Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0604/16.0BEBJA
Data do Acordão:01/16/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
OBJECTO DO RECURSO
Sumário:I - Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) que o recorrente entenda afectar tal apreciação.
II- Se o recorrente não ataca a decisão em que se entendeu julgar procedente a excepção de caducidade do direito de deduzir impugnação judicial e se limita a invocar a alegada ilegalidade da liquidação efectuada, o Supremo Tribunal Administrativo não pode alterar aquela decisão quanto ao nela decidido sobre tal matéria, já que o recurso carece de objecto e a sentença transitou em julgado.
Nº Convencional:JSTA000P24094
Nº do Documento:SA2201901160604/16
Recorrente:AGDA - ÁGUAS PÚBLICAS DO ALENTEJO, SA
Recorrido 1:ASSOCIAÇÃO DE REGANTES E BENEFICIÁRIOS DE CAMPILHAS E DO ALTO SADO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem AGDA- Águas Públicas do Alentejo, recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que absolveu da instância a recorrida, Associação de Regantes e Beneficiários de Campilhas e Alto Sado, por caducidade direito de ação/impugnação judicial.


2 –Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A. O n.º 1 do art.º 69º-A do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redação conferida pelo Decreto-Lei 86/2002, de 06/04, determina que pela utilização da obra hidroagrícola para fins não agrícolas é devida uma taxa de conservação e exploração nos termos a fixar pelo Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural sob proposta do IHERA – ora DGADR.
B. Por via do Decreto-Lei 169/2005, de 26 de setembro, é alterado o art.º 107º do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redação conferida pelo Decreto-Lei 86/2002, de 06/04, o qual determina, sem mais, a manutenção em vigor da legislação complementar (caduca) aplicável aos empreendimentos hidroagrícolas, pese embora o hiato de tempo decorrido e ainda a colisão de algumas normas com o “novo” regime legal instituído.
C. Não poderemos inferir do teor do Decreto-Lei 169/2005 que estamos perante uma “revogação” do regime consagrado pela redação do Decreto-Lei 86/2002, de 06 de abril e, consequentemente, de uma “repristinação” do regime legal anterior.
D. A norma constante do n.º 1 do art.º 107º do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redacção conferida pelo Decreto-Lei 169/2005, de 26/09, não pode ser interpretada como uma derrogação de todo o regime inovatório introduzido pelo Decreto-Lei 86/2002, mas antes como uma medida de recurso para evitar “males maiores” que adviriam da ausência de instrumentos jurídicos de gestão dos empreendimentos hidroagrícolas.
E. A intenção do legislador apenas pode ser interpretada no seguinte sentido: o prazo concedido pelo Decreto-Lei 86/2002 para a revisão da legislação complementar do regime jurídico dos aproveitamentos hidroagrícolas – 180 dias – havia há muito expirado, o que colocava em “crise” muitos empreendimentos, por via da caducidade dos respetivos instrumentos jurídicos de gestão.
F. Também a impugnante e ora recorrente é titular de um contrato de concessão para a captação de água na albufeira do Monte da Rocha, para o abastecimento às populações, o qual tem o número 3/CSP/SD/2012.
G. Esse contrato, emitido de acordo com os preceitos constantes da Lei da Água (Lei 58/2005, de 29 de dezembro) e legislação complementar (Decreto-Lei 226-A/2007 entre outros), obriga, de facto, a ora recorrente à comparticipação nas despesas originadas com a conservação, manutenção e exploração da barragem do Monte da Rocha (cfr. cláusula 13ª do contrato junto com a PI).
H. Se os termos da TEC se mostrassem definidos nos termos constantes do n.º1 do art.º 69º-A do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redação conferida pelo Decreto-Lei 86/2002, de 06/04, não fazia qualquer sentido aquela cláusula, pois bastaria a remissão para a lei!
I. Mas tais termos não se encontram definidos pela entidade competente – O Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.
J. Logo, a liquidação da TEC efetuada pela ora recorrida é ilegal, pois embora a ARBCAS seja a entidade competente para a liquidação e cobrança das taxas devidas pela utilização da obra hidroagrícola de Campilhas e Alto Sado, não lhe compete a fixação de tal taxa, quando em questão está o abastecimento público de água.
K. A TEC liquidada pela recorrida foi-o com base em termos estabelecidos pela sua Assembleia Geral e Regulamento e não nos termos do n.º 1 do art.º 69º-A do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redação conferida pelo Decreto-Lei 86/2002, de 06/04.
