Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:042/19.2BALSB
Data do Acordão:07/11/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
ADJUDICAÇÃO
Sumário:Tendo convidado os concorrentes a demonstrarem a “usabilidade” das soluções informáticas que apresentam, não pode o júri, em face do não cumprimento, por parte de um determinado concorrente, de certa exigência relativa à demonstração em causa, prescindir de avaliar essa “usabilidade” em relação a ele e, ainda assim, adjudicar-lhe o contrato, pois, para todos os efeitos, esse concorrente não cumpriu, in casu, um requisito obrigatório do CE.
Nº Convencional:JSTA000P24797
Nº do Documento:SA120190711042/19
Data de Entrada:04/27/2019
Recorrente:A........, LDA
Recorrido 1:ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA PORTUGUESA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – Relatório
1. A……….., Lda (A………..), devidamente identificada nos autos, vem intentar acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual contra a Assembleia da República (AR) e a contra-interessada B………, SA (B………) com vista à impugnação do acto de adjudicação proferido no âmbito de Procedimento de Consulta Prévia n.º AHP/2018/108 – Fornecimento de um Sistema Electrónico de Gestão Documental, Equipamentos de Digitalização e Serviços de Implementação na Assembleia da República e pedidos conexos.
A final, peticiona o seguinte:
Deve a “ação ser julgada totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
a) Ser anulado o despacho da Entidade Demandada que aprovou o relatório final do júri e determinou a exclusão da proposta da Autora e a adjudicação do contrato à proposta da Contrainteressada (DOC. 1);
b) Ser a Entidade Demandada condenada a praticar ato administrativo que (simultaneamente):
i) Determine a exclusão da proposta da Contrainteressada;
ii) Adjudique o contrato à proposta da Autora.
c) Caso assim não se entenda, ser a Entidade Demandada condenada a praticar ato administrativo que, simultaneamente:
i) Determine a exclusão da proposta da Contrainteressada;
ii) Determine a não adjudicação do contrato.
d) Ser fixado um prazo não superior a 10 dias para o cumprimento das condenações referidas em b) ou c)”.
2. As demandadas, a contra-interessada B……… e a AR, nas respectivas contestações, vêm pugnar pela improcedência da presente acção com a consequente absolvição dos pedidos formulados pela A.
3. O Digno Magistrado do Ministério Público foi devidamente notificado em 24.05.19, nos termos do artigo 85.º do CPTA, não tendo emitido qualquer parecer.
4. Os presentes autos foram concluídos à Relatora em 07.06.19.

Saneamento Processual:

Fixa-se o valor à presente acção em € 144.821,00 (cfr. fl. 24 dos autos e arts. 296.º, 305.º e 306.º do CPC).

Terminados os articulados, e não tendo sido invocada matéria exceptiva, cumpre proceder ao saneamento dos autos nos termos do artigo 88.º do CPTA.

As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias.

A A. goza de legitimidade para atacar o segmento do acto impugnado que determinou a exclusão da sua proposta. Na circunstância de a sua pretensão não proceder – e, por conseguinte, de a sua exclusão não ser ilegal –, a A. apenas terá legitimidade, relativamente ao pedido subsidiário (a exclusão da proposta de contra-interessada com as devidas consequências) se, justamente, puder arguir vícios que conduzam à anulação do segmento do acto atacado que adjudicou a obra à contrainteressada e na medida em que isso implique que a A. pode apresentar nova proposta (só assim podendo continuar a alegar que possui um interesse pessoal e directo na impugnação do acto).

As partes estão devida e legalmente representadas.

Não foram alegadas excepções dilatórias nem perentórias, não as havendo de conhecimento oficioso, e nem quaisquer outras nulidades, incidentes e/ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa e que, por conseguinte, cumpra conhecer.

Os autos contêm todos os elementos necessários ao conhecimento do objecto delineado na presente acção.

Não foi requerida a produção de prova pelas demandadas nas respectivas contestações, pelo que se dispensa a produção de alegações, ex vi do disposto no artigo 102.º, n.º 2, do CPTA.
É dispensada a realização da audiência prévia ao abrigo do disposto conjugadamente nos artigo 67.º-A e 67.º-B do CPTA.

Acórdão:

II – Fundamentação

1. De facto:

Presentes o alegado pelas partes e a suficiência dos elementos probatórios que se mostram já produzidos nos autos julga-se como assente o seguinte quadro factual necessário à apreciação da pretensão:
A) Em 15.06.18 deu entrada no Gabinete do Secretário-Geral da Assembleia da República o documento com o n.º de entrada 602735, apresentado pelos adjuntos do mesmo Secretário-Geral, que damos por integralmente reproduzido, e do qual se transcreve o seguinte trecho:
“PROPOSTA N.º 083/SG/CA/2018

ASSUNTO: FORNECIMENTO E LICENCIAMENTO DE UM SISTEMA ELECTRÓNICO DE GESTÃO DOCUMENTAL, EQUIPAMENTOS DE DIGITILIZAÇÃO, E SERVIÇOS DE IMPLEMENTAÇÃO NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

Exmo. Senhor Secretário-Geral,

1. Por despacho do Presidente da Assembleia da República, de 22 de julho de 2016, foi autorizada a abertura do procedimento de concurso limitado por prévia qualificação com a referência 2016/AHP/04 com vista a adjudicar o fornecimento e o licenciamento de um Sistema Eletrónico de Gestão Documental, Equipamento de Digitalização e Serviços de Implementação na Assembleia da República (Proposta 021/SG/CA/2016).

2. Por despacho do Senhor Secretário-Geral, de 10 de abril de 2017, no uso de competências delegadas pelo despacho nº 14/XIII, de 1 de dezembro de 2015, do Presidente da Assembleia da República, foram qualificadas e convidadas a apresentar proposta as seguintes empresas e agrupamentos:
 Agrupamento C…………, S.A. e …………….. S.A.;
B………….., S.A.;
 Agrupamento D…………., SA e D’………, S.A.;
 ……E……….. LDA;
 ………………, S.A.;
 ……………….;
 A……………., S.A;
 ……………….;
 Agrupamento …………….., S.A. e …………., SA;
 ……………… S.A.

3. Das empresas qualificadas, apenas a …………….., S.A. não apresentou proposta.

4. O júri do procedimento conduziu o procedimento, tendo promovido duas sessões de demonstração das soluções propostas.

5. No final da aturada análise das propostas recebidas, o júri propôs:

I. A exclusão dos concorrentes a seguir indicados por não terem comparecido nas sessões de demonstração previstas no programa do procedimento essenciais para avaliar o cumprimento dos requisitos, a robustez e fiabilidade do sistema e a interface programática da solução, com fundamento na alínea n) do nº 2 do artigo 146º, por aplicação do artigo 162º, ambos do CCP:

 Agrupamento D……….., SA e D’………….., S.A.;
 ………………;
 …………… S.A.
 ………E……… LDA;.

II. A exclusão dos concorrentes a seguir indicados por não cumprirem integralmente os requisitos obrigatórios do sistema, isto é, os termos ou condições definidas como obrigatórios no caderno de encargos, com fundamento na alínea b) do nº 2 do artigo 70º do CCP:

 B……. S.A.;
 Agrupamento C…………, S.A. e ………….. S.A.;
 Agrupamento ……………, S.A. e ……………, SA;
 A…………, S.A;
 …………..

6. Excluídas todas as propostas, entende-se como adequado e responsável decidir não adjudicar o presente procedimento, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 79º do CCP, o que se propõe.

NOVO PROCEDIMENTO

7. Não obstante, mantêm-se válidas e pertinentes as razões subjacentes à Proposta 021/SG/CA/2016, e que justificaram a abertura do procedimento de contratação: a desmaterialização dos processos administrativos da Assembleia da República é um intento fundamental e estruturante para o Parlamento, devendo tal ser assegurado através de um sistema de gestão documental adaptado à estrutura parlamentar com benefícios de agilidade e prontidão, rigor, monitorização e valia ambiental.

8. Neste contexto, entende-se que continua a fazer sentido promover a contratação do Fornecimento e licenciamento de um sistema eletrónico de gestão documental, equipamentos de digitalização e serviços de implementação na Assembleia da República.

