Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0624/16
Data do Acordão:10/12/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:IRS
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
PRESTAÇÃO DE GARANTIA
EXECUÇÃO FISCAL
DUPLICAÇÃO DE COLECTA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
Sumário:I - Inexiste duplicação de colecta quando se constata que a exigência de pagamento do imposto deriva de liquidação adicional resultante de inspecção tributária tendo por base facto tributário que não foi tido em conta na primeira liquidação.
II - O pedido de suspensão da execução fiscal deve ser formulado junto do órgão de execução fiscal competente dado que é ele que nos termos do artigo 52 da LGT e 169 do CPPT tem competência para aferir da idoneidade da garantia oferecida ou da eventual isenção da sua prestação.
III - Da eventual decisão de indeferimento caberá reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância nos termos do artigo 276 e segs do CPPT.
IV - Tendo havido reclamação graciosa e prestada garantia para efeitos de suspensão da execução fiscal a prossecução da execução pela AT nessas circunstâncias constitui fundamento de oposição ao abrigo da alínea i) por tal facto contender com a exigibilidade da prestação.
Nº Convencional:JSTA000P20973
Nº do Documento:SA2201610120624
Data de Entrada:05/19/2016
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

Relatório

Não se conformando com a sentença do TAF do Porto que absolveu a Fazenda pública da instância quanto ao pedido de suspensão da execução e julgou no mais improcedente a oposição deduzida por A……………. contra a liquidação correctiva de IRS do ano de 2008, veio o oponente dela recorrer para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo formulando as seguintes conclusões:
1- A quantia exequenda tem origem no procedimento de inspecção de que foi alvo a “B………………….” da qual o recorrente é sócio.
2- A sociedade foi tributada em sede de IVA e IRC com recurso a métodos indirectos tendo as quantias respeitantes a IRC sido imputadas na esfera jurídica do sócios em sede de IRS, ao abrigo do regime de transparência fiscal.
3- “B………………” apresentou reclamação graciosa em 18 de Janeiro de 2011 atacando a legalidade da liquidação.
4- Em 15 07 2011 o ora recorrente apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação adicional de IRS na sua esfera pessoal.
5- O ora recorrente apresentou garantia com intuito de suspender o processo de execução fiscal antes de ser citado para a execução em 15 07 2011.
6- Nos termos do artigo 169 do CPPT a execução teria de ser suspensa.
7- A Administração Tributária citou o ora recorrente para a execução em 10 08 2011.
8- O recorrente apresentou oposição à execução fiscal fundamentada na alínea i) do artigo 204 do CPPT.
9- Os factos alegados nos presentes autos são unanimemente aceites quer pela doutrina quer pela jurisprudência como fundamento de oposição à execução nos termos da alínea i) do artigo 294 do CPPT.
10- Assim entende Jorge Lopes de Sousa in CPPT anotado “caberão nesta alínea i) por exemplo as seguintes situações retiradas da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo: A pendência de processo contencioso ou gracioso com efeito suspensivo”.
11- O ora recorrente cumpriu com todos os requisitos do nº 1 do artigo 169 do CPPT, encontrando-se verificadas as condições para a suspensão da execução.
12- A Administração Tributária procedeu ilegalmente à citação do recorrente prosseguindo com a execução.
13- O recorrente alegou a existência de duplicação de colecta como fundamento acessório da oposição.
14- A dívida em execução enquadra-se no conceito definido pelo artigo 205 do CPPT para a duplicação de colecta.
15- Foram violadas as normas constantes dos artigos 169/1, 204 nº 1 al i) e 205/1 do CPPT.
Deve julgar-se procedente o recurso.

Não houve contra alegações.

