão, nos termos do novo regime de avaliações previsto nesse Código.
Do mesmo modo, para efeitos de IMT e de Imposto de Selo, determinam as alíneas a) do nº 1 e do nº 2 do artº 27º do mesmo diploma legal, que a liquidação será corrigida, sendo caso disso, logo que a avaliação, nos termos do CIMI, se torne definitiva (Neste sentido vide José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 1ª ed. Almedina, pag. 123.) .
Concretamente, e no que respeita ao Imposto de Selo, resulta do nº 2, al. a) daquele normativo que o imposto do selo é liquidado, sem prejuízo das regras especiais previstas no respectivo Código, nos seguintes termos: «a) No caso de prédios urbanos, com base no valor da avaliação prevista no n.º 1 do artigo 15.º do presente diploma».
Como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto o DL n.º 287/2003, de 12 de Nov., inserido no âmbito da reforma da tributação do património que levou à aprovação dos Códigos do IMI e do IMT, veio estabelecer, um conjunto de disposições transitórias relativas, nomeadamente, à avaliação geral dos prédios urbano e actualização dos respectivos valores patrimoniais, incluindo a avaliação dos prédios que entretanto fossem transmitidos segundo o novo mecanismo de avaliações constantes do CIMI, com reflexos nas liquidações do IMI, IMT e IS.
É nesse quadro mais geral que ser inscreve a regra transitória do art 27.º, n.º 2, al. a) desse diploma.
Ora foi com base nesse regime legal que a decisão recorrida considerou, bem a nosso ver, que a Administração Tributária podia proceder à liquidação com base no valor patrimonial tributário determinado pela avaliação efectuada ao abrigo do disposto no art. 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003.
O recorrente alega que « não pode ser tributado em Imposto do Selo, fundando-se a determinação do valor nas disposições transitórias relevantes apenas para o Código do IMI.
Mas, salvo o devido respeito, não é bem assim, como decorre do próprio artº 27º do Decreto-Lei n.º 287/2003, que sobre a epígrafe “liquidação do IMT e do Imposto de Selo” prevê regras específicas para a liquidação do Imposto de Selo no caso de prédios urbanos (a referida al.a) do nº 2).
E é também o que decorre do artigo 9º, nº 4 do CIS, que dispõe que « À tributação dos negócios jurídicos sobre bens imóveis, prevista na tabela geral, aplicam-se as regras de determinação da matéria tributável do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT)».
Acresce dizer que, ao invés do que alega o recorrente, não se vislumbra também qualquer aplicação retroactiva da lei fiscal ou violação dos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica.
Desde logo porque o prédio foi transmitido na vigência do CIMI e das alterações ao Código do Imposto de Selo decorrentes do referido artº 27º do Decreto-lei n.º 287/2003.
Não há, assim, aplicação da norma a factos pretéritos, o que se mostra em consonância com as regras de aplicação da lei no tempo (arts. 12º do Código Civil e 12º da LGT).
Pelo que fica dito improcedem todos os fundamentos do recurso.

7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 30 de Maio de 2018. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Ascensão Lopes.