9. O Código dos Contratos Públicos (CCP) permite que se recorra a ajuste direto ou consulta prévia quando Em anterior concurso público, concurso limitado por prévia qualificação ou diálogo concorrencial, todas as propostas apresentadas tenham sido excluídas (al. b) do nº1 do artigo 24º e artigo 27º-A, ambos do CCP, com a redação aprovada pelo Decreto-Lei nº 111-B/2017, de 31 de agosto).

(…)

12. Tendo havido opção pela consulta prévia, deverão ser convidados a apresentar proposta todos os concorrentes cujas propostas tenham sido excluídas apenas com fundamento no nº 2 do artigo 70º. São eles:

 B……………, S.A.;
 Agrupamento C………….., S.A. e ………….S.A.;
 Agrupamento ……………, S.A. e ………………., SA;
 A………….., S.A;
 ………………;

PEÇAS DO PROCEDIMENTO

13. O caderno de encargos sofreu ligeiros melhoramentos, visando uma correta definição dos requisitos alcançáveis por todos os concorrentes, não constituindo os mesmos alterações substanciais em relação ao primeiro procedimento.

14.

15. Assim, o procedimento deve assentar em convite e caderno de encargos que se anexam e se submetem à consideração superior, conforme alínea b) do n.º 1 do artigo 40.º artigo e 42.º do CCP.

JÚRI

16. De acordo com o estabelecido no artigo 67.º, n.º 1 do CCP, o procedimento é conduzido por um júri, designado pelo órgão competente para a decisão de contratar, composto, em número ímpar, de cinco membros efetivos, um dos quais presidirá, e três suplentes. Assim, propõe-se que o Júri seja constituído por:

 Presidente: ……….
 Vogal: ………..
 Vogal: …………
 Vogal: …………
 Vogal: …………

 Suplente: ………..
 Suplente: ………..
 Suplente: ………..

17. Propõe-se que, ao abrigo do disposto no artigo 69.º n.º 2 do CCP sejam delegadas no júri designado para o procedimento as seguintes competências: a) Prestar esclarecimentos necessários à boa interpretação das peças do procedimento (n.º 2 artigo do 50.ºdo CCP); b) Determinar a eventual prorrogação do prazo fixado para a apresentação das propostas (artigo 64.º do CCP); c) Decidir sobre a classificação de documentos da proposta (artigo 66.º do CCP); d) Proceder às notificações, em plataforma eletrónica, das decisões tomadas pelo órgão competente para a decisão de contratar.

18. Os membros do júri supra referidos procederão à subscrição da declaração de inexistência de conflito de interesses conforme o disposto no n.º 5 do artigo 67.º do CCP” (cfr. doc. “1.Despacho 083SGA2018_abertura”, constante do p.a., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

B) Na sequência do convite previsto no documento mencionado em A), designadamente do seu ponto 12., e no âmbito do procedimento de consulta prévia n.º AHP/2018/108, apresentaram propostas a ………., a ……….., a C…….._..........., a B……... e a A………. (cfr. docs.: “2.Convite”; “6.proposta_...........”; “7.proposta_...........”; “7.proposta_C…….._........”; “8.proposta_B………”; “9.proposta_A………, todos constantes do p.a., que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

C) No Anexo I do convite mencionado em B), na parte inicial, diz-se o seguinte:

ANEXO I
Modelo de avaliação das propostas

A avaliação comparativa será realizada pelo júri através da análise das propostas e de uma eventual apresentação da solução proposta por cada uma das empresas, a qual decorrerá em data a acordar, nas instalações da Assembleia da República. Em caso de ser solicitada, esta demonstração deverá incidir, sobretudo, na usabilidade da solução proposta nas suas diversas vertentes e na verificação da conformidade de resposta aos requisitos, obrigatórios e facultativos, constantes do anexo I do CE. O não cumprimento de qualquer um dos requisitos obrigatórios, bem como a verificação de existência de falsas declarações nas propostas, relativas ao cumprimento dos mesmos, determina a sua exclusão.

Todos os requisitos obrigatórios têm que estar disponíveis no momento da entrega das propostas, sendo passiveis de demonstração na eventual sessão de apresentação da solução. Será considerado como integrando o crime de falsas declarações a alegação que a funcionalidade será desenvolvida em fase de execução do projeto, implicando a exclusão da proposta” (cfr. doc. “2.Convite”, constante do p.a., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

D) Mediante comunicação de 09.11.18 foram os concorrentes C……., …….., B…….. e ……... convidados a participar numa sessão de demonstração. De seguida reproduz-se o teor da comunicação:

Ex.mos. Senhores,

De acordo com o previsto, vimos convocar V.EXAS. para uma demonstração do sistema proposto. A sessão de esclarecimentos terá as configurações seguintes:

Componente técnica: os concorrentes deverão vir providos de computador portátil equipado com o sistema de gestão documental instalado na língua portuguesa, prever a existência de pelo menos 3 utilizadores com diferentes perfis, ferramentas de produtividade de acordo com o previsto em caderno de encargos, trazer um cartão de assinatura digital qualificada. O sistema deve integrar uma tabela de seleção de documentos, tal como estipulado nos requisitos e um fluxo de trabalho ativo.

Duração máxima: uma hora.

Local: Palácio de São Bento, na sala de reuniões da Direção de Tecnologias de Informação.

Presenças: - Por cada concorrente apresentante devem estar até um máximo de dois representantes, devidamente credenciados (se em consórcio, o máximo é de três); - Por cada concorrente assistente apenas pode estar um representante, devidamente credenciado, sem possibilidade de intervir.

Gravação áudio: as sessões serão gravadas, sendo usadas as declarações nelas prestadas.

Data: 15 de novembro de 2018, quinta-feira.

Horários: 15:00 : ……….. 16:00 : B…………, S.A. 17:00 : C…………., S.A., …………. S.A.

Qualquer necessidade para a preparação e apresentação deve ser colocada previamente.

A não comparência conduzirá à impossibilidade de o júri analisar integralmente as propostas, acarretando a exclusão da mesma.

Com os melhores cumprimentos.

O Júri” - (cfr. doc. “10.2018-11-09_comunicacao”, constante do p.a., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

E) A sessão de apresentação da contra-interessada B……… e das outras concorrentes convocadas ocorreu em 15.11.18 (admitido por consenso e conforme consta do relatório preliminar-“11.relatorio_preliminar”, constante do p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

F) Do relatório preliminar, que foi formalizado e disponibilizado na plataforma electrónica em 14.12.18, destacam-se a proposta de exclusão das concorrentes …….. e A…………. A primeira por se ter apresentado sem vir acompanhada do parceiro Agrupamento …………, SA, e, assim, não cumprir o disposto no n.º 3 do artigo 24.º do CCP e, ainda, por, já quanto ao seu teor, não cumprir as als. c) e d) do ponto 4 do CE. A segunda, embora regular do ponto de vista formal, não cumprir a als. i) do ponto 4 do CE.
Ainda a destacar a proposta de classificação e ordenação dos concorrentes não excluídos: em 1.º lugar ficou a B……… com a pontuação de 9,17; em 2.º lugar a ………. com a pontuação de 7,40; e em 3.º lugar o Agrupamento C……./……… com a pontuação de 6,31.
Foi ainda determinada a audiência escrita dos concorrentes nos termos do artigo 123.º do CCP.
(cfr. doc. “11.relatorio_preliminar”, constante do p.a., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

G) Na sua pronúncia datada de 19.12.18, na sequência da prévia notificação do relatório preliminar, a A………. vem reagir contra a exclusão liminar a sua proposta, alegando o desrespeito dos princípios da proporcionalidade e do favor do procedimento em virtude dos termos dessa exclusão, e alegando o desrespeito dos princípios da igualdade e da imparcialidade, em virtude do tratamento diferenciado de que foi objecto por comparação com o tratamento dado a outros concorrentes (cfr. doc. “13.Pronuncia_A………..), constante do p.a., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

H) Por comunicação de 10.01.19, que teve como destinatários a C…….., a …….., a A…….., a B……., a ……… e a ………, o júri prestou a seguinte informação:

Exmos. Senhores,

Não tendo informado expressamente os concorrentes de que os registos das sessões de apresentação estavam disponíveis para consulta, o júri do procedimento nº AHP/2018/108 decidiu: - Conceder novo prazo de três dias, contados a partir da presente comunicação, para que os concorrentes se pronunciem em sede de audiência escrita dos concorrentes sobre o relatório preliminar de 14.12.2018 patente na plataforma (artigos 123º do Código dos Contratos Públicos), podendo para o efeito utilizar a área de Audiência Prévia ou a área de Comunicações da plataforma; - Disponibilizar, durante o mesmo prazo, a consulta aos registos das sessões de apresentação, devendo os interessados que o pretendam enviar pedido na área de Comunicações da plataforma indicando um contacto direto para efeitos de agendamento da referida consulta, a qual terá lugar nas instalações da Assembleia da República, sitas no Palácio de São Bento.