O Mº Pº junto deste STA emitiu o seguinte parecer:
A……………………… recorre da sentença do TAF do Porto de 18 02 2016 que absolveu a Fazenda Pública da instância quanto ao pedido de suspensão da execução e no mais julgou a oposição improcedente, absolvendo a Fazenda Pública do pedido.
Sustenta no que concerne à questão da suspensão da execução fiscal que os factos alegados constituem fundamento de oposição nos termos da alínea i) do artigo 204 do CPPT sustentado ainda que a dívida em execução se enquadra no conceito definido pelo artigo 205 nº 1 do CPPT para a duplicação da colecta.
Não merece qualquer reparo o decidido quanto à questão da duplicação da colecta. Como refere Jorge Lopes de Sousa em anotação ao artigo 205 do CPPT in CPPT anotado III vol, 6ª edição p 526 citado na decisão recorrida para haver duplicação de colecta “torna-se necessário que a realidade fáctica que está subjacente à pluralidade das liquidações seja a mesma o que não acontece por exemplo no caso de liquidações adicionais em que se pretende cobrar um tributo que indevidamente não foi liquidado inicialmente. Nestas situações de liquidação adicional a segunda liquidação não incide sobre o mesmo facto tributário (a mesma parcela de rendimento ou de valor patrimonial ou de despesa, por exemplo) sobre a qual incidiu a primeira.”
É também inquestionável que o pedido de suspensão da execução fiscal deve ser formulado junto do órgão de execução fiscal que o apreciará nos termos do artigo 52 da LGT e 169 do CPPT podendo o interessado reclamar da respectiva decisão nos termos do artigo 276 e segs. do CPPT.
Porém o ora recorrente alegou no seu articulado inicial, alegação que reitera nas conclusões de recurso que deduziu reclamação graciosa do acto de liquidação da dívida exequenda e que antes de ser citado prestou garantia para suspensão da execução fiscal sem que esta tenha sido suspensa.
Com base nessa factualidade invocou o fundamento de oposição da alínea i) do artigo 204 do CPPT.
Ora salvo melhor entendimento o prosseguimento do processo de execução fiscal na pendência da reclamação graciosa com garantia prestada ou estando por decidir o pedido de prestação tempestivamente formulado poderá constituir fundamento de oposição nos termos da alínea i) do artigo 204 do CPPT na medida em que pode ser provado por documentos e não envolve apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda nem representa interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que houver extraído o título (nesse sentido parece inclinar-se Jorge Lopes de Sousa in obra citada pp 499 e 501 e na jurisprudência deste STA o douto acórdão de 28 03 2012 in processo nº 01145/11.
Sucede que o processo não fornece base factual que permita apreçar esse possível fundamento de oposição.
Assim negando-se provimento ao recurso quanto à suscitada questão da duplicação da colecta deverá quanto ao mais ser concedido provimento ao recurso e determinada a baixa dos autos à 1ª instância para com atinência ao primeiro fundamento de oposição invocado ser ampliada a matéria de facto e proferida nova decisão que a tenha em conta.

Fundamentação

De facto:
O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos que as partes não contestam:
1- O Serviço de Finanças do Porto 1 instaurou o processo de execução fiscal nº 31742011010698861 contra o oponente e C……………….. por dívida de IRS de 2008 e juros compensatórios no valor global de 11333,32, conforme certidão de dívida constante dos autos.
2- No dia 26 10 2009 o oponente entregou via Internet a declaração periódica de rendimentos em sede de IRS relativa ao ano de 2008 a qual deu origem à liquidação nº 20095004933421 no valor total a reembolsar de €2103,58 (doc. de folhas 64 a 68 do processo físico.
3- A Administração Tributária na sequência da ordem de serviço OI 200901804 emitiu o doc. de correcção relativo a IRS do ano de 2008 que originou a emissão da liquidação nº 20115000063008 como valor total a pagar de €9229,74 valor que inclui juros compensatórios no montante de €529,44 folhas 69 a 75 dos autos.
4- Por ofício datado de 15 09 2015 o Serviço de Finanças informou o tribunal que do imposto resultante da correcção efectuada o contribuinte não efectuou qualquer pagamento.

De direito:
Pretendia o oponente a suspensão do processo de execução fiscal para cobrança coerciva do IRS do ano de 2008 com fundamento na pendência de reclamação graciosa da liquidação do imposto em cobrança e no facto de nesse processo ter prestado garantia nos termos do artigo 169 do CPPT.
E alegou também como fundamento de oposição a duplicação de colecta nos termos dos artigos 204 al.g) e 205 do CPPT.
O Mº juiz a quo perante a factualidade dada como provada considerou que face ao disposto no artigo 205 do CPPT se não verificava a invocada ilegalidade da duplicação da colecta considerando que a dívida em cobrança resultava de liquidação adicional correctiva de anterior liquidação.
Sendo uma segunda liquidação não incidente sobre o mesmo facto tributário da liquidação anterior, designadamente não incidindo sobre a mesma parcela de rendimento, valor patrimonial ou de despesa não ocorria tal ilegalidade.
Perante tal factualidade julgou a oposição nesta parte improcedente.
Relativamente ao pedido de suspensão da execução fiscal o mº juiz considerou que era junto do órgão de execução fiscal que deveria ser formulado tal pedido por ser deste órgão a competência para aferir e decidir da idoneidade da garantia ou mesmo da isenção da sua prestação, razão pela qual, relativamente a tal pedido, absolveu o oponente da instância.
O recorrente não se conforma com o decidido e conforme se pode verificar das conclusões do recurso considera que tendo reagido oportunamente contra a legalidade da liquidação adicional de IRS do ano de 2008 através de reclamação graciosa apresentada em 15 07 2011 e apresentado igualmente nessa altura prestação de garantia deveria suspender-se o processo de execução fiscal ao abrigo da alínea i) do artigo 204 do CPPT.
Reitera ainda a existência da duplicação de colecta.
Vejamos.