L. A ratio legis por detrás do regime instituído pelo art.º 69º-A, acima referido, visa, precisamente, prevenir a ocorrência de abusos como os que se verificam no caso sub iudice.
M. No caso concreto da ora recorrente, a única infraestrutura da obra hidroagrícola de que beneficia – e que por tal benefício será obrigada ao pagamento de uma TEC – é a barragem em si.
N. É a ora recorrente que capta diretamente, no plano da albufeira, a água que posteriormente trata e fornece aos concelhos de Ourique e Castro Verde.
O. Todos os meios necessários a essa captação são próprios da recorrente – torre de captação, bombas, quadros elétricos, tubagens, etc.
P. Por essa razão, o seu contrato de concessão a obriga a comparticipar nas despesas de conservação, manutenção e exploração, apenas da barragem do Monte da Rocha e não da totalidade do aproveitamento hidroagrícola.
Q. Por esta razão, quando está em causa o abastecimento público de água para consumo humano, a definição dos termos da TEC foi afastada das competências das entidades gestoras das obras hidroagrícolas e “avocada” pelo Ministério da Agricultura.
R. Está em causa uma atividade de reconhecido interesse público (o abastecimento público de água para consumo humano), a qual não pode ficar “refém” de decisões tomadas em assembleias gerais das entidades gestoras das obras hidroagrícolas, nas quais as entidades que gerem o abastecimento público de água para consumo humano não têm assento!
S. A TEC liquidada pela recorrida à recorrente, torna esta última uma das maiores, “contribuintes” da obra de Campilhas e Alto Sado.
T. Quando, na verdade, a recorrente apenas beneficia da barragem.
U. Precisamente porque todos estes fatores têm que ser tidos em consideração, os termos da TEC, quando está em causa o abastecimento público de água, foram afastados das competências das entidades gestoras das obras hidroagrícolas.
V. A recorrente reconhece que algo tem a pagar à recorrida a título de comparticipação nas despesas de conservação, manutenção e exploração da barragem do Monte da Rocha, mas não a TEC que a ARBCAS liquidou.
W. De facto, a ARBCAS tem competência para liquidar taxas que são devidas pela utilização da obra hidroagrícola, nos termos do seu contrato de concessão, assim como para fixar as mesmas.
X. Contudo, não tem competência para fixar os termos da TEC devida para as atividades não agrícolas, mormente o abastecimento público de água para consumo humano, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 69º - A do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redação conferida pelo Decreto-Lei 86/2002, de 06/04.
Y. Ao fazê-lo, como fez, usurpou competências que incumbem ao Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e do Desenvolvimento Rural e das Pescas.
Z. Logo, os atos de liquidação praticados estão feridos de nulidade e, consequentemente, não podem manter-se na ordem jurídica.
Nestes termos e nos mais de direito, deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que confirme que os atos de liquidação praticados pela Associação de Regantes e Beneficiários de Campilhas e Alto Sado se encontram feridos de nulidade, não podendo, por isso, subsistir na ordem jurídica.»

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer, que, na parte mais relevante, se transcreve:
«(….) Os recursos jurisdicionais têm por escopo a reanálise de questões já decididas por um tribunal hierarquicamente inferior.
Assim, salvo questões de conhecimento oficioso, o tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas, apenas suscitadas pelo recorrente, em sede de recurso e que não foram apreciadas pelo tribunal recorrido.
Ora, como resulta dos autos e já se referiu, a sentença recorrida julgou verificada a exceção de intempestividade do pedido (caducidade do direito de ação), sendo certo que a recorrente sobre essa decisão, como deflui das conclusões de recurso, é, manifesta e absolutamente, omissa.
A recorrente tinha o ónus da atacar a sentença recorrida, fundamentando de jure por que razão não acorreria a apontada exceção, sendo certo que sobre tal matéria nada disse.
De facto, a recorrente, limita-se a sustentar a verificação dos vícios que havia imputado à liquidação sindicada na PI e sobre os quais a decisão recorrida não se pronunciou, pelo facto do seu conhecimento ter ficado prejudicado pela verificação da apontada exceção de caducidade do direito de impugnação.
Assim, não tendo a recorrente tentado demonstrar os vícios ou erros que afetam o julgado, o recurso não pode proceder (Sobre questão similar, acórdão do STA, de 24/01/2018-P. 01496/17.
3.CONCLUSÃO.
Deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.»