O júri

(cfr. doc. “12.2019.01.10_comunicacao” constante do p.a. que aqui se dá por integralmente reproduzido).

I) Da pronúncia da A……….. datada de 15.01.19, produzida na sequência da consulta dos registos aúdio das apresentações que previamente tinha solicitado ao júri, destaca-se o seguinte:

2. Na sequência da comunicação da disponibilização dos registos das referidas apresentações, cumpre à A……….. referir os seguintes aspetos significativos, a saber:

a) O facto de ter sido apenas conservado o registo áudio das apresentações, impossibilita os dois concorrentes que não foram convocados para as mesmas de exercer em plenitude o seu direito de contraditório, posto que o registo áudio de uma diligência onde é requerido ao concorrente que demonstre como a sua aplicação funcionalmente cumpre os requisitos da solução concursada, e dado que esse cumprimento apenas é possível de verificar “visualmente”, não serve o propósito de possibilitar àqueles dois concorrente o exercício pleno do contraditório, por lhe ser vedado o acesso a aspetos fulcrais da análise e avaliação das propostas dos restantes concorrentes;

b) Relativamente à consulta dos registos áudio, e aos termos em que a mesma foi permitida, diga-se que não foi possível à A……….. consultar a totalidade dos registos, dado a mesma ter sido convidada a finalizar a sua consulta ocorrida no dia 14/01/2019 por “impossibilidade” dos serviços da AR.

c) Certo é que a A……….. foi igualmente convidada pelo júri a comparecer, no dia seguinte, para a consulta dos registos não consultados; porém, atendendo a que o prazo de consulta decorreu sobrepostamente ao prazo disponibilizado para o exercício do seu direito de pronúncia, e que foi de apenas 3 dias úteis, tornou-se impossível à A……….. comparecer no dia 15/01/2019 na AR e, concomitantemente, elaborar a sua análise e respetiva pronúncia".

Extrai-se ainda desta pronúncia a convicção da A. de que devem ser excluídas as propostas das concorrentes ………., B………. e Agrupamento C……../…….., por incumprimento de requisitos obrigatórios do CE e consequente violação do art. 70.º, n.º 2, al. b), do CCP – passando a A. a demonstrar de que modo se verificam esses incumprimentos concorrentes (cfr. doc. “15.Pronuncia_A……._2 audiencia), constante do p.a., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

J) No relatório final elaborado pelo júri do concurso, de 06.02.19, destaca-se a análise feita pelo júri das observações e objecções que constavam da pronúncia da concorrente A………... Fundamentalmente, contra-argumenta-se que não se verificou qualquer lapso de escrita, resultando da leitura integral da proposta da ora A. e do contexto em que foi apresentada, designadamente no que se refere à proposta inicialmente apresentada no procedimento concursal que acabaria por ficar deserto, que esta queria mesmo propor uma solução informática que exigiria um upgrade do sistema já existente na AR. Quanto a este último aspecto, destaca-se a seguinte parte do relatório final:

K) Sendo ainda mais concreto, e ao contrário do que a concorrente A……….. tenta dar a entender na sua exposição, não é de todo descabido que a sua solução exija, para o respetivo funcionamento, ou em última análise, para um funcionamento satisfatório, que os postos de trabalho padrão da entidade adjudicante tenham um mínimo de 16 GB de memória RAM (acrescendo custos para a entidade adjudicante)”.

A destacar a parte em que se afirma ser inaplicável a possibilidade de pedir esclarecimentos, prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CPC, pois isso implicaria modificações na proposta da concorrente em violação do n.º 2 do mesmo preceito: “Os esclarecimentos prestados pelos respetivos concorrentes fazem parte integrante das mesmas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º”.

Ainda a destacar a justificação da não exclusão da concorrente ……….: “(…) a proposta da concorrente A……….. contém declaração frontalmente contrária ao disposto no CE; a proposta da concorrente ……… apresenta declarações compatíveis com o CE, mas omite parte das declarações constantes do CE. (…)”; o silêncio (a não resposta da …………) não equivale a uma declaração negocial nos termos do art. 218.º do CC; o júri muniu-se de outros “elementos interpretativos, nomeadamente a declaração segundo o Modelo I do CCP” (Cfr. o doc. “14.relatorio_final_versao1”, constante do p.a., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

Por último, na Parte II, 11) d) refere-se que a concorrente B…….. remeteu, pela forma legal, via plataforma, a política de resposição de backups da solução.

L) Em 12.02.19, a A. enviou nova pronúncia em sede de audiência prévia em que reitera a ilegalidade da exclusão da sua proposta e a ilegalidade da proposta da concorrente, ora contra-interessada B…….. – NÃO CONSTA DO PA, NÃO OBSTANTE A A. ASSIM O AFIRMAR

M) Do relatório final do júri, de 14.03.19, destaca-se o seguinte:
11), d) É também afirmado que o concorrente se propôs remeter por mail, no dia seguinte, a política de reposição de backups da solução. Ora, o que na verdade se passou foi que o concorrente utilizou os meios legais para efetuar esclarecimentos, ou seja, enviou os documentos que entendeu necessários e suficientes para esclarecer o júri sobre as dúvidas técnicas que o concorrente não podia no momento esclarecer. Apesar de o referido envio ter sido efetuado pela forma legal – via plataforma, permitindo assim que todos os outros concorrentes (incluindo a A………..) deles tivessem conhecimento, e ter sido tempestivo – inexistem limites temporais à prestação de esclarecimentos às propostas – este não foram sequer tidos em conta pelo júri para apreciação ou avaliação das propostas”.
13) Alega a concorrente A……….. que a concorrente B……….. não demonstrou cumprir o requisito 11. Permitir o envio de alertas por email.

a) No entanto, em sede de apresentação foi solicitado aos concorrentes que mostrassem ao júri um mail de alerta de um utilizador. Quando se referiu «protótipo», o júri referia-se ao template de mail. O representante da concorrente B………mostrou a sua própria lista de tarefas, a partir do link do mail, para concretizar a referida tarefa e evidenciar o pretendido.

b) No entanto, sempre se dirá que o júri faz uma leitura distinta das regras que imperam sobre as sessões de demonstração. Neste contexto, entende o júri que o normal encaminhamento da exposição para um tema, sem terminar a demonstração do tema anterior, não pode penalizar automaticamente o concorrente, pois incumbe ao júri a organização e condução da sessão. O princípio da boa-fé impõe que apenas os casos em que de algum modo ficou evidente a impossibilidade de realizar o requisito que devia ter sido demonstrado podem conduzir à exclusão da proposta. Esta foi, aliás, a conduta coerentemente adotada pelo júri nas sessões de apresentação de todos os concorrentes (como se verá na secção seguinte)”.