A) Da Duplicação da colecta
O artigo 204/1 al.g) do CPPT elenca entre como fundamento de oposição a duplicação da colecta que o artigo 205 do mesmo diploma legal diz existir quando estando pago por inteiro um tributo se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.
Como se sabe o pagamento, correspondendo ao cumprimento pontual da obrigação tributária e quando coercivo ao da dívida exequenda e do acrescido, assume como facto extintivo que é da obrigação particular relevância face à natureza pecuniária desta obrigação.
O pagamento é por isso fundamento de oposição à execução nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 204 do CPPT e causa extintiva da execução nos termos do disposto nos artigos 261 e 264 e 269 do mesmo diploma legal.
A duplicação da colecta correspondendo assim a uma exigência ilegal por corresponder a um pedido de pagamento indevido é fundamento de oposição.
Mas no caso concreto como bem decidiu a sentença recorrida esta exigência ilegal não se verifica.
Porque muito embora a exigência do pagamento por parte da Administração Tributária se refira ao imposto de IRS do ano de 2008 a dívida de imposto não é a mesma que resultou do facto tributário que deu origem à primeira liquidação.
Resulta antes de uma liquidação adicional resultante de inspecção tributária tendo como bem salienta a sentença recorrida na sua base facto tributário distinto.
Não se verificando cumulativamente um dos requisitos da duplicação constitutivos desta figura nos termos do artigo 205/1 do CPPT, no caso a unicidade dos factos tributários, a duplicação da colecta ou duplicidade de pagamento inexiste.
Não tem pois razão recorrente relativamente a tal fundamento de oposição pelo que o recurso nesta parte terá de improceder.

B) Da suspensão da execução como fundamento de oposição ao abrigo da alínea i) do artigo 204 nº 1 do CPPT
A questão consiste em decidir se a oposição é meio adequado para determinar a suspensão da execução quando tendo o contribuinte reclamado graciosamente contra o acto de liquidação e prestado garantia se vê, mesmo assim, citado no processo de execução sem que tenha sido ordenada a suspensão da execução.
No entendimento do mº juiz “a quo” o uso do processo de oposição traduziria erro na forma do processo porque considera que é o órgão de execução fiscal que tem competência para decidir da suspensão, na medida em que a suspensão da cobrança por motivo da reclamação fica dependente da apreciação pela o.e.f. da idoneidade da garantia, apenas cabendo reclamação nos termos do artigo 276 do CPPT se o pedido for indeferido.
Não restam dúvidas que nos termos do nº 1 do artigo 52 da LGT a reclamação graciosa suspende a cobrança da prestação no processo de execução fiscal caso seja prestada garantia idónea ou caso o executado seja isento de a prestar cfr nºs 2 e 4 do artigo 52 citado. E que quem detém competência para apreciar e decidir da idoneidade da garantia apresentada é o órgão de execução fiscal, cabendo da sua decisão reclamação nos termos do artigo 276 e segs do CPPT.
Todavia preceitua o nº 5 do artigo 169 do CPPT, também, que se for recebida oposição, caso tenha sido prestada garantia, o processo de execução fica suspenso.
O oponente invocou a prestação da garantia em sede de reclamação graciosa do acto da liquidação donde deriva a dívida em cobrança como fundamento de oposição ao abrigo da alínea i) do artigo 204 do CPPT.
E o prosseguimento de o processo de oposição em tal situação não pode deixar efectivamente de constituir fundamento de oposição já que contrariando a suspensão resultante da lei, afecta a exigibilidade da dívida.
A alínea i) do artigo 204 do CPPT estatui que constitui fundamento de oposição à execução qualquer fundamento que não integrando algum dos outros expressamente previstos nas várias alíneas do nº 1 do artigo 204 desde que a provar apenas por documento e não envolva apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda nem represente interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.
Daí que neste caso a oposição fosse o meio adequado para a apreciação do pedido por poder ser provado apenas documentalmente e não contender com a competência da entidade que tenha extraído o título nem envolver a apreciação da legalidade da liquidação.
Todavia da factualidade assente e provada nestes autos não é possível decidir deste fundamento de oposição.
Pelo que os autos devem baixar à 1ª Instância para que ampliada que seja a matéria de facto sobre tal questão se decida depois em conformidade.

Decisão
Face ao exposto acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário em negar provimento ao recurso na parte relativa à invocada duplicação de colecta e dar provimento ao recurso na parte referente ao pedido de suspensão da execução determinando a baixa dos autos à 1ª Instância para que ampliada que seja a matéria de facto nos termos anteriormente referidos o tribunal a quo decida depois em conformidade.
Custas pela recorrida e recorrente na proporção de ½ para cada uma das partes.

Lisboa, 12 de Outubro de 2016. - Fonseca Carvalho (relator) - Isabel Marques da Silva - Pedro Delgado.