4 – A recorrida apresentou contra-alegações, que se encontram juntas a fls. 304 e seguintes alegando em síntese, que a sentença proferida julgou procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de impugnação, absolvendo a recorrida da instância, sendo que a recorrente não coloca em crise os respectivos fundamentos, concluindo que com os mesmos se conformou e que o recurso apresentado deve ser liminarmente rejeitado.
Subsidiariamente, sustenta ainda que as liquidações não são o pagamento de um preço por água consumida e que as facturas plasmam a cobrança de uma taxa de exploração e conservação, faculdade legal e contratualmente consagrada à recorrida.

Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5- Do objecto do recurso:
Pretende a recorrente que a sentença recorrida seja substituída por outra que confirme que os actos de liquidação praticados pela Associação de Regantes e Beneficiários de Campilhas e Alto Sado se encontram feridos de nulidade, não podendo, por isso, subsistir na ordem jurídica.

Resulta dos autos que estando em causa uma impugnação judicial contra a liquidação da taxa de exploração e conservação efectuada pela Associação de Regantes e Beneficiários de Campilhas e Alto Sado a sentença recorrida julgou verificada a excepção de intempestividade do pedido (caducidade do direito de ação),no entendimento de que, à data em que deu entrada a petição inicial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja já se encontrava esgotado o prazo de impugnação judicial a que alude o artº 102º, nº 1, al. a) do CPPT.
Em consequência, julgando procedente a invocada excepção da caducidade do direito de deduzir impugnação judicial, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja absolveu a Associação de Beneficiários de Campilhas e Alto Sado da instância.
E foi apenas sobre esta questão da invocada caducidade do direito de deduzir impugnação judicial que se pronunciou a decisão recorrida.

Sucede que, como bem notam a recorrida e o Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo, nas alegações de recurso e nas respectivas a recorrente olvida por completo este julgamento e não ataca esta fundamentação da sentença recorrida, limitando-se a invocar a alegada ilegalidade da liquidação efectuada, não questionando a decisão recorrida pelo facto de ter julgado caducado o direito de deduzir impugnação judicial.
Ora, no caso em apreço, para impugnar eficazmente, em recurso jurisdicional, a decisão em que se entendeu julgar procedente a excepção de caducidade do direito de deduzir impugnação judicial, a recorrente haveria de atacar a sentença quanto a este fundamento.
Se não o faz, como não fez, não pode o tribunal de recurso alterar aquela decisão quanto ao nela decidido sobre tal matéria, já que o recurso carece de objecto e a sentença transitou em julgado.

Consequentemente, não pode agora este Supremo Tribunal Administrativo, por para tanto não lhe assistir poder jurisdicional, conhecer de qualquer outra questão suscitada, mesmo que do conhecimento oficioso.

Ou seja, não dirigindo o recorrente um ataque directo à sentença recorrida, fica o Tribunal de recurso impedido de conhecer do mesmo recurso por ocorrer caso julgado relativamente às questões decididas - – cf. neste sentido Acórdãos desta Secção de 10.12.2014, recurso 1091/14, de 29.10.2014, recurso 833/14, de 01.10.2014, recursos 838/14 e 466/14, de 15/05/2013, recurso n.º 0508/13, de 13.11.2013, recurso 1020/13, de 28.11.2012, recurso 598/12, de 24.10.2012, recurso 696/12, de 17.10.2012, recurso 583/12, de 14.04.2010, recurso 677/09, de 14.10.2009, recurso 492/09, e de 11.05.2005, recurso 1166/04, todos in www.dgsi.pt.

Nestas condições, é manifesto que seria absolutamente inútil apreciar os fundamentos do recurso invocados pelo recorrente, pois, mesmo que se lhe reconhecesse razão na sua totalidade, sempre teria de permanecer intocada, por inatacada, a decisão da 1.ª Instância que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de deduzir impugnação judicial,
6. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do recurso.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 16 de janeiro de 2019. – Pedro Delgado (relator) – Dulce Neto – Francisco Rothes.