(Cfr. o doc. “16.relatorio_final”, constante do p.a., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

N) No relatório final de 14.03.19, o júri propõe a exclusão de todas as propostas, excepto da da B………., propondo, concomitantemente a sua adjudicação a esta concorrente (Cfr. o doc. “16.relatório_final”, constante do p.a., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

O) Em 19.03.19, a Dra. ……….., em substituição do Secretário-Geral da AR, apôs na proposta de adjudicação apresentada o seguinte despacho: “À consideração do Conselho de Administração com o meu parecer favorável” (Cfr. o doc., “17.DespachoAdjudicacao”, constante do p.a., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

P) Em 21.03.19, o Presidente do Conselho de Administração da AR deu o seu parecer favorável (Cfr. o doc. “17.DespachoAdjudicacao”, constante do p.a., que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Q) Em 22.03.19, o Secretário-Geral da AR apõe na proposta mencionada em O) o seguinte despacho: “Ao Sr. Presidente da Assembleia da República, com o meu pedido de autorização da adjudicação proposta” (Cfr. o doc. “17.DespachoAdjudicacao”, constante do p.a., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

R) Em 26.03.19, o Presidente da AR concede a autorização mencionada em Q) (Cfr. o doc. “17.DespachoAdjudicacao”, constante do p.a., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

S) Em 26.03.19 o Secretário-Geral da AR apõe na proposta mencionada em O) o seguinte despacho: “À Sra. Dra. ………. P/ dar seguimento” (Cfr. o doc. “17.DespachoAdjudicacao”, constante do p.a., que aqui se dá por integralmente reproduzido).

T) A presente acção deu entrada neste STA em 26.04.19.

2. De direito:

2. Passemos, agora, à abordagem da questão de direito.
A A. baseia o seu pedido em dois fundamentos essenciais. Por um lado, entende que a sua proposta foi ilegalmente excluída. Por outro lado, sustenta que a proposta da contra-interessada B……… foi ilegalmente admitida e, concomitantemente, ilegalmente adjudicada.

2.1. Relativamente à questão da exclusão da sua proposta, a A. defende que, não obstante a proposta apresentada não respeitar a al. i) do ponto 4 do CE, tal deve-se a um “lapso de escrita manifesto, uma vez que se ali se pretendia escrever «4GB», em vez de «16GB»” (alegação 27.º da p.i.). Com vista a justificar que se trata de um lapso de escrita, a A. convoca três argumentos:

(i)como qualquer pessoa medianamente conhecedora da matéria reconhecerá, a indicação da mesma quantidade de memória RAM para os servidores e para os postos de trabalho é algo que não tem cabimento” (alegação 34.º da p.i.); aliás, na proposta apresentada menciona-se, “como requisito de memória para os postos de digitalização 4GB de RAM, já que as necessidades de memória destes seriam sempre e necessariamente superiores às dos postos de trabalho comuns” (alegação 37.º da p.i.)

(ii)a solução constante da proposta da Autora, como é descrito em várias passagens (v.g. páginas 12, 27 e segs. e 193 da proposta – Cfr. p.a.i.) é do tipo Web based” (alegação 38.º da p.i.), e, assim sendo, os utilizadores podem aceder à e navegar na Internet mediante a utilização de browsers que não necessitam de muita memória RAM, “bastando menos de 1 Gbyte de RAM para poderem funcionar perfeitamente, sem qualquer restrição ou limitação” (alegações 39.º e 40.º da p.i.);

(iii) no concurso limitado por prévia qualificação que esteve na base do convite à apresentação de propostas (uma vez que foram todas excluídas), de entre elas, a da A. e a da contra-interessada, a A. apresentou a mesma solução informática de gestão documental, sendo certo que na proposta então apresentada mencionava claramente “Memória 4GB”. “Ora, tratando-se da mesma solução Web based de gestão documental – WebDoc – seria absurdo, anómalo, incompreensível, que a Autora na proposta que apresentou no procedimento em causa nos autos tivesse efetivamente pretendido introduzir como requisito mínimo dos postos de trabalho 16GB de RAM, até porque tal seria objetivamente desnecessário e, além do mais, violador do Caderno de Encargos” (alegações 43.º.º da p.i.).

Mais disse a A. na sua p.i. (alegações 47.º, 48.º, 49.º 50.º e 56.º da p.i.):

O júri do procedimento, naturalmente conhecedor dos factos e circunstâncias acima descritos, que são de conhecimento elementar e objetivamente ao alcance de qualquer destinatário médio colocado em idênticas condições, não poderia deixar de reconhecer na indicação de 16 GB de memória RAM para os postos de trabalho um lapso de escrita ostensivo e manifesto”.

De facto, e contrariamente ao que refere o relatório do júri, não seria apenas a Autora que estava em condições de avaliar se efetivamente a sua solução carecia de 16 GB de memória nos postos de trabalho, porquanto as indicações quanto aos servidores e aos postos de digitalização, a circunstância de, do ponto de vista técnico, ser evidente que uma solução web based não ter, objetivamente, tais necessidades de memória para os postos de trabalho e ainda o facto de estar em causa a mesma solução proposta no procedimento anterior, em que expressamente se consignou a necessidade, essa sim correta e conforme à vontade da Autora, de contemplar apenas 4 GB de RAM para os postos de trabalho, permitiam ao júri concluir que se tratava de um lapso de escrita manifesto”.

Impondo-se, naturalmente, a respetiva correção oficiosa, de modo a que no segmento relativo aos postos de trabalho, onde se lê 16 GB passe a ler-se 4 GB

É o que resulta do artigo 72.º, nº 4 do CCP, segundo o qual “O júri procede à retificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido”.

Conclui-se, assim, que o ato impugnado ao determinar a exclusão da proposta da Autora, ao invés, proceder à respetiva correção no segmento atrás identificado violou o artigo 72.º, n.º 4 do CCP e o artigo 70.º, n.º 2 alínea b) do CCP”.

Mas, “Ainda que assim não se entendesse, a exclusão da proposta da Autora seria sempre ilegal”. E isto na medida em que “o fundamento de exclusão da proposta da Autora seria a antinomia entre o que, por lapso, se refere quanto à memória RAM dos postos de trabalho, 16 GB, e a disposição vertida no caderno de encargos que determina que a proposta tem de respeitar a memória RAM dos postos de trabalho existentes, que é de 4 GB”.

Ora, a verdade é que a lei contém uma disposição específica e expressa que resolve de forma inequívoca estas situações, no artigo 96.º, n.º 5 do CCP, ali determinando que em caso de divergência entre o conteúdo da proposta do adjudicatário e o caderno de encargos, este prevalece sempre”.

Disposição que, no caso dos autos, encontra ainda paralelo no ponto 17. do Caderno de Encargos, onde se dispõe:

«17. Prevalência

A presente consulta e a consequente prestação do serviço será regulada pelo caderno de encargos, o convite e a proposta do adjudicatário.

Em caso de dúvidas prevalece em primeiro lugar o caderno de encargos e em último lugar a proposta do adjudicatário.»

Ora, a previsão legal do fundamento de exclusão das propostas contemplado na alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP visa garantir que o contrato a celebrar e, por consequência, a respetiva execução, respeitam as exigências vertidas no caderno de encargos”.

O que significa que nas situações em que a antinomia entre o termo ou condição da proposta e o Caderno de Encargos ocorre relativamente a uma disposição deste com vocação supletiva, passível de substituir integralmente, aquele termo ou condição, havendo uma norma legal expressa que a faz prevalecer sobre a proposta na definição do objeto do contrato seria injustificado e desproporcionado excluir a proposta”.

Nestes casos, por apelo ao princípio do aproveitamento dos atos jurídicos e ao princípio da proporcionalidade, estando alcançado pela via legal o desiderato subjacente ao fundamento de exclusão, de fazer prevalecer o caderno de encargos na definição do objeto do contrato e na sua execução, com a consequente vinculação do adjudicatário ao seu cumprimento, não deve ser excluída a proposta” (alegações 61.º a 65.º da p.i.).

Ainda que se entendesse que não estava em causa um lapso de escrita manifesto passível de correção, por aplicação do disposto no ponto 17. do Caderno de Encargos e no artigo 96.º, n.º 5 do CCP, bastará fazer prevalecer o conteúdo do Caderno de Encargos, mais precisamente da sua disposição que prevê que a solução a fornecer deve funcionar corretamente nos postos de trabalho cuja memória RAM é de 4 GB” (alegação 67.º da p.i.).

Conclui-se, assim, que o ato impugnado, ao determinar a exclusão da proposta da Autora, viola as disposições do ponto. 17 do Caderno de Encargos, do artigo 96.º n.º 5 do CCP e dos princípios do aproveitamento dos atos jurídicos e da proporcionalidade” (alegação 70.º da p.i.).

Em face do exposto, não restam dúvidas de que o segmento do ato impugnado que determinou a exclusão da proposta da Autora do procedimento se revela manifestamente ilegal (alegação 71.º da p.i.).

A contra-interessada B………. rejeita a ideia de que se tenha tratado de um lapso de escrita e, muito menos, de um lapso manifesto e faz assentar esta sua convicação em vários argumentos:

(i) “Primeiro que tudo, o júri não tinha forma de saber que tal se tratava de um erro de escrita, pois só o fornecedor terá capacidade para indicar qual a memória necessária à execução do sistema que fornece, em paralelo com o sistema operativo e aplicações que têm de ser usadas em simultâneo, como o caso das aplicações Microsoft Office, aplicações de antivírus, ou de comunicação como por exemplo o Skype, geralmente existentes nos postos de trabalho(alegação 13.º da contestação).

(ii) “Depois, não é minimamente evidente nem tão pouco se pode dar como científica ou tecnicamente incoerente uma solução de hardware que funcione com a mesma memória RAM para “servidores” e para “postos de trabalho”” (alegação 14.º da contestação).

(iii) “Quanto ao posto de digitalização (referenciado como argumento no art. 37º da petição inicial), a necessidade de memória dos postos de digitalização pode ser distinta da dos restantes postos, podendo inclusive ser justificadamente inferior, dependendo das aplicações executadas em simultâneo em cada posto e do consumo individual de memória”.

Não é, portanto, óbvio que um posto de digitalização não possa ter como requisito um consumo de memória inferior ao dos restantes postos de trabalho comuns” (alegações 17.º e 18.º da contestação).

(iv) “Quanto ao facto de a aplicação dos autos ser “web based”, cumpre, antes de mais, explicar que, não obstante a solução “web based” ser um programa que acede através de rede utilizando HTTP, muitos são os programas “web based” em que é necessário e exigido para o seu funcionamento que a área/posto de trabalho do utilizador tenha determinada capacidade de memória”.

É, portanto, óbvio que para que possam ser executadas outras aplicações o posto de trabalho do utilizador tem de ter como mínimo um valor superior a 1 GB”.

Adicionalmente acresce que a solução proposta pela Autora não é integralmente “Web based””.
Com efeito, para ser possível efetuar as integrações necessárias a nível do posto de trabalho, nomeadamente com as aplicações Microsoft Office e de assinatura digital (requisitos exigidos, nomeadamente na al. e) do ponto 2 e al. k) do ponto 3, ambos do Caderno de encargos), a Autora propõe fornecer e instalar componentes locais (nomeadamente, no ponto 1.4.2.10.5. da proposta da Autora) a cada posto de trabalho: os denominados de add-ins que constam da proposta da Autora”.

Assim, a memória necessária a ter em consideração não será apenas a da componente Web, mas dependerá ainda da exigência de cada um destes componentes instalados localmente (“add-ins”) a cada posto de trabalho e da forma como tecnicamente cada um se encontra devidamente implementado”.

Fica assim demonstrado que o requisito mínimo de memória para um posto de trabalho só pode ser indicado pelo fabricante da solução, pois depende de diversas decisões técnicas de implementação que só ele conhece”.

Não existem, portanto, evidências que possam ser apontadas como absurdo e descabido a indicação de 16 GB de memória por posto de trabalho” (alegações 19.º e 23.º a 28.º da contestação).

Prossegue a contra-interessada:

(v) “A Autora, como afirma no seu articulado, apresentou proposta ao anterior procedimento de concurso limitado por prévia qualificação (art. 44º da petição inicial)”.

Como se pode constatar pelo que a Autora afirma no art. 45º, a Autora ali respondeu aos requisitos de hardware apontado um sistema com 4GB RAM”.

Entre uma proposta e outra com toda a certeza que se deve ter verificado alguma alteração nos requisitos de funcionamento da solução apresentada pela Autora
.
Mas, o que é certo e seguro é que, até pelo que a Autora afirma e demonstra, conclui-se com mediana clareza que não existiu qualquer lapso de escrita e menos ainda “manifesto””.

Houve uma alteração propositada naquilo que são os requisitos mínimos de hardware para a solução da Autora poder funcionar capazmente: é a única explicação”.
Mas, com a alteração de tais requisitos, a proposta da Autora deveria obviamente ser excluída – como o foi, e bem!”.

Além do mais, em outras propostas apresentadas pela Autora após a dos presentes autos, a Autora volta a apresentar como requisitos de hardware para a solução proposta um sistema com 16GB de memória RAM – cfr. docs. nºs 1 e 2 que aqui se juntam e se deixam reproduzidos para todos os efeitos legais, a págs. 201 a 203 e 214 a 215 respectivamente (por limitações da capacidade de “upload” do sistema SITAF, a Contrainteressada opta por enviar apenas as páginas em causa, protestando juntar a totalidade dos documentos caso venha a ser para tanto notificada)”.

Mais uma vez, não existe qualquer lapso”.

Pelo que não há que considerar qualquer correção oficiosa ou não exclusão da proposta nos termos apresentados pela Autora” (alegações 31.º a 39.º da contestação).

Por último, adianta a contra-interessada:

(vi) “Nem há que apelar às regras de prevalência invocadas pela Autora (arts. 57º e ss. da petição inicial), sustentando-se o seu raciocínio numa petição de princípio e num exercício de argumentação puramente capcioso”.

Com efeito, a Autora discorre sobre a prevalência da disposição do Caderno de Encargos (que exige uma “memória RAM de 4GB”) dizendo que, na dúvida ou incoerência, deveria cumprir o contrato de acordo com tal CE".

Ora, este raciocínio levaria, por um lado, a considerar dispensáveis quaisquer elementos das propostas que não se resumissem ao preço, ficando tudo o demais ao sabor do Caderno de Encargos e, naturalmente, ficando a entidade adjudicatária absolutamente impossibilitada de avaliar todos os elementos que para si são essenciais nas propostas que lhe fossem apresentadas”.

E, por outro lado e mais grave, tal argumento esquece fragorosamente que o problema reside precisamente no fato de, ao que tudo indica, a solução informática apresentada e proposta pela Autora dever mesmo requerer um sistema de hardware com 16GB de memória RAM!”.

Esse é que é o ponto que deve levar à manutenção da exclusão da proposta da Autora” (alegações 41.º a 45.º da contestação).

Os argumentos apresentados pela R. AR não diferem muito, quanto a esta específica questão, daqueles apresentados pela Contra-interessada B…….., pelo que nos limitaremos, quando oportuno, a mencionar aquele ou aqueles que podem dar um acréscimo de justificação à tese da não verificação de qualquer ilegalidade na exclusão da proposta da A.

Vejamos, então, se assiste razão à A. E começamos por avaliar se é de aplicar o n.º 4 do artigo 72.º do CCP. Ou seja, será que se impunha a rectificação oficiosa por parte do júri (em vez de 16GB escrever 4GB) por se constatar a existência de erro de escrita manifesto, tal como aí se preceitua?

Estamos em crer que não.

Se, de facto, a indicação da necessidade dos mesmos requisitos de memória RAM para os servidores e para os postos de trabalho não é, in casu, óbvia, não se pode afirmar tão categoricamente, como o faz a A., “que não tem cabimento” que uma aplicação do tipo cliente web exija os mesmos 16GB de RAM do que a aplicação do lado do servidor. Quanto ao facto de uma solução web based acessível por browsers normalmente não exigir muita memória RAM, trata-se de asserção correcta. Contrapõe, porém, a contra-interessada que a solução não é exclusivamente web based e que a instalação de add-ins exige mais memória RAM. Ainda que também esta asserção seja igualmente válida, a verdade é que não ficamos a saber se a instalação das ditas add-ins implicaria uma memória RAM de 16GB, daí que não se possa atender a este último argumento, que não passa de mera suposição, não sendo conclusiva esta troca de argumentos. Quanto à circunstância de, no concurso limitado por prévia qualificação que ficou deserto, a sua proposta mencionar, no ponto em questão, 4GB, conforme o disposto no CE, os argumentos da contra-interessada e da entidade demandada (de que a A……….. alterou outro aspecto da proposta inicial e de que em outros concursos semelhantes apresentou idêntica solução com a exigência de 16GB) são de molde a neutralizar este argumento que justificaria a evidência do lapso de escrita ­) – além de que não é impossível que tivesse havido, efectivamente, uma alteração da proposta. Em suma, tudo somado, não resulta certo que o júri devesse ter constatado esse alegado lapso de escrita manifesto ou, visto de outro modo, que exista um lapso ou erro manifesto.
Mas a aplicação do artigo 72.º, n.º 4, do CCP impõe a verificação de um outro pressuposto. Com efeito, “Deve sublinhar-se, neste contexto, que o poder-dever de retificação exige a cumulação da evidência ou do carácter manifesto do erro com a forma de o corrigir. Quer isto dizer que, se, apesar da evidência do erro, não for evidente a forma de o corrigir, não haverá lugar à retificação oficiosa” (cfr. Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, Vol. 1, Coimbra, 2018, p. 840). Ora, in casu, não é evidente a forma de o corrigir, porque não resulta demonstrado que a solução apresentada pela A……….. não tivesse como requisitos os já referidos 16GB de RAM – não obstante não ser exigível tanta memória RAM para os postos de trabalho padrão –, nem teria o júri possibilidade de determinar quais eram os reais requisitos de memória RAM.

Nestes casos, “Poderá haver lugar ao pedido de esclarecimentos, nos termos que já conhecemos, ou, porventura, ao convite para regularização da proposta” (cfr. Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, Vol. 1, Coimbra, 2018, p. 840). Sucede que estas soluções, no caso dos presentes autos, não são aplicáveis.
Quanto aos esclarecimentos, eles “visam proceder à clarificação ou explicitação da proposta, dos seus termos ou condições ou atributos; segundo um critério objetivo, a clarificação tem de encontrar uma correspondência no texto ou nos elementos que constituem a proposta” e, “Em termos gerais, importa assegurar que os esclarecimentos não conduzam a uma alteração da proposta (…) Precisamente no sentido da proibição de alteração da proposta, decorre do n.º 2 do artigo 72.º que os esclarecimentos não podem contrariar os elementos constantes dos documentos que constituem as propostas, nem alterar ou completar os respetivos atributos, assim como não podem visar suprir omissões que determinam a exclusão das propostas nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2 do artigo 70.º. Esclarecer é clarificar; não é nem pode ter o efeito de completar ou de modificar a proposta, designadamente a sua substância (atributos, termos ou condições)” (cfr. Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, Vol. 1, Coimbra, 2018, pp. 835-6). No caso dos autos, os esclarecimentos iriam conduzir, inevitavelmente, à alteração da proposta.
Já quanto à solução da regularização da proposta, ela só é válida para aqueles casos em que as irregularidades a ter em conta são as que se devem à preterição de formalidades não essenciais. No caso dos autos estamos perante uma formalidade essencial – entre outras, “aquelas em que um eventual suprimento possa ter repercussão sobre o conteúdo da proposta” (cfr. Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, Vol. 1, Coimbra, 2018, pp. 844 e ss., em especial, p. 847).). Novamente se afirma que, desta feita através da regularização da proposta, iria haver a alateração do conteúdo da proposta, pelo que não se trataria de um caso de preterição de formalidades não essenciais.

Em síntese, dado o regime limitativo de cada uma destas soluções – resultante certamente de uma ponderação de valores e interesses em jogo (v.g., de um lado, favor de participação e aproveitamento dos actos, e, do outro lado, igualdade dos concorrentes e transparência) – há que concluir pela improcedência da pretensão formulada pela A., na parte em que pretende a rectificação oficiosa da sua proposta.

De igual forma, deve concluir-se pela improcedência do seu pedido alternativo de aplicação do artigo 96.º, n.º 5, do CCP. Com efeito, este preceito só será passível de aplicação naquelas situações em que se deva “«salvar» uma proposta que, afinal, contém uma patologia que não vai comunicar-se ao contrato” (cfr. Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, Vol. 1, Coimbra, 2018, p. 900). Acontece que, como atrás visto, não está posto de parte que a solução apresentada pela concorrente A……….. não tivesse como requisitos os já referidos 16GB de RAM, o que implicaria a transmissão da patologia para o contrato a celebrar.

Resta lembrar que a A. chama a atenção para aquilo que considera ser “o percurso procedimental atípico posterior ao relatório final do júri”, o qual lhe “suscita algumas dúvidas” (alegação 18.º da p.i.), Porém, e como bem assinala a R. AR, a A. não retira daqui quaisquer consequências jurídicas (alegações 15.º e 16.º da contestação). Efectivamente, a própria A. diz, na alegação 19.º da sua p.i o seguinte: “No entanto, considerando que a proposta base elaborada pelos adjuntos da Secretaria Geral continha em anexo o relatório final do júri , com alguma benevolência podemos considerar que o despacho de S. Exa. o Sr. Presidente da Assembleia da República, configura a aprovação do relatório final pelo órgão competente para a decisão de contratar prevista no n.º 4 do artigo 124.º do CCP”. Não há, pois, qualquer questão jurídica que deva ser tratada.


2.2. Relativamente à questão da alegada ilegalidade do “despacho da Entidade Demandada que aprovou o relatório final do júri e determinou a exclusão da proposta da Autora e a adjudicação do contrato à proposta da Contrainteressada”, vejamos se assiste razão à A.
Seguidamente serão expostos os seus argumentos. De forma genérica, sustenta a A. que “a Contrainteressada não demonstrou o cumprimento de requisitos obrigatórios previstos no Caderno de Encargos, o que deveria ter determinado a exclusão da sua proposta” (alegação 76.ª da p.i.). De forma mais específica alega que:

(i) Não cumpre o n.º 2 do segmento Armazenamento e preservação do Anexo I a) de resposta requisitos do CE: “Permitir a reposição granular de um ou mais documentos e respetiva meta informação”.

Ora, ao minuto 1:31 do registo áudio das apresentações, o júri do procedimento solicitou à Contrainteressada a demonstração do cumprimento deste requisito de reposição de um documento inadvertidamente apagado, situação recorrente nos serviços da Entidade Demandada, reposição que deveria ser, de acordo com o requisito fixado no caderno encargos, granular, ou seja sem necessidade de restauração de todo o último backup, de forma a não esmagar todas as alterações entretanto efetuadas nos restantes documentos.
Perante este pedido de demonstração, um dos representantes da Contrainteressada começa por responder: “não sei como é o comportamento em termos de backup””.

Ao que se segue uma intervenção do segundo representante da Contrainteressada afirmando que a solução permite a parametrização para que nenhum documento seja efetivamente apagado, deixando apenas de ser visível para o utilizador que procedeu ao seu “apagamento”, sendo que certos utilizadores com permissões especiais manteriam sempre acesso a tais documentos” (alegações 86.ª a 88.ª da p.i.).
Ora, segundo a A., esta solução da parametrização não resolve o problema quando ocorra um efectivo apagamento de informação, intencional ou não, por parte de um utilizador com permissão especial.

Repare-se que o júri do procedimento no relatório final, tentando desmentir o indesmentível, afirma que a perda de um documento nas condições referidas (apagamento por utilizadores com permissões especiais) poderia ser recuperada, não por backup, mas através dos mecanismos de que a Assembleia da República dispõe de replicação da informação para um site de “Disaster Recovery”.

Esta afirmação, além de evidenciar uma vontade de “salvar” a todo o custo a proposta da Contrainteressada, constitui mais uma evidência de que, efetivamente, a solução da Contrainteressada não demonstrou cumprir o requisito”.

Com efeito, o mecanismo de “Disaster Recovery” a que o júri do procedimento faz referência no relatório final não faz parte da solução de gestão documental a adquirir, proposta pela Contrainteressada, sendo tão somente a replicação integral do sistema fornecido noutro servidor existente noutro local e a que conjuntamente se chama “Disaster Recovery”.

Sendo certo que a utilização deste mecanismo, apenas permite uma recuperação global do conjunto dos documentos copiados, tal como um backup integral, e não a reposição granular exigida no Caderno de Encargos” ” (alegações 97.ª a 99.ª da p.i.).

Ora, o Anexo I do Convite, era absolutamente claro ao determinar:

O não cumprimento de qualquer um dos requisitos obrigatórios, bem como a verificação de existência de falsas declarações nas propostas, relativas ao cumprimento dos mesmos, determina a sua exclusão.

Todos os requisitos obrigatórios têm que estar disponíveis no momento da entrega das propostas, sendo passíveis de demonstração na eventual sessão de apresentação da solução.”

Por sua vez, o n.º 5 do artigo 11.º do Convite, determinava:

“5 - A entidade adjudicante excluirá as propostas que se revelem inadequadas à Assembleia da República, nomeadamente por:

a. Prestarem declarações de cumprimento de requisitos, nomeadamente no preenchimento das tabelas de requisitos obrigatórios e facultativos, que não comprovem cumprir;

b. Não cumprirem as condições mínimas de compatibilidade com o sistema informático da AR, tal como previsto no número 4 do CE;

c. Não cumprirem os requisitos obrigatórios constantes do anexo I do CE;

d. Não cumprirem o disposto nas peças do procedimento;

e. Atentarem à dignidade das atribuições parlamentares”.

“Já o artigo 70.º, n.º 2, alínea b) do CCP impõe:

Artigo 70.º

Análise das propostas

(…)

2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:

(…)

b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.os 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49.º;”

Em face do atrás exposto, constata-se que a proposta da Contrainteressada B…….. deveria ter sido objeto de exclusão”.

De tal modo que o ato impugnado, ao admiti-la e adjudicar-lhe o contrato, incorre em manifesta violação das disposições conjugadas do artigo 11.º, n.º 5 alíneas a) e c) e Anexo I do Convite e do artigo 70.º, n.º 2, alínea b) do CCP" (alegações 107.ª a 111.ª da p.i.).

A contra-interessada B……… rejeita este argumento do incumprimento, apresentando vários contra-argumentos, entre os quais, o de que “o sistema Edoclink (de acordo com as opções do cliente no momento e que define a configuração do sistema) pode funcionar em dois modos de controlo dos documentos registados no que à sua remoção diz respeito (…)” – cfr. alegação 55; o de que não foi pedida à contra-interessada uma demonstração mas apenas esclarecimentos; o de que “efetivamente, o representante da Contrainteressada afirmou que «não sabia o comportamento da operação em backup”, “Mas também não disse que o sistema proposto «edoclink» não suportava a possibilidade de reposição individualizada – que era o que estava em causa na questão colocada na sessão de apresentação da solução à Contrainteressada” (alegações 52. e 53.). Na realidade, nada é cristalino nesta questão, desde logo porque o requisito do CE é, ele próprio, algo vago (“1.2.10 – Armazenamento e Preservação; Req. 2; Descrição: Permitir a reposição granular de um ou mais documentos e respetiva meta informação”). De que reposição se trata? De documentos individuais apagados por um utilizador comum mas que ainda se encontram no sistema, e por isso são recuperáveis de forma individual, por exemplo, pelo Administrador do sistema de gestão documental? Ou, contrariamente, da reposição de um documento que foi, de facto, apagado do sistema/base de dados?

Talvez por isso se esgrimam, de lado a lado, argumentos díspares. As próprias perguntas do júri na sessão de demonstração não se mostram muito claras. Seja como for, o que nos parece claro é que a solução proposta pela concorrente B………. permite a primeira hipótese, sendo a segunda hipótese possível através de uma solução de backup implementada a nível da infraestrutura informática da entidade adjudicante, onde ficheiros individuais poderão ser identificados e recuperados desse backup (alegação 59. da contestação). Da leitura dos registos áudio parece poder concluir-se com segurança que o júri considerou que a solução apresentada respondia ao que pretendia, sendo certo que o dito requisito não era particularmente claro quanto ao tipo de exigência em termos de tipo de reposição pretendida. Não existe, desta forma, razão para concluir que a concorrente B……… não cumpriu o requisito em apreço.

(ii) Não cumpre “o requisito obrigatório previsto no n.º 11 do segmento “Requisitos Informáticos” do Anexo I a) Matriz de Resposta a Requisitos do Caderno de Encargos“Permitir, sem prejuízo de outros mecanismos o envio de alertas por email, utilizando protocolos compatíveis com o SIAR, designadamente o SMTP” (alegação 125.ª da p.i.).

Com efeito, afirma a A., “(…) o Caderno de Encargos fixava também como requisito obrigatório no n.º 11 do segmento “Requisitos Informáticos” do Anexo I a) Matriz de Resposta a Requisitos “Permitir, sem prejuízo de outros mecanismos o envio de alertas por email, utilizando protocolos compatíveis com o SIAR, designadamente o SMTP”.

Este requisito destina-se a assegurar que a solução permite avisar os vários utilizadores da solução, através de email, mesmo sem estarem à frente do computador e ligados ao sistema, de que receberam documentos para tratar, analisar ou preencher”.

Durante a apresentação foi solicitado aos representantes da Contrainteressada a demonstração do cumprimento deste requisito”.

No entanto, um dos representantes do concorrente procedeu apenas à (tentativa de) comprovar o cumprimento do requisito através da demonstração de como um utilizador, no seu próprio ambiente de trabalho – portanto, “ligado” ao sistema –, pode verificar a lista de tarefas/documentos pendentes ou por tratar”.

Não demonstrando, nem exibindo, contudo, o template de e-mail de alerta”.

Ora, também aqui a Contrainteressada não demonstrou cumprir o requisito obrigatório da solução, tentando encontrar uma alternativa que se resumiu apenas à possibilidade de o utilizador da aplicação saber da existência de documentos ou tarefas pendentes através do seu ambiente de trabalho dentro da aplicação”.

Aliás, o sentido da introdução deste requisito prende-se, precisamente, com a necessidade de alertar um utilizador que não se encontre “ligado” ao sistema, e por isso o alerta é remetido por email”.

Ou seja, pretende introduzir um mecanismo de notificação do utilizador para que o mesmo, não se encontrando “ligado” ao sistema, tenha conhecimento de que existe, por exemplo, uma tarefa em atraso ou uma nova tarefa pendente”.

De tal modo que, também com este fundamento, deveria a proposta da Contrainteressada ter sido objeto de exclusão, ao invés de adjudicada” (alegações 112.ª a 114.ª, 117.ª a 119.ª, 123.ª-124.ª, 126.ª da p.i.).

Em face do exposto, conclui a A. que a adjudicação da proposta da contra-interessada é ilegal por violação, em relação a ambos os motivos, “das disposições conjugadas do artigo 11.º, n.º 5 alíneas a) e c) e Anexo I do Convite e do artigo 70.º, n.º 2, alínea b) do CCP” (alegações 111.ª e 127.ª da p.i.).

De novo, a contra-interessada B…….. rejeita este argumento do incumprimento dos mencionados dispositivos. E, uma vez mais, a A. funda a sua argumentação em excertos dos registos áudio de onde se poderia extrair a ilação de que os representantes da contra-interessada B…….. não foram capazes de demonstrar que a solução informática que propunham obedecia às exigências do CE. Sucede que também agora essa prova não é muito elucidativa, não sendo claro que, efectivamente, o representante da contra-interessada tenha demonstrado que o sistema de alertas funcionava de acordo com o pretendido no CE.

Vejamos.

A A. entende que não foi cumprida a seguinte exigência contida no convite que foi endereçado aos concorrentes (constante do aviso de abertura mencionado em A)/Matéria de facto):

Anexo I do CE/a) Matriz de Resposta a Requisitos/Requisitos Informáticos/11. Permitir, sem prejuízo de outros mecanismos, o envio de alertas por email, utilizando protocolos compatíveis com o SIAR, designadamente o SMTP”.

Atentemos na proposta apresentada pela concorrente B……… quanto aos item Requisitos Informáticos /11.: O edoclink permite o envio de notificações e alertas por email, podendo utilizar qualquer plataforma de email que suporte o protocolo SMTP”.

Quanto à sessão de demonstração pela B……… deste requisito, o júri do concurso prescindiu de uma demonstração completa (demonstração completa que foi efectuada pela concorrente anterior, conforme se pode constatar circa minuto 30.23 do registo áudio), ao dispensar a comprovação do envio do email de alerta e ao requerer apenas a apresentação do template do dito email de alerta. Sucede que, da audição dos registos aúdio não é líquido que tal template tenha sido exibido pelo representante da contra-interessada. Aliás, das alegações da demandada AR decorre que não houve essa exibição do template, procurando aquela última justificar que esse facto nem era assim tão importante: “109. A este respeito será pertinente referir que a visualização do template do e-mail não era por si só apta a permitir concluir pelo preenchimento do requisito aqui em questão” [negrito nosso]. Mais ainda, a demandada AR afirma o seguinte: “110º Neste contexto, entendeu o júri – e bem – que o normal encaminhamento da exposição para um tema (mostrar template do e-mail), sem terminar a demonstração de eventual tema anterior (resposta ao cumprimento do requisito), não pode penalizar automaticamente o concorrente, pois incumbe ao júri a organização e condução da sessão”; “111º Isto é, também neste caso não ficou demonstrado na apresentação que a solução apresentada pela Contra-interessada na sua proposta não cumpria com o requisito obrigatório acima identificado”; “112º Tendo presente este aspeto, impõe o princípio da boa-fé e da proporcionalidade que apenas nos casos em que de modo algum ficou evidente a impossibilidade de cumprir o requisito que deveria ter sido demonstrado deva concluir-se pela exclusão da proposta, o que não é claramente o caso”. Já quanto ao ponto 13) do relatório final do júri, a sua ambiguidade não permite dele extrair qualquer conclusão com um grau mínimo de certeza.

Vejamos agora.

No Anexo I do convite mencionado no ponto B) da matéria de facto (convite que, na consulta prévia, substitui o programa do procedimento), na parte inicial diz-se o seguinte:

ANEXO I

Modelo de avaliação das propostas

A avaliação comparativa será realizada pelo júri através da análise das propostas e de uma eventual apresentação da solução proposta por cada uma das empresas, a qual decorrerá em data a acordar, nas instalações da Assembleia da República. Em caso de ser solicitada, esta demonstração deverá incidir, sobretudo, na usabilidade da solução proposta nas suas diversas vertentes e na verificação da conformidade de resposta aos requisitos, obrigatórios e facultativos, constantes do anexo I do CE. O não cumprimento de qualquer um dos requisitos obrigatórios, bem como a verificação de existência de falsas declarações nas propostas, relativas ao cumprimento dos mesmos, determina a sua exclusão.

Todos os requisitos obrigatórios têm que estar disponíveis no momento da entrega das propostas, sendo passiveis de demonstração na eventual sessão de apresentação da solução. Será considerado como integrando o crime de falsas declarações a alegação que a funcionalidade será desenvolvida em fase de execução do projeto, implicando a exclusão da proposta” (cfr. ponto C) da matéria de facto). [negrito e sublinhado nossos]

Como foi já dito, o júri permitiu que o representante da contra-interessada não fizesse a demonstração completa da verificação do requisito ao dispensar a comprovação do envio do email de alerta e ao requerer apenas a apresentação do template do dito email de alerta. Tudo indica, porém, que nem sequer esse template foi exibido, ou seja, não foi cumprida, de forma directa, uma exigência contida no Modelo de avaliação das propostas previsto no Anexo I do convite (que equivale ao programa do procedimento), e, indirectamente, o requisito contido no ponto 11. do CE.
O júri não teve, pois, como saber se a solução informática apresentada pela concorrente B……… funcionava (não ficou comprovada a sua usabilidade), e, no entanto, entendeu adjudicar o contrato à agora contra-interessada B……... Com isto, o júri do concurso, já após o final do prazo de apresentação das propostas, desaplicou o ponto 11. do CE (“Requisitos informáticos”), alterando, deste modo, um aspecto relacionado com uma especificação técnica com influência no processo de classificação e avaliação das propostas. Especificação técnica que a entidade adjudicante descreveu no CE, formulando, com ela, uma exigência de desempenho ou de requisitos funcionais (cfr. Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, Vol. 1, Coimbra, 2018, pp. 602 e 620) e relativamente à qual cominou o respectivo incumprimento com a exclusão da proposta.

Seja como for, independentemente, portanto, desta actuação ilegal da entidade adjudicante, a A. tem razão quando sustenta que não foi cumprida uma exigência contida no CE, não tendo a contrainteressada demonstrado que a sua solução técnica e funcional a cumpria, sendo certo que, enquanto autora ou criadora da dita solução, só ela poderia fazer essa demonstração (argumento que, de certa forma, a própria contra-interessada utiliza para, a propósito da primeira questão aqui tratada, argumentar que apenas a A., enquanto fabricante da solução, poderia demonstrar qual a memória necessária para a execução do sistema que fornece). Nem por isso, todavia, se pode concluir que se encontra violado o artigo 70.º, n.º 2, al. b) do CCP). Efectivamente, dispõe este preceito que “2 - São excluídas as propostas cuja análise revele: (…) b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.os 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49.º”. Ora, o ponto 11. do CE (“Requisitos informáticos”) diz respeito a uma especificação técnica que constitui uma cláusula sobre o objecto do contrato e não sobre os aspectos de execução do contrato, relativa, portanto, à execução das prestações contratuais.

Mas, será que, mesmo assim, a decisão de adjudicar a proposta da contrainteressada pode ser impugnada por incumprimento da especificação técnica em questão?
Entendemos que sim. Com efeito, tendo a A. invocado uma determinada causa de pedir, não pode o tribunal substituí-la por uma outra. Porém, invocada uma certa causa com uma determinada qualificação jurídica, já pode o tribunal qualificar de forma distinta, do ponto de vista jurídico, a realidade alegada. E é justamente isso que deverá ser feito. O incumprimento do ponto 11. do CE implica a exclusão da proposta da contrainteressada nos termos do Modelo de avaliação das propostas previsto no Anexo I do convite (que vale como o programa do procedimento).

Em jeito de alternativa ou sucedâneo argumentativo, acrescenta a demandada AR, “113º De todo o modo, tal como de resto acima ficou referido, ainda que sobre esta questão se levantassem quaisquer dúvidas, entende a Ré que seria esta também uma situação em que, aplicando o princípio consignado no n.º 5 do artigo 96.º do CCP, se poderia concluir pela prevalência do caderno de encargos sobre a proposta e, consequentemente, pela sua não exclusão do procedimento”; “114º É que também aqui não decorre da apresentação levada a cabo pela Contrainteressada, em momento algum, que a solução por esta apresentada não seja apta a cumprir com o requisito «Permitir, sem prejuízo de outros mecanismos o envio de alertas por e-mail, utilizando protocolos compatíveis com o SIAR, designadamente o SMPT»”.

Não procede, todavia, este argumento. Não estamos aqui em face de uma contradição ou divergência entre o disposto no CE e na proposta. Antes estamos perante uma situação em que a concorrente/adjudicatária não logrou demonstrar que a sua proposta cumpria um dos requisitos obrigatórios do CE. Por conseguinte, a sua proposta deveria ter sido excluída, neste particular aspecto tendo razão a A., devendo proceder este segmento da acção que propôs.

Em face de todo o exposto, deve ser anulado o despacho da Entidade Demandada que autorizou a adjudicação proposta (e, com ela, que aprovou o relatório final do júri que determinou a exclusão, entre outras, da proposta da A. e que determinou a adjudicação do contrato à proposta da contrainteressada B………).

Presente que, excluída agora a proposta da contrainteressada, e excluídas que já estavam as propostas apresentadas, na sequência do convite da entidade adjudicante, pelas restantes concorrentes, deverá aplicar-se o disposto no artigo 79.º, n.º 1, al. b), do CCP – não sendo aplicáveis, in casu, a al. c) do n.º 2 e o n.º 3 do mesmo preceito. Deve, por esta forma, dar-se por extinto o procedimento concursal.


III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em julgar procedente o pedido subsidiário, anulando o acto de adjudicação e declarando extinto o procedimento.


Custas pelas entidades demandadas.

Lisboa, 11 de Julho de 2019. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.